quarta-feira, 10 de outubro de 2012

RESOLUÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - DIREITO À INDEMNIZAÇÃO - CAUSA DE PEDIR



 Proc. Nº 160/08.2TTFAR.E1   TRE   2010/03/09


1. A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 441º a 446º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 443º do referido diploma, pressupõe sempre que este proponha uma acção declarativa de processo comum, invocando factualidade susceptível de integrar justa causa de resolução do contrato de trabalho, pedindo que se declare a licitude da resolução e a condenação da indemnização respectiva.

2. A conduta passiva do empregador permitindo que uma sua trabalhadora, no seio da empresa, alterasse a repartição das gorjetas entre os empregados, ao arrepio de uma regra existente na empresa, lesando os direitos e discriminando outra trabalhadora, assume uma ilicitude que, pelo seu grau de culpa, e pela sua gravidade é susceptível de condicionar a relação laboral, de forma a que seja inexigível a sua manutenção por parte do trabalhador

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:

M., residente…, em Almansil, intentou acção declarativa com processo comum, contra V…, Ldª, com sede em…, Loulé, pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 15.731,43, referente a indemnização pela resolução do contrato de trabalho, por si operada, com justa causa (€ 14.521,32), e retribuição de férias não gozadas, vencidas em 1/1/2007, (€ 1.210,11).

Para o efeito alegou, em síntese, que trabalhou por conta da Ré e que rescindiu o contrato com justa causa, através de carta enviada à Ré em 15/11/2007, e recebida por esta em 16/11/2007, por terem ocorrido factos que pela sua gravidade impossibilitaram a continuação da relação laboral.

A Ré contestou impugnando a factualidade alegada concluindo pela improcedência da acção.

Procedeu-se a julgamento tendo sido proferida sentença que julgou a acção improcedente, por não provada, e absolveu a Ré do pedido.

Inconformada com a sentença, a Autora apresentou recurso de apelação, tendo formulado as seguintes conclusões:

1 O artigo 444º, nº1 e nº2 do CT veio impor ao empregador que seja ele, por acção por si intentada no prazo de um ano após recepção da comunicação de rescisão por iniciativa do trabalhador com invocação de justa causa, que venha pedir ao Tribunal a declaração de que a rescisão não tem justa causa para não ser condenado na indemnização prevista para o caso no artigo 443º do CT.
2 - Se o empregador o não fizer no prazo de um ano previsto no artigo 444º nº 2 do CT a consequência é que aceita a licitude do motivo da rescisão, o que determina a sua condenação na indemnização devida ao trabalhador por resolução por iniciativa deste com fundamento em conduta ilícita e culposa do empregador.

3 - Do artigo 444º nºs 1 e 2 do CT decorre que cabe ao empregador, em acção por si intentada, alegar e provar que não teve conduta que possa ser qualificada de justa causa de rescisão por iniciativa do trabalhador.

4 - O artigo 444º do CT impõe ainda ao empregador o ónus da prova da ilicitude da rescisão de autoria do trabalhador, ou seja, é o patrão que tem de provar que não teve conduta motivadora de justa causa para o empregado se despedir, mesmo em acção intentada pelo empregado para fazer valer os seus direitos decorrentes da justeza da sua decisão de rescindir o contrato.

5- No caso em recurso a ré empregadora não intentou qualquer acção para pedir que o tribunal declarasse a ilicitude da resolução.

6 - Não o tendo feito há que concluir que aceitou que a recorrente tinha justo motivo para se despedir ao abrigo do disposto no artigo 441º do CT e condenar a empregadora no pagamento da indemnização pedida pela trabalhadora recorrente nos termos do artigo 443º do CT.

7- Numa interpretação sistemática é esse o sentido do artigo 444º do CT, uma vez que o artigo 445º estipula que no caso de o empregador impugnar a resolução do contrato com fundamento em ilicitude do procedimento previsto no artigo 442º, o trabalhador pode, até ao termo do prazo para contestar, corrigir o vício.
8 -Não é suficiente que venha a ré empregadora na contestação impugnar os factos alegados e que fundamentam a justeza da rescisão por iniciativa do trabalhador, como fez, agora, a recorrida, antes tem o empregador de intentar acção própria, no prazo de um ano após a resolução, e aí pedir que seja declarado que a resolução não tem justo fundamento.

9 - Não o tendo feito no prazo legal, tendo inobservado por completo os comandos dos números 1 e 2 do artigo 444º do CT, a decisão recorrida deveria ter dado como assente que essa acção não foi intentada pela ré no prazo legal e que a resolução perpetrada pela autora é lícita e daí retirar as consequências legais, fixando a indemnização pedida.

10 - O facto de uma trabalhadora da recorrida/empregadora e colega de trabalho da recorrente retirar a esta metade da gratificação que lhe é destinada, e fazê-lo diariamente, com o conhecimento e consentimento da empregadora, de a mesma trabalhadora se dirigir com frequência à recorrente com o conhecimento da recorrida empregadora, com as frases “vai para o caralho” e “vai à merda” e a desafiar para a pancada e a empregadora não tomar medidas disciplinares eficazes para pôr termo a tais factos, antes mostrando complacência, consubstancia falta grave e culposa da empregadora relativamente ao seu dever legal de proporcionar à recorrente sua empregada boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral (artigo 120 , alínea c. do CT , redacção em vigor nesta data).

11- Na sequência dos factos descritos na conclusão anterior, dizer a empregadora à recorrente, quando esta lhe entrega comprovativo de baixa médica por doença, “pensava que isso era uma carta de despedimento” há que concluir que a recorrida pretendia, com a apontada complacência que a recorrente continuasse a ser humilhada e ofendida para ser levada a demitir-se.

12 - Podia a recorrente encontrar-se de baixa por doença, ou continuar a trabalhar, e rescindir o contrato de trabalho com invocação de justa causa e iniciar relação de trabalho no dia imediato à produção dos efeitos da rescisão, por a tal inexistir obstáculo legal, pelo que é errada a conclusão da sentença de que aquela aproveitou o período de doença para procurar um outro trabalho onde se sentisse melhor.
13 - À recorrente foi dada baixa por doença causada pelas humilhações e ofensas que lhe foram infligidas no local de trabalho, com o conhecimento e complacência da recorrida, e o facto de esta não ter invocado a caducidade do direito da recorrente invocar a justa causa para rescisão com fundamento nessa doença, implica que se deva dar por assente que reconhece a existência da doença e que a mesma lhe foi causada no local de trabalho.

14 - O que consta das conclusões 10ª a 13ª constitui justa causa para rescisão do contrato por iniciativa da recorrente, pelo que também por esta razão deve a recorrida ser condenada a pagar a pedida indemnização à recorrente.

15 - O artigo 444º, nº1e nº 2, 443º, 444º do CT e 120º , alínea c) do mesmo Código.

A Ré contra-alegou, tendo pugnado pela improcedência do recurso.

Neste Tribunal o Exmo Procurador-Geral Adjunto emitiu parecer no sentido de que a sentença deve ser mantida.

Os autos foram com vista aos Ex.mos Juízes adjuntos.

Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente temos que as questões a decidir são as seguintes:

1. Saber se quando o contrato e trabalho cessa por iniciativa do trabalhador por resolução, com invocação de justa, o empregador tem de impugnar a resolução para não ser condenado na indemnização prevista no art. 443º do Código do Trabalho;

2. Saber se no caso concreto ocorreu justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho que a ligava à Ré.

Na sentença recorrida foi consignada a seguinte factualidade que, por não ter sido impugnada, se considera fixada:

1. A Autora foi admitida em 1999 por C. & R., Ld.ª como cozinheira estagiária.

2. Em 1 de Março de 2007 a Autora passou a prestar os seus serviços e a exercer as suas funções sob as ordens, direcção e fiscalização da Ré, que passou a pagar-lhe a contrapartida pecuniária por esse trabalho.

3. Em consequência do contrato declarando a cessão de posição contratual que a Ré celebrou com a sociedade acima referida.

4. A Autora é a associada n.º … do Sindicato dos Trabalhadores da Indústria de Hotelaria, Turismo, Restaurantes e Similares do Algarve.

5. Ultimamente a Autora auferia o vencimento mensal base de €1.210,11.

6. Tinha o seguinte horário estipulado pela Ré: 10H-18H com duas folgas semanais variáveis.

7. Por carta datada de 15 de Novembro de 2007 a Autora comunicou à Ré a rescisão do contrato de trabalho que as vinculava, com efeitos imediatos e com fundamento no seguinte:

«Iniciei a prestação de trabalho para essa empresa em Fevereiro de 1999, como Cozinheira, e em Maio de 2006 fui promovida a Chefe de Cozinha, cargo que me foi retirado pela gerente D. I., tendo o mesmo sido confiado à D. J. em Março de 2007.
Na empresa existe a regra, pelo menos desde 1999, ano em que iniciei funções, de as gorjetas de cada noite, serem divididas em partes iguais, entre todos os empregados do restaurante e da cozinha.

No dia 5 de Outubro de 2007 encontrava-me no fogão e tínhamos na cozinha, além da Chefe, D. J., uma copeira e uma ajudante. A D. J. mandou-me lavar a loiça, para me humilhar, e eu sugeri-lhe que quem devia lavar a loiça seria a ajudante e não eu, porque tinha trabalho meu para fazer.

A D. J. disse-me “então a partir de hoje passas a receber apenas metade da gratificação”.

E, dai em diante, ao final de cada noite a gorjeta era colocada em cima da mesa, igualmente dividida, e a D. J. retirava metade da minha e entregava-me a outra metade, metade que nunca recebi, desconhecendo o destino dado à metade retirada.

Queixei-me à gerente D. I. que me informou que a D. J. estava a agir com ordens suas.

Já em Junho de 2007 a D. J. desafiou-me para andar à pancada comigo, à frente de todos.

Desde que assumiu o cargo de Chefe de Cozinha que a D. J. tem sido rude e mal-educada comigo, ora não respondendo quando falava com ela, ora dando-me ordens contraditórias, ora mandando-me “à merda” ou “vai para o caralho”, ora mandando-me fazer tarefas de copeira e ajudante, tal como carregar lixo, fazer limpeza, lavar loiça.

Queixei-me sucessivamente à D. I. destes comportamentos da D. J. e a mesma confirmou-me que a D. J. agia da forma descrita, a mando dela, pois andavam a fazer tortura psicológica para eu me despedir, tendo acentuado por diversa vezes, em dias diferentes, que era mesmo boa em tortura psicológica.

Inclusive quando entreguei o papel comprovativo da baixa à D. I., em 9 de Outubro de 2007, esta disse-me que pensava que “aquilo” era uma carta de despedimento e que como não era, que ficasse a saber que quando voltasse iria desempenhar as funções de copeira.

Todas as humilhações descritas, sucessiva e reiteradamente infligidas nestes curtos meses, em especial o furto da gratificação, determinaram-me doença depressiva, estando a ser medicada, e tomei hoje conhecimento, pelo meu médico, que não deverei voltar ao meu local de trabalho na empresa sob pena de danos psicológicos irreversíveis.

Os factos descritos são objectivamente humilhantes e ofensivos e determinam, dada a sua qualidade e reiteração, a impossibilidade da continuação da relação de trabalho e constituem justa causa de despedimento, pelo que comunico a V. Excelências a rescisão do contrato de trabalho que nos tem vinculado, com efeitos imediatos com fundamento nos factos acima apontados.

Vai ser apresentada queixa-crime contra as trabalhadoras D. J. e D. I., por furto das gorjetas que me pertencem, dado que as gorjetas pertencem aos trabalhadores e nem a empregadora nem os superiores hierárquicos têm poder de disposição sobre as mesmas.»

8. A Ré acusou a recepção desta carta em 16-11-2007 por comunicação que enviou à Autora com data de 19-11-2007.

9. Nessa comunicação referiu «…informar que o seu pedido de demissão foi aceite.»

10. Na empresa ora Ré existe a regra, pelo menos desde 1999, de as gorjetas do restaurante serem divididas, ao final de cada noite, em partes iguais, entre todos os empregados do restaurante e da cozinha.

11. A Autora estava classificada como Cozinheira de 2.ª.
12. Efectivamente exercendo, até à contratação da Chefe de Cozinha D.J., no início de 2007, as seguintes funções: cozinhava no fogão, elaborava a lista de encomendas dos géneros a adquirir pela Ré para os pratos que confeccionava e recebia-os dos fornecedores que lá os iam entregar.

13. E o mesmo acontecia com outro trabalhador, de nome S., relativamente ao grelhador de peixe e carne.
14. Todos os trabalhadores da cozinha haviam acordado em efectuar e efectivamente efectuavam ainda outras tarefas sempre que tal se mostrasse necessário.

15. Em Janeiro de 2007 foi contratada a D. J., com a categoria de Chefe de cozinha.

16. A qual, além do mais, passou a organizar e superintender todo o trabalho realizado na cozinha (incluindo no fogão e na grelha, onde continuaram a Autora e o outro trabalhador), a fazer as encomendas e a receber dos fornecedores os produtos ali utilizados.

17. Num certo dia de 2007, em que a Autora se encontrava na cozinha juntamente com a Chefe, D. J. e uma copeira e uma ajudante, sem que nada estivesse a fazer, aquela mandou-a lavar a loiça.

18. E a Autora respondeu-lhe que quem devia lavar a loiça seria a ajudante e não ela.

19. A D. J. disse-lhe: «Então a partir de hoje passas a receber apenas metade da gratificação».

20. E daí em diante, ao final de cada noite a gorjeta era colocada em cima da mesa, igualmente dividida e a D. J. retirava metade da gratificação da Autora e entregava-lhe a outra metade, metade que esta nunca recebeu.
21. A Ré sabia que a D. J. retirava metade da gratificação da Autora, que dividia pelos trabalhadores da cozinha e entregava-lhe a outra metade. A qual nunca quis receber.

22. Certo dia, no início de 2007, a D. J. discutiu com a Autora e disse-lhe que «isso resolviam lá fora».

23. Nas suas relações com a Autora e com os demais trabalhadores da cozinha, a D. J. usa expressões como «vai à merda» e «vai para o caralho.»

24. A Autora queixou-se à D. I. destes comportamentos da D. J., a qual por vezes repreendeu a D. J..

25. Quando a Autora entregou o papel comprovativo da baixa à gerente da Ré D. I., em 9 de Outubro de 2007, esta disse-lhe que pensava que «aquilo» era uma carta de despedimento.

26. A Autora esteve de baixa, por doença, de 09-10-2007 a 21-10-2007 e de 22-10-2007 a 20-11-2007.

27. Em data não apurada situada entre 09-10-2007 e a 20-11-2007, a gerente da Ré recebeu uma chamada da D. V., sócia da sociedade anterior entidade patronal da Autora, a informá-la que a Autora lhe havia pedido trabalho, porque não queria trabalhar com a D. J.
*
Feita esta enumeração, e delimitado como está o objecto do recurso pelas conclusões das alegações do recorrente, passaremos a apreciar as questões a decidir.

I. A recorrente começa por suscitar a questão de saber se quando o contrato e trabalho cessa por iniciativa do trabalhador por resolução, com invocação de justa causa, o empregador tem de impugnar a resolução para não ser condenado na indemnização prevista no art. 443º do Código do Trabalho.

Uma vez que o contrato de trabalho que ligava a Autora à Ré cessou em 16/11/2007, o regime legal aplicável é o que resulta do Código do Trabalho de 2003, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8.

A resolução é uma das modalidades de cessação do contrato de trabalho, prevista no art. 384º al. c) do Código do Trabalho.

Como refere Monteiro Fernandes [1] a resolução pelo trabalhador respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é, pelo período fixado para o aviso prévio, operando a resolução imediatamente o seu efeito extintivo.

A resolução do contrato de trabalho, tal como se encontra configurada nos artigos 441º a 446º do Código do Trabalho e para que o trabalhador tenha direito, por via judicial, à indemnização prevista no artigo 443º do referido diploma, pressupõe sempre que este proponha uma acção declarativa de processo comum, invocando factualidade susceptível de integrar justa causa de resolução do contrato de trabalho, pedindo que se declare a licitude da resolução e a condenação da indemnização respectiva.

Como é o trabalhador que está a invocar o direito, no caso à indemnização, cabe-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa (art. 342º nº1 do Código Civil).

Por isso, o Professor Monteiro Fernandes, na obra e local já citados, frisa que para que a resolução seja lícita é preciso que o trabalhador invoque e demonstre a existência de justa causa.

Outra questão é a impugnação da resolução do contrato de trabalho pelo empregador para obter a indemnização prevista no art. 446º do Código do Trabalho.

Nesta acção, também declarativa de processo comum, o empregador formula ao tribunal um pedido para que seja declarada a ilicitude da resolução operada pelo trabalhador, invocando a inexistência de justa causa, e que lhe seja atribuída a respectiva indemnização.

Nesta situação cabe ao empregador, face ao disposto no art. 342º nº1 do Código Civil, provar que não se verificaram os factos constantes da comunicação referida no nº1 do art. 442º do Código do Trabalho.

No entanto, nada parece impedir que a acção a que se refere o art. 444º nº1, para declaração da ilicitude da resolução do contrato, seja concretizada por via reconvencional, em acção intentada pelo trabalhador visando a indemnização pela resolução do contrato com justa causa.

De qualquer forma, neste quadro de acções cruzadas, caberá sempre, em primeira linha, ao trabalhador o ónus de provar a justa causa de resolução do contrato por si invocada (art. 342º nº1 do Código Civil).

No caso concreto dos autos, estamos apenas perante uma acção declarativa de processo comum proposta pelo trabalhador em que este pede que se declare a licitude da resolução do contrato de trabalho, por si operada, e a condenação da Ré a pagar-lhe a indemnização respectiva.

Como já se referiu, sendo o trabalhador que está a invocar o direito cabia-lhe a ele fazer prova dos factos constitutivos do direito alegado, ou seja a existência de justa causa.

A tese defendida pela recorrente, de que o empregador tem necessariamente de impugnar a resolução do contrato para não ser condenado na indemnização prevista no art. 443º do Código do Trabalho, não tem fundamento legal.

II. A outra questão suscitada pela recorrente consiste em saber se no caso concreto ocorreu justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho que a ligava à Ré.
O tribunal recorrido, enquadrando a questão no disposto no art. 441º do Código do Trabalho, entendeu que não se verificou uma situação de justa causa para a trabalhadora fazer cessar o contrato de trabalho.

A recorrente, nas suas conclusões, defende que se provou factualidade susceptível de integrar justa causa para a resolução do contrato de trabalho ao abrigo do art. 441º do Código do Trabalho.

Como tem salientado a doutrina e a jurisprudência, nem toda a violação de obrigações contratuais por parte do empregador confere ao trabalhador o direito de resolver o contrato, sendo necessário que o comportamento seja ilícito, culposo e que em razão da sua gravidade implique a insubsistência da relação laboral. [2]

O conceito de justa causa acolhido pelo art. 441º nº1 do Código do Trabalho tem de ser entendido de forma similar com o consagrado no art. 396º nº1 do mesmo diploma legal, tanto mais que o nº4 do primeiro preceito legal citado refere que a justa causa imputável ao empregador deve ser apreciada nos termos estabelecidos para o despedimento por facto imputável ao trabalhador.

Ponderando a doutrina e jurisprudência mais recente sobre a matéria [3] , parece ser incontornável que se verifique um comportamento ilícito do empregador, violador dos deveres que lhe são impostos e das garantias do trabalhador que, pelo seu grau de culpa, condicione a relação laboral, de forma a que seja inexigível a sua manutenção por parte do trabalhador.

No fundo, somos sempre reconduzidos a uma cláusula geral do teor da que consta no art. 396º nº1 do CT de 2003, com a particularidade de a apreciação da justa causa de resolução pelo trabalhador não poder ser tão exigente como nos casos de apreciação da justa causa de despedimento.

No caso concreto dos autos, provou-se que a Autora, por carta datada de 15 de Novembro de 2007, comunicou à Ré a rescisão do contrato de trabalho que as vinculava, com efeitos imediatos.

Esta carta envida pela Autora à Ré consubstancia a declaração prevista no art. 442º do Código do Trabalho.

Esta disposição legal estatui que a declaração de resolução deve ser feita por escrito, com indicação sucinta dos factos que a justificam, nos trinta dias subsequentes ao conhecimento desses factos.

A referida carta, envida pela Autora à Ré, indicava os fundamentos que na perspectiva da Autora constituíam a justa da resolução do contrato de trabalho e constam no ponto 7 da matéria de facto dada como provada, quando é feita a transcrição da mesma.

Efectuado o julgamento não se provaram todos os factos alegados pela Autora mas, com pertinência para a apreciação da questão em análise, provaram-se alguns factos que merecem ser ponderados.

A Autora foi admitida em 1999 por C. & R.,Ldª tendo, por força de uma cessão de posição contratual, passado a prestar os seus serviços para a Ré em 1 de Março de 2007.

Pelo menos desde 1999 que na empresa explorada pela Ré existe a regra de as gorjetas do restaurante serem divididas, ao final de cada noite, em partes iguais, entre todos os empregados do restaurante e da cozinha.

Num certo dia de 2007, em que a Autora se encontrava na cozinha juntamente com a Chefe, D. J. e uma copeira e uma ajudante, sem que nada estivesse a fazer, aquela mandou-a lavar a loiça, tendo a Autora respondido que quem devia lavar a loiça seria a ajudante e não ela.

Perante esta atitude da Autora a D. J. disse-lhe: «Então a partir de hoje passas a receber apenas metade da gratificação» e a daí em diante, ao final de cada noite a gorjeta era colocada em cima da mesa, igualmente dividida e a D. J. retirava metade da gratificação da Autora e entregava-lhe a outra metade, metade que esta nunca recebeu.

Ficou provado que a Ré sabia que a D. J. retirava metade da gratificação da Autora, que dividia pelos trabalhadores da cozinha e entregava-lhe a outra metade, que a Autora nunca quis receber.

Esta alteração da repartição das gorjetas entre os empregados, ao arrepio de uma regra existente na empresa, pelo menos desde 1999, fez com que a Autora se sentisse discriminada em relação aos restantes colegas e consequentemente ofendida e humilhada.
Embora a repartição das gorjetas fosse uma questão entre trabalhadores, o que não há dúvida é que a atitude da também trabalhadora D. J., ao proferir a expressão «Então a partir de hoje passas a receber apenas metade da gratificação» e ao alterar a regra existente, consubstanciou uma falta de respeito para com a Autora, violando assim o disposto no art. 121º nº1 al. a) do Código do Trabalho, pois os trabalhadores têm o dever de respeitar e tratar com urbanidade os companheiros de trabalho.

A Ré, na qualidade de empregadora, tendo tido conhecimento destes factos, deveria ter assumido uma atitude activa para impedir o referido acto discriminatório, de forma a proporcionar boas condições de trabalho a todos os seus trabalhadores.

Na verdade, um dos deveres do empregador, nos termos do art. 120º al. c) do Código do Trabalho, é proporcionar boas condições de trabalho, tanto do ponto de vista físico como moral.

A Ré tendo conhecimento dos factos e nada tendo feito assumiu uma conduta ilícita e culposa com consequências na relação laboral.

Esta conduta ilícita e culposa da Ré assume gravidade, porque afectou uma trabalhadora, de forma que a mesma, para além ficar prejudicada, por não receber a parte que lhe cabia das gorjetas, sentiu-se humilhada e discriminada perante os companheiros de trabalho.

A conduta passiva do empregador permitindo que uma sua trabalhadora praticasse, no seio da empresa, o referido acto, de carácter continuado, lesivo dos direitos de outra trabalhadora, assume uma ilicitude que, pelo seu grau de culpa, e pela sua gravidade é susceptível de condicionar a relação laboral, de forma a que seja inexigível a sua manutenção por parte do trabalhador.

A Autora perante tais actos e sabendo que os mesmos eram do conhecimento da Ré, e que esta nada fez para os impedir, é normal que tenha sentido que a sua prestação de actividade para a Ré não era desejada.

Esta sua convicção ter-se-á acentuado quando entregou o papel comprovativo da baixa à gerente da Ré D. I., em 9 de Outubro de 2007, e esta disse-lhe que pensava que «aquilo» era uma carta de despedimento.

A conjugação de todos estes factos cria a convicção que estava criado um ambiente bastante hostil à trabalhadora.

Nesse quadro, e não tendo outros meios de reacção alternativos, só restava à Autora fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho invocando justa causa.

E como já se frisou entendemos que a referida factualidade constitui justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador, nos termos do art. 441º nº1 e 2 do Código do Trabalho.

Nos termos do art. 443º nº1 do Código do Trabalho a resolução do contrato com fundamento nos factos previstos no nº 2 do artigo 441º confere ao trabalhador o direito a uma indemnização por todos os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos, devendo esta corresponder a uma indemnização a fixar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade.

Segundo o nº2 da disposição legal referida no caso de fracção de ano o valor de referência previsto na segunda parte do número anterior é calculado proporcionalmente, mas, independentemente da antiguidade do trabalhador, a indemnização nunca pode ser inferior a três meses de retribuição e diuturnidades.

Como se frisou no Acórdão de 27/10/2009 do STJ [4] a indemnização devida ao trabalhador pela resolução com justa causa do contrato de trabalho tem natureza unitária e abarca os danos patrimoniais e não patrimoniais sofridos pelo trabalhador e deve ser fixada dentro dos limites previstos no art.º 443.º, n.º 1, do CT/2003.

Acrescenta-se que só assim não será, eventualmente, se o valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador exceder o valor da indemnização máxima a que ele teria direito, calculada nos termos do n.º 1 do art.º 443.º, pois, nesse caso, a constitucionalidade deste normativo legal poderia ser questionada por violação do princípio de justiça, ínsito a um Estado de direito democrático como é a República Portuguesa (art.º 2.º da CRP).

No entanto, segundo o mesmo aresto a lei não especifica os critérios a que o tribunal deve atender na fixação da referida indemnização, mas parece evidente que terá de levar em consideração, nomeadamente, a gravidade objectiva e subjectiva da conduta da entidade empregadora, à relevância dos direitos do trabalhador que por esta foram violados, ao valor dos danos efectivamente sofridos pelo trabalhador, à retribuição base e diuturnidades que por este eram auferidas e à sua antiguidade na empresa.

Por seu turno, a antiguidade a atender para efeitos no disposto no art.º 443.º, n.º 1, é a antiguidade na empresa e esta corresponde ao período temporal em que o trabalhador se encontra integrado na organização laboral do empregador.

Atendendo ao quadro factual provado, ponderando que estamos perante uma conduta omissiva da Ré, os direitos do trabalhador que foram afectados por não terem sido proporcionadas boas condições de trabalho, a retribuição mensal base auferida € 1.210,11, e a antiguidade na empresa de oito anos e onze meses, fixa-se a indemnização em 15 dias de retribuição por cada ano completo de antiguidade ou fracção, que corresponde ao montante de € 5.369.06.

Pelo exposto, acorda-se, na secção social deste Tribunal da Relação de Évora, em julgar parcialmente procedente a Apelação, decidindo-se:

a) Considerar que ocorreu justa causa para a Autora fazer cessar imediatamente o contrato de trabalho nos termos do art. 441º nº1 e 2 do Código do Trabalho,

b) Condenar a Ré a pagar à autora indemnização no montante de € 5.369.06 (cinco mil trezentos e sessenta e nove euros e seis cêntimos).

Custas na proporção do decaimento.

(Processado e revisto pelo relator que assina e rubrica as restantes folhas).
Évora, 2010/03/09

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Joaquim António Chambel Mourisco
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António Gonçalves Rocha
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Alexandre Ferreira Baptista Coelho
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[1] Direito do Trabalho, 13ª edição, Almedina, pág. 610.
[2] Cfr. Pedro Romano Martinez, Apontamentos sobre a Cessação do contrato de Trabalho à Luz do Código do Trabalho, edição da A.A.F.D.L, Lisboa 2005, pág. 153 e segs.
Direito do Trabalho, Júlio Manuel Vieira Gomes, Coimbra Editora, pág 1038 e segs.
[3] Cfr. por todos Acórdão do STJ de 27/10/2009, Processo nº 614/06.5TTBCL.S1, in www.dgsi.pt/jstj.

Na doutrina cfr:

- O Prof. João Leal Amado, Contrato de Trabalho - À luz do novo Código do Trabalho, Coimbra Editora, 2009, págs. 443 e 444 e Salários em atraso – Rescisão e suspensão do contrato, Revista do Ministério Público 1992, nº51, págs. 161 e segs, sustenta que “a tese segundo a qual a noção legal de justa causa de despedimento deve ser exportada para o domínio da rescisão do contrato pelo trabalhador parece-me, com efeito, de rejeitar: a ideia de configurar a justa causa como uma categoria genérica, aplicável, nos mesmos termos, para o trabalhador e entidade patronal (a chamada concepção bilateral e recíproca de justa causa) era de facto acolhida pela LCT, mas foi completamente aniquilada pela CRP; esta, acentuando a estabilidade do emprego no que toca ao despedimento e a liberdade de trabalho no que toca à rescisão, tornou nítido que os valores e interesses em presença diferem profundamente, consoante o contrato cesse por iniciativa de uma ou outra das partes.”

- O Prof. Júlio Manuel Vieira Gomes, Direito do Trabalho, Vol.I, Coimbra Editora, págs. 1044 e 1045 e Da rescisão do Contrato de Trabalho por Iniciativa do Trabalhador, V Congresso Nacional de Direito do Trabalho – Memórias, Coimbra, 2003, pág. 148, defende que é duvidoso que deva existir uma simetria entre a apreciação da justa causa de resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador e a justa causa de despedimento por facto imputável ao trabalhador, argumentando, desde logo, que, no primeiro caso, o art. 441º nº4 remete para o nº2 do art. 396º e não para o nº1. Termina o seu raciocínio afirmando que “Daí que, para nós, seja defensável que, nesta situação (resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador), o limiar da gravidade do incumprimento do empregador possa situar-se abaixo do limiar do incumprimento do trabalhador que justifica o despedimento”.

- O Mestre Albino Mendes Baptista, Notas sobre a cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no novo Código do Trabalho in a A Reforma do Código do Trabalho, Coimbra Editora, págs. 548 e 549, defendeu:

“ Como se sabe, a jurisprudência proferida ao abrigo da LCCT vincou sistematicamente a ideia de que a justa causa de rescisão do contrato devia ser analisada nos termos da justa causa de despedimento, invocando para o efeito o disposto no nº4 do art. 35º da LCCT.

Deste modo, é necessário que, além da verificação dos elementos objectivo e subjectivo, se conclua que se tornou impossível a manutenção da relação laboral. Só que nesta apreciação nunca poderá ser esquecido que enquanto o empregador dispõe de sanções intermédias para censurar um determinado comportamento, o trabalhador lesado nos seus direitos não tem modos de reacção alternativos á rescisão (ou executa o contrato ou rescinde). Neste contexto, o rigor com que se aprecia a justa causa invocada pelo empregador não pode ser o mesmo com que se aprecia a justa causa quando invocada pelo trabalhador.”

- A Prof. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho, Parte II, Situações Laborais Individuais, 1ª edição, Almedina, 2006, pág. 911, também se pronuncia no sentido de a fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador impor uma apreciação dos requisitos exigidos para a resolução do contrato de trabalho pelo trabalhador em moldes não tão estritos e exigentes como no caso de justa causa disciplinar, designadamente na apreciação da relação entre o comportamento ilícito e culposo do empregador com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo.
[4] Acórdão de 27-10-2009, Proc. nº 614/06.5TTBCL.S1, disponível em texto integral em www.dgsi.pt/jst

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