quarta-feira, 10 de outubro de 2012

CONTRATO DE TRABALHO - PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS



Proc. Nº 252/08.8TTSTB.E1     TRE   2009 (sem data…)


O exercício da actividade de desenhador para uma sociedade de arquitectos deve considerar-se inserida num contrato de trabalho quando aquele não tem autonomia quanto à programação, orientação e planeamento do respectivo trabalho, demonstrada pela circunstância de não seleccionar os trabalhos que realizava, sujeito a directivas, instruções e orientações que recebia dos respectivos arquitectos e urbanistas, estando integrado em equipas multi-disciplinares de desenvolvimento das diversas fases de execução de um projecto, desenvolvendo a sua actividade nas instalações da sociedade com utilização dos instrumentos de trabalho que esta colocava à sua disposição, sendo controladas as horas de execução das tarefas, com registo das mesmas através da picagem de cartão de ponto e, depois, através da utilização de um cartão com banda magnética, auferindo uma remuneração por número de horas prestadas, independentemente deste efectuar um, dois, três ou quatro desenhos, ou mesmo não realizar qualquer desenho, por eventual falta de trabalho e marcando as suas férias por acordo com a sociedade

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

I. F., residente em Azeitão, demandou Q… –, Lda., com sede em Carcavelos, pedindo que, em consequência do despedimento ilícito de que foi alvo, seja a R. condenada a pagar-lhe os montantes devidos a título de subsídios de férias, retribuições de férias e subsídios de Natal, incluindo os proporcionais vencidos aquando da cessação contratual, no valor total de € 33,784,57; uma indemnização de antiguidade no valor de € 25.651,18; bem como os salários vencidos desde o despedimento e até ao trânsito em julgado da presente acção.

Para o efeito alegou, em síntese, que estabeleceu com a R. um vínculo laboral, que esta denunciou de forma ilícita em 17/05/2007, sustentando que se tratava de uma prestação de serviços.

A R. contestou alegando não existir uma relação derivada de contrato de trabalho entre as partes, mas de simples prestação de serviços.

O A. na resposta concluiu como na petição inicial.

Procedeu-se à audiência de julgamento, tendo sido proferida sentença que julgando a acção parcialmente procedente decidiu condenar a R. a pagar ao A.:

- uma indemnização de antiguidade, correspondente a € 1.784,43 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde Dezembro de 1995 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, indemnização essa a liquidar no incidente regulado nos arts. 378.º e segs. do CPCivil;

- as remunerações que este deixou de auferir desde 22.02.2008 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nos n.ºs 2 e 3 do art. 437.º do C.Trabalho, à razão de € 1.784,43 mensais, o que será liquidado no mesmo incidente;

- a quantia de € 5.587,31, a título de férias e respectivo subsídio, vencidas em 01.01.2007, bem como os proporcionais de férias e de subsídios de férias e de Natal do ano de cessação do contrato;

-a quantia de € 21.719,40, a título de férias e subsídios de férias e de Natal, vencidas nos anos de 1996 a 2006;

- juros de mora, à taxa do art. 559.º n.º 1 do C.Civil, desde a data da liquidação, quanto aos valores indicados nas als. a) e b), e desde a citação, quanto aos valores indicados nas als. c) e d), e até integral pagamento.

Inconformada com a sentença a R. interpôs recurso de apelação, tendo concluído:

A) A sentença proferida pelo Tribunal a quo está ferida de nulidade, designadamente, das previstas no artigo 668º, número 1, alíneas b), e d) do CPC

B) O Tribunal a quo não especifica os fundamentos de facto que justificam a decisão e toma conhecimento de questões de que não podia conhecer.

C) O Autor não alega nem explica quais as características essenciais do alegado contrato celebrado com a J…, no início de 1993, designadamente, quanto ao vencimento, horário de trabalho, categoria ou sujeição a ordens e instruções por parte dos responsáveis daquela empresa.

D) Nem tão-pouco em que termos terá sido efectuada a transmissão desse contrato para a Ré.

E)Da audição dos depoimentos das testemunhas, prestados em sede de audiência de julgamento é forçoso concluir que nenhuma das testemunhas inquiridas depôs sobre a alegada existência de um contrato de trabalho entre o Autor e a J… e da ulterior transmissão desse contrato para a Ré.

F) Nos autos não existem quaisquer outros suportes probatórios que permitam confirmar a existência desse contrato de trabalho, celebrado entre o Autor e J…, no início de 1993 e alegadamente cedido em finais de 1995.

G) Não obstante, o Tribunal a quo dá como provada a existência de uma relação laboral entre o Autor e a J…, concretizando factos e circunstâncias sobre as quais não foi produzida qualquer prova, ou mesmo, sobre os quais tenha incidido discussão.

H) É esse o exemplo da matéria assente na sentença sobre os números 1., 2., 3.,4., bem como as conclusões que se retiram de outros factos dados como assentes e que pressupõem a caracterização da alegada relação laboral entre o Autor e J…, de que são exemplo os factos assentes sobre os números 8., 9., 10., 11., 12., 13. e a consideração efectuada a fls 430, considerando o período de tempo em que o Autor prestou o seu serviço desde 1993.

I) O Tribunal considerou a antiguidade do Autor pelo menos a partir de finais de 1995, ainda que não tenha sido produzida prova nesse sentido, já que as testemunhas que depuseram sobre os factos alegados pelo Autor (cfr. 8 e 9 da presente alegação) quanto ao início da alegada relação laboral com a Ré apenas tiveram contacto com o Autor na data mais recuada de 1999, conforme se pode comprovar pela audição dos respectivos depoimentos.

J) A sentença é pois nula por não esclarecer quais os elementos de facto e de direito que permitem retirar as conclusões da existência de um contrato de trabalho, inicialmente celebrado com a J… e quais as vicissitudes desse contrato a partir da data de constituição da Ré, e, designadamente, a partir de finais de 1995, data em que é emitida a primeira factura do Autor a favor da Ré (cfr. documento 3 junto com a petição inicial).

L)É também nula por conhecer factos que o Tribunal não podia ter tido conhecimento, designadamente, no que respeita a ilicitude da cessação da relação jurídica, bem como a data em que a mesma terá ocorrido;

M) Foram factos alegados pelo Autor e impugnados pela Ré e sobre os quais não incidiu qualquer prova testemunhal.
O) A matéria dada como assente sobre os números 33. a 40. deve ser considerada não escrita.

P) O Tribunal a quo efectuou uma errada avaliação dos elementos probatórios que constam dos autos, designadamente, dos documentos e depoimentos das testemunhas, retirando conclusões destituídas de fundamento porque, destituídas de alegação e prova.

Q) O Tribunal a quo demonstra, no julgamento da matéria de facto, ter dois pesos e duas medidas.

R) Responde afirmativamente a matéria alegada pelo Autor e que não foi objecto de qualquer tipo de prova, apesar de ter sido impugnada pela Ré, conforme já se expôs em sede de nulidades (cfr. nºs 32 a 51 do presente recurso) que aqui se dá como reproduzido.

S) No entanto, quando a Ré apresenta nos autos documentos que não foram objecto de impugnação por parte do Autor de que são exemplo os documentos 2 a 7 juntos com a contestação, o Tribunal a quo responde negativamente, concretizando que “duvidou-se que a Ré pagasse efectivamente uma quantia mensal à J.., Lda., pela utilização das instalações. O que foi junto com a contestação foram meras facturas. Agora, comprovativos do efectivo pagamento dos valores ali constantes, nunca surgiram nos autos (sublinhado nosso), conforme consta da resposta à reclamação apresentada pela Ré.

T) Ao contrário das facturas apresentadas pelo Autor que o Tribunal a quo considerou, sem mais, terem sido pagas;

U) Devem pois estes factos ser considerados na sentença, conforme reclamação apresentada a fls , considerando-se provado o facto que consta do artigo 27. da contestação.

V) A prova produzida em audiência de discussão e julgamento aponta em sentido diverso daquela que consta da sentença, isto é, de que não existiu qualquer relação jurídica de trabalho subornado entre o Autor e a Ré.

X) Não se provou a data de início de vigência do contrato de trabalho;

Z) Não ficou demonstrado que o Autor prestasse o seu trabalho, nas instalações da Ré, utilizando os meios materiais ao dispor, por imposição da Ré;

AA) Ficou demonstrado que o Autor tinha autonomia quanto ao tempo e modo da sua prestação, designadamente, quando pretendia fazer “férias” ou quando se ausentava, nunca tendo existido oposição da Ré;

AB) Resultou da discussão que a Ré não emitia ordens e instruções ao Autor, no sentido de conformar a sua prestação de acordo com os interesses da Ré, nem obrigava o Autor a executar os trabalhos que pretendia;

AC) Resultou da discussão que o Autor era pago mediante um valor horário, negociado e não imposto pela Ré;

AD) A Ré nunca questionou o fiabilidade dos registos de ponto, do cartão magnético, ou da inserção manual das horas de entrada e saída de cada um dos colaboradores, registos que serviam para contabilizar as horas a pagar ao Autor e demais colaboradores e a imputar custos nos projectos dos clientes da Ré;

AE) Não resultou demonstrada a ilicitude da cessação do alegado contrato de trabalho, por não ter incidido prova sobre os factos alegados pelo Autor.

AF) A sentença violou o artigo 653º, nº 2 do CPC, bem, como o artigo 10º e 384º ambos do Código do Trabalho.

O A. contra-alegou concluindo:

1- A Sentença recorrida não merece qualquer censura por parte deste Alto Tribunal

2 – A douta sentença recorrida não enferma de qualquer nulidade, porquanto especificou devidamente os fundamentos de facto que justificaram a decisão e não tomou conhecimento de factos que não devesse ter-se pronunciado.

3- O Autor alegou e explicou expressamente na sua petição inicial que as condições, horário, funções e local eram as mesmas quando trabalhava para a J. e para a Q...

4- Contrariamente ao invocado pela Recorrente, resultou claramente da discussão da causa e da produção de prova que o modo da prestação de trabalho por parte do A, ora Recorrente, num primeiro momento para a J.., e posteriormente para a Ré, sempre foi efectuado do mesmo modo.

5- O Tribunal a quo na sua fundamentação de direito (fls. 16 da douta sentença) explicitou devidamente as razões pelas quais apenas atendeu à antiguidade do Autor reportada a partir de finais de 1995, e não a partir de Fevereiro de 1993, sendo que, contrariamente ao invocado pela Recorrente, foi produzida prova nesse sentido.

6- Quanto à ilicitude do contrato de trabalho celebrado entre a Recorrente e o Recorrido, não houve excesso de pronúncia por parte do Tribunal a quo, já que tais factos foram confessados pela Ré, isto é, são factos que, confrontadas as versões alegadas pelo A. nos artigos 42º a 69º da petição inicial e pela Ré nos artigos 118º a 139º da Contestação, ambas as partes aceitam, ou porque tendo sido alegados pelo A. não foram impugnados pela Ré nem entram em contradição com a versão dos factos que ela apresenta, tendo inclusive, por isso mesmo, sido considerados não provados os factos a que respeitam as respostas 3º a 8ª dessa matéria.

7- Deve, assim, manter-se os factos nºs 33 a 40 da matéria dada como assente.

8- O Tribunal a quo, contrariamente ao afirmado pela Recorrente, fez uma correcta avaliação de todos os elementos probatórios constantes dos autos, designadamente no que diz respeito à valoração dos documentos juntos aos autos pela Ré respeitantes aos supostos pagamentos efectuados pela Ré à J…, Lda. pela utilização das instalações.

9- A prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento aponta inequivocamente para a existência de uma relação jurídica de trabalho subordinado entre o A. e a Ré, verificando-se que a Ré, mais do que a reapreciação de determinados pontos da matéria de facto dada como provada o Recorrente pretende sim um verdadeiro segundo julgamento sobre a matéria de facto, pondo em causa, em toda a linha a livre convicção do Tribunal.

10- Resulta da prova produzida o início da relação laboral com a Recorrente, mais ficou demonstrado o início da relação laboral, que o A. prestava o trabalho nas instalações da Ré e que utilizava os instrumentos de trabalho fornecidos pela Ré, que estava inserido na estrutura organizativa da Ré, sendo o A. um dos elementos dessa estrutura; que o A, não tinha autonomia quanto ao modo da sua prestação de trabalho; que seguia as orientações e directrizes da Ré, que não podia rejeitar os trabalhos que lhe eram entregues pela Ré, e que a Ré controlava a prestação de trabalho do Autor.

11- Face ao exposto, e tendo em conta a matéria de facto dada como provada, a qual deve manter-se na íntegra, não merece qualquer reparo a qualificação jurídica do contrato existente entre a Recorrente e a Recorrida como sendo um verdadeiro contrato de trabalho, tendo igualmente resultado provado a ilicitude da cessação de tal contrato.

12- A sentença recorrida não violou os artigos 653º, nº 2 do CPC nem tão pouco violou o artigo 10º e 384º, ambos do Código de Trabalho.

O Ex.mo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de dever manter-se a sentença recorrida.
Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes-adjuntos.

Delimitado que está o objecto do recurso pelas conclusões das recorrente, as questões a decidir são as seguintes:

1. As invocadas nulidades de sentença, previstas nas al. b) e d) do art. 668º nº1 do C.P.C.;

2. Se deve ser alterada a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida;

3. Se entre a R. e o A. existia um contrato de trabalho.

II. Cumpre apreciar e decidir:

2.1. As nulidades da sentença.

A recorrente defende que a sentença recorrida encontra-se ferida das nulidades mencionadas nas alíneas b) e d) do art. 668º nº1 do CPC, ou seja, falta de motivação ou fundamentação e omissão de pronúncia e pronúncia indevida.

No processo laboral resulta do art. 77º do CPT um regime particular de arguição de nulidades de sentença, que se traduz no facto da arguição ter de ser feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso e quando da sentença não caiba recurso ou não se pretenda recorrer, a arguição das nulidades da sentença é feita em requerimento dirigido ao juiz que a proferiu.

No caso concreto dos autos a recorrente arguiu a nulidade logo no requerimento de interposição de recurso, dirigido ao Sr. Juiz do Tribunal recorrido, pelo cumpriu a disposição legal referida.
As nulidades da sentença resultam da violação da lei processual por parte do juiz ao proferir a decisão, situando-se assim no âmbito restrito da elaboração de decisões judiciais, desde que essa violação preencha um dos casos contemplados no nº1 do art. 668º do CPC.

Como refere o Prof. Antunes Varela [1] não se incluiu entre as nulidades de sentença o chamado erro de julgamento, a injustiça da decisão, a não conformidade dela com o direito substantivo aplicável, o erro na construção do silogismo judiciário.

Por outro lado, Fernando Amâncio Ferreira [2] frisa que a falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito.

O mesmo autor adianta que motivação incompleta, deficiente ou errada não produz nulidade, afectando somente o valor doutrinal da sentença e sujeitando-a consequentemente ao risco de ser revogada ou alterada quando apreciada em recurso.

No presente caso o Sr. Juiz especificou os factos que considerou provados tendo na fundamentação de direito feito alusão por remissão à factualidade dada como provada e às disposições legais aplicáveis.

Relativamente aos fundamentos de direito importa referir que o julgador não tem de analisar todas as razões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador. [3]

As questões colocadas pela recorrente, nas al. B) a U) das suas conclusões, que no seu entender integram as nulidades previstas nas alíneas b) e d) do nº 1 do art. 668º do CPC, mais não são do que divergências quanto ao julgamento de facto e de direito da causa, questionando sempre a existência do contrato de trabalho entre o A. e a R.

A sentença recorrida especificou os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão e pronunciou-se apenas sobre as questões que foram suscitadas.

Como já se referiu as divergências quanto ao julgamento de facto e de direito da causa não podem ser consideradas nulidades de sentença, razão pela qual não se atendem as nulidades arguidas pela R..
2.2. Quanto à impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto:

O art. 712º nº1 do Código de Processo Civil prevê a possibilidade do Tribunal da Relação poder alterar a decisão do tribunal de 1ª instância nas seguintes situações:

a) Se do processo constarem todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os pontos da matéria de facto em causa ou se, tendo ocorrido gravação dos depoimentos prestados, tiver sido impugnada, nos termos do artigo 690.º-A, a decisão com base neles proferida;

b) Se os elementos fornecidos pelo processo impuserem decisão diversa, insusceptível de ser destruída por quaisquer outras provas;

c) Se o recorrente apresentar documento novo superveniente e que, por si só, seja suficiente para destruir a prova em que a decisão assentou.

Por seu turno, o art. 685º -B do CPC, estabelece as regras a que tem de obedecer a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto.

Assim, o recorrente deve obrigatoriamente especificar, sob pena de rejeição:

a) Os concretos pontos de facto que considera incorrectamente julgados;
b) Os concretos meios probatórios, constantes do processo ou de registo ou gravação nele realizada, que impunham decisão sobre os pontos da matéria de facto impugnados diversa da recorrida.

No caso previsto na alínea b) quando os meios probatórios invocados como fundamento do erro na apreciação das provas tenham sido gravados e seja possível a identificação precisa e separada dos depoimentos, nos termos do disposto no nº2 do art. 522º-C, incumbe ao recorrente, sob pena de imediata rejeição do recurso no que se refere à impugnação da matéria de facto, indicar com exactidão as passagens da gravação em que se funda, sem prejuízo da possibilidade de, por sua iniciativa, proceder à respectiva transcrição.

Antes de mais, importa ainda frisar que o art. 396º do Código Civil refere que a força probatória dos depoimentos das testemunhas é apreciada livremente pelo tribunal, o que nos leva a concluir que na nossa lei processual civil vigora o princípio da livre apreciação da prova testemunhal segundo o qual a prova é apreciada segundo as regras da experiência e a livre convicção do julgador.

De qualquer forma, a livre apreciação e convicção da prova não é uma operação puramente subjectiva, por meio da qual se chega a uma conclusão unicamente baseada em impressões ou conjecturas de difícil ou impossível objectivação, mas uma valoração racional e crítica, de acordo com as regras comuns da lógica, da razão, das máximas da experiência e dos conhecimentos científicos, de tal modo que a convicção pessoal seja sempre uma convicção objectivável e motivável – trata-se em suma, da convicção da verdade dos factos, para além de toda a dúvida razoável.

Como refere o Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, pág. 384, segundo o princípio da livre apreciação das provas “o que torna provado um facto é a íntima convicção do juiz, gerada em face do material probatório trazido ao processo (bem como da conduta processual das partes) e de acordo com a sua experiência da vida e conhecimento dos homens; não a pura e simples observância de certas formas legalmente prescritas. O que decide é a verdade material e não a verdade formal.”

Intimamente relacionados com este princípio da livre apreciação e convicção estão os princípios da oralidade e imediação. O primeiro exige que a produção da prova e a discussão, na audiência de julgamento, se realizem oralmente, de modo que todas as provas excepto aquelas cuja natureza o não permite, terão de ser apreendidas pelo julgador por forma auditiva. O segundo diz respeito à proximidade que o julgador tem com os participantes ou intervenientes no processo, ao contacto com todos os elementos de prova através de uma percepção directa ou formal. Esta percepção imediata oferece maiores possibilidades de certeza e da exacta compreensão dos elementos levados ao conhecimento do tribunal.

Estes princípios possibilitam o indispensável contacto pessoal entre o juiz e as diversas fontes de prova (cfr. ainda Prof. Manuel de Andrade, Noções Elementares de Processo Civil, Coimbra Editora, Limitada, pág. 386). Só eles permitem avaliar o mais correctamente possível da credibilidade das declarações prestadas pelas testemunhas.

Longe da plenitude da prova efectuada em julgamento importa, na reapreciação da prova, ter a necessária cautela para não desvirtuar os aludidos princípios, dando primazia à verdade formal em detrimento da sempre tão desejada verdade material.

Tendo o julgamento sido gravado e estando disponíveis todos os elementos de prova torna-se viável a sua reapreciação.

A recorrente, ainda que de uma forma vaga, cumpriu os requisitos formais da impugnação impostos por lei, sendo certo que tendo a gravação sido efectuada em CD, com registo autónomo de cada depoimento, era perfeitamente possível indicar com exactidão as passagens da gravação.

Assim, não se vislumbra fundamento na questão prévia suscitada nas alegações da recorrente, em que refere dificuldade de identificar de forma precisa cada depoimento, pois, como já se disse, os depoimentos foram gravados em separado, sendo perfeitamente identificada cada testemunha de forma autónoma, iniciando-se no início de cada depoimento a respectiva contagem.

A prova dessa facilidade de identificação precisa de cada depoimento resulta da resposta do A. em que foram feitas as devidas referências à contagem.

Em síntese, a recorrente, impugna a matéria de facto quanto às seguintes questões (segue-se a enumeração das respectivas conclusões):

X) Não se provou a data de início de vigência do contrato de trabalho;

Z) Não ficou demonstrado que o Autor prestasse o seu trabalho, nas instalações da Ré, utilizando os meios materiais ao dispor, por imposição da Ré;

AA) Ficou demonstrado que o Autor tinha autonomia quanto ao tempo e modo da sua prestação, designadamente, quando pretendia fazer “férias” ou quando se ausentava, nunca tendo existido oposição da Ré;

AB) Resultou da discussão que a Ré não emitia ordens e instruções ao Autor, no sentido de conformar a sua prestação de acordo com os interesses da Ré, nem obrigava o Autor a executar os trabalhos que pretendia;

AC) Resultou da discussão que o Autor era pago mediante um valor horário, negociado e não imposto pela Ré;

AD) A Ré nunca questionou o fiabilidade dos registos de ponto, do cartão magnético, ou da inserção manual das horas de entrada e saída de cada um dos colaboradores, registos que serviam para contabilizar as horas a pagar ao Autor e demais colaboradores e a imputar custos nos projectos dos clientes da Ré;
AE) Não resultou demonstrada a ilicitude da cessação do alegado contrato de trabalho, por não ter incidido prova sobre os factos alegados pelo Autor.

O Tribunal recorrido fundamentou da seguinte forma a decisão proferida sobre a matéria de facto:
“Para além da matéria alegada na p.i. e não impugnada pela Ré (havendo a notar, em especial, que a Ré não impugna a matéria dos arts. 56.º a 68.º da p.i., relativa às circunstâncias que rodearam a cessação da relação contratual) e da análise da documentação junta aos presentes autos – fundamentalmente, com a petição inicial e com a contestação, contendo, para além do mais, algumas cópias dos recibos emitidos, os registos de entrada e de saída e as certidões comerciais da Ré e da sociedade J.., Lda. – baseou o tribunal a sua convicção nos depoimentos de:

- D…, arquitecto, que desenvolveu a sua actividade no gabinete da Ré entre 2001 e Abril de 2004, descrevendo as circunstâncias em que o A. (conhecido na empresa pelo diminutivo de Paco) exercia as suas funções de desenhador, entrando por regra mais cedo e saindo mais cedo; e se é certo que a empresa não exigia uma justificação escrita das faltas, o certo é que era esperado que não faltassem, tanto mais que existia trabalho a ser efectuado e prazos de entrega a cumprir junto dos clientes; por outro lado, o A. não escolhia o trabalho que fazia, tendo de aceitar o que lhe mandavam fazer, existindo pessoas que dentro da empresa procediam à coordenação dos demais; mais informou que o trabalho tinha de ser efectuado no atelier, tanto mais que os projectos e desenhos eram propriedade intelectual da Ré;

- R., urbanista, que desempenhou funções na Ré até 2003/2004, prestando um depoimento muito semelhante ao da anterior testemunha, descrevendo igualmente a estrutura da Ré e a circunstância de terem todos de executar os trabalhos que eram determinados, não podendo recusar a intervenção em projectos e devendo cumprir os prazos estabelecidos, isto no interesse da Ré, tanto mais que não tinham, por regra, contacto com os clientes desta;

- M., arquitecta, que desempenhou funções na Ré entre 1995 e 2003, regressando à empresa em 2007, reconhecendo que não eram pagos à peça, por cada projecto ou desenho executado, mas sim através do n.º de horas que estavam nas instalações da Ré a executar as suas funções; reconhecendo que existiam coordenadores de trabalho no atelier – no caso da testemunha, era o arquitecto J. – e que os projectos não eram assinados, quer pela testemunha, quer pelo A., mas sim pelos arquitectos principais no atelier; mais referiu que apenas conhece o caso de uma pessoa que trabalha em casa, limitando-se a ir buscar o trabalho ao atelier, trabalhando todos os demais nas próprias instalações da empresa e com as respectivas horas de entrada e de saída controladas; e desconhecendo se o A. estava em exclusividade, admitindo que poderia executar trabalhos para terceiros, mas desconhecendo efectivamente para quem e em que condições;

- M., directora de serviços da J…, Lda., tendo sido casada com um dos sócios-gerentes desta – o arquitecto J. – descrevendo basicamente o horário praticado pelo A., afirmando que a Ré não controlava se o A., no gabinete, estava a trabalhar ou não – mas, no entanto, o trabalho tinha de aparecer feito e nos prazos assinalados;

- M.C., arquitecta coordenadora, que desempenha as suas funções para a J., Lda., e a Ré, há mais de 17 anos, descrevendo as áreas essenciais de actividade de ambas as empresas; afirmando que poderia ser possível ao A. rejeitar trabalho que lhe era apresentado – mas o certo é que desconhecia qualquer situação concreta em que o A. tivesse rejeitado trabalho, sendo que limitou-se a descrever o seu caso pessoal, em que não realiza as memórias descritivas, porque acha não ter jeito para escrever, entregando tal tarefa a outros, sendo que o tribunal concluiu tratar-se, no caso da testemunha, de uma excepção à regra geral, tanto mais que está em causa uma das arquitectas coordenadoras; reconhecendo que os projectos têm de ser efectuados pelos diversos elementos da equipa da Ré, com a coordenação de um responsável, tanto mais que a complexidade dos mesmos – principalmente, dos projectos de urbanismo, impossibilita que sejam realizados por uma única pessoa; afirmando que não era exigida exclusividade ao A., mas desconhecendo trabalhos concretos que este tenha desenvolvido para terceiros e em que termos; e reconhecendo que as férias eram comunicadas com antecedência, a fim de não ser prejudicado o trabalho em curso e cumpridos os prazos acordados com os clientes;
- P…, igualmente desenhador, como o A., desempenhando as suas funções na Ré desde 2000, sendo que no seu caso celebrou contrato de trabalho no ano de 2007 (anteriormente, estava a recibos verdes), continuando a desenvolver as mesmas tarefas que efectuava antes e nas mesmas condições; na Ré assume a responsabilidade pelo desenho tridimensional, reconhecendo que os trabalhos desta são de tal dimensão, que não podem ser exercidos por uma única pessoa, mas em equipa, havendo a necessidade de serem coordenados por um responsável; que o A. não reunia com os clientes da Ré, executando as tarefas que esta lhe determinava e que não partia para férias sem prévia combinação com a Ré.

Do conjunto destes depoimentos e da análise da documentação reunida, o tribunal logrou concluir estar em causa uma estrutura organizada pela Ré, com vista à realização profissional de projectos e desenhos, sendo o A. um dos elementos dessa mesma estrutura, não dispondo de autonomia na organização do seu trabalho, estando sujeito às instruções que recebia e aos métodos e condições de trabalho da empresa, motivo pelo qual se fixou a prova no modo supra descrito. Tanto mais que o A. não era pago à peça, pelo projecto ou desenho realizado, mas sim pelas horas em que se encontrava no atelier da Ré a desenvolver as suas funções – existisse ou não existisse trabalho a ser realizado.

Em suma, são estas a circunstâncias essenciais que motivaram a resposta à matéria de facto, havendo a notar que os factos não provados assim o foram, por serem contraditórios com a matéria já provada ou sobre eles não se ter produzido prova suficientemente isenta e credível.”


Ouvido o registo dos depoimentos prestados em audiência de julgamento das testemunhas D., R., M., M.C., M.T. e P., e considerada a matéria de facto não impugnada, bem como toda a documentação junta aos autos, concluímos que não assiste razão à recorrente quando pretende a alteração da matéria de facto.

Na verdade, estamos perante um caso concreto em que tem de ser efectuada uma valoração global de todos os elementos disponíveis, não podendo ser apenas considerados os depoimentos desgarrados desse conjunto.

Quanto ao início da vigência do contrato entre o A. e a R. a testemunha referiu que em 1995, quando começou a desempenhar funções na R. já o A. lá trabalhava (Cfr. depoimento de 06:02 a 07:04). Articulando este depoimento com o conjunto da prova parece legítimo que o Tribunal tenha dado como provado que a partir de finais de 1995, o A. passou a exercer funções de desenhador para a R.
Quanto à forma de prestação do trabalho pelo A., à organização do tempo da prestação de trabalho, à remuneração temos os depoimentos das testemunhas D. que se pronunciou de forma bem clara sobre as circunstâncias da prestação de trabalho do A. referindo que os trabalhos tinham ser efectuados no atelier; R. que referiu que o A. tinha de executar os trabalhos que lhe eram determinados pela, cumprindo prazos, sem margem de manobra para recusar projectos; M. que mencionou como era a forma de pagamento na R. segundo o nº de horas que estavam nas instalações a executar funções e não à peça; P. que acentuou a necessidade do trabalho ter de ser efectuado em equipa com necessidade de coordenação por um responsável.

A recorrente refere ainda que não resultou demonstrada a ilicitude da cessação do alegado contrato de trabalho, por não ter incidido prova sobre os factos alegados pelo Autor.

Importa salientar que “ ilicitude da cessação do contrato” é um conceito de direito, que forma alguma poderia constar da matéria de facto provada.

Já o que consta do ponto 40 dos factos provados encerra alguns factos quando se refere que o sócio gerente L. informou o A. que a partir do dia seguinte (a 17/5/07) deixaria de trabalhar para a empresa.

Esta factualidade foi alegada pelo A. no art. 68º da sua p.i. e não foi impugnada pela R, na sua contestação, que admitiu no art. 138 ter dispensado a prestação de serviços do A.

Também não nos merece reparo a apreciação da prova documental junta aos autos, nomeadamente dos documentos 2 a 7 juntos com a contestação, que não foram considerados pelo tribunal, pois são documentos particulares atinentes a uma eventual relação entre a R. e a empresa J., cuja autoria não é atribuída ao A., carecendo assim de força probatória, nos termos do art. 376º do C.C.

Assim, não se vislumbram razões para satisfazer a pretensão da R. quanto à alteração da matéria de facto.

2.3. Apreciada a impugnação da decisão proferida sobre a matéria de facto é altura de se consignar a factualidade dada como provada, que se considera fixada:

1. Pelo menos a partir de 1 de Fevereiro de 1993, o A. passou a exercer as funções de desenhador, para a sociedade J. ….,Lda.), nas instalações desta sociedade, sitas …em Carcavelos;

2. No exercício destas funções, o A. elaborava desenhos e realizava outras tarefas associadas a projectos de arquitectura e de urbanismo;

3. O A. não seleccionava os trabalhos que realizava, efectuando aqueles que a JQPV, Lda., lhe determinava que efectuasse, sendo que esta determinava igualmente a forma de organização da sua actividade;

4. Na execução das suas funções, o A. utilizava os meios que a referida sociedade colocava à sua disposição, entre eles “plotters” (impressoras e fotocopiadoras de grandes formatos), máquinas de dobragem de desenhos e de encadernação, material de desenho, computadores, programas e sistemas informáticos;

5. Em 31.03.1995, foi registada a constituição da sociedade Ré, tendo como sócios o arquitecto L…, com duas quotas de € 4.987,98 e de € 14.963,94, e a sociedade J…, Lda., com uma quota de € 29.927,87;

6. Como gerentes, a Ré teve os arquitectos L., J. e P.;

7. De acordo com o registo comercial, a Ré tem o seguinte objecto social: «Elaboração de planos municipais de ordenamento de território. Elaboração de planos de salvaguarda e reabilitação de centros históricos. Elaboração de estudos de impacto ambiental. Consultadoria em investimentos urbanos e na organização e implementação de empresas de serviços urbanos. Gestão e controlo de implementação do plano de urbanização e empreendimentos urbanos. Desenvolvimento de software específico por meios de planeamento e gestão urbana. Elaboração de estudos e projectos para qualificação urbana»;

8. A sociedade Ré tem a sua sede na mesma morada da J…, Lda., e nesse local passou a exercer a sua actividade, utilizando os meios materiais e humanos da J…, Lda.;

9. Pelo menos a partir de finais de 1995, o A. passou a exercer as funções de desenhador para a sociedade Ré, nos mesmos moldes em que já o fazia para a J…, Lda., e assim se manteve, sem interrupção nem alteração de funções ou local de exercício das mesmas, até 17 de Maio de 2007;

10. Com efeito, o A. continuou a elaborar desenhos – em especial, na área da Finalização Gráfica – e a realizar outras tarefas associadas a projectos de arquitectura e de urbanismo, cuja ideia original havia sido previamente concebida e desenvolvida pelos arquitectos e urbanistas da Ré, e seguindo as orientações e instruções que esta lhe fornecia;

11. Continuou a executar estas funções nas mesmas instalações …, em Carcavelos, por imposição da Ré; continuou a não seleccionar os trabalhos que realizava, efectuando aqueles que a Ré lhe determinava que efectuasse, sendo que esta continuou a determinar a forma de organização da sua actividade; e a Ré continuou a fornecer-lhe os meios necessários ao desempenho da sua actividade, como “plotters”, máquinas de dobragem de desenhos e de encadernação, material de desenho, computadores, programas e sistemas informáticos;

12. O A. recebia pelo exercício das suas funções de desenhador quantias mensais, emitindo inicialmente “recibos verdes” e, a partir de 1994, os recibos de fs. 30 a 184, que aqui se dão por integralmente reproduzidos, contendo genericamente os seguintes dizeres: «Prestação de serviços efectuada no mês de (…), relativo à execução de desenhos assistidos por computador. Honorários: (…); IVA (…); Retenção na fonte (…)»;

13. A partir de 29.12.1995 o A. passou a emitir os referidos recibos à Ré, com ressalva dos meses de Março e Novembro de 1996, Outubro de 1997, Abril de 2001, Janeiro de 2003, Janeiro a Março, Maio e Outubro de 2004, Maio, Outubro e Dezembro de 2006, Janeiro e Fevereiro de 2007, em que os emitiu à J…, Lda., a pedido da Ré;

14. O A. recebia uma retribuição variável, negociada com a Ré, em função do número de horas prestadas, sendo que no ano de 2007, recebia € 12,08/hora;

15. Anteriormente, até Fevereiro de 1997, era pago a € 7,98/hora; até Fevereiro de 1998, a € 8,48/hora; até Março de 1999, a € 8,73/hora; até Setembro de 2000, a € 9,50/hora; em Setembro de 2000, a € 9,79/hora; entre Outubro e Dezembro de 2000, a € 10,72/hora; entre Janeiro de 2001 e Fevereiro de 2002, a € 11,10/hora; até ao final de 2004, a € 11,43/hora; passando desde então a receber € 12,08/hora;

16. Entre os anos de 1993 e 2007, as retribuições auferidas pelo A. tiveram a seguinte média mensal:
-Ano de 1993: € 654,26;
-Ano de 1994: € 941,37;
-Ano de 1995: € 1.050,69;
-Ano de 1996: € 1.227,31;
-Ano de 1997: € 1.193,67;
-Ano de 1998: € 1.274,15;
-Ano de 1999: € 1.261,05;
-Ano de 2000: € 1.224,33;
-Ano de 2001: € 1.415,67;
-Ano de 2002: € 1.704,21;
-Ano de 2003: € 1.652,79;
-Ano de 2004: € 1.658,42;
-Ano de 2005: € 1.348,99;
-Ano de 2006: € 1.552,88;
-Ano de 2007: € 1.784,43;

17. Aquando do gozo das suas férias, o A. continuava a receber da Ré uma remuneração, e em Dezembro também lhe era paga uma quantia para além daquela que recebia pela execução das suas funções, com ressalva de alguns anos em que a Ré, invocando dificuldades financeiras, não as pagou;

18. Nas férias do A., a Ré pagou-lhe, em 1996, a quantia de € 1.246,99; em 1997, a quantia de € 1.296,97; em 1998, a quantia de € 1.421,42; em 1999, a quantia de € 1.296,87; em 2000, a quantia de € 1.381,86; em 2001, a quantia de € 1.476,30; em 2002, não lhe foi paga qualquer quantia nas suas férias; em 2003, a quantia de € 1.711,76; em 2004, a quantia de € 1.682,50; em 2005, a quantia de € 1.328,80; em 2006, a quantia de € 1.860,32; sendo que em 2007 não chegou a gozar férias;

19. Nos meses de Dezembro, a Ré pagou as seguintes quantias, para além daquelas que lhe pagava pela execução das suas funções: em 1995, a quantia de € 987,03; em 1996, a quantia de € 1.065,80; em 1997, a quantia de € 1.296,87; em 1998, a quantia de € 1.246,99; em 1999, a quantia de € 1.596,15; em 2000, a quantia de € 1.396,63; em 2001, a quantia de € 1.565,23; em 2002, a quantia de € 800,00; em 2003, tais valores não foram pagos, com invocação de dificuldades financeiras; em 2004, a quantia de € 1.150,00; e a partir de 2005, tais valores não foram pagos, com invocação de dificuldades financeiras;

20. Na execução das suas funções, o A. trabalhou em 1996 um total de 1914,98 horas; em 1997, um total de 2003,86 horas; em 1998, um total de 1966 horas; em 1999, um total de 1897,43 horas; em 2000, um total de 1733,93 horas; em 2001, um total de 1804,46 horas; em 2002, um total de 1715,29 horas; em 2003, um total de 1884,97 horas; em 2004, um total de 1988,93 horas; em 2005, um total de 1450 horas; em 2006, um total de 1696,60 horas; e nos primeiros 4 meses de 2007, um total de 590,87 horas;

21. Em 1997, o A. executou as suas funções nas instalações da Ré, num total de 230 dias do ano; em 1998, um total de 224 dias do ano; em 1999, um total de 225 dias do ano; em 2000, um total de 206 dias do ano; em 2001, um total de 222 dias do ano;

22. No ano de 2002, o A. tem registados 20 dias de execução das suas tarefas nas instalações da Ré, no mês de Janeiro e 19 dias no mês de Fevereiro; no ano de 2004, 19 dias no mês de Maio e 22 no mês de Julho; no ano de 2005, 13 dias no mês de Junho, 15 dias no mês de Setembro e 15 dias no mês de Dezembro; e no ano de 2006, tem registados 18 dias no mês de Setembro;

23. As horas em que o A. executava as suas funções, eram controladas pela Ré, inicialmente através da marcação de um cartão de ponto e, depois, através da passagem de um cartão com banda magnética, marcando as horas em que o mesmo entrava e saía;

24. Esporadicamente, o registo das horas de entrada e de saída era feito manualmente pelo A., nomeadamente quando se esquecia de marcar o ponto ou passar a banda magnética;

25. A esposa do A. tinha uma relação de afinidade (cunhada) com o gerente da Ré, arquitecto P.;
26. Mercê dessa relação e da circunstância de registar as horas de entrada e de saída do A., a Ré permitiu-lhe que cumprisse um horário de acordo com a sua conveniência, desde que executasse todas as tarefas que lhe eram destinadas;

27. Inicialmente, o A. entrava cerca das 09.30 horas, cumpria uma hora de intervalo para almoço e saía cerca das 18.00 horas;

28. Porém, a partir de 1998, altura em que o A. passou a residir em Azeitão, a Ré aceitou que o mesmo passasse a entrar mais cedo e a sair igualmente mais cedo, a fim de evitar os congestionamentos da Ponte 25 de Abril;

29. Assim, desde 1998, o A. passou a entrar nas instalações da Ré, na maior das vezes, entre as 06.40 e as 07.00 horas, saindo mais cedo, por volta das 15.00 horas, de forma a poder tratar dos seus assuntos pessoais, tais como ir buscar os filhos à escola;

30. O A. comunicava as suas ausências à Ré, não lhe exigindo esta justificação ou autorização prévia;
31. Interessava à Ré a execução pelo A. das suas funções de desenhador, de modo a poder concluir os projectos que lhe haviam sido encomendados, e nos prazos acordados com os clientes;

32. O A. acordava com a Ré os seus períodos de férias;

33. Em Dezembro de 1995, a Ré informou os seus colaboradores, entre os quais o A., que as respectivas funções deveriam ser cumpridas dentro do horário de funcionamento da empresa, das 09.30 às 19.00 horas;

34. O que não foi aceite pelo A., que continuou a entrar e a sair às horas supra referidas;

35. Em Dezembro de 2006, o sócio-gerente da Ré, arquitecto L…, apresentou ao A. duas propostas: 1.ª – celebração de um contrato de trabalho com a empresa, a termo certo por 1 ano; ou, 2.ª – criação de uma empresa unipessoal, comprometendo-se a Ré a contratar esta empresa em regime de prestação de serviços, nas instalações da Ré ou em casa do Autor, com a duração de 1 ano, podendo ou não ser renovado no final do prazo;
36. No início de Janeiro de 2007, o A. reuniu-se com os gerentes da Ré, tendo estes proposto os seguintes valores: 1.ª – como empregado da empresa passaria a receber € 1.300,00 de salário mensal, acrescido de subsídio de alimentação; 2.ª – no regime de prestação de serviço passaria a receber € 2.000,00 por mês, trabalhando 120 horas por mês e apresentando-se no atelier, uma a três vezes por semana;

37. Desde então e até à primeira semana de Março de 2007, sucederam-se as reuniões entre A. e Ré, nas quais foram esclarecidas as condições que constariam do contrato de trabalho, opção que merecia à partida a preferência do A.;

38. As propostas da Ré foram consubstanciadas nas minutas de fs. 278 a 280 e 281 a 283, que aqui se consideram integralmente reproduzidas, sendo que os valores que a Ré propunha para formalizar o contrato de trabalho eram € 1.421,85 ilíquidos, acrescidos de subsídio de alimentação no valor de € 5,75/dia, e com um horário das 10h às 13h e das 14h às 19h, num total de 40h semanais, deixando de ser um contrato a termo certo;

39. No dia 17 de Maio de 2007, numa última reunião, o A. informou que não iria assinar nem o contrato de avença nem tão pouco o de trabalho proposto, por assim perder direitos que considerava já ter adquirido;

40. O sócio-gerente L…, num tom furioso, informou então o A. que a partir do dia seguinte deixaria de trabalhar para a empresa;

41. A J…, Lda., tem o seguinte objecto social: «gestão, coordenação e elaboração de projectos de construção civil, direcção e construção de obras, concepção e comercialização de “designs” originais; importação e exportação de material ligado à construção civil e decoração»;

42. Tem como sócios e gerentes os arquitectos J… e P…;

43. A Ré dedica-se essencialmente à elaboração de projectos de urbanismo (loteamento) e à execução de planos municipais, enquanto a J…, Lda., desenvolve a sua actividade na área do desenvolvimento de projectos de arquitectura ligados à construção civil e decoração;

44. Ambas as empresas têm contabilidade, facturação e clientes diferentes;

45. A Ré funciona com uma equipa multi-disciplinar, onde participam arquitectos, desenhadores e empresas, cada um intervindo nas diferentes fases de execução de um determinado projecto, o que constitui prática habitual em gabinetes de arquitectura;

46. Existe um arquitecto responsável por cada projecto, que coordena o trabalho da equipa, tendo em vista o resultado final pretendido pelo cliente da Ré;

47. Nessa equipa, o A. executava as suas funções de desenhador, em especial procedendo à Finalização Gráfica dos desenhos e plantas, de acordo com as directivas, instruções e orientações que recebia da Ré e dos respectivos arquitectos e urbanistas.

2.4. Fixada a matéria de facto dada como provada passaremos a apreciar a última questão a que urge dar resposta que consiste em saber se entre a R. e o A. existia um contrato de trabalho.

Segundo a matéria de facto provada o A., a partir de finais de 1995, passou a exercer as funções de desenhador para a sociedade Ré, nos mesmos moldes em que já o fazia para a J…, Lda., e assim se manteve, sem interrupção nem alteração de funções ou local de exercício das mesmas, até 17 de Maio de 2007.

Tratando-se de uma relação estabelecida antes da entrada em vigor do Código do Trabalho de 2003, que se verificou em 1/12/2003, o regime a considerar no que diz respeito à qualificação do contrato será o da LCT, atento o disposto no art. 8º da Lei nº 99/2003, de 27/8, que aprovou o Código do Trabalho.
Nos termos do art. 1º. do DL nº. 49408, de 24/11/69, contrato de trabalho é aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra pessoa, sob a autoridade e direcção desta.

Uma das figuras mais próximas do contrato de trabalho é o contrato de prestação de serviços.

O atº. .1154º. do C. Civil define contrato de prestação de serviços como aquele em que uma das partes se obriga a proporcionar à outra certo resultado do seu trabalho intelectual ou manual, com ou sem retribuição.

Confrontando as referidas definições legais verificam-se duas diferenças essenciais:

1º - No contrato de prestação de serviços trata-se de proporcionar certo resultado do trabalho enquanto no contrato de trabalho se refere o prestar uma actividade;

2º - No contrato de prestação de serviços não há qualquer referência à autoridade e direcção de outrem.
O critério último de distinção entre as duas figuras jurídicas e adoptada pela Jurisprudência é o da sujeição à autoridade e direcção de outrem - subordinação jurídica.

Assim, no Acórdão do STJ de 10/10/85, publicado no BM),350/292, defende-se que no contrato de prestação de serviços, ao contrário do contrato de trabalho, o prestador não fica sujeito à autoridade e direcção da pessoa ou entidade servida, exercendo a actividade conducente ao resultado pretendido como melhor entender, de harmonia com o seu querer e saber e a sua inteligência.

A subordinação jurídica traduz-se numa situação de sujeição em que se encontra o trabalhador de ver concretizada, por simples vontade do empregador, numa ou noutra direcção, o dever de prestar em que está incurso.

A doutrina e Jurisprudência têm enumerado determinadas traços distintivas com vista a facilitar a distinção entre contrato de trabalho e contrato de prestação de serviços, traços distintivos esses que devem ser utilizados como tópicos indiciadores de subordinação jurídica.

São eles:

- A formula de remuneração - sugere contrato de trabalho a retribuição certa, em função do tempo, fornecendo indicação oposta, se bem que não decisiva, a remuneração variável;

- O número de beneficiários da actividade - indicaria um contrato de trabalho quando os serviços forem prestados a favor de uma pessoa e em sentido contrário quando o prestador estivesse na permanente disponibilidade de vários interessados;

- A propriedade dos instrumentos de trabalho - se pertencerem ao empregador indiciam a existência de contrato de trabalho;

- A natureza da prestação - no caso de o objecto do contrato ser a actividade em si mesma, haverá provavelmente trabalho subordinado, se for pelo contrário o resultado de uma actividade, poderá supor-se a existência de trabalho autónomo.

- A existência de um horário de trabalho - que indicia a existência de contrato de trabalho.

- Natureza do local de trabalho - se for situado no domicilio ou em estabelecimento do trabalhador, poderá tratar-se de trabalho autónomo e em caso contrário de trabalho subordinado.

- A subordinação económica - que existindo pode denotar um vínculo laboral.

No caso concreto dos autos, atenta a matéria de facto, e tal como se referiu na sentença recorrida verifica-se:

- falta de autonomia quanto à programação, orientação e planeamento do respectivo trabalho – demonstrada pela circunstância do A. não seleccionar os trabalhos que realizava, efectuando aqueles que, primeiro, a J…, Lda., e depois a Ré, lhe determinavam que realizasse, sendo que a Ré continuou a determinar a forma de organização da actividade laboral do A. ( cfr. pontos ;

- exercício da actividade de desenhador, com autonomia técnica limitada, na medida em que o A. executava as suas funções de desenhador, de acordo com as directivas, instruções e orientações que recebia da Ré e dos respectivos arquitectos e urbanistas;

- desempenho de funções numa área essencial da actividade da Ré, isto é, com integração do A. nas equipas multi-disciplinares de desenvolvimento das diversas fases de execução de um projecto;

- prestação da sua actividade nas instalações da Ré, com utilização dos instrumentos de trabalho que esta colocava à sua disposição;

- controlo das horas de execução das tarefas, com registo das mesmas através da picagem de cartão de ponto e, depois, através da utilização de um cartão com banda magnética;

- fixação da remuneração do A. por número de horas prestadas, independentemente deste efectuar um, dois, três ou quatro desenhos, ou mesmo não realizar qualquer desenho, por eventual falta de trabalho;

- marcação das férias por acordo com a Ré, sendo que nas mesmas continuava a receber um remuneração, para além de no mês de Dezembro receber uma quantia extraordinária, para além daquela que recebia pela execução das suas funções.

Nestas circunstâncias a actividade desenvolvida pelo A. tem de se considerar inserida num contrato de trabalho, pois a subordinação jurídica é bem patente, assim como a integração na estrutura organizativa da Ré.

Assim, bem andou a sentença recorrida ao reconhecer a existência de uma relação laboral entre o A. e a Ré.

Relativamente à cessação do contrato também não temos dúvidas de que estamos perante um despedimento ilícito.

Provou-se que no dia 17 de Maio de 2007, numa última reunião, o A. informou que não iria assinar nem o contrato de avença nem tão pouco o de trabalho proposto, por assim perder direitos que considerava já ter adquirido. Perante esta atitude do A. o sócio-gerente L…, num tom furioso, informou então o A. que a partir do dia seguinte deixaria de trabalhar para a empresa.

Estes factos ocorreram já depois da entrada em vigor do Código do Trabalho, pelo que é de acordo com o regime deste diploma legal que tem de ser apreciada a cessação do contrato de trabalho.

Tendo-se dado como assente, face à factualidade provada, que o A. estava vinculado à R. por um contrato de trabalho, a desvinculação só poderia ocorrer nos termos previstos na lei (art. 384º do Código do Trabalho), sendo certo que são proibidos os despedimentos sem justa causa (art. 53º da CRP e 382º do Código do Trabalho).

No caso concreto, o comportamento do sócio-gerente Luís Serpa, informando o A. de que este a partir do dia seguinte a 17/5/2007, deixaria de trabalhar para a empresa, consubstancia um autêntico despedimento verbal, e desde logo ilícito por não ter sido precedido do respectivo procedimento (art. 429º al. a. do Código do Trabalho).

Assim, quanto a esta questão a sentença proferida pelo tribunal recorrido também não merece censura.

III. Pelo exposto, acorda-se, na secção social deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar improcedente o recurso de apelação interposto pela R. decidindo-se manter a sentença recorrida.

Custas a cargo da recorrente.

(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).

Évora, 2009/ /

____________________________________________
Joaquim António Chambel Mourisco (relator)
____________________________________________
António Gonçalves Rocha
____________________________________________
Alexandre Ferreira Baptista Coelho
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[1] Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 668
[2] Manual dos Recursos em Processo Civil, Almedina, pág. 39 e segs.
[3] Prof. Antunes Varela, Manual de Processo Civil, Coimbra Editora, pág. 668

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