quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CADUCIDADE DA ACÇÃO DISCIPLINAR - DECISÃO DISCIPLINAR



Proc. Nº 208/09.3TTFUN.L1-4      TRE     30 de Maio de 2012


O acto que interrompe o prazo de caducidade contemplado no n.º 1 do art. 415º do Código do Trabalho é a prolação da decisão pela entidade empregadora e não a sua notificação ao trabalhador

AA, (…), intentou acção , sob a forma comum, contra CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL, com sede na Rua Áurea, ns.º 219 a 241, em Lisboa.
Pede a declaração de invalidade do seu despedimento , por ilícito, com as legais consequências, em virtude de ausência de fundamento legal , decretando-se a subsistência do vínculo laboral e condenando-se o Réu a reintegrá-lo no seu posto de trabalho , com a categoria, antiguidade e retribuição que teria se não tivesse sido despedido e desde a data da decisão do despedimento.
Mais pede a condenação do Réu no pagamento das retribuições e subsídios vencidos desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença judicial, bem como as diferenças retributivas decorrentes da não aplicação da tabela remuneratória interna, perfazendo valor relativo às retribuições que então estimou em  15.887,11€, acrescido de  juros vencidos no valor de 129,69 €.
Solicita, igualmente , a condenação do Réu a pagar-lhe  todas as prestações pecuniárias vincendas relativas às retribuições e subsídios, acrescidas de juros vencidos, calculados à taxa legal, desde o vencimento de cada uma dessas importâncias, a apurar em sede de liquidação de sentença, bem como a condenação do Réu a pagar-lhe os juros vincendos respeitantes às quantias peticionadas.
Alega, em síntese , que , em 30 de Agosto de 1982, celebrou com a Ré um contrato de trabalho.
Foi notificado da nota de culpa, por carta datada de 23 de Abril de 2008.
Tal procedimento culminou no seu despedimento, que entende ser inválido e ilícito.
Enunciou a sua retribuição à data do despedimento, a qual foi alterada em virtude do processo disciplinar.
Atento o disposto no artigo 415º do CT , entende que se mostrava caduco o direito a aplicar a  sanção de despedimento, uma vez que a carta com tal comunicação chegou ao seu conhecimento 33 dias após a Comissão de Trabalhadores ter entregue o seu parecer.
Não se verificou  recusa de recebimento.
Ocorreu prescrição da infracção disciplinar, uma vez que parte relevante dos factos que lhe são imputados ocorreu em data anterior a um ano em relação à instauração do processo disciplinar ( que ocorreu em 10 de Abril de 2008).
Como tal mostra-se prescrita a matéria referente aos movimentos ocorridos entre 15 de Novembro de 2006 e  7 de Maio de 2007 e a que  consta dos artigos 5º, 6º, 8º a 13º da Nota de Culpa.
Consequentemente os mesmos não podem ser invocados no  procedimento disciplinar em apreço.
Entende que inexiste infracção continuada, visto que não se verifica  interdependência entre os movimentos, que foram pontuais, chegando a mediar períodos meses entre eles.
Também entende que a sua actuação assume contornos diferentes após Maio de 2007, altura em que foi proposto e aprovado um desconto de livrança e um financiamento de 125.000€, garantido por hipoteca.
Ocorreu , pois, uma plúrima resolução de vontade do agente e ausência de conexão temporal.
Mais alega que a própria Ré considera como não provado que ele tivesse afectado o montante que resultara do mútuo para realizar um empréstimo pessoal que concedeu à cliente.
Entende que se procedeu de acordo com o instruído, como resulta das várias devoluções de cheques, reconhecendo, em todo o caso, os cheques que foram pagos, que descrimina.
O despacho do seu superior refere-se apenas a uma das contas da cliente, sendo que quanto a um dos movimentos deu conhecimento verbal ao superior.
Enuncia a evolução do percurso da cliente , com vista à regularização da sua situação que culminou com a realização de escritura de hipoteca unilateral com cláusula abrangente, o que articula com a interpretação efectuada acerca do despacho do seu superior.
Nega a existência de envolvimento financeiro, bem como de qualquer benefício.
Existe desproporcionalidade entre a sua conduta e a sanção aplicada, nomeadamente em situações semelhantes.
Realizou-se audiência de partes.
A Ré contestou.
Descreveu os termos do procedimento disciplinar instaurado ao Autor, nomeadamente a sua génese.
Sustenta que não se verifica a excepção de caducidade do procedimento , atenta a data da decisão de despedimento, independentemente do momento de conhecimento efectivo da mesma pelo Autor.
Assim, pugna pela improcedência da excepção de prescrição por se tratarem de infracções continuadas e homogéneas.
O Autor encontrava-se no exercício de funções de elevada responsabilidade inerentes ao cargo de gerente do balcão.
Descreve o decurso do processo prévio de averiguações.
Mais alega os factos que estiveram na base do despedimento e que se apuraram em sede de processo disciplinar, identificando os movimentos de descoberto em conta irregulares, efectuados pelo Autor na conta de uma cliente, os quais são contrários a despacho do seu superior hierárquico, favorecendo aquela e envolvendo-se financeiramente com a mesma.
O Autor predispôs-se a emprestar fundos à cliente, bem como a executar  diversas operações, que descreve.
Enuncia as informações elaboradas pelo Autor.
A cliente em causa era preferencialmente atendida pelo Autor.
Invoca os deveres violados pelo Autor, concretamente quanto a demandar a ratificação dos movimentos autorizados ao seu superior, e os normativos internos, bem como o ultrapassar das suas competências de 1ª escalão.
A movimentação do Autor para o serviço do Departamento Regional da Madeira da Ré, impossibilitou o Autor de se aproveitar do cargo de gerente bancário.
Nega dever quaisquer diferenças retributivas ao Autor.
Limitou-se a aplicar o Estatuto dos seus Trabalhadores.
Foi proferido despacho saneador, que na parte que aqui releva teve o seguinte teor:
“Ao abrigo do disposto no art. 315º, n.ºs 1 e 2 do CPC, na redacção que lhe foi dada pelo Dec.-Lei n.º 303/2007, de 24.08, fixo o valor da causa em € 16 016,80.
Atenta a simplicidade fáctica da matéria alegada e nos termos do art. 62º do C. P.
Trabalho não se procederá à realização da audiência preliminar prevista no art. 508º-A do CPC, e passa-se a dar cumprimento ao disposto nos art.ºs 510º e 511º do mesmo diploma legal ex vi art. 1º, n.º 2, a) do C. P. Trabalho.
O Tribunal é o competente em razão da nacionalidade, da matéria e da hierarquia.
Nada ocorre que anule todo o processo.
As partes são dotadas de personalidade e capacidade judiciárias, e, atento o seu interesse na causa, são legítimas.
Da Caducidade do Direito de Aplicar a Sanção de Despedimento
Sustenta o A. que de acordo com o disposto no art. 415º, n.º 1 do Código do Trabalho, o empregador dispõe de trinta dias para proferir decisão sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção, sendo que tal regra deve ser interpretada no sentido de o trabalhador ser notificado dessa decisão final antes de findar esse prazo.
Quando a ré enviou a carta em 21-10-2008 tinha perfeito conhecimento que o A. estava em gozo de férias a partir de 22-10-2008 pelo que deveria prever que este não estaria no seu domicílio, sendo certo que esse facto veio a determinar que apenas tivesse tomado conhecimento da decisão de despedimento em 28-10-2008, isto é, 33 dias depois da junção do parecer da comissão de trabalhadores o que implica preterição do prazo a que alude o n.º1 do art. 415º do Código do Trabalho e acarreta a caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento.
Na sua contestação, a ré remete para o teor das decisões proferidas em sede de procedimento cautelar para demonstrar a não verificação da excepção deduzida pelo A..
Cumpre apreciar.
Dispõe o art. 415º, n.º 1 do Código do Trabalho que decorrido o prazo de cinco dias úteis referido no n.º 3 do art. 414º (ou findas as diligências instrutórias quando não haja comissão de trabalhadores e o trabalhador não seja representante sindical), o empregador dispõe de trinta dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
O acto impeditivo da caducidade do direito de aplicar a sanção deve ser considerado como sendo o da prolação da decisão (e não o da elaboração do relatório final pelo instrutor ou o da comunicação da decisão ao trabalhador) – cfr. neste sentido Ac. RC de 8.11.2007 mencionado na base de dados do ITIJ com o endereço www.dgsi.pt/jtrc.nsf.
Assim, decorrido o prazo de trinta dias sem que seja proferida decisão, o empregador perde o direito a aplicar a sanção, isto é, decorridos tais trinta dias, a sanção disciplinar de despedimento não pode mais ser aplicada (cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho
– Parte II – Situações Laborais Individuais, pág. 838).
Acresce que, o que releva para o início da contagem do prazo de trinta dias, no caso de não existir comissão de trabalhadores e não se tratar de trabalhador representante sindical, é a conclusão das diligências probatórias.
Assim, da conjugação do disposto nos art.ºs 414º, n.º 3 e 415º, n.º 1 do Código do Trabalho resulta que não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento no prazo de trinta dias, contado a partir do termo das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
Na situação em apreço, porém, é sabido que existe comissão de credores e afere-se claramente do teor de fls. 499 a 503 do processo disciplinar, que esta, em 9-09-2008, recebeu cópia integral do processo disciplinar para emitir o seu parecer, o que veio a fazer em 24-09-2008.
Em 25-09-2008, a comissão de trabalhadores remete o seu parecer à direcção de recursos humanos.
O Conselho de Administração, em sessão de 2-10-2008, delibera aplicar ao trabalhador a sanção de despedimento com justa causa, conforme se afere do teor de fls. 504 do processo disciplinar.
Conforme decorre do conteúdo de fls. 507 do processo disciplinar, a carta para notificação do A. da decisão de aplicação da referida sanção foi expedida pelo réu em 21-10-2008.
Ora, após a apresentação do parecer da comissão de credores, a ré disponha do prazo de trinta dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
Conforme resulta do já acima expendido, decorre deste normativo que o acto que interrompe o prazo de caducidade aqui em apreço, é a prolação da decisão e não a sua notificação ao trabalhador.
Assim, ainda antes de decorridos por completo os trinta dias a que alude o n.º 1 do art. 415º do Código do Trabalho - contados a partir do dia seguinte à data em que foi apresentado o parecer da comissão de trabalhadores - o empregador proferiu decisão, o que fez em 2-10-2008.
Independentemente da data da notificação da decisão, o certo é que a decisão foi proferida dentro do prazo de trinta dias o que é bastante para impedir a caducidade a que alude o n.º 1 do art. 415º do Código do Trabalho.
Este entendimento, está aliás, em consonância com o decidido pelo Tribunal da Relação de Lisboa no âmbito da providência cautelar apensa a estes autos e bem assim no Ac. STJ de 14-05- 2008 aí mencionado, sendo de realçar que, efectivamente, não se vislumbra que a norma em apreço tenha que ver com a data em que o trabalhador é notificado da decisão e respectiva produção de efeitos quanto à vigência/cessação do contrato de trabalho, mas antes com a prolação da decisão que não pode ter lugar em momento posterior ao decurso integral do aludido prazo de trinta dias.
Neste caso, a decisão do conselho de administração foi proferida sete dias depois do recebimento do parecer da comissão de credores e, de todo o modo, a carta para notificação do trabalhador foi expedida ainda antes do decurso do prazo de trinta dias, sendo irrelevante a data em
que o trabalhador acabou por receber essa correspondência, dado que, não tendo comunicado (que se saiba) à entidade empregadora a mudança do seu domicílio, não se pode prevalecer da circunstância
de, por motivos da sua vida privada, não se encontrar na sua residência no período em que a carta para notificação da decisão foi expedida (sibi imputet) – cf. art. 224º, n.º 2 do C. Civil.
Não se verifica, pois, a invocada caducidade do direito de aplicar sanção pelo que se julga improcedente tal excepção

                                                         *

O A. vem ainda suscitar a verificação da excepção de prescrição relativamente a parte relevante dos factos que lhe são imputados e que ocorreram em data anterior a um ano em relação à instauração do procedimento disciplinar, ainda que se considere a existência do inquérito prévio.
Neste ponto, a ré remeteu novamente para o já decidido em sede de procedimento cautelar, considerando que se está perante uma infracção disciplinar continuada, pelo que o prazo de prescrição só se iniciaria após a prática do último acto integrado na continuação.
A apreciação desta questão passará pela demonstração dos factos ocorridos e determinação das respectivas datas e contexto em que ocorreram pelo que a análise da invocada excepção passa, necessariamente, pela prova a produzir em sede de audiência de julgamento, razão pela qual se relega para final a apreciação desta excepção.
                                                           *
Não existem, nem foram arguidas, quaisquer outras excepções, nulidades ou questões
prévias que possam obstar à apreciação do mérito da causa e de que cumpra conhecer.
Uma vez que os autos não contêm, ainda, todos os elementos necessários à prolação de uma decisão segura e conscienciosa quanto ao objecto da causa, passa-se a seleccionar a matéria de facto assente e aquela que é ainda controvertida, nos termos do art. 511º, n.º 1 do CPC.
A) O A. foi admitido ao serviço da ré em 30-08-1982, sendo o empregado n.º 19773 (por acordo).
B) O A. assumiu a função de gerente no Balcão Câmara de Lobos em 2-10-2001 (por acordo).
C) Às relações de trabalho entre as partes aplica-se o Acordo Colectivo de Trabalho para o Sector Bancário publicado no Boletim de Trabalho e Emprego, n.º 4, de 29-01-2005, com as sucessivas alterações, sendo a última publicada no BTE, n.º 45, de 8-12-2008 (por acordo).
D) Em 29 de Janeiro de 2008, a subchefe administrativa de estabelecimento de Balcão de Câmara de Lobos da ré, Sr.ª BB, expediu e-mail ao Sr. CC, do Gabinete de Auditoria Operacional/GAOP do réu, com o seguinte teor:
“A empregada de limpeza encontrou um envelope com dinheiro dentro do caixote de lixo. Pediu que eu fosse ao gabinete do DD para eu ver a situação. O envelope continha um maço aparentemente de 100 notas de 50 euros. Perguntei aos colegas se tinham entregue algum dinheiro ao DD para entregar a alguma cliente, o EE disse que tinha feito um levantamento de € 5 000,00 da conta da D. FF e tinha entregue ao DD dentro de um envelope.
Tendo em conta que o DD não estava no Balcão telefonei para esclarecer a situação.
As instruções eram que eu guardasse esse dinheiro no cofre da gerência e que depois ele resolveria a situação. Disse ele, que a D. FF tinha deixado aquele dinheiro para depósito mas ele não se lembrava em que conta. Em conversa com a cliente, foi afirmado pela mesma que seria o pagamento do adiantamento feito pelo Sr. DD e depois disso não sei o que aconteceu ao envelope.” (documento de fls. 21 do processo disciplinar).
E) Em 4-02-2008, o GAOP deu a conhecer à Direcção de Auditoria Interna/DAI da ré a situação reportada no e-mail referido em D) (documentos de fls. 18 a 25 do processo disciplinar).
F) Em 7-02-2008, a DAI cometeu ao Gabinete de Inspecção e Fraudes Bancárias/GIFB da ré a realização de averiguações para apuramento da situação reportada e referida em D) (documento de fls. 18 do processo disciplinar).
G) Após um processo de averiguações prévias desenvolvido pela Direcção de Auditoria Interna do banco entre 1-02-2008 e 20-03-2008, na sequência da participação de ocorrência no Balcão Câmara de Lobos, e elaborado o respectivo relatório que consta de fls. 3 a 16 do processo disciplinar, o Conselho de Administração do banco réu deliberou, em sessão ocorrida no dia 10 de Abril de 2008, instaurar processo disciplinar com intenção de despedimento ao colaborador AA (documento de fls. 2 do processo disciplinar).
H) Com data de 22 de Abril de 2008, foi elaborada nota de culpa cujo teor consta de fls. 292 a a 307 do processo disciplinar que se encontra apenso aos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida para todos os efeitos legais.
I) Por carta registada com aviso de recepção, recebida pelo A. em 7-05-2008 foi este notificado do teor da nota de culpa referida em H) (documento de fls. 309 e 310 do processo disciplinar).
J) Por carta com data de 23 de Abril de 2008, recebida em 2-05-2008, foi a Comissão de Trabalhadores da Caixa Económica Montepio Geral notificada da nota de culpa deduzida no âmbito do processo disciplinar instaurado ao ora A. e referida em H) (documento de fls. 313 do processo disciplinar).
L) O A. respondeu à nota de culpa sustentando a prescrição da acção disciplinar relativamente aos factos ocorridos em data anterior a 10-04-2007 e conferindo um novo contexto relativamente à prática de actos, que admite que ocorreram mas de acordo com as instruções recebidas
por parte da cliente e no contexto de viabilizar o investimento em negociação, conforme consta de fls. 315 a 340 do processo disciplinar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, tendo requerido a junção de diversa documentação aos autos e a inquirição de testemunhas, diligências a que o réu procedeu conforme consta do processo disciplinar.
M) Com data de 5 de Setembro de 2008, foi elaborado o relatório final que consta de fls. 454 a 498 do processo disciplinar, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais, no âmbito do qual foram considerados provados, no essencial, os factos enunciados na nota de culpa, e com base nestes concluiu o senhor instrutor que o A. violou os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência, cumprir as ordens e instruções do empregador em tudo o que respeite à execução e disciplina do trabalho e guardar lealdade ao empregador e bem assim o dever de exercer de forma idónea, diligente, legal e conscienciosa as suas funções, segundo as normas e instruções recebidas e com observância das regras leais e usuais da deontologia da profissão e das relações de trabalho e com base nisso entendeu que tal comportamento assume gravidade de modo a quebrar a relação de lealdade, respeito, fidelidade e confiança necessária à manutenção da relação laboral propondo a aplicação da sanção disciplinar de despedimento com justa causa.
N) Em 9-09-2008, a Comissão de Trabalhadores da Caixa Económica Montepio Geral (CEMG) recebeu cópia integral do processo disciplinar aqui em causa, nos termos e para os efeitos do disposto no art. 414º, n.º 3 do Código do Trabalho (documento de fls. 499 do processo disciplinar).
O) Com data de 25-09-2008, a Comissão de Trabalhadores referida em N) dirigiu à Direcção de Recurso Humanos do banco o seu parecer, emitido em 24-09-2008, no qual concluiu que ficou provado que o trabalhador em nada beneficiou com a circunstância de os empréstimos efectuados à cliente por parte da mãe daquele, não tendo existido qualquer envolvimento financeiro entre o trabalhador e a cliente pelo que o processo disciplinar deve ser arquivado sem aplicação de qualquer sanção (documento de fls. 500 a 503 do processo disciplinar).
P) O Conselho de Administração do banco réu, em sessão de 2 de Outubro de 2008, deliberou sancionar o ora A. com a medida disciplinar de despedimento com justa causa, decisão essa que comunicou àquele por carta registada com aviso de recepção, recebida pelo A. em 28-10-2008 (documentos de fls. 504 a 508 do processo disciplinar).
Q) Em 22-10-2008, a ré deu conta à Comissão de Trabalhadores da CEMG da deliberação no sentido de aplicar a sanção de despedimento com justa causa (documento de fls. 509 do processo disciplinar).
(......)- “ fim de transcrição.
Inconformado com tal decisão na parte que julgou improcedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção de despedimento, o Autor recorreu.
Concluiu que:
(…)
O Réu contra alegou.
Sustentou a improcedência do recurso.
O recurso foi admitido.
O MºPº apôs o seu visto – vide fls. 828.
Mostram-se colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.

                                                               **
Na presente decisão ter-se-ão em conta os factos decorrentes do supra elaborado relatório.

                                                              ***

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 685º - A ambos do CPC) [i] .
Analisadas as conclusões de recurso afigura-se que a apelação interposta pelo Autor suscita uma única questão , que consiste em saber se , atento o disposto no artigo 415º do CT , se mostra caducado (ou não ) o procedimento disciplinar que o Réu lhe instaurou.
O Autor entende que se mostrava caducado o direito do Réu de lhe  aplicar a sanção de despedimento, uma vez que a carta com tal comunicação chegou ao seu conhecimento 33 dias após a Comissão de Trabalhadores ter entregue o seu parecer.
Por sua vez,  o Réu sustenta que não se verifica a invocada excepção atinente ao procedimento em apreço , atenta a data da decisão de despedimento, sendo certo que, a seu ver, esta opera impedindo a caducidade independentemente do momento de conhecimento efectivo da decisão pelo trabalhador.
E deve, desde já, salientar-se que se concorda com a decisão recorrida.
Na realidade perfilha-se sobre o assunto a orientação expendida em  aresto do STJ de 14-5-2008 ( processo: 08S643  , Nº Convencional: JSTJ000 , Relator: PINTO HESPANHOL acessível em www.dgsi.pt ) que na parte que aqui mais releva mereceu o seguinte sumário:
“ 1. Nos termos dos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2. Não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º citado, nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto” – fim de transcrição.
Segundo o acórdão em apreço (que se passa a citar longamente  atenta a evidente relevância que o raciocínio nele explanado tem para a questão que aqui se dirime)  :
“ O ....., acompanhando entendimento jurisprudencial gerado no Tribunal da Relação do Porto (cf. acórdão de 19 de Dezembro de 2005, disponível em www.dgsi.pt, como documento n.º RP200512190515412), decidiu que o termo inicial do prazo de 30 dias para o empregador proferir a decisão final do processo disciplinar, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, conta-se a partir da data em que terminaram as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador na resposta à nota de culpa e não quaisquer outras ordenadas posteriormente pelo empregador.
A recorrente discorda, sustentando que o n.º 1 do artigo 415.º do Código do Trabalho, ao estipular que o prazo para o empregador proferir a decisão disciplinar é de caducidade, «não implicou nem determinou que a conclusão das diligências probatórias passassem a ser entendidas exclusivamente como aquelas que foram requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa», sendo certo que «[e]sta interpretação não tem o mínimo de correspondência verbal no texto do mencionado normativo legal, o que obsta a que a mesma seja considerada pelo int[é]rprete, por força o disposto no art° 9.°, n.º 2, do CC».
Importa, por razões de inteligibilidade, conhecer as normas em causa.
Os artigos 413.º a 415.º do Código do Trabalho, que se acham inseridos na Divisão I («Despedimento por facto imputável ao trabalhador»), da Subsecção II («Procedimento»), da Secção IV («Cessação por iniciativa do empregador»), do Capítulo IX («Cessação do contrato»), do Título II («Contrato de Trabalho»), do Livro I («Parte geral»), estabelecem o seguinte:
«Artigo 413.º
(Resposta à nota de culpa)
O trabalhador dispõe de dez dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
«Artigo 414.º
(Instrução)
1 – O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito.
2 – O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de três testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de dez no total, cabendo ao trabalhador assegurar a respectiva comparência para o efeito.
3 – Concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado.
«Artigo 415.º
(Decisão)
1 – Decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 – A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
3 – Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do n.º 3 do artigo anterior, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade.
4 – A decisão fundamentada é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical.»
Decorre do exposto que a solução do problema submetido à apreciação deste Supremo Tribunal passa, necessária e fundamentalmente, pela interpretação do disposto nos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
Em matéria de interpretação das leis, o artigo 9.º do Código Civil consagra os princípios a que deve obedecer o intérprete ao empreender essa tarefa, começando por estabelecer que «[a] interpretação não deve cingir-se à letra da lei, mas reconstituir a partir dos textos o pensamento legislativo, tendo sobretudo em conta a unidade do sistema jurídico, as circunstâncias em que a lei foi elaborada e as condições específicas do tempo em que é aplicada» (n.º 1); o enunciado linguístico da lei é, assim, o ponto de partida de toda a interpretação, mas exerce também a função de um limite, já que não pode «ser considerado pelo intérprete o pensamento legislativo que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, ainda que imperfeitamente expresso» (n.º 2); além disso, «na fixação do sentido e alcance da lei, o intérprete presumirá que o legislador consagrou as soluções mais acertadas e soube exprimir o seu pensamento em termos adequados» (n.º 3).
Embora os n.os 1 e 2 do artigo 414.º transcrito se refiram às diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa, o certo é que a correspondente epígrafe, que acolhe o termo «Instrução», e o primeiro segmento do n.º 3 do mesmo preceito, ao estatuir a tramitação subsequente, logo que «[c]oncluídas as diligências probatórias», apontam decisivamente no sentido de que a instrução é formada pelo conjunto dos actos necessários à averiguação dos factos alegados na acusação (nota de culpa) e na defesa (resposta à nota de culpa), não se confinando esta fase do processo à realização das diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, até porque tais actos de instrução poderão justificar a realização de outras diligências para confirmar ou refutar os meios probatórios por ele produzidos.
Nesta mesma linha de pensamento, ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, p. 969) sublinha que, deduzida a defesa, «tendo por base a acusação e a defesa, o empregador procede às diligências probatórias para a averiguação dos factos alegados em ambas», e que «o legislador não estabeleceu qualquer prazo para estas diligências [probatórias], que, contudo, só se poderão prolongar durante um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa fé e ao princípio da celeridade processual».
Acresce, por outro lado, que a expressão «concluídas as diligências probatórias», na sua literalidade, não comporta o sentido de que essas diligências probatórias se restringem às requeridas pelo trabalhador, na resposta à nota de culpa.
Ora, não pode ser considerado pelo intérprete um sentido que não tenha na letra da lei um mínimo de correspondência verbal, devendo ainda presumir-se que o legislador soube expressar o seu pensamento em termos adequados e que consagrou as soluções mais acertadas, como referem os n.os 2 e 3 do artigo 9.º do Código Civil.
Tudo para concluir que, nos termos dos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
No caso, provou-se que (.... )
Nesta conformidade, tendo a última diligência probatória ocorrido, em 27 de Setembro de 2005, e sendo a decisão disciplinar final proferida em 20 de Outubro seguinte, não se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção.
Refira-se, além disso, que, compulsado o processo disciplinar em causa, não se vislumbram actos inúteis ou dilatórios no âmbito da produção de prova, nem sequer se verifica um prolongamento excessivo daquela fase de instrução.
Com efeito, na sequência da resposta à nota de culpa, foram inquiridos, em (......).
Portanto (...).
4. O acórdão recorrido considerou, igualmente, que «o n.º 1 do artigo 415.º do CT deve ser interpretado no sentido de que o trabalhador deve ter conhecimento da decisão final antes de decorrido o prazo aí previsto», pelo que (....).
Conforme já se aludiu, o artigo 415.º citado dispõe que, «decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção» (n.º 1) e que «a decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito» (n.º 2), devendo ser «comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical» (n.º 3).
Por sua vez, o artigo 416.º subsequente estabelece que «a declaração de despedimento determina a cessação do contrato logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida» (n.º 1), sendo que «[é] também considerada eficaz a declaração de despedimento que só por culpa do trabalhador não foi por ele oportunamente recebida» (n.º 2).
Embora tenha ficado provado que (....).
Tal como afirma ROMANO MARTINEZ (Código do Trabalho Anotado, 4.ª edição, Almedina, Coimbra, 2005, anotação II ao artigo 415.º, p. 677), «[e]m caso de despedimento não se aplica a regra, constante do artigo 373.º, no sentido de a sanção ter de ser aplicada nos três meses subsequentes à decisão. A decisão determina a imediata cessação do vínculo assim que é comunicada ao trabalhador.
Deste modo, decorrido o prazo de cinco dias para as entidades representativas dos trabalhadores emitirem parecer (artigo 414.º, n.º 3), o empregador tem trinta dias para proferir a decisão (n.º 1), que deve ser, de seguida, comunicada ao trabalhador; a decisão de despedimento torna-se eficaz, determinando a imediata cessação do vínculo, logo que chega ao poder do trabalhador ou é dele conhecida (artigo 224.º do CC).»
Na verdade, o despedimento é um negócio jurídico integrado por uma declaração receptícia, isto é, cuja eficácia depende da recepção pelo destinatário, conforme dispõe o n.º 1 do artigo 224.º do Código Civil (neste sentido, MONTEIRO FERNANDES, Direito do Trabalho, 12.ª edição, Almedina, Coimbra, 2004, p. 581).
Porém, não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º transcrito, nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto.
Assim, tendo a última diligência probatória ocorrido, em 27 de Setembro de 2005, e sendo a decisão sobre o despedimento elaborada em 20 de Outubro seguinte, não se verifica a caducidade do direito de aplicar a sanção, independentemente da data em que aquela decisão chegou, efectivamente, ao conhecimento do trabalhador.
(...).” – fim de transcrição.
Perfilha-se integralmente o raciocínio ali explanado, sendo que efectivamente não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º do CT/2003 , nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo aí previsto.
Todavia ,no caso concreto , tal como se referiu na decisão recorrida :
“ Na situação em apreço, porém, é sabido que existe comissão de trabalhadores e afere-se claramente do teor de fls. 499 a 503 do processo disciplinar, que esta, em 9-09-2008, recebeu cópia integral do processo disciplinar para emitir o seu parecer, o que veio a fazer em 24-09-2008.
Em 25-09-2008, a comissão de trabalhadores remete o seu parecer à direcção de recursos humanos.
O Conselho de Administração, em sessão de 2-10-2008, delibera aplicar ao trabalhador a sanção de despedimento com justa causa, conforme se afere do teor de fls. 504 do processo disciplinar.
Conforme decorre do conteúdo de fls. 507 do processo disciplinar, a carta para notificação do A. da decisão de aplicação da referida sanção foi expedida pelo réu em 21-10-2008” – fim de transcrição.
Assim, uma vez que após a apresentação do parecer da comissão de credores, o Réu dispunha do prazo de trinta dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção, sendo certo que se entende que o acto que interrompe o prazo de caducidade em causa é a prolação da decisão e não a sua notificação ao trabalhador, cumpre concluir que a mesma não operou na situação em análise .
Na realidade , na situação em apreço , antes de decorridos por completo os trinta dias mencionados no n.º 1 do art. 415º do Código do Trabalho - contados a partir do dia seguinte à data em que foi apresentado o parecer da comissão de trabalhadores - o Ré  proferiu decisão, o que fez em 2 de Outubro de 2008.
Assim, independentemente da data da respectiva notificação ao trabalhador , cabe concluir que a decisão foi proferida dentro do prazo de trinta dias.
Tanto basta para impedir a caducidade a que alude o n.º 1 do art. 415º do Código do Trabalho.
Improcede, pois, por estes motivos o recurso interposto pelo Autor havendo que confirmar a decisão recorrida.

                                                              ***

Nestes termos, acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida,
Custas pelo recorrente.
DN (processado e revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).
          
Lisboa, 30 de Maio de 2012

Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto.
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[i] [i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156

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