quarta-feira, 10 de outubro de 2012

SUSPENSÃO DE DESPEDIMENTO - INDEFERIMENTO LIMINAR POR INADEQUAÇÃO DO MEIO PROCESSUAL



Proc. Nº 420/09.5TTSTB.E1     TRE       15/9/2009


1. A providência cautelar de suspensão de despedimento, tal como se encontra estruturada na lei substantiva e na lei processual, é meio processual reservado a hipóteses em que se configura a existência de um despedimento, ou pelo menos a verosimilhança do mesmo.

2. Tendo a entidade empregadora invocado o abandono do trabalho como motivo de ruptura do vínculo laboral, os direitos que assistem ao trabalhador e que decorrem da ilegitimidade de tal invocação podem ser provisoriamente acautelados com recurso a procedimento cautelar comum

ACÓRDÃO


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Setúbal, A.P., identificado nos autos, requereu contra T. – Lda., com sede em Setúbal, providência cautelar de suspensão de despedimento, alegando em resumo ter celebrado com a requerida, a 10/11/2008, contrato de trabalho a termo incerto, para exercer funções inerentes à categoria profissional de ‘comercial’, auferindo a retribuição mensal de € 1.500,00; a cláusula de termo incerto aposta no contrato é nula, por falta de adequada motivação, o que determina a conversão da relação contratual estabelecida em contrato sem termo; por carta recebida a 8/5/2009, a requerida comunicou-lhe o termo do referido contrato, em 14/5, devido a falta de trabalho para o qual o requerente havia sido contratado; posteriormente, por nova carta datada de 11/5, e recebida a 14, e por ter verificado o erro em que incorrera, dado não ter adoptado o procedimento legalmente exigido para a cessação do contrato por extinção do posto de trabalho, a requerida comunicou-lhe a denúncia do contrato, por abandono do trabalho, para o efeito invocando o nº 1 do art.º 403º da Lei nº 7/2009, de 12/2; a conduta da requerida traduz-se num despedimento ilícito, conferindo ao requerente o direito a pedir a suspensão desse despedimento, nos termos do art.º 386º da referida Lei nº 7/2009, e dos arts.º 34º e ss. do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.).

Esse pedido de suspensão de despedimento veio no entanto a ser liminarmente indeferido pelo Ex.º Juiz a quo, que considerou estar o procedimento cautelar previsto nos referidas disposições da lei processual laboral reservado para casos de despedimentos aplicados como sanção disciplinar, exigindo portanto a hipótese dos autos o recurso ao regime do procedimento cautelar comum, cujos fundamentos gerais não foram porém alegados pelo requerente.
Inconformado com o assim decidido, desse indeferimento veio então agravar o requerente. Na respectiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:
- O douto despacho recorrido fez menos correcta interpretação e aplicação do disposto no nº 1 do art.º 39º do C.P.T., ao indeferir liminarmente a suspensão de despedimento requerida nestes autos;
– por um lado, não tem suporte o entendimento restritivo nele perfilhado de que a suspensão de despedimento apenas é aplicável à situação de despedimento – sanção e não a qualquer outra forma de cessação infundada de contrato individual de trabalho promovida pela entidade patronal;
- o próprio Acórdão do S.T.J. nº 1/2003 uniformizador de jurisprudência nele citado enferma de manifesta contradição quando, na sua conclusão I, admite o despedimento – sanção no âmbito de um despedimento colectivo;
– e efectivamente o mesmo não perfilha a restrita interpretação assumida pelo Tribunal “a quo”, já que considera tal providência cautelar aplicável às situações em que, como no caso dos autos, o empregador, sem utilizar a palavra despedimento, pratica factos como tais de forma verosímil qualificáveis;
– foi a interpretação do referido art.º 39, nº 1, efectivamente constante de tal Acórdão, que o Tribunal Constitucional considerou não inconstitucional, como até se conclui da repetição feita da frase por aquele utilizada segundo a qual “... a providência cautelar de suspensão do despedimento só pode ser utilizada quando o despedimento seja a causa invocada pelas entidades patronal para cessação de relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento”;
- a interpretação restritiva perfilhada na decisão recorrida tem como pressuposto não admissível, face ao art.º 9º do Código Civil, que o mesmo legislador utilizaria a palavra “despedimento” em sentido diverso, por um lado, no art.º 39º, nº 1, do C.P.T., e por outro, no Código do Trabalho, designadamente, ao criar e tratar dos institutos do despedimento por iniciativa do trabalhador, do despedimento por extinção de posto de trabalho, do despedimento por inadaptação do trabalhador ou do despedimento colectivo;
- de qualquer forma, sempre a situação dos autos tem de ser caracterizada como um despedimento “encapotado” feito pelo empregador, sem processo disciplinar, nem invocação de qualquer justa causa, já que
- a recorrida notifica o trabalhador em 7/5/2009 de que o seu contrato de trabalho cessará em 14/5/2009 por extinção do seu posto por falta de trabalho para que foi contratado;
– ainda em 14/5/2009, a mesma comunica, por carta datada de 11 de Maio do mesmo ano, ao recorrente que considera cessada a relação laboral por abandono do trabalho por parte deste, verificada desde o pretérito dia 29 de Abril;
– a factualidade invocada está impugnada na petição inicial desta providência e nela expressamente arguidos a fraude à Lei, o abuso de direito em que se traduz tal atitude;
- por isso, a evidência do despedimento efectivamente existente impõe que a providência cautelar seja admitida e prossiga seus termos sob pena de violação do nº 1 do artigo 39º do C.P.T., aprovado pelo Dec.-Lei nº 480/99, de 9/11.

Terminou o agravante pedindo a revogação do despacho recorrido, devendo a providência cautelar prosseguir nos seus ulteriores termos.
*
Citada a requerida para os termos da causa e do recurso, veio ela apresentar a sua contra-alegação, aí concluindo o seguinte:

- embora promovida pela entidade patronal, a cessação do contrato foi motivada pelo abandono do trabalho por parte do trabalhador;
- assim, ainda que se pudesse considerar discutível a (in)validade do termo aposto ao contrato de trabalho em causa, tal questão cairia por terra na medida em que a razão da respectiva cessação não foi motivada pela verificação do respectivo termo;
- a constatação do abandono do trabalho por parte do trabalhador consubstancia uma espécie de denúncia por iniciativa deste, assumindo a entidade patronal uma posição meramente identificativa do facto ‘abandono’;
- não se pode pois falar em despedimento, pelo que, necessariamente, teremos de considerar inapropriado o recurso a uma providência de suspensão do despedimento.
*
Subidos os autos a esta Relação, foi dado cumprimento ao disposto no art.º 87º, nº 3, do C.P.T..

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
*
Coloca-se no caso dos autos, tão só, a questão de saber se a providência cautelar de suspensão de despedimento individual, a que se referem os arts.º 34º e ss. do C.P.T., representa um meio processual apenas direccionado para hipóteses em que, no âmbito duma relação laboral subordinada, a entidade empregadora assume a ruptura da mesma promovendo o despedimento da parte trabalhadora, designadamente enquanto sanção disciplinar aplicada na sequência da instauração do competente procedimento, ou se, pelo contrário, se trata antes de um mecanismo extensível a todas e quaisquer situações em que a desvinculação contratual é promovida pelo empregador, mas traduzindo-se em substância num despedimento, mesmo que em termos formais aparente uma qualquer outra forma de cessação do contrato; neste caso, a providência cautelar em causa seria também o meio adequado, por exemplo, para reagir a casos em que uma suposta caducidade é alegada como fundamento para o termo do vínculo laboral, ou, tal como sucede na hipótese dos autos, em que o abandono do trabalho é ilegitimamente invocado como configurando denúncia do contrato imputável ao trabalhador.

A decisão recorrida orientou-se no primeiro sentido, acolhendo o entendimento restritivo que reserva a aplicabilidade da suspensão de despedimento individual aos casos em que a ruptura do vínculo de trabalho decorre dum despedimento assumido como sanção disciplinar. Para o efeito, o Ex.º Juiz a quo, para além do mais, apoiou-se em diversa jurisprudência, designadamente no Acórdão Uniformizador do S.T.J. nº 1/2003, publicado no DR, 1ª série-A, de 12/11/2003 [1] , cuja doutrina apontaria decisivamente para a solução que veio a ser adoptada na 1ª instância.
Há que reconhecer, no entanto, e com todo o respeito que lhe é devida, que a doutrina do citado Acórdão não parece ainda assim suficientemente inequívoca, de modo a eliminar todas as dúvidas que pretendia resolver. Que assim é resulta desde logo do facto de a jurisprudência que lhe é posterior continuar a não ser absolutamente uniforme: no sentido de considerar que a providência cautelar de suspensão de despedimento é apenas aplicável quando está em causa uma hipótese de despedimento/sanção pode apontar-se, entre outros, o Ac. Rel. Coimbra de 3/3/2005, referenciado no despacho recorrido; mas o Ac. Rel. Porto de 2/2/2009 (in www.dgsi.pt), por sua vez, já veio admitir que o procedimento em causa seja também admissível em caso de despedimento por extinção do posto de trabalho.

É aliás a própria letra daquele Acórdão Uniformizador que, de certa maneira, induz alguma flexibilidade interpretativa, na medida em que alude à ‘verosimilhança de um despedimento’. Ao fazê-lo, parecem estar a admitir-se, como susceptíveis de serem objecto duma suspensão de despedimento, aqueles casos que na prática se traduzem num verdadeiro despedimento do trabalhador, embora não sejam como tal assumidos pela parte empregadora.

A solução mais correcta afigura-se-nos dever ter em conta não só as distintas configurações que podem revelar as realidades próprias do mundo do trabalho, em que os conceitos legais nem sempre surgem com contornos fácticos precisamente definidos, como considerar também o tratamento que esta matéria merece no nosso ordenamento jurídico, tendo em conta a lógica sistemática que o informa.

Ora, em termos de lei substantiva, a hipótese dos autos é já regulada pelo Código do Trabalho (C.T.) de 2009, aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12/2. Com efeito, a vigência do art.º 434º do C.T. de 2003, onde era acolhida a suspensão do despedimento, e ao invés do afirmado na decisão recorrida, não foi salvaguardada pelo art.º 12º, nº 5, da referida Lei. A suspensão do despedimento está por isso hoje prevista no art.º 386º do actual código, cujo conteúdo normativo, no entanto, não difere substancialmente do que antes se estatuía no citado art.º 434º, fazendo a remissão que é devida para a providência cautelar regulada no C.P.T..

Para além disso, importa também reter que, num e noutro desses regimes jurídicos, a suspensão do despedimento está sistematicamente inserida na lei laboral como mecanismo adequado a contrariar a ilicitude de um despedimento promovido pelo empregador. O que de algum modo indicia que o expediente em causa, pelo menos na sua génese, foi concebido apenas como forma de antecipar o reconhecimento judicial dessa ilicitude, quando está em causa um despedimento que a parte empregadora assumiu como tal, e não quando foi outra a forma invocada, legitimamente ou não, para fazer operar a ruptura do vínculo laboral.

É de resto neste sentido que igualmente parece apontar a lei processual. Mesmo quando for invocado despedimento não precedido de processo disciplinar (caso em que a oposição da parte requerida é sempre admissível – art.º 34º, nº 2, do C.P.T.), deverá estar sempre em causa um acto de vontade de empregador, por este assumido como motivo de cessação do contrato de trabalho.

A voz autorizada do Prof. Mendes Baptista também defende semelhante entendimento. Relembremos o que o mesmo afirma no seu C.P.T. anotado, a pág. 84, em comentário ao art.º 34º:

‘A suspensão de despedimento como procedimento cautelar pressupõe um despedimento promovido pelo empregador.

Como se sabe, no nosso ordenamento jurídico, o despedimento exige uma justa causa. Estamos, portanto, perante uma rescisão do contrato. De fora ficam outros modos de extinção da situação jurídica laboral, como seja a caducidade do contrato, por impossibilidade superveniente, absoluta e definitiva de o trabalhador prestar o seu trabalho ou de a entidade empregadora o receber...

Isso significa que se o fundamento invocado pela entidade patronal não é a justa causa, a suspensão de despedimento não é o meio preventivo adequado para atacar provisoriamente a decisão do empregador.
...
Não é o meio processual adequado para discutir e decidir questões como: a qualificação da relação contratual existente entre as partes, a forma de cessação dessa relação, a falta de motivação do contrato de trabalho a termo e a sua conversão em contrato sem termo’.
*
No hipótese dos autos, a recondução da matéria de facto alegada pelo requerente à verosimilhança de um despedimento encontra-se à partida dependente, para além do mais, da consideração prévia de dois aspectos relevantes: em primeiro lugar, da apreciação da validade da estipulação do termo incerto aposto no contrato, de modo a reconduzi-lo a uma relação laboral sem termo, que se mantenha em vigor; depois, da verificação da ilegitimidade inerente à invocação do abandono do trabalho por parte do agravante, de modo a configurar, não uma denúncia do contrato promovida pelo trabalhador (tal como a lei trata a figura do abandono – art.º 403º do C.T.), mas antes um acto unilateral de vontade do empregador, que na prática se traduza num despedimento.

Ou seja, um eventual deferimento do pedido formulado pelo requerente estaria sempre condicionado pela consideração obrigatória de aspectos que escapam ao âmbito para que esta providência cautelar está especificamente direccionada. É que a admitir-se como correcto esse caminho, ainda acabaríamos a discutir, numa suspensão de despedimento, qual a natureza jurídica de determinada relação contratual, como configurando, ou não, uma relação de trabalho subordinado...

Daí que concluamos, tal como no despacho recorrido, que o meio processual de que o recorrente lançou mão não é o adequado à factualidade por ele alegada.

Estando por isso justificada a rejeição liminar do pedido do agravante, à luz da regra do art.º 381º, nº 3, do Código de Processo Civil, tal não significa porém não poderem os direitos que lhe assistam ser provisoriamente acautelados.

O procedimento cautelar comum seria o expediente compatível com os factos em causa, aliás tal como em todas as demais situações em que uma ruptura contratual não se apresenta com a aparência de um despedimento.
*
Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em negar provimento ao recurso, assim confirmando o despacho recorrido.

Custas pelo agravante.


Évora, 15/9/2009

(Ass.)

Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Acácio André Proença
Joaquim António Chambel Mourisco


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[1] ‘O trabalhador despedido (individual ou colectivamente) pode socorrer-se do procedimento cautelar de suspensão de despedimento desde que esta seja a causa invocada pela entidade patronal para cessação da relação laboral ou, na sua não indicação, se configure a verosimilhança de um despedimento. Os meios de prova consentidos pelos artigos 35.º e 43.º, ambos do Código de Processo do Trabalho, destinam-se a fundar a verosimilhança necessária para a concessão da providência cautelar de suspensão de despedimento..

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