quinta-feira, 11 de outubro de 2012

SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO - PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A SANÇÃO DISCIPLINAR – RETRIBUIÇÃO - USO DE VEÍCULO AUTOMÓVEL



576/12.0TTLSB-A.L1-4    16.05.2012     TRL


I- O que releva, para o efeito de contagem do prazo de caducidade a que se refere o n.º 1 do artigo 357º do Código do Trabalho de 2009, é a prolação da decisão em si, e não a data em que o trabalhador tem conhecimento da decisão final sobre o despedimento.
II- A atribuição a um trabalhador de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade empregadora, para o serviço e para o uso particular, constitui ou não retribuição conforme se prove que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância.
III- Em sede de providência cautelar de suspensão do despedimento, se a entidade empregadora não logra provar, recaindo sobre ela o respectivo ónus, que se verificou esse acto de mera tolerância, ou que, revestindo essa utilização carácter retributivo, manifestou a vontade, perante o trabalhador, de o compensar financeiramente pelo uso pessoal da viatura, como forma de não diminuir a retribuição, há que considerar, em termos indiciários, a recusa da entrega da viatura como não integrante de infracção disciplinar.

AA instaurou, no 2º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, contra BANCO BB SA a presente providência cautelar, pedindo que se decrete a suspensão do seu despedimento.
Alegou, para tanto e em síntese, que o direito de aplicar a sanção disciplinar caducou, e que não praticou qualquer infracção disciplinar, porquanto foi despedido por alegadamente se ter recusado a cumprir uma ordem de restituição da viatura de serviço que lhe havia sido distribuída, quando a atribuição dessa viatura constitui retribuição em espécie, pelo que aquela ordem do requerido é ilegítima e por isso não lhe devia obediência.
O requerido deduziu oposição, defendendo que se não verifica a caducidade da acção disciplinar e que o comportamento do requerente configura uma violação do seu dever de obediência, tendo tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, constituindo justa causa para o despedimento.
Foi realizada a audiência final a que se refere o artº 36º do C.P.T.
Após, o Sr. Juiz proferiu decisão, deferindo a providência e decretando a requerida suspensão do despedimento.
x
Inconformado, o requerido veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
O requerente contra-alegou e veio interpor recurso subordinado, terminando com as seguintes conclusões:
(…)
O requerido contra-alegou.
Foram dispensados os vistos legais.
x
Definindo-se o âmbito dos recursos pelas suas conclusões, temos, como questões em discussão:
- no recurso principal:
- a nulidade da sentença;
- se se verifica a probabilidade séria de ilicitude do despedimento;
- no recurso subordinado:
- se se verifica a caducidade do procedimento disciplinar.
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Na 1ª instância foram julgados indiciariamente provados, com interesse para a decisão da providência, os seguintes factos, não objecto de impugnação:
1- O requerente AA foi admitido ao serviço do requerido Banco BB, S.A. em 15/11/1995, e desde então passou a trabalhar sob as suas ordens, direção e fiscalização, como Director da Divisão de Crédito Especializado, e mediante contrapartida em dinheiro.
2- A admissão do requerente ao serviço do requerido foi-lhe comunicada por este através da carta cuja cópia se acha a fls. 80, na qual o requerido lhe transmite nomeadamente o que segue:
“Na sequência dos contactos mantidos, temos o prazer de lhe comunicar que concluímos que reúne as características e qualificações para ingresso no Banco BB, SA.
Nesse sentido, estamos na disposição de o contratar com a categoria de Director, a partir de 15.11.95, nas seguintes condições:
- Vencimento mensal (...)
- Prémios e regalias sociais (...)
O cargo em causa pressupõe a utilização de uma viatura no valor aproximado de 4.500.000$00. (...)”
3- Desde a sua admissão ao serviço do requerido que o requerente usou a viatura que aquele lhe atribuiu, quer para uso profissional, quer para uso particular e pessoal, nomeadamente nas deslocações entre a sua casa e o seu local de trabalho, aos fins-de-semana e em férias ...
4- ... suportando o requerido todas as despesas inerentes ao mesmo veículo.
5- Presentemente o requerente tem em seu poder o veículo da marca Opel, modelo Insignia CDTI 2000 com a matrícula 00-00-00.
6- Em 10/09/2010 a requerida aprovou a “Instrução de Serviço nº 11/04” cuja cópia consta de fls. 11 a 14 do procedimento disciplinar apenso.
7- Em 21/01/2011 a requerida aprovou a “Instrução de Serviço nº 11/04” cuja cópia consta de fls. 16 a 19 do procedimento disciplinar apenso.
8- Em 16/03/2011 o Conselho de Administração do requerido aprovou a deliberação cuja cópia consta de fls. 21 do procedimento disciplinar apenso do procedimento disciplinar apenso, na qual, reportando-se ao “Assunto: Viaturas” e com o subtítulo de “Aplicação da Instrução de Serviço nº 11/04 de 21/01/2011” decide, nomeadamente, “Instruir a DRH” (Direção de Recursos Humanos) “para dar execução e coordenar a execução, pelos demais Departamentos que hajam de ter intervenção, das Deliberações deste Conselho no que se refere ao assunto em epígrafe, devendo toda a execução estar finalizada até ao fim do próximo mês de Abril”, e bem assim “Aprovar o projecto de Carta a remeter pela DRH a cada um dos empregados que, por aplicação da Instrução de Serviço em epígrafe, terá a sua situação, quanto à utilização da viatura do Banco, modificada.”
9- Em 25/03/2011 o requerido entregou ao requerente a carta cuja cópia consta de fls. 26 e 27 do procedimento disciplinar apenso, na qual lhe transmite o que segue:
“(...)
Como é do seu conhecimento, foi publicada, no passado dia 21 de Janeiro, a Instrução de Serviço, referenciada em epígrafe.
Desde então, tem vindo a DRH, em conjunto com cada uma das Direções e Departamentos do Banco (e do Grupo), a dar execução à aplicação das regras e procedimentos estabelecidos no referido normativo, o que culminou com uma Proposta, abrangendo todo o Grupo BPN, que foi submetida à apreciação do Conselho de Administração, o qual sobre a mesma proferiu a competente deliberação.
É o resultado dessa deliberação do Conselho de Administração, que agora nos cumpre comunicar ao Colega, na parte que lhe respeita, o que faremos seguidamente, não sem antes, ainda de acordo com a orientação do Conselho de Administração, transmitir, sumariamente, as razões que justificam a Instrução de Serviço e a ulterior deliberação em conformidade.
O Conselho de Administração constatou, desde há muito, que as normas de atribuição, distribuição e utilização de viaturas no Grupo BPN, são incompatíveis com a situação do Grupo, de todos conhecida e nem sequer estão de acordo com as melhores práticas seguidas na restante Banca, pelo que há muito se impõe proceder à sua revisão.
No contexto de um programa mais geral de resolução de custos impõe-se proceder a uma mais criteriosa atribuição, distribuição e utilização de viaturas, dados os custos muito significativos e incomportáveis para o Grupo BPN, que estão a ser suportados.
A atribuição, distribuição e utilização de viaturas será feita agora, como se estabelece na Instrução de Serviço, tendo por base critérios de maximização da eficiência, produtividade, controlo de custos e monitorização orçamental.
Nas viaturas de afectação pessoal adoptam-se os mesmos critérios atrás referidos, com especial ênfase para o critério da necessidade de utilização da viatura para o exercício da actividade e o do mérito do destinatário.
Fica assegurado que, sempre que o serviço o exija, o Banco porá à disposição, nos termos previstos na Instrução de Serviço, a adequada viatura, de modo a que as novas regras sobre viaturas não prejudiquem o serviço.
Nestes termos foi considerado que, por força da necessária aplicação da Instrução de Serviço em causa, no seu caso concreto, não poderá continuar a usufruir da viatura de matrícula 00-00-00 nos termos em que até agora vem usufruindo.
Assim, vimos para todos os efeitos, comunicar que, de acordo com a competente deliberação do Conselho de Administração, terá de proceder à entrega da referida viatura e respectivos documentos e acessórios até ao dia 08/04/2011 na seguinte morada: (…) (000000).”
10- O requerente recebeu a carta mencionada em 9-.
11-Em 05/04/2011 o requerente enviou ao requerido a carta datada de 31/03/2011 na qual, reportando-se à carta referida em 10-, que transmite o que segue:
“Acuso a recepção da vossa carta com data de 25 de Março de 2011 em que informam não poder usufruir para o futuro a viatura de matrícula 00-00-00, que tenho utilizado ininterruptamente desde 30 de Julho de 2009.
Estranhamente sendo esta viatura um activo do Banco BB, esta carta não está assinada por nenhum seu Administrador.
1. No dia 25 de Setembro de 1995 fui convidado por dois Administradores do Banco BB para nele ingressar, mediante a proposta de um conjunto de condições remuneratórias que de seguida apresento:
(...)
“O cargo em causa pressupõe a utilização de uma viatura no valor aproximado de 4.500.000$00”
2. A Instrução de Serviço nº 11/04 de 21/02/2011 estabelece as regras de Atribuição, Utilização e Cessação de Utilização de viaturas de serviço no âmbito das Empresas do Grupo BPN.
Acresce que a Instrução de Serviço no 11/04 de 21/01/2011 é clara quando refere:
“Viaturas de serviço a título de afectação pessoal
Directores, primeiros Responsáveis por Direcção: Viaturas do actual escalão A”
Conforme atrás referido, fui contratado em Novembro de 1995 com a categoria de Director, categoria profissional que exerço desde então.
3. Incorre do atrás dito que a utilização da viatura que tem sido disponibilizada ao longo destes anos constitui um valor patrimonial do meu agregado familiar, isto por nunca ter sido estipulado pelos diversos Administradores do Banco qualquer ordem de limitações temporais ou territoriais à sua utilização.
Consequentemente a utilização das diversas viaturas a mim alocadas configura uma autêntica remuneração, sob a natureza de remuneração em espécie.
A retirada dessa remuneração que agora me está a ser comunicada pela carta de 25 de Março não altera nem pode alterar o valor fundamental de me ter sido conferido pelas sucessivas Administrações do Banco BB posteriores a 1995 um determinado valor patrimonial resultante da utilização sem restrições de diversas viaturas ao longo destes dezasseis anos.
Sendo interdito por lei à entidade patronal retirar remuneração contratualmente definida a um trabalhador sem o consentimento deste e em consequência deste facto deverei e terei que ser indemnizado do valor patrimonial que agora me vai ser retirado.
O valor estimado de Aluguer Operacional de uma viatura Opel Insignia CDTI 2000(modelo da viatura com matrícula 00-00-00 que utilizo presentemente) é me indicado pela firma Santander Consumer Mutirent (empresa líder mundial no mercado de AOV de viaturas ligeiras) como sendo de 857,21 euros mensais (anexo 2).
Concluindo
Deve ser acrescentado mensalmente 857,21 euros ao meu recibo de vencimento posteriormente ao dia 8 de Abril de 2011, data que foi estipulada para entrega da viatura com matrícula 00-00-00.
(...)”
12-O requerido recebeu a carta mencionada em 11- no dia 06/04/2011.
13-O requerido não respondeu à carta mencionada em 11-.
14-O requerente não entregou ao requerido a viatura 00-00-00.
15-Em 06/06/2011 o requerido proferiu o “despacho interno” que se acha a fls. 1 do procedimento disciplinar apenso, no qual determina a instauração de procedimento disciplinar contra o requerente, com vista ao seu eventual despedimento, nomeando instrutores para o mesmo, e bem assim determinando que o requerente seja “preventivamente suspenso do exercício de funções”.
16-Em 08 de Junho de 2011 dois dos instrutores do procedimento disciplinar apenso elaboraram a “nota de culpa” constante de fls. 2 a 9 do mesmo procedimento.
17-Em 09/06/2011 os mesmos instrutores referidos em 16- enviaram ao requerente a carta cuja cópia se acha a fls. 29 do procedimento disciplinar apenso, na qual lhe comunicam que o requerido decidiu instaurar-lhe um procedimento disciplinar com intenção de despedimento.
18-Juntamente com a carta referida em 17-, os srs. Instrutores referidos em 16- enviaram ao requerente cópia da ”nota de culpa” ali referida.
19-A carta referida em 17- foi enviada para a Av. 5 de Outubro 000 4o, em Lisboa, tendo sido devolvida pelos CTT.
20-Em 17/06/2011 os srs. instrutores referidos em 16- reenviaram os escritos mencionados em 17- para a Av. 5 de Outubro, (…), 000 Dto, em Lisboa.
21-A carta referida em 20- foi recebida pelo requerente no dia 28/06/2011.
22-Em resposta à carta mencionada em 20- o requerente enviou ao requerido a comunicação escrita cuja cópia se acha a fls. 35 a 56 do procedimento disciplinar apenso, na qual se pronunciou sobre a “nota de culpa” referida em 16- e requereu várias diligências de prova nomeadamente a inquirição de testemunhas.
23-A comunicação escrita mencionada em 22- foi subscrita por advogada, a quem a Requerente outorgou a procuração que se acha a fls. 64 do procedimento cautelar apenso.
24-Em 20/07/2011 duas instrutoras do procedimento disciplinar apenso proferiram o “despacho” que se acha a fls. 65 do mesmo, no qual agendam a inquirição das testemunhas indicadas pelo requerente.
25-Na sequência de interpelação da ilustre mandatária do requerente, as sras instrutoras referidas em 25- proferiram o “despacho” que se acha a fls. 80 do mesmo procedimento disciplinar, retificando datas constantes do “despacho” referido em 24-.
26- As testemunhas arroladas pelo requerente vieram a ser inquiridas nos dias 28/07/2011, 02/08/2011, 25/08/2011, e 25/10/2011.
27-No dia 12/10/2011 uma das instrutoras do procedimento disciplinar apenso proferiu o “despacho” que consta de fls. 148 a 150 do mesmo, no qual, nomeadamente, considerou improcedente a caducidade invocada pelo requerente na resposta à “nota de culpa”, indeferiu a pretensão do requerente no sentido de serem juntas ao procedimento disciplinar cópia de cartas enviadas a outros trabalhadores, no sentido de restituírem viaturas de serviço, bem como no sentido de juntar aos autos cópia de um jornal, e instou o requerido a juntar ao mesmo procedimento disciplinar cópia dos contratos de aluguer relativos às viaturas de serviço que o requerente foi utilizando ao longo do tempo.
28-Em 04/11/20111 uma das instrutoras do procedimento disciplinar apenso proferiu o “despacho” que se acha a fls. 173 e 174 do mesmo procedimento, indicando quais as informações que foram recolhidas quanto às viaturas utilizadas pelo autor nomeadamente que “(...)relativamente às viaturas do Dr. AA, só existem dois contratos. É um facto que desde a sua entrada para o Banco sempre teve viatura de serviço. Antes de 2004/2005 as viaturas eram pertença do próprio Banco. Na situação do Dr. AA, registamos um primeiro contrato com o BPN AUTO datado de Julho de 2006 sendo o mais recente efectuado com a Efisacar e datado de Julho de 2009”.
29-No mesmo “despacho” referido em 28- a sra instrutora que o redigiu concedeu ao requerido e à sua ilustre mandatária o prazo de 10 dias para, querendo se pronunciarem sobre a documentação mencionada no mesmo despacho.
30-O “despacho” referido em 28- foi comunicado ao requerente por carta que este recebeu em 11/11/2011.
31-O mesmo “despacho” foi enviado à ilustre mandatária do requerente, por fax, em 07/11/2011.
32-Em 25/11/2011 a sra instrutora mencionada em 28- elaborou o escrito intitulado “RELATÓRIO FINAL DE INSTRUTORES (PROPOSTA DE DECISÃO FINAL)”, que se acha a fls. 197 a 217 do procedimento disciplinar apenso, no qual conclui ter o requerente praticado infração disciplinar que consubstancia “justa causa de despedimento”, e propõe que lhe seja aplicada a “sanção disciplinar de despedimento com justa causa”.
33-Em 20/12/2011, o Conselho de Administração do requerido emitiu a deliberação que consta de fls. 219 e 220 do procedimento disciplinar apenso, na qual declara que “concorda com a apreciação factual dada como provada pela Instrutora, bem como com a relevância disciplinar que essa matéria encerra, nos termos e pelos fundamentos constantes do Relatório Final dos Instrutores” e decide “pela aplicação de uma sanção disciplinar de despedimento com justa causa sem qualquer indemnização ou compensação”.
34-Em 22/12/2011 o requerido enviou ao requerente a carta datada de 21/12/2011 cuja cópia se acha a fls. 221 do procedimento disciplinar apenso, na qual o informa de que decidiu aplicar-lhe a “sanção de despedimento com justa causa”.
35-Juntamente com a carta referida em 34-, o requerido enviou ao requerente cópia dos escritos referidos em 32- e 33-.
36-A carta e os escritos referidos em 34- e 35- foram enviados para a Av. 5 de Outubro nº 000, 4º em Lisboa, e foram devolvidos ao requerido.
37-Na mesma data referida em 34- O requerido enviou à ilustre mandatária do requerente cópia da carta e dos escritos referidos em 33- e 34-.
38-Em 29/12/2011 o requerido reenviou ao requerente a carta e os escritos mencionados em 34- e 35-, desta vez para a Av. 5 de Outubro, nº 000, 5º D.
39-O requerente recebeu a carta e os escritos mencionados em 38- no dia 30/12/2011.
40-O requerido não moveu contra o requerente qualquer outro procedimento disciplinar para além daquele que se acha apenso aos presentes autos.
41-O requerente reside na Av. 5 de Outubro no 000, 5º Dtº, em Lisboa.
42-O requerido tem conhecimento do referido em 41- pelo menos desde maio de 2010.
43-O requerido não tem comissão de trabalhadores.
44-O requerente não é nem alguma vez foi dirigente sindical.
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O direito:
- o recurso subordinado:
Há que conhecer primeiro deste recurso, dado que está em causa a caducidade do direito de aplicar a sanção, prejudicial em relação á questão de se saber se está verificada a probabilidade séria de ilicitude do despedimento.
Antes de mais, importa referir que, atenta a data de ocorrência dos factos e do início do procedimento para despedimento, encontra aqui aplicação o Código do Trabalho (CT) aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/2, bem como as alterações ao Cod. Proc. Trabalho (CPT) efectuadas pelo Dec-Lei nº 295/2009, de 13/10.
A sentença recorrida considerou que o prazo previsto no artº 357º, nº 1, do CT de 2009 se inicia no dia subsequente à última diligência probatória, e interrompe-se com a prolação da decisão disciplinar, independentemente da data em que ocorra a comunicação dessa decisão ao trabalhador arguido
Tal não é o entendimento do requerente, que sustenta que se impõe que a decisão de despedimento chegue ao efectivo conhecimento do trabalhador dentro desse prazo de trinta dias a que alude tal disposição legal.
Sem razão, contudo.
Como se refere na sentença, no caso dos autos a última diligência instrutória do procedimento disciplinar consistiu na concessão de prazo ao requerente para, querendo, se pronunciar sobre as informações recolhidas relativamente aos contratos de aluguer da viatura cedida ao requerente, tendo esta decisão sido comunicada ao requerente por carta que este recebeu em 11 de Novembro de 2011, pelo que este prazo terminou no dia 21 de Novembro de 2011.
Tal significa que o prazo de caducidade em apreço se iniciou em 22/11/2011, pelo que o último dia do mesmo ocorreria no dia 21/12/2011. A decisão final do procedimento disciplinar foi proferida em 20/12/2011
Tem sido entendimento uniforme do STJ, embora com referência ao preceito análogo do Cod. Trabalho de 2003, mas que mantém plena actualidade, que não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 357º que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto.
Com efeito, o que releva, no âmbito dessa disposição, é a prolação da decisão em si, compreendendo-se que esse marco procedimental se não confunda com a comunicação da decisão ao trabalhador, pois que esta tem um efeito específico — a cessação do contrato — e a sua efectivação é, por natureza, aleatória, não devendo, por isso, contribuir para a eventual preclusão de um prazo que é curto, peremptório e de relevantes consequências no iter procedimental conducente ao despedimento - cfr. acórdãos de 14/5/2008 e de 25/1/2012 (disponíveis em www.dgsi.pt), entre outros, citados neste ultimo aresto.
Daí que improcedem as conclusões do recurso subordinado.
- o recurso principal:
- nulidade da sentença:
Corrigido que foi, pelo despacho de fls. 438-439, o invocado erro material apontado pelo requerido / apelante, temos que este veio alegar que a sentença é nula, por contradição entre a decisão e os seus fundamentos, por ter considerado o seguinte:
“Não tendo o requerido apresentado qualquer explicação para a circunstância de não ter respondido à carta do requerente, e não ter demonstrado ter efetuado quaisquer outras diligências com vista à recuperação da mesma viatura, seja intimando o requerente a fazê-lo, com cominação da instauração de procedimento disciplinar, seja pelas vias judiciais que sempre teria ao seu dispor, por si ou através da empresa locadora, também ela pertencente ao “Grupo BPN, considera esta Tribunal que a aplicação da sanção de despedimento é manifestamente desproporcionada”.
Vejamos:
Nos termos do artº 668º do Cod. Proc. Civil, é nula a sentença quando “os fundamentos estejam em oposição com a decisão”- al. c) do seu nº 1.
No dizer do Ac. do STJ de 17/10/00, Processo nº 131/00- 4ª Secção, a mesma nulidade ocorrerá no processo lógico estabelecido entre as premissas de facto e de direito de onde se extrai a decisão, ou seja, quando os fundamentos invocados na decisão conduzam logicamente a resultado oposto ao que nela ficou expresso.
Como esclarece o Prof. Lebre de Freitas, in Código de Processo Civil Anotado, Vol. II, pag. 670, entre “os fundamentos e a decisão não pode haver contradição lógica; se, na fundamentação da sentença, o julgador seguir determinada linha de raciocínio, apontando para determinada conclusão, e, em vez de a tirar, decidir noutro sentido, oposto ou divergente, a oposição será causa da nulidade da sentença. Esta oposição não se confunde com o erro na subsunção dos factos à norma jurídica ou, muito menos, com o erro na interpretação desta...".
A al. c) do nº 1 do artº 668º refere-se à contradição real entre os fundamentos e a decisão e não às hipóteses de contradição aparente, resultantes de simples erro material, seja na fundamentação, seja na decisão- A. Varela e outros, Manual de Processo Civil,, 2ª ed., 690.
No caso concreto, não se vislumbra qualquer contradição lógica: o julgador de 1ª instância mais não fez do que seguir determinado raciocínio, que o levou à consideração de que a sanção de despedimento é manifestamente desproporcionada à conduta do requerente.
Se essa conclusão está certa ou errada, tal tem que ver com um eventual erro de julgamento. E o que se passa é que o requerido /apelante não concorda com esse raciocínio lógico do Sr. Juiz, circunstância que de forma alguma pode integrar a nulidade apontada.
Improcede, assim, tal nulidade.
- a probabilidade séria de ilicitude do despedimento:
Nos termos do artigo 386º do CT, o “trabalhador pode requerer a suspensão preventiva do despedimento, no prazo de cinco dias úteis a contar da data da recepção da comunicação de despedimento, mediante providência cautelar regulada no Código de Processo do Trabalho”.
Por sua vez, o artº 39º do CPT estabelece que:
“1 - A suspensão é decretada se o tribunal, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, concluir pela probabilidade séria de ilicitude do despedimento, designadamente quando o juiz conclua:
a) Pela provável inexistência de processo disciplinar ou pela sua provável nulidade;
b) Pela provável inexistência de justa causa; ou
c) Nos casos de despedimento colectivo, pela provável inobservância das formalidades constantes do artigo 383.º do Código do Trabalho”.
A justa causa de despedimento está definida no artº 351º, nº 1, do CT como o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
É necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador; a justa causa tem a natureza de uma infracção disciplinar, supondo uma acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora dos deveres a que o trabalhador, como tal, está sujeito, isto é, dos deveres emergentes do vínculo contratual.
Acresce que, sendo o despedimento a mais grave das sanções, para que a actuação do trabalhador integre justa causa, é ainda necessário que seja grave em si mesma e nas suas consequências.
O comportamento culposo do trabalhador só integrará justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática da subsistência da relação de trabalho, o que acontecerá sempre que a ruptura seja irremediável, isto é, sempre que nenhuma outra sanção seja susceptível de sanar a crise contratual grave aberta com aquele comportamento.
Daí que não basta que o comportamento se integre numa das hipóteses exemplificativas do nº 2 desse artº 351º, não basta a prova da materialidade dos factos, sendo necessário que os mesmos, pela sua gravidade e consequências, tornem imediata e praticamente impossível a relação de trabalho.
Por outro lado, como providência cautelar que é, a suspensão do despedimento está sujeita aos requisitos gerais das providências cautelares previstas no Cod. Proc. Civil, nomeadamente a aparência de realidade do direito invocado e a sumaria cognito.
E, assim, o Tribunal não tem que pronunciar-se sobre se existe ou não justa causa de despedimento- questão a dirimir na acção de impugnação de despedimento, mas, tão só, formular um juízo de probabilidade segundo os dados fornecidos, se os factos atribuídos ao trabalhador são susceptíveis de integrar justa causa de despedimento.
Todavia, isso não invalida que se tome conhecimento, ainda que de forma provisória, de todas as questões relevantes com vista à formação desse juízo de probabilidade, quando os autos forneçam prova indiciária suficiente. É o que acontece com a questão do uso do veículo automóvel que se discute nos autos, contrariamente ao que pretende o requerido.
O requerente foi despedido por não ter procedido à entrega da viatura que lhe estava atribuída, tendo-lhe essa entrega sido ordenada pelo requerido.
Como já se referiu, a justa causa postula sempre uma infracção, ou seja, uma acção ou omissão, de deveres legais ou contratuais. Esse acto ilícito culposo, que pode assentar em acção ou omissão do prestador de trabalho, será necessariamente derivado da violação de deveres obrigacionais principais, secundários ou de deveres acessórios de conduta, relacionados com a boa fé no cumprimento do contrato.
No caso em apreço, vejamos então – ainda que de forma não definitiva, por tal só poder acontecer na acção principal- se, por um lado, existiu a infracção imputada pelo requerido ao requerente e, em caso afirmativo, se o comportamento do último foi de molde a comprometer, de forma irremediável, a subsistência da relação laboral.
Entre os deveres impostos ao trabalhador está o de cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho “salvo na medida em que se mostrem contrárias aos seus direitos e garantias” - artº 121º, nº 1, al. d) do CT.
Está indiciariamente provado – pontos 3 e 4 – que, desde a sua admissão ao serviço do requerido, o requerente usou a viatura que aquele lhe atribuiu, quer para uso profissional, quer para uso particular e pessoal, nomeadamente nas deslocações entre a sua casa e o seu local de trabalho, aos fins-de-semana e em férias, suportando o requerido todas as despesas inerentes ao mesmo veículo.
O nosso Supremo Tribunal tem decidido uniformemente que a atribuição a um trabalhador de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo da entidade patronal, para o serviço e para o uso particular, constitui ou não retribuição conforme se prove que essa atribuição é feita com carácter obrigatório ou como um acto de mera tolerância (cfr. Acórdãos de 29/1/88, 11/12/88 e de 13/1/89, Acórdãos Doutrinais, nºs 317, página 695, e 326, página 274, e B.M.J., nº 383, página 444, e mais recentemente, o de 21/04/2010, disponível em www.dgsi.pt, onde se citam várias outras decisões, aparentemente não publicadas.
Como se refere no Ac. do mesmo Supremo Tribunal de 15/6/94, in B.M.J., nº 438, pag. 308, a colocação de um veículo automóvel pela entidade patronal ao serviço de um seu trabalhador, para as deslocações em serviço, pode não constituir retribuição, mas apenas a disponibilidade de um instrumento de trabalho destinado a alcançar maior produtividade e uma mais elevada comodidade na execução da prestação laboral. A utilização desse veículo na vida privada do trabalhador pode também representar a satisfação de um interesse da entidade patronal, por daí resultar maior prestígio para ela. Revestirá, contudo, a natureza de contraprestação quando a disponibilidade do veículo automóvel pelo trabalhador, como se fosse próprio, lhe acarrete um benefício de natureza económica, por evitar a aquisição de automóvel próprio e as inerentes despesas de manutenção e tal utilização corresponda ao exercício de um direito.
Neste domínio, deverá distinguir-se a situação de mera tolerância da entidade patronal no uso do veículo pelo trabalhador na sua vida privada, que não implica um direito integrante da retribuição, da existência de um direito a essa utilização, com um valor económico a considerar na quantificação da retribuição.
Com efeito, só integram a retribuição as prestações a que o trabalhador tenha direito, por título contratual ou normativo e que, portanto, correspondam a um dever da entidade patronal. Afastam-se, consequentemente, do objecto da retribuição as meras liberalidades, os valores atribuídos com "animus donandi", sem prévia vinculação da entidade patronal (cfr. Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, pag. 362; Jorge Leite, Direito do Trabalho, 1986/87, página 297; Lobo Xavier, Introdução ao Estudo da Retribuição no Direito do Trabalho Português, Rev. Direito Estatutos Sociais, ano I (2. Série), n. 1, página 83).
Sobre a questão do ónus da prova escreveu-se no citado Ac. do STJ de 21/04/2010 o seguinte:
“Trata-se de uma prestação em espécie com carácter regular e periódico e um evidente valor patrimonial, que assume natureza de retribuição, nos termos dos artigos 82.º da LCT e 249.º do Código do Trabalho de 2003, beneficiando, por isso, da garantia de irredutibilidade, prevista nos artigos 21.º, n.º 1, alínea c), da LCT e 122.º, alínea d), do citado Código.
Aliás, assumindo aquela atribuição de veículo automóvel a natureza de uma prestação regular, será de presumir como retribuição, nos termos do preceituado nos artigos 82.º, n.º 3, da LCT e 249.º, n.º 3, daquele Código do Trabalho. Esta presunção legal é uma presunção juris tantum, que importa desde logo a inversão do ónus da prova, fazendo recair sobre a parte adversa a prova do contrário do facto que serve de base à presunção ou do próprio facto presumido, nos termos dos conjugados artigos 344.º, n.º 1, e 350.º, n.ºs 1 e 2, do Código Civil.
Por conseguinte, competia às recorrentes provar que o uso de veículo automóvel atribuído ao trabalhador se tratava de mera liberalidade ou de um acto de mera tolerância, ónus que não se mostra cumprido”.
Essa presunção de retribuição e esse ónus da prova a cargo do empregador mantiveram-se no CT de 2009- cfr. artº 258º.
No caso que nos ocupa, temos que o requerido não provou, indiciariamente, que se tratou de um acto de mera tolerância. Antes tudo indica o contrário: sendo a mesma viatura usada pelo requerente quer para uso profissional, quer para uso particular e pessoal, nomeadamente nas deslocações entre a sua casa e o seu local de trabalho, aos fins-de-semana e em férias, e suportando o requerido todas as despesas inerentes ao mesmo veículo, a sua atribuição afigura-se como tendo carácter obrigatório e não de mera tolerância. O requerente dispunha da mesma em termos pessoais, com as inerentes vantagens económicas, assumindo, como tal, a respectiva atribuição carácter retributivo – citado artº 258º do CT.
E essa ausência de prova por parte do requerido ainda sai mais reforçada se considerarmos que, tendo o requerente por carta enviada ao requerido, em 31/03/2011, reclamado a respectiva compensação financeira pela supressão do uso da viatura, o requerido não deu qualquer resposta, nem apresentou qualquer explicação para essa não resposta. Seria curial, por parte do requerido, argumentar, face a essa pretensão do requerente, que esse uso não tinha carácter retributivo.
Além de que, e dado esse mais do que provável carácter retributivo, o requerido também não provou que tenha manifestado a vontade, perante o requerente, de o compensar financeiramente pelo uso pessoal da viatura, como forma de não diminuir a retribuição.
Assim, entendemos que, face aos elementos à nossa disposição e sem prejuízo da natural e posterior melhor apreciação da questão na acção definitiva, não se encontra indiciariamente provada qualquer infracção disciplinar por parte do requerente.
Mas ainda que o estivesse, ponderadas todas as circunstâncias relevantes, principal, mas não exclusivamente, as que já tivemos oportunidade de salientar, estaríamos perante um comportamento do trabalhador que de forma alguma era de molde a pôr em causa a subsistência da relação laboral, devendo ter merecido por parte da requerida uma reacção disciplinar com adopção de uma sanção menos grave, das constantes do elenco legal, conservatória do vínculo.
A reacção do empregador aos comportamentos do trabalhador qualificáveis como violadores dos seus deveres deve ser adequada e proporcional à gravidade da conduta daquele, só devendo recorrer à sanção mais grave- o despedimento - quando nenhuma das outras seja susceptível de sanar a crise contratual aberta.
E foi essa adequação e essa proporcionalidade que teria que se considerar que o requerido não respeitou no caso em apreço.
Improcedem, assim, as conclusões do seu recurso, devendo-se manter-se a suspensão do despedimento.
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Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em julgar improcedentes ambos os recursos, principal e subordinado, confirmando-se integralmente, embora por fundamentos não totalmente coincidentes, a sentença recorrida.
Custas dos recursos pelos respectivos apelantes, a atender na acção definitiva (artigo 453º, n º 2, do CPC).

Lisboa, 16/05/2012

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soares

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