sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CONTRATO DE TRABALHO – CONEXÃO - COMPETÊNCIA EM RAZÃO DA MATÉRIA



Proc. Nº 756/09.5TTSTB.E1  TR Évora    29 de Março de 2011

i) Não existe conexão entre, por um lado, o pedido da trabalhadora de condenação do empregador a reconhecer que entre as partes vigorou um contrato de trabalho e que houve um despedimento ilícito, com as consequência daí decorrentes e, por outro lado, o pedido formulado na mesma acção de condenação do empregador a entregar nos Serviços e Organismos Sociais competentes as declarações, comunicações e/ou documentos por eles legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da trabalhadora;
(ii) Nos termos da proposição anterior, o tribunal do trabalho não tem competência para conhecer deste último pedido, pelo que em relação ao mesmo se deve absolver o Réu da instância


Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Évora:
I. Relatório
M…, com o patrocínio do Ministério Público, intentou a presente acção declarativa de condenação, com processo comum, contra N…, pedindo a condenação deste a:
1. Reconhecer e ver declarado que a Autora desempenhou a sua actividade profissional de empregada de limpeza para o Réu mediante contrato de trabalho sem termo desde 5 de Janeiro de 2000 até 30 de Maio de 2009;
2. Reconhecer e ver declarado que por tal actividade não foram oportunamente efectivados os descontos e as comunicações aos organismos de Previdência e Segurança Social competentes para que a celebração e vigência do contrato de trabalho da Autora com a Ré sejam levados aos registos e arquivos daqueles organismos;
3. Entregar nos serviços e organismos sociais competentes, e designadamente no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social da área e no Centro Nacional de Pensões, as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da Autora desde 05 de Janeiro de 2000 a 30 de Maio de 2009;
4. Ser declarado ilícito o despedimento de que a Autora foi objecto, por inexistência de justa causa e, em consequência, o Réu condenado a pagar àquela:
- € 6.681,81, referente a compensação a que se refere o art. 246.º do Código do Trabalho, por violação do direito a férias vencidas nos anos de 2000 a 2008;
- € 2.227,27, por subsídio de férias não pago e referente aos anos de 2000 a 2008;
- € 500, referente à retribuição por férias e subsídio de férias vencidas em 01/01/2009;
- € 208,32, referente aos proporcionais da retribuição por férias e subsídio de férias do trabalho prestado no ano de 2009;
- € 104,16, referente ao subsídio de Natal do trabalho prestado no ano de 2009;
- € 2.437,50 de indemnização em substituição da reintegração;
- € 250, referente à retribuição de 30 dias antes da data da propositura da acção e as que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal;
- € 164,55, referente aos juros de mora já vencidos e os vincendos até integral pagamento.
Alegou para o efeito, e em síntese, que no período referido exerceu a actividade de empregada de limpeza sob as ordens, direcção e fiscalização do Réu, numa relação, pois, de trabalho subordinado, mas que o Réu não cumpriu as obrigações inerentes a tal relação de trabalho, designadamente não efectuando descontos para a Segurança Social em relação à Autora, nem nunca lhe tendo concedido o gozo de férias, nem pago o respectivo subsídio, bem como o de Natal.
Além disso, em 31 de Maio de 2009 o Réu comunicou-lhe verbalmente que estava despedida, despedimento esse ilícito, com as consequências daí inerentes.
*
Realizada a audiência de partes, não se logrou obter o acordo das mesmas, pelo que, seguidamente, o réu contestou a acção, a pugnar pela improcedência da mesma, por considerar que entre as partes vigorou um contrato de prestação de serviços, e não um contrato de trabalho.
*
Procedeu-se à elaboração do despacho saneador stricto sensu, tendo sido dispensada a convocação de audiência preliminar, bem como da fixação dos factos assentes e da base instrutória.
Seguidamente realizou-se a audiência de discussão e julgamento, após o que foi proferida sentença, cuja parte decisória é do seguinte teor:
«Por tudo o exposto, julgo a presente acção parcialmente procedente, e, em consequência:
a) declaro a existência de um vínculo de natureza laboral entre a A. e a R.;
b) julgo ilícito o despedimento de que a A. foi alvo por parte da R.;
c) condeno a R. a pagar à A. as retribuições que esta deixou de auferir desde 30 dias antes da propositura da acção até à presente data, as quais de computam em € 3.887,50, acrescidas das retribuições que se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do tribunal e de juros desde a data da liquidação até integral pagamento, tudo conforme se apurará em sede de incidente de liquidação prévio à execução da sentença;
d) condeno a R. a pagar à A., a título de indemnização por antiguidade, a quantia de € 1.470,83, acrescida das quantias que, a esse título, se vencerem até ao trânsito em julgado da decisão do Tribunal e de juros de mora desde a data da declaração da ilicitude, tudo conforme se apurará em sede de incidente de liquidação prévio à execução da sentença;
e) condeno a R. a pagar à A. a quantia de € 3.879,14 a título de créditos laborais emergentes de férias, subsídio de férias, violação do direito a férias e subsídio de Natal, quantia à qual acrescem os juros legais, desde a data da citação até efectivo e integral pagamento;
f) condeno a R. a entregar nos serviços e organismos sociais competentes, designadamente no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social da área e no Centro Nacional de Pensões, as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da A. desde Dezembro de 2004 a 30/05/2009;
g) absolvo a R. do mais peticionado».
*
Inconformado com a sentença, o réu dela interpôs recurso, tendo nas alegações de recurso formulado as seguintes conclusões:
«I) Não existe nenhuma modalidade de conexão, no pedido de condenação da R. a entregar nos Serviços e Organismos sociais competentes, designadamente no Centro Distrital de Solidariedade e Segurança Social da área e Centro Nacional de Pensões, as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da A., e os demais pedidos por esta formulados na acção, uma vez que são autónomos e independentes entre si, podendo cada um deles ser formulado separadamente.
II) Não existindo conexão entre os pedidos, deve concluir-se pela improcedência do Tribunal do Trabalho para conhecer o pedido da A. referente à alegada falta de entrega pela R. das declarações obrigatórias junto da Segurança Social e outros organismos, nos termos alínea o) do art.º 85.º, da LOTJ,
III) A incompetência material consubstancia excepção dilatória, de conhecimento oficioso, que determina a absolvição da instância.
IV) Ao não entender deste modo, a decisão recorrida violou o disposto na alínea o) do Art.º 85, da LOTJ, e art.ºs 494º/al.a), 102º nº 1 e 493º nº 1 e 2 todos do Código de Processo Civil, aplicáveis “ex vi”, do preceituado no art.º 1º nº 2 alínea a) do Código de Processo do Trabalho».
E a rematar as conclusões, pede que seja revogada a sentença recorrida no que
à alínea f) da parte decisória diz respeito.
*
Respondeu a Autora, a pugnar pela improcedência do recurso.
*
O recurso foi admitido, como de apelação, a subir nos próprios autos e com efeito meramente devolutivo.
*
Não havendo lugar ao cumprimento do disposto no artigo 87.º, n.º 3, do Código de Processo do Trabalho, uma vez que a Autora é patrocinada pelo Ministério Público, e corridos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.
*
II. Objecto do recurso
O objecto dos recursos é delimitado pelas conclusões das alegações de recurso, como resulta do disposto nos artigos 684.º, n.º 3 e 685.º-A, n.º 1, do Código de Processo Civil, ex vi do artigo 1.º, n.º 2, alínea a), do Código de Processo do Trabalho.
Assim, tendo em conta as conclusões da recorrente a única questão a decidir consiste em saber se deve manter-se a condenação do Réu na parte a que se reporta a alínea f) da sentença recorrida, ou seja, a entregar nos serviços e organismos sociais competentes as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da Autora desde Dezembro de 2004 a 30-05-2009.
*
III. Factos
O tribunal recorrido deu como provada a seguinte factualidade, que se aceita, por não se vislumbrar fundamento legal para a sua alteração:
1. O R. é uma associação desportiva que desenvolve a sua actividade no âmbito de promoção e formação de jovens nas modalidades de futebol, râguebi, andebol e atletismo. (art. 3.º da petição inicial);
2. Possuindo instalações próprias, com um bar, sala de jogos, salão social, escritório, cozinha, balneários, esplanada e um polidesportivo (art. 4.º da petição inicial);
3. Pelo menos em Dezembro de 2004, mediante acordo verbal, o R. admitiu a A. nas suas instalações atribuindo-lhe as funções de empregada de limpeza (arts. 5.º e 7.º da petição inicial);
4. No exercício de tais funções competia-lhe limpar e arrumar as instalações do R., designadamente o bar, as casas de banho, a sala de jogos, o escritório, a cozinha, a esplanada, bem como varrer toda a parte exterior das instalações (art. 8.º da petição inicial);
5. O período normal de trabalho era de, no máximo, setenta e duas horas mensais, de Segunda a Sábado (art. 9.º da petição inicial);
6. O dia de descanso obrigatório era o Domingo (art. 11.º da petição inicial)
7. Como contrapartida do trabalho prestado, o R. acordou pagar à A. a retribuição líquida de € 250 mensais (art. 12.º da petição inicial);
8. Montante que lhe foi pago pelo R., pelo menos, de Dezembro de 2004 a 31 de Maio de 2009 (art. 13.º da petição inicial);
9. Pelo menos, desde Dezembro de 2004, o R. entregava à A. recibo de remuneração, no qual era feita referência a uma seguradora (arts. 15.º e 16.º da petição inicial);
10. O R. nunca efectuou descontos para a Segurança Social, em relação à A. (art. 17.º da petição inicial);
11. À A. nunca foi concedido qualquer período de férias (art. 18.º da petição inicial);
12. O R. não pagou à A. qualquer valor referente a férias não gozadas, nem subsídio de férias (arts. 19.º e 20.º da petição inicial);
13. Nos meses de Novembro de cada ano, o R. pagava à A. quantia igual à da retribuição, a qual apelidava de gratificação de Natal (art. 21.º da petição inicial);
14. Em 31/05/2009, o R., através do seu Presidente da Direcção, comunicou verbalmente à A. que estava despedida, pois o Clube tinha que limitar despesas e tinha decidido prescindir da empregada de limpeza (art. 22.º da petição inicial);
15. O R. nada mais pagou à A. para além do vencimento relativo ao trabalho prestado em Maio de 2009. (art. 23.º da petição inicial);
16. A A. sempre recebeu ordens do R., que lhe fornecia todos os instrumentos de trabalho, determinando o trabalho a ser executado (arts. 24.º, 26.º e 27.º da petição inicial);
17. Durante a vigência da relação entre as partes, a A. nunca faltou ao trabalho (art. 30.º da petição inicial);
18. Em 2009, o R. não pagou à A. a “gratificação” de Natal (art.º 35.º da petição inicial);
19. A A. tinha a chave do estabelecimento do R. (art. 28.º da contestação);
*
IV. Fundamentação
Como se deixou supra aludido, a única questão a decidir consiste em saber se deve manter-se a condenação do Réu a entregar nos serviços e organismos sociais competentes, as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da Autora desde Dezembro de 2004 a 30-05-2009.
Da leitura da sentença recorrida, tendo em vista o disposto no artigo 205.º, da Constituição da República Portuguesa, não se localiza qualquer concreta fundamentação para a condenação do Réu quanto a tal pedido.
Todavia, tendo o tribunal recorrido qualificado a relação jurídica que vigorou entre as partes como de trabalho subordinado, julga-se que terá proferido a condenação ora em apreciação como decorrência directa daquela qualificação do contrato.
O Réu rebela-se contra a condenação em causa, sustentando, ao fim e ao resto, que não existe conexão entre este pedido e os demais formulados na acção, apresentando-se autónomos e independentes entre si.
Outro é o entendimento da Autora/recorrida, que na resposta ao recurso sustenta, muito em resumo, que a contribuição para a segurança social tem a sua génese na relação de prestação do trabalho e, por isso, encontra-se conexa com a relação laboral.
Vejamos.
Como é sabido, os tribunais do trabalho são tribunais de competência especializada.
A Lei de Organização e Funcionamento dos Tribunais Judiciais, Lei n.º 3/99, de 13-01 e, posteriormente, a Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto, regulam a competência dos tribunais do trabalho.
Mais concretamente no artigo 85.º daquela lei e artigo 118.º desta, estabelece-se tal competência.
Tem-se por inequívoco que os tribunais do trabalho não têm competência directa para conhecer da relação contributiva que é estabelecida entre o empregador e a segurança social, uma vez que a sua competência é limitada às questões taxativamente previstas naqueles normativos.
E isto porque o trabalhador, embora seja beneficiário do regime de segurança social não é parte na relação contributiva que se estabelece entre o seu empregador e a segurança social.
E, sendo perante as instituições da Segurança Social que os empregadores têm de cumprir a obrigação contributiva e integrando essas instituições a administração directa do Estado, compreende-se que a falta de pagamento das contribuições não pertença aos tribunais de trabalho, por estes pertencerem a uma jurisdição cuja função é dirimir litígios eminentemente entre particulares.
Essa competência pertence à ordem jurídica administrativa e fiscal, mais exactamente aos tribunais fiscais, como resultava do n.º 2 do artigo 46.º da Lei n.º 28/84, de 14 de Agosto, do n.º 1 do artigo 63.º da Lei n.º 17/200, de 8 de Agosto, do n.º 1 do artigo 48.º da Lei n.º 32/2002, de 20 de Dezembro e ainda do artigo 77.º da Lei n.º 4/2007, de 16 de Janeiro, ao estabelecer que as acções e omissões da administração no âmbito do sistema de segurança social são susceptíveis de reacção contenciosa nos termos do Código de Processo nos Tribunais Administrativos.
Na verdade, como resulta de tais normativos legais – como, aliás, também já resultava das Leis n.ºs 2.115, de 18 de Junho de 1962, e 2.120, de 19 de Julho de 1963, que antecederam a citada Lei n.º 28/84 – a contribuição é uma prestação pecuniária que consubstancia o objecto de uma verdadeira obrigação, a que corresponde um direito por parte da Segurança Social, estabelecendo-se entre o contribuinte e a instituição de Segurança Social uma relação jurídica contributiva.
Resulta ainda que os titulares da obrigação contributiva são os trabalhadores e os empregadores e que, no caso dos trabalhadores por conta de outrem, há uma obrigação unitária de pagamento das contribuições a cargo do empregador.
Assim, a relação jurídica contributiva, filiada embora na relação laboral, não se confunde com ela, e concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral, dado que apenas incide sobre um dos sujeitos passivos, o empregador, a quem cabe a liquidação e pagamento das contribuições, mesmo na parte respeitante ao trabalhador.
É, assim, perante as instituições de Segurança Social – que integram a chamada administração indirecta do Estado, pois são entidades públicas, revestidas de autoridade pública, designadamente, tendo poderes para intervenções coactivas – que os empregadores têm que cumprir a sua obrigação contributiva.
Além disso, importa ter presente que as contribuições para a Segurança Social se inscrevem no universo das imposições financeiras públicas, o mesmo é dizer, que constituem prestações pecuniárias estabelecidas ou impostas por lei a favor de organismos do Estado ou de instituições investidas de autoridade pública que têm a seu cargo a realização de acções necessárias à efectivação do direito à Segurança Social, constitucionalmente reconhecido (art. 63° da Constituição da República Portuguesa), com o fim imediato de obter meios ou recursos destinados ao financiamento das acções de protecção social.
E, em face das grandes semelhanças que existem entre as contribuições para a Segurança Social e os impostos - pois quer umas quer outros constituem imposições financeiras devidas a entidades de direito público, têm um carácter forçado e têm uma finalidade financeira colectiva (atribuição de prestações sociais) - tem-se acentuado o carácter tributário das contribuições do regime geral da previdência (veja-se, neste sentido, o Acórdão do Tribunal Constitucional n.º 363/92 publicado no Diário da República II, de 93.04.08.).
Não tendo, pois, os tribunais do trabalho competência, diremos originariamente, para conhecer da falta de pagamento das contribuições por parte dos empregadores à Segurança Social, a questão que ora se coloca consiste em saber se os mesmos tribunais do trabalho podem vir a adquirir essa competência por efeito da conexão da competência dos mesmos tribunais emergente da relação de trabalho.
A questão foi abordada nos acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 13-11-2002 e de 15-02-2005 (Proc. n.º 01S4274 e 04S3037, respectivamente, disponíveis em www.dgsi.pt), que vamos acompanhar de perto, uma vez que não descortinamos fundamento legal para nos afastarmos do ali decidido.
*
Refira-se que a condenação do Réu, ora em litígio, é “tão só” para entregar documentos/declarações exigidos pela Segurança Social para regularizar a situação da trabalhadora.
Todavia, tal condenação só tem razão de ser se tiver também implícita a eventual subsequente obrigação do Réu de entregar os descontos à Segurança Social devidos em relação à prestação do trabalho por aquele trabalhador.
De outro modo, aquela condenação apresentava-se inócua quanto aos efeitos pretendidos pelo trabalhador.
Isto é, entende-se que a condenação proferida tem subjacente a (eventual) subsequente entrega dos descontos devidos à Segurança Social.
*
Estatui o artigo 85.º, alíneas b) e o) da Lei n.º 3/99, de 13-01:
«Compete aos tribunais do trabalho conhecer, em matéria cível:
(…)
b) Das questões emergentes de relação de trabalho subordinado e de relações estabelecidas com vista à celebração de contratos de trabalho;
(…)
o) Das questões entre sujeitos de uma relação jurídica de trabalho ou um desses sujeitos e terceiros, quando emergentes de relações conexas com a relação de trabalho, por acessoriedade, complementaridade ou dependência, e o pedido se cumule com outro para o qual o tribunal seja directamente competente».
Idêntico é o teor das alíneas b) e o) do artigo 118.º, da Lei n.º 52/2008, de 28 de Agosto.
Como escreve Leite Ferreira (Código de Processo do Trabalho, Coimbra Editora, 1989, pág. 71 e segts), a referida alínea o) contempla um caso de extensão da competência em razão da matéria, uma vez que as questões aí referidas se situam, em regra, fora do círculo da competência dos tribunais do trabalho, mas que para eles são atraídas em consequência de uma posição de conexão que mantém com as causas especializadas, ou seja, com as questões de competência específica e estrutural daqueles tribunais.
Tratam-se, pois, de questões que os tribunais do trabalho não podem conhecer quando se apresentem isoladamente, mas que o legislador entendeu atribuir-lhes quando se cumulem com outras para as quais sejam directamente competentes.
E, de acordo com o autor supra referido, duas causas são conexas quando estejam ligadas por alguns dos seus elementos (sujeitos, causa de pedir e pedido); porém, como adverte, para que a extensão da competência prevista na alínea o) citada tenha lugar não basta uma qualquer conexão: «A alínea o) nenhuma referência faz à conexão subjectiva com origem na identidade dos sujeitos ou coincidências das partes, o que equivale a dizer que a conexão subjectiva não é factor determinativo da extensão da competência nos tribunais do trabalho. E com razão, pois que a competência especializada dos tribunais do trabalho define-se em função da real diversidade de acções e não em função da qualidade dos sujeitos que nelas intervêm – trabalhador, entidade patronal, organismos sindicais, etc.
Resta a conexão objectiva que, num sentido lato, pode provir:
a) da unidade da causa de pedir;
b) da relacionação dos diversos pedidos.
Só que do mesmo facto jurídico, como causa de pedir – Cód. Proc. Civil, art. 498.º, n.º 4 – pode brotar uma pluralidade de relações jurídicas a cada uma das quais corresponda, paralelamente, efeitos jurídicos distintos.
Sempre que isso aconteça, não pode dizer-se, sem mais, que se está perante uma multiplicidade de acções conexas.
Se do mesmo facto nasce uma acção penal e uma acção civil não há conexão. O tribunal do trabalho apenas conhecerá delas se para isso tiver competência directa. (…).
A unidade da causa de pedir não chega, pois, para, por si só, caracterizara competência por conexão dos tribunais do trabalho.
Perante uma pluralidade de acções emergentes da mesma causa de pedir, os tribunais do trabalho apenas poderão conhecer daquelas para que sejam directamente competentes. (…).
De maneira que, para efeitos de competência, apenas tem relevância a conexão objectiva no sentido estrito, isto é, a conexão que emana da interligação dos diversos pedidos».
E tal conexão pode resultar duma relação de acessoriedade, complementaridade ou dependência: (i) na acessoriedade a causa subordinada é objectivamente conexa e dependente do pedido da causa principal; (ii) na complementaridade, ambas as acções são autónomas pelo seu objecto, mas uma deles é convertida, por vontade das partes, em complemento da outra; (iii) na dependência, qualquer das relações é objectivamente autónoma, tal como na complementaridade, mas existe um nexo de tal ordem entre ambas que não pode desligar a relação dependente da relação principal.
*
No caso que nos ocupa, a Autora pediu entre o mais o reconhecimento da relação de trabalho que manteve com o Réu como de trabalho subordinado.
Naturalmente que se essa relação não existisse, prejudicados ficariam, desde logo, outros pedidos formulados, designadamente o ora em apreciação; isto é: se não fosse reconhecida a existência de um contrato de trabalho, não existiria subsequentemente qualquer obrigação do Réu entregar documentação na Segurança Social e, porventura, de pagamento de contribuições decorrentes dessa relação de trabalho à mesma Segurança Social.
Contudo, entre os pedidos que, por um lado, emergem directamente da relação de trabalho e, por outro, o pedido de condenação na entrega de documentação na Segurança Social não existe qualquer das aludidas modalidades de conexão, uma vez que se apresentam como pedidos autónomos e independentes entre si, na medida em que a formulação dos primeiros pedidos não depende da formulação do pedido/condenação em análise, podendo aqueles ser formulados independentemente deste.
Dito de outro modo: embora a obrigação contributiva do empregador Réu tenha como pressuposto a existência de um contrato de trabalho - já que é por virtude da celebração deste que aquele paga(ou) retribuições ao trabalhador e é deste pagamento que resultam as obrigações, quer do trabalhador, quer do empregador, de pagar ao Estado as contribuições - ela concretiza-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador (sujeito passivo da obrigação, a quem cabe a liquidação das contribuições, mesmo na parte respeitante ao trabalhador) e o Estado (sujeito activo), relação jurídica esta que tem natureza parafiscal.
Daí que a relação jurídica contributiva, embora filiada na relação laboral, não se confunde com a mesma, concretizando-se sob a forma de uma relação jurídica bilateral entre o empregador e o Estado.
De resto, não se afigura que fizesse sentido que o legislador, a considerar serem conexos com o contrato de trabalho os vínculos entre os sujeitos do contrato de trabalho (trabalhador e empregador) e a Segurança Social, e, simultaneamente, atribuísse aos Tribunais de Trabalho, na al. o) competência para o julgamento das questões emergentes desses vínculos, na alínea i) (questões entre instituições de previdência ou de abono de família e seus beneficiários, quando respeitem a direitos, poderes ou obrigações legais, regulamentares ou estatutárias de umas ou outros, sem prejuízo da competência própria dos tribunais administrativos e fiscais) estipulasse a competência para o julgamento das questões entre um dos sujeitos do contrato e a Segurança Social.
Se as questões entre os trabalhadores ou empregadores (de um lado) e a Segurança Social (de outro) fossem de considerar "emergentes de relações conexas com a relação de trabalho" naqueles termos, não faria sentido, por inútil, o alargamento constante da al. i).
Nesta sequência, somos a concluir que não existe conexão entre os pedidos formulados pela Autora que emergem directamente da relação laboral e o pedido ora em apreciação (ao fim e ao resto, de condenação do Réu a entregar na Segurança Social a documentação para a regularização da situação sócio-profissional da Autora).
Logo, o tribunal do trabalho é incompetente, em razão da matéria, para conhecer deste pedido, pelo que dele se deverá absolver o Réu (cfr. artigo 105.º, n.º 1, do Código de Processo Civil).
Procedem, por consequência, as conclusões das alegações de recurso, pelo que deve ser revogada a sentença recorrida, na parte impugnada, absolvendo-se o réu da instância quanto ao pedido em causa.
*
Vencida no recurso, deverá a Autora suportar o pagamento das custas (cfr. artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
Isto, sem prejuízo da eventual isenção de que goze ao abrigo do disposto no artigo 4, n.º 1, alínea h) do Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26 de Fevereiro, que aprovou o Regulamento das Custas Processuais, situação que a Autora/recorrida alega, mas que este tribunal não dispõe de elementos para apreciar.
*
V. Decisão
Face ao exposto, acordam os juízes da Secção Social do Tribunal da Relação de Évora, em conceder provimento ao recurso e, em consequência, revogam a sentença recorrida na parte em que condenou o Réu N… a entregar nos serviços e organismos sociais competentes as declarações, comunicações e/ou documentos que por eles sejam legalmente exigidos para regularizar a situação sócio-profissional da Autora desde Dezembro de 2004 a 30-05-2009 [alínea f) da sentença recorrida], absolvendo-se da instância o Réu quanto a tal pedido.
Custas pela Autora, sem prejuízo da isenção de apoio judiciário de que, eventualmente, beneficie.
Évora, 29 de Março de 2011

(João Luís Nunes)
(Acácio André Proença)
(Joaquim Manuel Correia Pinto

Sem comentários:

Enviar um comentário