quinta-feira, 18 de outubro de 2012

JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO - DEVER DE LEALDADE - OCUPAÇÃO EFECTIVA



Proc. Nº 3061/03.7TTLSB.L1-4   TRL     8 Fev 2012

 1. O dever geral de lealdade decorre de uma estreita relação de confiança entre as partes em que se acentua o elemento fiduciário dessas relações, sendo necessário que a conduta do trabalhador seja de molde a não por em causa essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do seu trabalhador.
2. Como tem sido amplamente afirmado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, ele constitui uma manifestação do princípio da boa-fé contratual no cumprimento das obrigações, variando o seu conteúdo com a natureza das funções do trabalhador; esse dever é mais acentuado quanto mais qualificadas forem as funções desempenhadas pelo trabalhador na organização técnico-laboral do empregador,
3. No caso, dada a relevância do posicionamento do autor na empresa, a violação do dever geral de lealdade não está dependente da constatação ou verificação de prejuízos, nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade do seu comportamento leva razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança.
4. O autor era um trabalhador a quem lhe foram incumbidas funções relevantes, designadamente de negociação com as sociedades de que o mesmo era sócio. Assim ao omitir essa qualidade quando instado a fazê-lo, violou de forma grave o seu dever geral de lealdade, sendo para o efeito irrelevantes as consequências da sua actuação, constituindo justa causa de despedimento.
5. Verificou-se, porém, que durante um período, ainda que curto de tempo, cerca de 3 meses, as rés retiram o autor das suas funções sem que tivessem demonstrado interesses legítimos que justificassem a sua inactividade, o que configura a violação culposa do dever de ocupação efectiva do autor, dada a relevância e amplitude das funções que o mesmo exercia ao serviço das rés.
6. Tendo o autor demonstrado que sofreu danos graves de natureza não patrimonial, em consequência da violação culposa dos deveres da entidade empregadora, tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, devendo o montante da indemnização ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável à sua situação económica e à do lesado e demais circunstâncias do caso, conforme resulta dos art.ºs 496, n.º3 e 494 do CCivil



Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, residente em Lisboa, (…), autor na acção emergente do contrato de trabalho, em que são rés:
BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A., com sede em Lisboa, na Av. ..., n.º..., Lisboa sob o n. °...;
Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A., com sede em Lisboa, na Av. ..., ...;
BB – Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, Lda., com sede (…), Lisboa.

O autor intentou acção declarativa com processo comum contra: BBVA LEASING – SOCIEDADE DE LOCAÇÃO FINANCEIRA, S.A (primitiva 1 ré); a 2ª ré (BANCO BILBAO VIZCAYA ARGENTARIA (PORTUGAL), S.A. - BBVA SFAC - SOCIEDADE FINANCEIRA DE AQUISIÇÕES A CRÉDITO S.A. (primitiva 3.a ré) e – DD-COMÉRCIO E ALUGUER DE EQUIPAMENTO, (SOCIEDADE UNIPESSOAL), LDA. pedindo:
- Se declare a nulidade do seu despedimento;
- A condenação das rés a pagar-lhe as retribuições vencidas, no valor de 72.795,29€ e vincendas até ao trânsito em julgado da sentença, acrescidas de juros, sem prejuízo da opção que vier a fazer relativamente à indemnização pela antiguidade em substituição da sua reintegração;
- A condenação da ré a pagar-lhe a quantia de 100.000,00€ pelos danos resultantes do esvaziamento de funções de que foi alvo.

Para o efeito, alega que foi admitido ao serviço do Banco EFISA, S.A. em 2 de Janeiro de 1993, prestando as suas funções na área de negócios de retalho. Em finais de 2000, o BBVA adquiriu tal área de negócios tendo o autor e a primeira ré BBVA LEASING, S.A., outorgado um contrato de trabalho em que lhe foi reconhecida a antiguidade que detinha no Banco EFISA, S.A. Desde então o autor passou a ser Director do BBVA SFAC (3.a ré), funcionando as rés como uma unidade única de negócio, tendo ambos um mesmo Director-Geral e Director-Geral Adjunto. A partir de Outubro de 2001, com a mudança do Director-geral da 1ª ré, esta passou a desacreditá-lo, tendo-lhe retirado a área de OPERA (operações de pequenos equipamentos de rápida análise), colocando-o em inactividade.
Em Janeiro de 2002, o autor foi verbalmente suspenso. Em 8 de Abril de 2002 a 1ªré notificou-o de nota de culpa, suspendendo-o formalmente de funções, vindo a despedi-lo por decisão comunicada em 18/07/2002.
Não são verdadeiros os factos imputados, ou sendo-o, são inadequados à decisão de despedir.
Teve lugar a audiência de partes, na qual:
A 3 ré (BBVA SFAC, S.A.) juntou aos autos escritura de fusão (fls.565), na BBVA Leasing (1.a ré), em que alterou a sua denominação para BBVA – Instituição Financeira de Crédito, S.A., passando a partir de então esta sociedade a intervir nos autos em substituição das primitivas primeira e terceira rés;
Não houve conciliação.
A 2.a ré apresentou contestação (fls. 587 e SS.) invocando a ilegitimidade e concluindo pela sua absolvição da instância ou, caso se assim não entenda, a sua absolvição do pedido.

A BBVA, Instituição Financeira de Crédito, S.A. e a CC – Comércio e Aluguer de Equipamentos Unipessoal, Lda., apresentaram contestação (fls. 608 e SS.) sustentando a improcedência da acção com as respectivas absolvições do pedido.
Alegaram que aquando da contratação do autor como Director Comercial, foi-lhe garantida a antiguidade que detinha no Banco Efisa. Invocaram ainda os factos por que foi decidido o despedimento do autor, designadamente que o autor se desinteressou das suas funções; que autorizou a realização de operações de risco e com um cliente que não procedia à entrega dos bens aos consumidores (DIGI); que ainda que a ré só financie a aquisição de produtos em concreto, autorizou financiamentos que a tal não se destinavam e financiando cidadãos que não possuíam emprego ou estabilidade (DD, Lda.); que era sócio de uma sociedade, o que ocultou à ré, a qual debitou verbas a sociedades do grupo BBVA Finanziamento, cujo pagamento o autor ulteriormente autorizou (EE, Lda.); permitiu o pagamento de um prémio a um funcionário (FF) que não lhe era devido; que apesar de aquando da sua admissão ter declarado que não detinha qualquer interesse particular em qualquer empresa privada, era sócio de uma sociedade (GG), que tinha 7.100,00 € em mora com a ré.
Impugnaram, ainda, o valor da causa e a remuneração invocada pelo autor.

Foi proferida decisão sobre o incidente de verificação do valor da causa e despacho saneador no qual foi julgada improcedente a excepção de ilegitimidade invocada pela ré BBVA (Portugal), S.A., foi seleccionada a matéria de facto assente e controvertida (fls. 935 a 963 - volume 5º).
Foram apresentadas reclamações à selecção da matéria de facto e interposto recurso da decisão que julgou improcedente a impugnação do valor da causa pela 1ª ré BBVA,SA. (fls. 981-volume 5º).

Decididas as reclamações à matéria de facto, no despacho de fls. 1560 a 1561, o autor dele interpôs recurso a fls. 1587 a 1603 - volume 8º.
No volume 9º, a fls.1820, foi admitido o recurso e proferida resposta à nulidade invocada, bem como admitidos diversos documentos apresentados pelas rés.

Foi junta aos autos certidão de matrícula da CC – COMÉRCIO E ALUGUER DE EQUIPAMENTO, (SOCIEDADE UNIPESSOAL), LDA. (fls. 1215), sendo proferido despacho em que a "BB — Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, L.da" passa a ocupar a posição processual anteriormente ocupada pela ré "CC - Comércio e Aluguer de Equipamentos, Unipessoal, Lda." (fls. 1215 e 1560).

Após a realização da audiência de julgamento foi proferido despacho de resposta à matéria de facto, a fls. 2040 e sgts, posteriormente foi proferida sentença, a fls. 2062 e sgts, que decidiu nos seguintes termos: “Por todo o exposto, julga-se a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a. condenam-se as rés BBVA — Instituição Financeira de Crédito, SA. e BB - Comércio de Aluguer de Veículos Automóveis a pagar ao autor as quantias de:
a.a. três mil, setecentos e dezasseis euros e quatro cêntimos (3.716,04), acrescida de juros desde 01/01/2002 até integral pagamento, à taxa legal supletiva que em cada momento se encontre em vigor;
a.b. quatro mil e oitenta e sete euros e quatro cêntimos (4.087,04), acrescida de juros desde 18/07/2002 até integral pagamento, à taxa legal supletiva que em cada momento se encontre em vigor;
a.c. dois mil e quarenta e três euros e oitenta e dois cêntimos (2.043,82), acrescida de juros desde 18/07/2002 até integral pagamento, à taxa legal supletiva que em cada momento se encontre em vigor;
a.d. cinco mil euros (5.000,00€) a título de indemnização pelos danos resultantes do esvaziamento de funções a que foi sujeito;
b.Absolvem-se as rés BBVA — Instituição Financeira de Crédito, SA. e BB - Comércio de Aluguer de Veículos Automóveis, Lda. do demais peticionado;
c Absolve-se a ré Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), S.A do pedido.”

O autor interpôs recurso de apelação com reapreciação da prova gravada, a fls. 2112 e sgts - volume 10.º
As 1ª e 3ª rés apresentaram contra-alegações, com ampliação do objecto do recurso, a fls. 2699 e sgts - volume 12.º
O autor respondeu à ampliação deduzida a fls. 3195 e sgts - volume 14.º

As 1º e 2ª rés interpuseram recurso de apelação (com a arguição da nulidade da sentença) a fls. 2765 e sgts - volume 13.º
O autor contra-alegou e pediu a condenação das rés em multa e indemnização como litigantes de má-fé, fls. 3233 e sgts – volume 14º, a que as rés responderam no articulado junto a fls.3273 segts - volume 15º

As 1º e 3ª rés, a fls. 3273 e sgts, responderam à alegada condenação por litigância de má fé e pediram a condenação do autor como litigante de má fé, a que o autor respondeu a fls. 3281 e sgts - volume 15º

O Exmº Procurador-geral-adjunto deu parecer a fls. 3 314.
Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir

I. As questões suscitadas, nos quatro recursos interpostos, são as seguintes:
- Valor da acção (1ª Agravo);
- Reclamações à matéria assente e base instrutória (2º Agravo);
- Impugnação da matéria de facto;
- Justa causa de despedimento;
- Violação do direito à ocupação efectiva
- Montante da indemnização arbitrada.
- Litigância de má fé


II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1.O A. foi admitido ao serviço da instituição bancária denominada BANCO EFISA, S.A., em 2 de Janeiro de 1993 [A) dos factos assentes];
2.O BBVA (Portugal), S.A. (2.a ré) adquiriu quase todas as operações da área de negócio a retalho do Banco EFISA [93.° da base instrutória];
3. A estrutura de suporte do BANCO EFISA não foi adquirida, da mesma forma que aquele negócio não abrangeu os trabalhadores daquele [94.° da base instrutória];
4. Em 1 de Novembro de 2000, o A. e o BBV — Leasing — Sociedade de Locação Financeira, SA., subscreveram um contrato de trabalho por tempo indeterminado, nos termos do qual o A. exercerá, com a categoria profissional de Director, as funções de responsável do Departamento de Opera/Consumo, com a retribuição base de Esc. 714.023$00 [B) dos factos assentes];
5. O Departamento Comercial OPERA/CONSUMO comum às RR. SFAC, Leasing e CC, em termos de estrutura operacional desta, o A. não obstante formalmente vinculado por contrato de trabalho à SFAC, mantinha uma relação Laboral com todas e cada uma destas RR. [AC) dos factos assentes];
6. O BBVA Leasing, Sociedade de Locação Financeira, S.A. e BBVA SFAC- Sociedade Financeira de Aquisição a Crédito, S.A. (primitivas 1.a e 3.a rés) constituíam uma "unidade de negócio" mas com três "divisões de negócio" [36.° da base instrutória];
7.Com um Director Geral comum [37.º da base instrutória];
8.E um Director Geral Adjunto também comum [38.° da base instrutória];
9. Com os quais o A. trabalhava e cujas directrizes e instruções executava [39.° da base instrutória];
10.Era a 2.a ré quem, no âmbito de um contrato de " prestação de serviços, elaborava os recibos da remuneração dos trabalhadores das empresas do grupo BBVA Finanziamento [41.° da base instrutória];
11.Nos termos do referido contrato, o horário de trabalho do A. era das 9 h às 17 h 45 m, com intervalo de uma hora e 15 m entre as 13 h e as 14 h 15, de Segunda a Sexta- feira[ C) dos factos assentes ];
12.Também nos termos daquele contrato ficou assegurada ao A., para os devidos efeitos, a antiguidade da relação laboral do A. com o BANCO EFISA, não havendo período experimental [D) dos factos assentes];
13.O A. obrigou-se ainda a prestar a sua actividade profissional à BBV Leasing até se encontrar devidamente constituída a sociedade, cuja denominação social ainda não foi aprovada pelo Registo Nacional das Pessoas Colectivas mas que será uma Sociedade Financeira para Aquisição a Crédito cuja sede social será em Lisboa [E) dos factos assentes];
14.Caso seja do interesse do Banco Bilbao Vizcaya Argentaria (Portugal), SA. ou do Finanzia, Banco de Crédito, SA, que o A. exerça funções em qualquer outra sociedade do Grupo BBVA, quer seja uma sociedade comercial o A. presta, desde já o seu consentimento a desempenhar as mesmas no interesse dessas sociedades, sem prejuízo a conservação da subordinação jurídica à BBV Leasing ou à Sociedade a constituir [F) dos factos assentes ];
15.O departamento de Opera/Consumo veio a ser criado como comum às diferentes sociedades, SFAC, Leasing e CC, e nele o A. ficou a ter a seu cargo, entre outras funções:
a. O controle da realização dos objectivos definidos para o departamento em relação às despesas — incluindo o comissionamento e os incentivos a fornecedores, que, atingiram, em 2001, Esc. 150.000.000$00, as despesas de representação e os prémios comerciais -, à produção de novos negócios e às taxas de juro médias dos negócios realizados;
b. A coordenação da equipa comercial;
c. A escolha do pessoal a contratar nesta área de entre os elementos previamente seleccionados pelo Departamento de Recursos Humanos de Madrid, de acordo com as projecções orçamentadas no início de cada ano;
d. O contacto com as grandes empresas para negociação e preparação dos negócios mais importantes; .
e. A selecção dos fornecedores/prescritores a contratar, após parecer favorável, inicialmente, do Departamento de Risco e, mal tarde, deste Departamento de Risco e dos Departamentos Financeiro, de Contencioso e de Operações;
f. A participação, sempre que solicitada, na definição da política do grupo na área dos negócios de retalho [G) dos factos assentes];
16.Em 04 de Agosto de 2000 o A. escreveu uma carta à "HH", constante de fls. 16 do p.d., na qual refere, além do mais, que " ( ...) Após a análise ao envolvimento dos v/ clientes c/ o Banco Efisa concluímos que não seria útil mantermos o relacionamento actual a nível de negócios (...) pelo que a partir de hoje deixaremos de analisar propostas enviadas por essa sociedade (... ) e (... ) que caso o incumprimento dos vossos clientes se altere para valores aceitáveis, poderemos rever esta situação(...)"[ U) dos factos assentes ];
17.Na mesma data a HH foi abatida no sistema informático -cf. doc. fls. 17 do p.d. [ V) dos factos assentes ];
18.No dia 13.11.2001, pelas 18.32 horas o autor enviou um "mail " a II, Director do Departamento de Operações com o seguinte teor: "II, Agradeço que todos os contratos destas empresas que venham a ser concretizados, antes de serem activados, sejam entregues ao JJ para ele certificar junto dos clientes que está tudo bem. Obrigado» [AE) dos factos assentes];
19.A "HH" é um dos cerca de 800 fornecedores/prescritores que constituem o universo dos veiculadores de contratos de financiamento para a 2.a R. e que o A. acompanhava no exercício das suas funções [55.° da base instrutórial;
20. A "HH" vendia equipamentos financiados pelo BBVA Finanziamento, equipamentos estes que, muitas vezes, apesar de pagos, não eram entregues aos seus clientes [3.° da base instrutória];
21.O A. tinha a seu cargo cerca de 15 mil operações por ano, grande parte delas em resultado da acção de promoção e angariação de negócios que o A. desenvolvia junto dos prescritores/fornecedores [56.° da base instrutória];
22.O A. integrava-se na Direcção Comercial das RR., à qual compete a já referida promoção e angariação de negócios junto dos prescritores/ fornecedores [57.°da base instrutória];
23.Paralelamente, existe nas RR. um Departamento de Risco, ao , qual incumbe a aprovação das operações propostas pelos prescritores/fornecedores [58.° da base instrutória];
24.Existe ainda nas RR. um Departamento de Operações, que estrutura as operações aprovadas pelo Departamento de Risco, e uma Direcção Financeira, que procede à verificação final e entrega dos fundos das operações aprovadas
que lhe são remetidas [59.° da base instrutória];
25.Daí que as decisões tomadas pelo A. se inseriram num processo complexo e controlado de formação das decisões das RR., pelo que o A. não actuou, isoladamente, vinculando as RR. através de um simples acto seu [60.° da base instrutória];
26. O A. não tinha funções de controle de crédito [61.° da base instrutória];
27.Só incidentalmente, por informação avulsa, ou em reuniões de • Directores em que o assunto fosse tratado poderia dar-se contra de problemas de pagamentos de clientes [62.° da base instrutória];
28.Fora desses casos, tinha conhecimento de tais situações quando era determinado pela Direcção Geral que deixassem de fazer-se operações, seja com determinado cliente, seja por indicação de determinado prescritor/fornecedor [63.° da base instrutória];
29.Incumbia ao Departamento de Operações conferir o auto de recepção dos equipamentos financiados, elaborado pelo fornecedor e que fica junto ao respectivo processo [74.° e 75.° da base instrutória];
30.Porém, algumas vezes, era o próprio funcionário comercial das RR. que verificava a instalação efectiva do equipamento no cliente e que informava o Departamento de Operações de que o equipamento havia sido entregue [76.° da base instrutória];
31.As operações de financiamento de cartões tinham natureza idêntica à que tinha o financiamento dos cartões de férias e estadia da sociedade CIF [79.°a 80.° da base instrutória];
32. O autor conferia o valor das facturas e tal conferência era feita relativamente ao valor global das mesmas, a não ser que tais valores viessem repartidos pelas diferentes áreas, casos em que o autor inscrevia tal facto nas facturas e rubricava apenas a parte referente à conferência do valor a sua área de negócio [88.° a 91.° da base instrutória];
33. No ano de 2001 a HH apresentou operações de financiamento não inferior a quatrocentos mil euros [4.° da base instrutória];
34. A HH, Soluções Digitais, Lda. subscreveu o escrito de fls. 18 a 21 do processo disciplinar, designado de "Protocolo" com BBVA Leasing- Sociedade de Locação Financeira S.A. cujo teor aqui se dá por reproduzido, designadamente que:
g) «Constitui objecto deste protocolo a celebração pelo BBVA F de contratos de locação financeira/crédito com o BBVA (...) que se destinem a financiar a particulares/empresas a aquisição/realização dos bens/Serviços comercializados pela Digi-Office, Lda.» (cl. 1.°) e
h) «A HH, Lda. compromete-se a só enviar contratos referentes a equipamentos que tenham sido totalmente entregues e instalados(...) » (Cl. 3[6.° da base instrutória];
35. A 1.a ré instaurou uma acção judicial contra a HH, por incumprimento de contrato de financiamento [8.° e 12.° da base instrutória];
36. O BBVA Finanziamento financiou a aquisição operações da Sociedade DD que se destinaram à aquisição de "Bem/equipamento – Cartão de Desconto" [13.° a 16.° e 19.° da base instrutória];
37. Alguns desses contratos foram subscritos por cidadãos estrangeiros, sem estabilidade de emprego e/ou de residência Pelo menos num dos contratos, com o número 09788 (reproduzido a fls., 91 a 105 do p.d.), foi subscrito em Dezembro/2001 ou Janeiro de 2002, tem um período de vigência de 36 meses e a autorização de residência da subscrita tem o seu termo em 31/01/03 [18.° da base instrutória];
38. Quando foi admitido o A. subscreveu o doc. de fls. 149 do p. d. tendo então declarado que não tinha qualquer interesse particular em qualquer empresa privada, mesmo que não fosse cliente do banco [X) dos factos assentes ];
39. A constituição da sociedade GG - Lavagem de Viaturas, Lda. foi registada na Conservatória do Registo Comercial de Lisboa (…), a 09/03/2000, com capital de 5000,00€ do qual o autor tinha, à data da matrícula, uma quota de 100, 00€ [doc. fls. 439 a 441 do processo disciplinar];
40. O A. em 31 de Maio de 2002 detinha uma quota de 100 € na sociedade GG - Lavagem de Viaturas, Lda. [ Z) dos factos assentes ];
41. A sociedade GG celebrou contratos com a BBVA Leasing- Sociedade de Locação Financeira, S.A. sem que o A. lhe tivesse dado conhecimento da sua ligação àquela sociedade [30.° da base instrutória];
42. O valor de crédito em atraso emergente do contrato n.° ..., subscrito pela GG, L. da" era, em Junho de 2002, de € 7.128,150 [32.° e 33.°da base instrutória];
43. O A. é sócio da sociedade EE, Lda. (cfr. fls. 143 a 146 do p. d.) [ AA) dos factos assentes ];
44. A sociedade EE, Lda, debitou às várias sociedades integradas na marca BBV A Finaziamento, as seguintes verbas:
i. Factura n.° 0004, de 23/03/2001, Esc. 1.360.710$00;
j. Factura n.° 0005, de 09/04/2001, Esc. 544.000$00;
k. Factura n.° 0007, de 22/05/2001, Esc. 334.620$00, constante de fls. 462 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Abril/2001";
l. Factura n.° 8, constante de fls. 463 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Abril/2001", no valor de Esc. 101.790$00;
m.Factura n.° 9, constante de fls. 464 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Maio e Junho/2001 ", no valor de Esc. 1.767.870$00;
n.Factura n.° ..., de 06/07/2002, Esc. 707.850$00, constante de fls. 195 e fls. 465 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Maio e Junho/2001";
o. Factura n.° 0012, de 10/09/2001, Esc. 2.052.000$00, constante de fls. 197 e fls. 464 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Julho e Agosto/2001";
q.Factura n.° 0014, de 10/09/2001, 3.111,55€, constante de fls. 467 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Julho e Agosto/2001"; e
p.Factura n.° 0016, de 13/11/2001, Esc. 3.540,40€, constante de fls. 468 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Setembro/2001"; e
r.Factura n.° 0017, de 13/11/2001 de Esc. 3.431,39 €, constante de fls. 469 do processo disciplinar com a referência a "Comissões Setembro/2001"[24.°; 26.°; 29.°; 32.° e 33.° da base instrutória];
45. Por escritura pública de 8 de Agosto de 2001 o A. declarou ceder a quota que detinha na sociedade EE, Lda. [AB) dos factos assentes];
46. No período compreendido entre meados de Outubro e o início do mês de Dezembro de 2001 as RR. retiraram ao A. as funções que lhe estavam cometidas na área da OPERA e de imediato atribui-las a outro Director [49.° da base instrutória];
47.0 A. em consequência de ter sido privado do exercício das suas funções sofreu "desvalorização" profissional [97.° da base instrutória];
48. Pessoal [98. ° da base instrutória];
49. Social [99. ° da base instrutória];
50. Familiar [100. ° da base instrutória];
51. Desgosto [101. ° da base instrutória];
52. E enervamento [102.º da base instrutória].
53. A inactividade em que o a. foi sendo colocado pelas RR. levou o . A. a expor tal situação, não só a KK, Director dos Recursos Humanos do BBV A FINANZIA em Madrid, incumbido de resolver assuntos importantes relativos aos seus colaboradores em Portugal bem como ainda ao LL [50.° da base instrutória];
54. O resultado destas diligências foi nulo [51.° da base instrutória];
55.Em meados de Janeiro de 2002, altura em que o A. se encontrava ausente por motivo de baixa médica, as RR. através do seu referido Director Geral, LL, comunicaram verbalmente aos técnicos comerciais MM, NN, OO e PP — que estavam na dependência hierárquica do A. e que a este sempre haviam reportado — que deixariam de reportar ao a. e que passariam a fazê-lo apenas ao LL [52.° da base instrutória];
56. Em 23.01.2002, quando retomou as suas funções, é informado pelo LL de que lhe haviam sido retiradas todas as suas tarefas e que não lhe seriam atribuídas quaisquer outras [53.°da base instrutória];
57.E ainda que se encontrava dispensado de comparecer nas instalações das RR. [54.° da base instrutória];
58.No dia 25 de Janeiro de 2002, foi emitida pelo LL uma nota interna dirigida ao A. na qual o dispensava de comparecer nas instalações até ao dia de Fevereiro de 2002 [J) dos factos assentes];
59.Nessa mesma data, o referido QQ comunicou verbalmente ao A. que este se encontrava suspenso, sugerindo-lhe igualmente que não comparecesse nas instalações [L) dos factos assentes];
60.Por despacho de 1 de Fevereiro de 2002 o Conselho de Administração da o BBVA Leasing-Sociedade de Locação Financeira, S.A. determinou a instauração de Processo Disciplinar com intenção de despedimento e, para alem disso, determinou a suspensão do A. até à conclusão do processo [1) dos factos assentes];
61.Em 8 de Abril de 2002, o A. foi notificado da Nota de Culpa com intenção de despedimento no âmbito de processo disciplinar promovido pelo BBVA Leasing- Sociedade de Locação Financeira, S.A., tendo sido imediatamente suspenso, sem perda de retribuição, cf. fls. 226 a 235 do p. d., cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) [M) dos factos assentes];
62.Por carta datada de 24 de Junho de 2002, o A. foi notificado do aditamento à Nota de Culpa, igualmente com intenção de despedimento e mantendo-o suspenso (fls. 492 a 495 do p. d. cujo conteúdo aqui se dá por integralmente reproduzido) [N) dos factos assentes];
63.O A respondeu à nota de culpa em 15 de Abril de 2002, tendo diligências probatórias (fls. 241 a 261 do p. d.) [O) dos factos assentes];
64.O A. respondeu ao adicional à nota de culpa em 2 de Julho de 2002, tendo então apenas produzido prova documental (fls. 501 a 521) [P) dos factos assentes];
65.Em 18 de Julho de 2002 o A. foi notificado da decisão do processo disciplinar, que culminou no despedimento do A. com justa causa, cf. fls. 538 a 564 do p.d. [Q) dos factos assentes];
66.Na mesma data foi ordenado ao A. que procedesse de imediato à entrega do cartão de crédito, do telemóvel e da viatura que lhe estavam confiados (fls. 565 do p. d) [R) dos factos assentes];
67.Em 19 de Julho de 2002 o A. entregou o carro e o telemóvel e declarou ter extraviado o cartão de crédito (cf. doc. 437 e 438 dos autos Vol. III) [S) dos factos assentes];
68.Pelo menos desde que subscreveu o contrato de trabalho com o BBV – Leasing – Sociedade de Locação Financeira, SA. e até à data do despedimento o A. não tinha antecedentes disciplinares [AD) dos factos assentes];
69.O A. auferia à data do despedimento, a remuneração mensal de € 3.716,04: acrescida de € 798,08, a título de ajuda de custos, e de € 6,28 a título de subsídio de refeição por cada dia de trabalho prestado [40.°da base instrutória];
70. Para além das ajudas de custo a R. reembolsava ao A. integralmente todas as despesas, incluindo alojamento, refeições e despesas de deslocação, contra a apresentação dos respectivos documentos [42.°da base instrutória];
71.O autor auferia um prémio anual calculado em função do resultado da avaliação anual do seu desempenho [43.° da base instrutória];
72.O A tinha ainda atribuído um a viatura automóvel sem quaisquer restrições de utilização [44.° da base instrutória];
73.Bem como um telemóvel [45.° da base instrutória];
74.E um cartão de gasolina [46.° da base instrutória];
75.E um cartão de crédito para pagamento de despesas efectuadas com Clientes ou em deslocações com um "plafond" mensal de € 9.975,96 [47.° da base instrutória];
76.Em 25 de Julho de 2002, o A. requereu a suspensão judicial do despedimento, através da competente providência cautelar que correu termos na 3.a Secção do 3.° Juízo desse Tribunal, sob o n.°240/02, apensa aos autos [T) dos factos assentes];
77.Em 1 de Agosto de 2003 a R. BBVA – SFAC foi integrada na R. BBVA- LEASING, que por sua vez, alterou a sua designação social para BBVA — Instituição Financeira de Crédito, SA. [H) dos factos assentes e certidão de fls. 2051 e ss.];
78. Pela apresentação 08/2003/05/09 foi registada a fusão, por incorporação, da DD -Comércio e Aluguer de Equipamentos Unipessoal, Lda. na ré CC - Comércio e Aluguer de Veículos Automóveis, Lda.[certidão de fls. 1215 e ss.].

III. Fundamentos de direito

a) 1ºAgravo – interposto pelo BBVA – 1ª ré, a fls.981, do despacho proferido a fls.935 e sgts, que decidiu sobre o valor da acção
Começamos, assim, por apreciar o recurso de agravo interposto do despacho que fixou o valor da causa no indicado pelo autor na sua petição inicial.
A ré/recorrente alega que o valor da acção não podia ter sido fixado no valor correspondente ao do pedido formulado dado que este ir muito além daquilo que, em termos legais, pode ser exigido pelo autor, nomeadamente na parte relativa às retribuições devidas desde a data do despedimento, ocorrido em 18 de Julho de 2002, e a data impugnação de despedimento com a propositura da presente acção em 9.06.2003.
Mas, não se nos afigura que a recorrente tenha razão. Com efeito, o valor da causa há-de representar a utilidade económica imediata que pela acção se pretende obter, constituindo a expressão económica do benefício que pela acção se pretende assegurar. Assim, se pela acção se pretende obter qualquer quantia em dinheiro, é esse o valor da causa – art.º306 do CPC.
A presente acção tem por objecto a apreciação da ilicitude do despedimento visando, no entanto, a condenação das rés nos valores pecuniários decorrentes da declaração daquela ilicitude, pelo que o valor da acção será o equivalente a esses quantitativos, ao abrigo do referido art.º306 do CPC. Se acaso o pedido formulado integra retribuições mal calculadas, tal diz respeito ao mérito da causa, podendo resultar num eventual decaimento do mesmo, mas sem implicações no valor da causa que, como se referiu, corresponde sempre ao valor em dinheiro do pedido ou pedidos formulados, independentemente da sua eventual improcedência.
Improcede assim este agravo interposto pela 1ª ré.


b) 2º Agravo – interposto pelo autor, a fls. 1580 e sgts, do despacho que indeferiu as reclamações à matéria assente e à base instrutória, proferido a fls. 1560.
Neste recurso o autor começa por invocar a nulidade do despacho recorrido por omissão de pronúncia sobre matéria quesitada, nos artigos 40,42 a 48 da base instrutória, quando devia figurar na matéria assente.
Mas afigura-se-nos que sem razão. Com efeito, no despacho recorrido, o tribunal explicitou as razões pelas quais os factos constantes dos nºs 40, 42 a 48 da base instrutória, não podiam constituir matéria assente dado tratar-se de matéria impugnada e por isso controvertida. Relativamente à matéria constante do quesito 40º verificava-se uma divergência entre os valores que o autor alegou auferir e aqueles que resultam do documento n.º4 em anexo à petição inicial, e relativamente à matéria constante dos art.ºs 42 a 48 da base instrutória foi devidamente impugnada pelas rés nos art.º42 e sgts da sua contestação, pelo que também não podia ter sido considerada assente.
Mas o despacho recorrido respondeu ainda a cada uma das reclamações apresentadas pelo recorrente, designadamente sobre a falta de relevância para a decisão da causa dos factos que o recorrente pretendia levar à base instrutória relativos à sua situação laboral no Banco Efisa, uma vez que se reportam a um período anterior à relação de trabalho que o vinculou à 1ª ré, com quem celebrou um novo contrato. Assim, como não se vislumbra interesse para a decisão da causa, a forma como foi constituída a sociedade GG – Lavagem de Viaturas, Ldª – factos alegados nos artigos 267 a 276 da p.i. que o recorrente pretendia ver quesitados.
O autor/recorrente carece pois de razão no recurso interposto, pois as reclamações à matéria assente e base instrutória mostram-se bem decididas, sendo certo que no presente recurso o apelante não invocou outras razões para além das que já havia apresentado no articulado de reclamação e que, como se referiu, foram correctamente respondidas no despacho recorrido, nada se nos afigurando de mais útil a acrescentar.
Improcede assim o presente agravo interposto pelo autor.

c) Apelação interposta pelo autor (fls. 2112 e sgts.)

Questão prévia
O autor/apelante começa por requer a junção de 5 documentos que alega só ter tido acesso depois do encerramento da audiência, por só terem chegado ao seu conhecimento em final de 2009, e que respeitam ao pagamento integral da dívida da GG Ldª, que havia sido efectuado antes das rés terem apresentado a contestação.
Quanto à junção dos referidos 5 documentos com as alegações de recurso, que constituem os documentos juntos a fls. 2558 a 2684, são documentos que podiam ter sido juntos até ao encerramento da audiência de discussão e julgamento pelo que não podem ser agora admitidos aos autos, por força do disposto no art.º524,n.º1 do CPC, pois o recorrente nem sequer alegou factos comprovativos de que só agora lhe tinha sido possível apresentá-los, limitando-se a alegar que só teve acesso aos mesmos depois do encerramento da audiência, alegação que é manifestamente insuficiente para justificar a extemporaneidade da sua apresentação.
Assim, não se admitem os referidos documentos que deverão ser devolvidos ao autor/apelante.

Questões suscitadas no âmbito deste recurso:
- Impugnação da matéria de facto;
- Inexistência de justa causa de despedimento;
- Montante da indemnização arbitrado na sentença recorrida, pela violação do dever de ocupação efectiva por parte das apeladas, requerendo que o seu valor seja fixado no montante de 100.000,00€.
(Esta questão será apreciada afinal, aquando da apreciação da violação do dever de ocupação efectiva).

Impugnação da matéria de facto
(…)
*
Importa ainda pronunciar-nos sobre a ampliação do objecto do recurso introduzida pelas rés/apeladas nas suas contra-alegações, ao pretenderem uma sindicância da matéria de facto em pontos que alegam ter decaído e por essa razão impugnam 29 pontos da matéria de facto.
Todavia, o art.º684-A nº2 do CPC, dispõe apenas que o recorrido nas suas alegações pode, a título subsidiário, impugnar a decisão proferida sobre pontos da matéria de facto não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas.
Ora, no caso, verifica-se a improcedência total da impugnação da matéria de facto deduzida pelo autor/recorrente que dizia respeito a factos relativos à justa causa de despedimento decidida pelo tribunal recorrido. Assim, uma vez que a ampliação da impugnação da matéria de facto por parte das recorridas, apenas pode acontecer a título subsidiário, nos termos referidos, tal significa que só poderia ser apreciada no caso da procedência da impugnação deduzida pelo recorrente com efeitos sobre a questão da justa causa, o que como se viu não se verificou, pelo que não se pode conhecer da ampliação da impugnação da matéria de facto agora deduzida pelas rés/recorridas.
*
Justa causa de despedimento
Saber se existiu justa causa no despedimento do autor/recorrente é a questão fulcral do recurso interposto.
Na sentença recorrida foi considerado que o autor tinha violado o dever de lealdade enquanto trabalhador, dever que não é susceptível de gradação, sendo irrelevantes as consequências da sua actuação e concluiu pela ilicitude do despedimento, entendimento a que o recorrente se opõe.
A questão que importa, então, apreciar é a de saber se da matéria de facto provada resultou devidamente comprovada a violação culposa, por parte do autor, do dever de lealdade que lhe impõe a relação de trabalho que tinha com a ré e que fundamentou a decisão do seu despedimento.
Importa fazer um breve enquadramento do dever de lealdade a que o autor, enquanto trabalhador das rés, estava vinculado. Para além da obrigação principal do trabalhador, consubstanciada no exercício da sua actividade manual ou intelectual de harmonia com as determinações do empregador, recaem sobre o trabalhador outros deveres legal ou convencionalmente estipulados denominados de deveres acessórios enunciados no art.º20 da LCT, (em vigor à data dos factos).
Decorre do art.º20, n.º1 a) e d) da LCT a consagração de um “ dever de lealdade” do trabalhador para com a entidade empregadora, nos seguintes termos: “a) O trabalhador deve respeitar e tratar com urbanidade e lealdade a entidade patronal….”; d) Guardar lealdade à entidade patronal, nomeadamente não negociando por conta própria ou alheia em concorrência com ela, nem divulgando informações referentes à sua organização, métodos de produção ou negócios.”
Estas disposições consagram um dever geral de lealdade a par da tipificação de comportamentos infractores da lealdade, nomeadamente a proibição da concorrência e a obrigação do sigilo ou reserva profissional.
O dever geral de lealdade tem o sentido de garantir que actividade pela qual o trabalhador cumpre a sua obrigação representa de facto a utilidade visada, vedando-lhe comportamentos que apontem para a neutralização dessa utilidade ou que, autonomamente, determinem situações de perigo para o interesse do empregador ou para organização técnico-laboral da empresa. “O trabalhador deve abster-se de qualquer acção contrária aos interesses do empregador, mas também deve tomar todas as disposições necessárias quando constata uma ameaça de prejuízo ou qualquer perturbação da exploração.”- cf. Monteiro Fernandes, em Direito do Trabalho 13ª edição pág. 233 a 239
O dever geral de lealdade decorre assim de uma estreita relação de confiança entre as partes em que se acentua o elemento fiduciário dessas relações, sendo necessário que a conduta do trabalhador seja de molde a não por em causa essa confiança, criando no espírito do empregador a dúvida sobre a idoneidade futura do comportamento do seu trabalhador. Como tem sido amplamente afirmado quer pela doutrina, quer pela jurisprudência, ele constitui uma manifestação do princípio da boa-fé contratual no cumprimento das obrigações, variando o seu conteúdo com a natureza das funções do trabalhador; esse dever é mais acentuado quanto mais qualificadas forem as funções desempenhadas pelo trabalhador na organização técnico-laboral do empregador, sendo certo que o juízo de censura à conduta do trabalhador será mais severo quanto mais elevado for o grau de confiança estabelecido entre as partes, objectivado nas funções confiadas ao trabalhador na respectiva estrutura organizativa da empresa.
A jurisprudência tem considerado que o dever de lealdade é um dever absoluto sendo irrelevante o grau de violação desse dever. E, nesse sentido que a diminuição de confiança resultante da violação deste dever não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa pode, em determinado contexto, levar a um efeito redutor das expectativas de confiança - cf. Acórdão do STJ de 11.10.1995, publicado na CJ tomo III pág. 277.
Podemos assim concluir que subjacente ao dever geral de lealdade do trabalhador está a regra da boa-fé na tutela da confiança, condição essencial na relação de trabalho subordinado, sendo que a quebra daquele dever de lealdade, por parte do trabalhador, poderá vir a constituir justa causa de despedimento se não for possível reconstituir no empregador a confiança perdida, pondo, assim, definitivamente em causa a subsistência da relação de trabalho.
Apreciemos, então, se no caso houve violação grave do dever geral de lealdade do autor susceptível de constituir justa causa de despedimento, como foi decidido na sentença recorrida.
No caso, resulta apurado que o autor quando foi admitido ao serviço da 1ª ré, em 1 de Novembro de 2000, subscreveu um documento em que declarou que não tinha qualquer interesse particular em qualquer empresa privada, mesmo que não fosse cliente do banco. Inserindo-se essa declaração numa declaração confidencial que visava acautelar conflitos de interesses, e tinha como princípio “ Independência – Conflito de interesses” – “Evitar que interesses pessoais ou familiares possam influir nas sua decisões, actuações, serviços ou recomendações, das prestadas em nome do Banco, assim como abster-se de influenciar especificamente aquelas questões que possam estar relacionadas com negócios, empresas e actividades profissionais de qualquer natureza em que directa ou indirectamente, participe ou tenha interesses” – ver fls.285 (fls.149 do p.d.)- volume 2º – facto n.º38.
Todavia, apurou-se que o autor, apesar de subscrever este declaração, desde Março de 2000 (8 meses antes) e em 31 de Maio de 2002, detinha uma quota de 100 € na sociedade GG – Lavagem de Viaturas, Lda. Esta sociedade GG celebrou contratos com a 1.aR. sem que o autor lhe tivesse dado conhecimento da sua ligação à mesma, sendo que o valor de crédito em atraso emergente do contrato n. °..., subscrito pela GG, Lda. era, em Junho de 2002, de € 7.128,15 – factos 39 a 42.
Apurou-se, ainda, que o autor era sócio da sociedade EE, Lda., sociedade que tem como objecto actividades auxiliares de intermediação financeira – intermediação na aquisição de bens moveis a crédito, que debitou às várias sociedades integradas na marca BBVA Finaziamento as facturas identificadas no ponto 44º da matéria de facto, que respeitam a pagamentos de comissões, tendo os respectivos sócios sido beneficiários desses pagamentos.
Não resultou apurada a data a partir da qual o autor deteve a quota nesta sociedade, mas apurou-se que, por escritura pública de 8 de Agosto de 2001, o autor declarou ceder a quota que detinha na mesma sociedade EE, Lda. – facto n.º45.
Assim, ainda que as decisões tomadas pelo autor se inserissem num processo complexo e controlado de formação das decisões das rés, atentas as funções que desempenhava, integrando-se na Direcção Comercial das RR., à qual compete a promoção e angariação de negócios junto dos prescritores/ fornecedores, o autor estava adstrito, em decorrência da boa fé que subjaz ao dever de lealdade, ao dever de ter dado conhecimento à ré das suas relações societárias. É certo, como se refere na sentença recorrida, não se ter apurado que o autor exercesse funções de gerência em qualquer uma das aludidas sociedades, ou que houvesse qualquer negócio contrário aos interesses das rés. Mas, o autor não era um qualquer trabalhador, era o Director responsável do Departamento de Opera/Consumo, a quem incumbia o controle da realização dos objectivos definidos para o departamento em relação às despesas, incluindo o comissionamento e os incentivos a fornecedores, que atingiram em 2001, 150.000.000$00, para além das demais funções descritas no ponto n.º15 da matéria de facto.
Assim sendo, afigura-se-nos que o autor tinha a obrigação de ter dado conhecimento dos seus interesses nas referidas sociedades, por menores que fossem, dado o seu posicionamento nas empresas rés, e ao facto de lhe ter sido exigido que o fizesse, através da assinatura da declaração de independência e conflito de interesses. Será pois legítimo questionar porque razão o autor subscreveu uma declaração em que omite a sua participação, pelo menos, na sociedade GG que já detinha nessa data e omite mais tarde (dado que não se apurou a data) que tinha participação na sociedade EE, Ld.ª. sendo certo que a regra da boa-fé na tutela da confiança é condição essencial na relação de trabalho subordinado.
Ora, no caso, dada a relevância do posicionamento do autor na empresa, a violação do dever geral de lealdade não está dependente da constatação ou verificação de prejuízos, nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade do seu comportamento leva razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança, pois o autor era um trabalhador qualificado, como se referiu, um Director com funções de responsável do Departamento de Opera/Consumo, a quem incumbiam as funções a que acima se aludiu, podendo influir na preparação dos negócios mais importantes como a contratação e definição da política do grupo na área de negócios.
Em síntese, o autor era um trabalhador qualificado a quem lhe foram incumbidas funções relevantes, designadamente de negociação com as sociedades de que o mesmo era sócio, pelo que ao omitir essa qualidade quando instado a fazê-lo, violou de forma grave o seu dever geral de lealdade para com as rés, que não é susceptível de gradação, sendo para o efeito irrelevantes as consequências da sua actuação.
Concluímos assim que a quebra do dever geral de lealdade, por parte do autor/trabalhador, não é passível de reconstituir no empregador a confiança perdida, pondo definitivamente em causa a subsistência da relação laboral, constituindo, por isso, justa causa de despedimento, como bem se decidiu na sentença recorrida, pelo que o seu despedimento foi lícito.

d) Apelação interposta pelas 1ª e 3ª rés

As questões suscitadas neste recurso são as seguintes:
- Nulidade parcial da sentença por falta de fundamentação de facto da decisão de condenação nas retribuições devidas pela cessação do contrato;
- Inexistência da violação do dever de ocupação efectiva por parte da entidade empregadora, impugnando para o efeito a matéria de facto dada como provada que serviu de base à condenação na indemnização a esse título;
- Montante da indemnização arbitrada.

Nulidade parcial da sentença recorrida por falta da fundamentação de facto da decisão de condenação nas retribuições devidas pela cessação do contrato (férias, subsídios de férias e Natal), que constam das alíneas a), b), e c) da decisão recorrida.
As rés/recorrentes invocam que não foram levados ao questionário os factos alegados nos artigos 223 a 226 da contestação, pelo que não há factualidade que sustente aquela condenação.
Afigura-se-nos porém que carecem de qualquer razão.
Na verdade, a questão do pagamento das quantias em causa não foi levada à base instrutória por não ter sido suscitada pelas recorrentes, pois estas nunca alegaram terem pago as referidas quantias (excepção que cuja prova lhes incumbia), pelo que resultando o direito ao pagamento das quantias em causa da cessação do contrato, e não havendo alegação ou prova do seu pagamento, apenas interessava apurar a data da cessação do contrato e do montante da remuneração-base do autor, factos que constam da matéria de facto, pelo que nada mais havia que indagar, não se verificando, por isso, a falta de fundamentação da decisão condenatória.
Improcede pois a invocada nulidade da sentença

Violação direito ocupação efectiva - impugnação da matéria de facto
Nesta questão a sentença recorrida decidiu condenar as rés/recorrentes a pagarem ao autor a quantia de cinco mil euros (5.000,00€) a título de indemnização pelos danos resultantes do esvaziamento de funções a que foi sujeito, tendo-se baseado nos factos provados nos pontos 46 a 56.
As rés concluem, contudo, que da matéria de facto apurada não resulta que durante o período compreendido entre meados de Outubro e o início de Dezembro de 2001, o autor tenha sido impedido de trabalhar pois continuou a desempenhar funções inerentes à categoria de Director do departamento de consumo e, por isso, não se encontrava numa situação de inactividade, ao contrário do que o tribunal recorrido concluiu. Para o efeito, as rés impugnam a matéria de facto dada como provada, relacionada com esta questão, factos 46 a 55, mas afigura-se-nos que sem razão.
(…)
Assim, será sobre a matéria apurada que deverá incidir a apreciação da violação do direito à ocupação efectiva por parte das rés.

Violação do direito à ocupação efectiva – fundamentos de direito
Montante da indemnização
Ainda na vigência da LCT, que não o estatuía expressamente o direito à ocupação efectiva do trabalhador, a jurisprudência foi desenvolvendo a sua aplicação com a dimensão dos casos concretos que lhe iam chegando, assim como era referenciado pela doutrina que o admitia de forma generalizada. Era tido à luz da lei como corolário do direito ao trabalho e do reconhecimento do papel de dignificação social que o mesmo tem, cujos princípios estão consignados nos art. 58º, nº 1 e 59º, nº 1, al. c) da CRP.
Hoje, na vigência do Código do Trabalho, tanto de 2003 como de 2009, é pacífica a ilegitimidade da desocupação do trabalhador que não se mostre efectivamente fundada, cabendo ao empregador o ónus da prova da justificação na desocupação do trabalhador. Nestas situações o empregador pode provar que não tem culpa na situação de não atribuir qualquer trabalho, como por exemplo, em situações transitórias de escassez de matérias-primas, redução de encomendas e outras situações de crise. O direito à ocupação efectiva não pode assim fazer-se valer em situações em que o empregador tenha motivos válidos para suspender a actividade do trabalhador – sobre esta matéria consultar a publicação da Coimbra editora/2008, “Da cessação do Contrato de Trabalho, em especial por iniciativa do Trabalhador”, de Ricardo Nascimento, pág. 203 e sgts, onde é feita uma súmula das posições doutrinárias, bem como indicação abundante de jurisprudência sobre esta matéria.
No caso, apurou-se que: no período compreendido entre meados de Outubro e o início do mês de Dezembro de 2001, as recorrentes retiraram ao autor as funções que lhe estavam cometidas na área da OPERA e de imediato as atribuíram a um outro Director; o autor em consequência de ter sido privado do exercício das suas funções sofreu "desvalorização" profissional, pessoal, social, familiar, desgosto e enervamento; a inactividade em que o autor foi sendo colocado pelas rés levou-o a expor tal situação, não só a ..., Director dos Recursos Humanos do BBVA FINANZIA em Madrid, incumbido de resolver assuntos importantes relativos aos seus colaboradores em Portugal, bem como ainda ao LL, mas com resultado nulo – factos 46 a 54.
Assim, verifica-se que durante um período, ainda que curto de tempo, cerca de 3 meses, as rés retiram o autor das suas funções sem que tivessem demonstrado interesses legítimos que justificassem a sua inactividade, o que configura a violação culposa do dever de ocupação efectiva do autor, dada a relevância e amplitude das funções que o autor exercia ao serviço das rés. Mas o tribunal recorrido verificou ainda que o autor, em consequência de ter sido privado do exercício das suas funções, sofreu desvalorização profissional, pessoal, social, familiar, desgosto e enervamento, e sendo Director, com uma retribuição mensal de 714.023$00, sendo as rés instituições bancárias, considerou equitativo fixar em 5000,00€ (cinco mil euros) a indemnização devida ao autor pelos danos sofridos na sequência da violação grave do dever de ocupação efectiva do autor, sem qualquer justificação.
Na verdade, tendo o autor demonstrado que sofreu danos graves de natureza não patrimonial, em consequência da violação culposa dos deveres da entidade empregadora, tem direito a ser indemnizado pelos prejuízos sofridos, por força dos art.ºs 483 e 496 do C.Civil. O montante da indemnização correspondente aos danos não patrimoniais deve ser calculado segundo critérios de equidade, atendendo ao grau de culpabilidade do responsável à sua situação económica e à do lesado e demais circunstâncias do caso, conforme resulta dos art.ºs 496, n.º3 e 494 do CCivil.
Deste modo, face aos danos, acima referidos, sofridos pelo autor e tendo presente que os mesmos decorreram de uma situação que se prolongou por cerca de 3 meses, meados de Outubro a Dezembro/Janeiro de 2001, entendeu o tribunal recorrido fixar o seu quantitativo em € 5.000,00, decisão que se julga adequada, pois utilizou um critério equitativo face ao grau de culpabilidade das rés, relacionado com o período de duração da referida inactividade (que terminou com a instauração de um processo disciplinar), e ao facto das rés serem instituições bancárias.
Relativamente ao aumento do quantitativo da indemnização fixada pelo tribunal, sustentado pelo autor na sua apelação, como acima se referiu, afigura-se-nos que carece de fundamento, pelas razões a seguir enunciadas: face ao relativo curto período de tempo em que se prolongou a violação do direito à ocupação efectiva do autor, importante para a determinação do seu quantitativo, pois quanto maior for esse período maior serão as consequências danosas que se repercutem no trabalhador afectado; por não se terem apurado em concreto as respectivas condições económico-financeiras das rés, ainda que sejam instituições financeira; por não se terem apurado as condições económico-sociais do autor, para além da actividade profissional que desenvolvia no réu; e ainda porque não resultaram apurados outros elementos ou circunstâncias que justifiquem o aumento do quantitativo da indemnização fixadas pelo tribunal da 1ª instância, tal como reclamou o autor/recorrente.
Assim sendo, confirma-se ainda nesta parte a decisão recorrida.

Litigância de má fé
Autor, nas suas contra-alegações ao recurso interposto pelas rés, e as rés, na resposta a essas contra-alegações, acusam-se mutuamente de litigância de má fé face aos respectivos comportamentos processuais no que respeita à questão relacionada como a violação do dever de ocupação efectiva, que ficou demonstrado ter existido por parte das rés, no período que decorreu entre meados de Outubro de 2001 e Dezembro do mesmo ano.
O instituto da litigância de má fé corresponde à necessidade de moralizar a lide, pressupondo um juízo de censura sobre um comportamento processual que se revele contrário a um processo leal e justo, podendo configurar-se como uma questão delicada quando contender com os limites dos direitos de acção e de defesa. Assim, a condenação por litigância de má fé deve estear-se em dados seguros que revelem ter o litigante, na sua actividade processual, excedido os limites da boa fé e incorrido em algum das hipóteses tipificadas no n.º 2 do art.º456 do CPC.
No caso, embora, as inúmeras considerações feitas pelas partes neste âmbito, não pode este tribunal concluir que alguma delas tenha feito um uso impróprio da sua litigância pois, ainda que tenham usado todos os meios para defenderem os seus entendimentos, incluindo o recurso à impugnação da matéria de facto, não se apuraram comportamentos ou atitudes que possam enquadrar-se na previsão do n.º2 do art.º 456 do CPC.
Não se vê razão para condenar qualquer das partes como litigante de má fé, pelo que improcedem também os recursos nesta parte.

IV. Decisão
Face ao exposto julgam-se improcedentes os recursos interpostos e confirma-se na íntegra a sentença recorrida.
Custas pelas partes nos respectivos decaimentos

Lisboa, 8 de Fevereiro 2012

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho

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