quarta-feira, 10 de outubro de 2012

PERÍODO EXPERIMENTAL



Proc. Nº 269/10.2TTVFX.L1-4    TRE     28 de Setembro de 2011


I - À contagem do tempo referente ao período experimental não é aplicável a norma constante do art. 278.º al. b) do Código Civil.
II – Se o trabalhador iniciou a execução do contrato em 21.09.2009, tendo faltado um dia em Outubro (falta que não é considerada para efeitos do período experimental), e a ré denunciou o contrato de trabalho no dia 21.12.2009, fê-lo no 91.º dia do período experimental (10 dias em Setembro + 30 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro);
III – A cessação do contrato de trabalho por denúncia do empregador, após decorrido o período experimental, tem de ser entendida como um despedimento sem justa causa

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

A instaurou, em 07/04/2010, a presente acção declarativa sob a forma de processo comum contra
«B, LDA..»,
pedindo que seja declarada ilícito o seu despedimento e, consequentemente, seja a Ré condenada a pagar-lhe as retribuições, vencidas e vincendas, desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da presente decisão; a quantia de € 2.395,08 a título de retribuições vencidas (€ 282,60 por conta de férias e subsídio de férias referente ao tempo de serviço prestado no ano 2009 e € 2.112,48 relativo a trabalho suplementar prestado entre 01/10/2009 e 18/12/2009); e ainda, € 1.695,63 a título de indemnização por antiguidade, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o vencimento até integral e efectivo pagamento.
Para tanto, alega que foi verbalmente admitido para, sob a autoridade, direcção e fiscalização da Ré, exercer, a partir de 21/09/2009, as funções de motorista de
pesados mediante o pagamento de € 565,21 mensais, acrescido de € 220,00 a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação, e que entre 01/10/2009 a 18/12/2009, pese embora tenha sido acordado um período de trabalho de 40 horas semanais, a prestar de 2ª a 6ª, sempre trabalhou das 03h00 às 19h00, trabalho suplementar cujo pagamento reivindicou à Ré e ao que esta, em 21/12/2009, lhe comunicou a denúncia do contrato, invocando o n.º 2 do artigo 114º do Código do Trabalho, sendo certo que o período experimental de 90 dias havia cessado há dois dias.
Contestando, a Ré nega que tenha acordado o pagamento de € 220,00 a título de ajudas de custo e subsídio de alimentação, esclarecendo que somente foi acordado o pagamento de € 100,00 a título de subsídio de alimentação e uma quantia variável a pagar em função do trabalho suplementar ou nocturno prestado, horas de trabalho que pagou ao Autor e que incluiu nos recibos sob a rubrica “ajudas de custo variáveis”, negando contudo que o Autor haja realizado 15 horas de trabalho diárias.
Por fim, alega que apesar da denúncia do contrato ter ocorrido no 92º dia após o início da prestação de trabalho, fê-lo em prazo porquanto o Autor faltou ao trabalho nos dias 23/10/2009 e 20/11/2009, sendo certo que a falta de aviso prévio de 7 dias não fere de ilícita a cessação.

Procedeu-se a julgamento, tendo a matéria de facto sido decidida sem reclamações.
Foi proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em
consequência, decide:
1. Declarar ilícito o despedimento de «A»..
2. Condenar «B,, LDA..» a pagar a «A» o valor correspondente às retribuições que deixou de auferir entre a data do despedimento e o trânsito em julgado da presente decisão, deduzidos os montantes a que alude o n.º 2 do artigo 390º do Código do Trabalho e as quantias obrigatoriamente devidas ao Fisco e à Segurança Social, a quem devem ser entregues, acrescida da quantia devida por conta de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a data de vencimento de cada uma das prestações em dívida até integral e efectivo pagamento.
3. Condenar «B, LDA..» a pagar a «A» a indemnização de antiguidade no valor de € 1.695,63 (mil seiscentos e noventa e cinco euros e sessenta e três cêntimos), acrescida da quantia devida por conta de juros de mora, à taxa de 4% ao ano, desde a citação até integral e efectivo pagamento.
4. Absolver «B, LDA..» do demais peticionado por «A».
5. Condenar «A» e «B, LDA..» no pagamento das custas processuais, na proporção do respectivo decaimento, que se fixa em 1/2 para o primeiro, sem prejuízo da dispensa de pagamento de que beneficia.

Inconformada com a sentença, veio a Ré interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer nos termos legais.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, a questão essencial a que cumpre dar resposta no presente recurso consiste em saber se a denúncia do contrato foi efectuada dentro do período experimental

II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados são os seguintes:
1. O A. foi admitido para trabalhar por conta e sob a direcção da R., nas instalações desta de Vialonga, Vila Franca de Xira, no dia 21 de Setembro de 2009, mediante contrato de trabalho verbal e sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados.
2. Foi acordado entre A. e R. que o salário mensal do A. ascendia a € 565,21, acrescido de subsídio de alimentação.
3. Em 21 de Dezembro de 2009 a R. entregou ao A. a comunicação da denúncia do contrato de trabalho com base no nº 2 do artº 114º do Código do Trabalho, onde ainda referiu ao mesmo que no final do mês de Dezembro lhe seriam pagos os duodécimos correspondentes a férias, subsídio de férias e dias trabalhados, visto já ter recebido o subsídio de Natal.
4. Uma das viaturas conduzidas pelo A. no período que trabalhou para a R. tem a matrícula 00-00-00 e dispõe de um sistema de leitura de cartão magnético onde cada motorista coloca o seu próprio cartão a fim de ser controlado o período de condução.
5. A outra viatura conduzida pelo A. com a matrícula 11-11-11 dispõe de um sistema de tacógrafo, onde cada motorista introduz um disco por forma a ser controlado o respectivo período de condução.
6. O A. conduziu a viatura referida em 4. nos dias e períodos referidos a fls. 61-108, atribuídos ao cartão magnético inserido com o nº ....
7. O A. recebeu da R. a título de ajudas de custo variáveis os montantes de € 180,71, € 389,38 e € 210,25 relativamente aos meses, respectivamente, de Setembro, Outubro e Dezembro.
8. Nas ajudas de custo variáveis a R. incluía o pagamento de horas extraordinárias, de subsídio de alimentação e do prémio de cargas e descargas, sendo este último variável em função do número de serviços efectuados.
9. O A. faltou ao trabalho um dia em Outubro de 2009.
10. A R. pagou ao A., em Dezembro de 2009, o montante de € 141,30 a título de subsídio de Natal.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
A questão colocada nos autos consiste em saber se a ré fez cessar o contrato de trabalho no período experimental.
A sentença recorrida entendeu que a ré/recorrente despediu o autor ilicitamente porquanto fez cessar o contrato de trabalho no 91.º dia sendo certo que o período experimental era de 90 dias.
Contudo a recorrente, defendendo que à contagem do período experimental se aplica o art. 279.º al. b) do CCivil, que estabelece que, “Na contagem de qualquer prazo não se inclui o dia (…) em que ocorrer o evento a partir do qual o prazo começa a correr”, afirma que a ré fez cessar o contrato no 90.º dia, ou seja no último dia do período experimental.
Vejamos os factos.
O autor foi admitido ao serviço da ré no dia 21 de Setembro de 2009, mediante contrato de trabalho verbal e sem termo, para exercer as funções de motorista de pesados.
Em Outubro de 2009 o A. faltou ao trabalho um dia.
Em 21 de Dezembro de 2009 a R. entregou ao A. a comunicação da denúncia do contrato de trabalho com base no nº 2 do artº 114º do Código do Trabalho.
Entre 21 de Setembro e 21 de Dezembro decorreram 92 dias (10 dias em Setembro + 31 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro) – tempo de duração do contrato.
Vejamos, então, se o contrato foi denunciado no período experimental conforme defende a ré/recorrente.
Os art.s 111.º a 114.º do Código do Trabalho na redacção introduzida pela Lei 7/2009 de 12.02, aplicável ao caso dos autos dado que a relação laboral se iniciou em Setembro de 2009 e terminou em Dezembro do mesmo ano, regulam o período experimental do seguinte modo:
Artigo 111.º
Noção de período experimental
1 — O período experimental corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção.
2 — No decurso do período experimental, as partes devem agir de modo que possam apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho.
3 — O período experimental pode ser excluído por acordo escrito entre as partes.

Artigo 112.º
Duração do período experimental
1 — No contrato de trabalho por tempo indeterminado, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 90 dias para a generalidade dos trabalhadores;
b) 180 dias para os trabalhadores que exerçam cargos de complexidade técnica, elevado grau de responsabilidade ou que pressuponham uma especial qualificação, bem como os que desempenhem funções de confiança;
c) 240 dias para trabalhador que exerça cargo de direcção ou quadro superior.
2 — No contrato de trabalho a termo, o período experimental tem a seguinte duração:
a) 30 dias em caso de contrato com duração igual ou superior a seis meses;
b) 15 dias em caso de contrato a termo certo com duração inferior a seis meses ou de contrato a termo incerto cuja duração previsível não ultrapasse aquele limite.
3 — No contrato em comissão de serviço, a existência de período experimental depende de estipulação expressa no acordo, não podendo exceder 180 dias.
4 — O período experimental, de acordo com qualquer dos números anteriores, é reduzido ou excluído, consoante a duração de anterior contrato a termo para a mesma actividade, ou de trabalho temporário executado no mesmo posto de trabalho, ou ainda de contrato de prestação de serviços para o mesmo objecto, com o mesmo empregador, tenha sido inferior ou igual ou superior à duração daquele.
5 — A duração do período experimental pode ser reduzida por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho ou por acordo escrito entre partes.
6 — A antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental.

Artigo 113.º
Contagem do período experimental
1 — O período experimental conta a partir do início da execução da prestação do trabalhador, compreendendo acção de formação determinada pelo empregador, na parte em que não exceda metade da duração daquele período.
2 — Não são considerados na contagem os dias de falta, ainda que justificada, de licença, de dispensa ou de suspensão do contrato.

Artigo 114.º
Denúncia do contrato durante o período experimental
1 — Durante o período experimental, salvo acordo escrito em contrário, qualquer das partes pode denunciar o contrato sem aviso prévio e invocação de justa causa, nem direito a indemnização.
2 — Tendo o período experimental durado mais de 60 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de sete dias.
3 — Tendo o período experimental durado mais de 120 dias, a denúncia do contrato por parte do empregador depende de aviso prévio de 15 dias.
4 — O não cumprimento, total ou parcial, do período de aviso prévio previsto nos n.os 2 e 3 determina o pagamento da retribuição correspondente ao aviso prévio em falta.

Da noção dada pela lei do que é o período experimental e para que serve, (corresponde ao tempo inicial de execução do contrato de trabalho, durante o qual as partes apreciam o interesse na sua manutenção) não restam dúvidas de que a contagem deste período se refere à execução do contrato – período em que o trabalhador exerce a sua actividade, e conta-se “ … a partir do início da execução da prestação do trabalhador” (art. 113.º n.º 1).
Parece não se conceber que, para efeitos de contagem do período experimental, o primeiro dia de execução do contrato não conte, conforme entende a ré.
Se o período experimental se destina a apreciar o interesse na manutenção do contrato de trabalho, não se vê qualquer justificação para que se suprima o primeiro dia de trabalho.
Conforme se decidiu no douto Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 7 de Outubro de 1999, in CJ/III/202, o vício de raciocínio da ré está em considerar como “prazo” um “tempo de execução do contrato”.
Repare-se que a lei, que acima transcrevemos, em parte alguma refere tratar-se de um “prazo”, referindo, sempre, “período experimental” que se conta desde o início da execução.
A seguir-se a interpretação defendida pela ré/recorrente, teríamos de contar a antiguidade do trabalhador a partir do dia seguinte ao início da execução do contrato e, não, como determina o n.º 6 do art. 112.º ao estabelecer que “A antiguidade do trabalhador conta-se desde o início do período experimental(sublinhado nosso)
Permita-se-nos trazer aqui à colação um exemplo que nos parece elucidativo de que o raciocínio da recorrente não colhe: como se sabe, o trabalhador tem direito a um período de férias em cada ano civil. Supondo que o trabalhador tem direito a gozar 22 dias úteis de férias e que acorda com a entidade empregadora gozar esse 22 dias úteis desde o início do mês de Julho. Será que a ré também iniciaria a contagem deste período de férias socorrendo-se do estabelecido no art. 278.º al. b) do CCivil?
Certamente que não!
Entendemos, assim, não ser aplicável ao período experimental, o normativo invocado pela ré.
Face a esta conclusão, e tendo em conta que o autor/trabalhador iniciou a execução do contrato em 21.09.2009, tendo faltado um dia em Outubro (falta que não é considerada para efeitos do período experimental), e a ré denunciou o contrato de trabalho no dia 21.12.2009, fê-lo no 91.º dia do período experimental (10 dias em Setembro + 30 dias em Outubro + 30 dias em Novembro + 21 dias em Dezembro) pelo que essa denúncia tem de ser entendida, tal como foi na sentença, como um despedimento sem justa causa, com as consequências ali estabelecidas.
Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos provados, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas nesta instância pela recorrente

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares

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