sexta-feira, 12 de outubro de 2012

CONTRATO DE TRABALHO A TERMO CERTO - RENOVAÇÃO DO CONTRATO - DENÚNCIA OPERADA PELO EMPREGADOR




Proc. Nº 751/08.1TTSTB.E1  TRE   3/11/2009

 1. A validade da motivação da cláusula que apôs o termo certo de seis meses num contrato de trabalho deve ser apreciada em termos de razoabilidade e sensatez, já que dificilmente poderá ser feita a correspondência absoluta e rigorosa entre o prazo contratado e a duração precisa da obra cuja adjudicação esteve na base dessa contratação.

2. Nessas circunstâncias, e estando verificada a relação entre a duração do contrato, objecto de uma renovação, e a necessidade de acréscimo de mão de obra por parte do empregador, deve ter-se por válida a aposição do termo, e eficaz a denúncia do contrato por este opera.

ACÓRDÃO


Acordam os juízes que compõem a Secção Social deste Tribunal da Relação de Évora:

No Tribunal do Trabalho de Setúbal, e em acção com processo comum, instaurada a 17/9/2008, J.S., identificado nos autos, demandou C..,Lda., com sede em Quarteira, pedindo a condenação da R. na sua reintegração, ou em alternativa no pagamento duma indemnização por despedimento, e bem assim no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde que foi despedido, e até à sentença, e das quantias de € 1.810,71, e de € 2.112,50, a título de trabalho suplementar prestado, tudo acrescido de juros de mora, desde a citação até efectivo pagamento. Para o efeito, alegou em resumo ter sido admitido ao serviço da R., por contrato a termo de seis meses, com início em 18/9/2006, para exercer as funções de encarregado de 1º, mediante o salário mensal de € 1.200,00, acrescido de € 4,80 diários a título de subsídio de refeição; tendo o A. continuado a trabalhar para a R. após o termo do prazo estipulado, deixou de existir o motivo justificativo para a contratação a termo, pelo que a cessação do contrato operada pela demandada com efeitos a partir de 17/3/2007 se traduziu num despedimento ilícito.


Gorada a tentativa de conciliação efectuada no âmbito da audiência de partes prevista no art.º 54º do Código de Processo do Trabalho (C.P.T.), a R, veio contestar de seguida, excepcionando a prescrição dos direitos peticionados, e sustentado a validade do termo aposto no contrato, e da caducidade do mesmo, donde concluiu pela improcedência da acção e consequente absolvição.

Foi proferido despacho saneador, no qual o Ex.º Juiz qualificou como sendo de caducidade a excepção invocada pela R. quanto aos pedidos decorrentes da alegada ilicitude do despedimento, julgando-a improcedente; e como sendo de prescrição, e procedente, a excepção invocada quanto aos demais pedidos, relativamente aos quais a R. foi desde logo absolvida.

Prosseguindo a acção quanto à matéria respeitante à cessação do contrato, procedeu-se a audiência de julgamento, em cujo âmbito o A. optou pelo pedido de indemnização, em detrimento do de reintegração. Foi depois proferida sentença, que julgou nessa parte a acção procedente, condenando a R. a:

a) reconhecer como ilícito o despedimento do A.;
b) pagar ao A. uma indemnização de antiguidade, no valor de € 3.600,00;
c) pagar ao A. as remunerações que este deixou de auferir desde 18/08/2008 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal, à razão de € 1.200,00 mensais, mas com dedução das importâncias referidas nos nsº 2 e 3 do art. 437º do Código do Trabalho (C.T.), a apurara em incidente de liquidação de sentença;

d) pagar ainda os juros de mora, à taxa legal, desde a citação, quanto ao valor indicado na al. b), e desde a data da liquidação, quanto aos valores indicados na al. c), e até integral pagamento.
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Inconformada com o assim decidido, dessa sentença veio então apelar a R.. Na respectiva alegação de recurso formulou as seguintes conclusões:

- Vero es e douta também, a anotação técnica ao art. 131.º do CT produzida pelo Tribunal a quo e claro está que desta não se recorre;
- Entendemos porém, salvaguardando sempre as doutas e melhores opiniões, que não caberá razão ao Tribunal a quo quando considera o contrato a termo certo com justificação insuficiente;
- O Contrato de Trabalho na sua cláusula justificativa não contém apenas uma fórmula genérica estabelecida no art. 129.º do CT;
- A justificação permite com clareza relacionar o trabalho prestado e o termo do contrato;
- A justificação concretiza o tipo de actividade, tal como toda a essência do contrato, e a causa de intensificação desta;
- O facto de se reproduzir o conceito legal constante do art. 129.º, n.º 2 al. f) do CT não é motivo para se considerar um contrato a termo injustificado, desde que se concretize o conceito;
- O contrato ora em análise concretiza-o, vide decisão recorrida p. 4 in fine;
- O nexo causal entre o motivo invocado e a duração do contrato está patente na justificação;
- Na justificação especifica-se o tipo de actividade (obra), o local (Vale de Lobo, Lote 179) e o porquê de tal obra constituir uma necessidade temporária da empresa;
- Mais, o Tribunal a quo considerou provado que a obra em causa era de menor dimensão e portanto, em face da dimensão da empresa, tais obras constituem negócios pontuais que não estão previstos nem orçamentados pelo que se tem que recorrer à contratação a termo;
- Em suma, a obra do Lote 179 veio a constituir a ora Rte. na necessidade temporária de trabalhadores, tal nunca foi posto em causa, se bem que esta análise está na disponibilidade do empregador;
- A Rte. gere os recursos humanos e optimiza-os do modo que melhor lhe convier;
- O Rdo. não tinha que trabalhar no Lote 179;
- Complementando o que ut supra se referiu, não pode colher, salvo melhor opinião, o decide o Tribunal a quo em matéria de CCT;
- O CCT a retro identificado, nas suas cláusulas 53.º e seguintes têm por epigrafe “admissibilidade de celebração de contratos a termo”;
- Nenhuma norma deste contrato colectivo estabelece qualquer paridade com os motivos justificativos elencados no art. 129.º do CT, não se percebendo a analogia presente na douta decisão do tribunal a quo, ao atribuir os efeitos normativos do art. 53.º, n.º1 do CCT, apenas ao preceituado na alínea h) do art. 129.º, n.º2;
- Os motivos elencados no art. 129.º do CT não são taxativos, pelo que não será necessário justificar apenas com a alínea h) do n.º 2, as necessidades temporárias de uma empresa de construção;
- O contrato de trabalho a termo certo foi executado para a execução de trabalhos de construção civil, logo integra-se no âmbito do art. 53.º do CCT;
- Em bom rigor, podemos concluir que o contrato de trabalho vai muito para além do exigido pela Lei em matéria de justificação;
- Refere ainda o Tribunal a quo na sua decisão, invocando o art. 552.º n.º do CT, que o CCT não é vinculativo para ambas as partes por via do principio da filiação;
- Ora tal argumento cai pela base, por via da aplicação do regulamento de extensão consagrados nos artigos 573.º a 576.º do CT que estende o âmbito de aplicação definido nas Convenções Colectivas.

Terminou a apelante pedindo a revogação da sentença recorrida, e a absolvição do pedido.
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Notificado da interposição do recurso, o A. não contra-alegou.
Subidos os autos a esta Relação, o Ex.º Procurador-Geral Adjunto pronunciou-se no sentido da improcedência da apelação.

A tal parecer veio ainda responder a recorrente, reiterando a posição que anteriormente manifestara.

Colhidos os vistos legais, cumpre decidir.
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Foi a seguinte a matéria de facto dada como provada na sentença recorrida:

1 - A Ré dedica-se à actividade de construção civil;
2 - No âmbito dessa actividade, a Ré admitiu o A. ao seu serviço, no dia 18.09.2006, para desempenhar as funções de Encarregado de 1.ª, tendo para o efeito outorgado o escrito cuja cópia se encontra a fls. 9 e 10 dos autos, que aqui se considera integralmente reproduzido;
3 - Das cláusulas 12.ª e 13.ª do referido escrito consta o seguinte:
«12.º Este contrato tem início no dia 18 de Setembro de 2006 e terá o seu termo final no dia 17 de Março de 2007, renovar-se-á porém, no seu termo, por igual período, se outra coisa não for convencionada ou não for operada a sua caducidade, nos termos legais.
13.º A admissibilidade deste contrato a termo justifica-se pelo acréscimo excepcional da actividade da Empresa dado que, foi adjudicada a obra do lote 179, Vale do Lobo, obra esta que ultrapassa o nível médio de trabalho normal da Empresa e para o qual tem contratado um número de trabalhadores efectivos suficiente.»;
4 - Em 1 de Setembro de 2007, o A. recebeu a carta da Ré datada de 30 de Agosto de 2007, que se encontra a fs. 11 dos autos e aqui se considera integralmente reproduzida, constando da mesma, para além do mais, o seguinte:
«Com referência ao contrato de trabalho a termo certo, entre nós celebrado em 18 de Setembro de 2006, vimos pela presente comunicar a V. Exa. que tal contrato caducará no próximo dia 17 de Setembro de 2007, deixando, portanto, de vigorar, findo o período de vigência em curso.
Assim, a partir do próximo dia 17 de Setembro de 2007, cessarão todas as relações laborais entre V. Ex. e a nossa empresa.»;
5 - No dia 17 de Março de 2007, nada foi convencionado entre as partes quanto à prorrogação do termo do contrato;
6 - Auferia o A. a retribuição base de € 1.200,00, acrescendo subsídio de alimentação no valor diário de € 4,80;
7 - A obra do lote 179 de Vale do Lobo consistia na construção de uma moradia com piscina, de menor dimensão em relação a outras obras que a Ré levava a cabo na mesma altura, mas que para esta representava um bom negócio;
8 - O A. nunca chegou a desempenhar as funções de encarregado de 1.ª na obra do lote 179 de Vale do Lobo, tendo-o apenas feito noutras obras que a Ré levava a cabo;
9 - Esporadicamente, o A. deslocava-se à obra do lote 179 de Vale do Lobo, a fim de levar alguns trabalhadores ou materiais, ou contactar com um dos sócios-gerentes da Ré que ali trabalhava ou o Eng. Técnico Civil R.J., que igualmente ali desempenhava as suas funções sob as ordens e direcção da Ré;
10 - A obra do lote 179 de Vale do Lobo teve o respectivo alvará de construção emitido em 15.03.2007 e do respectivo livro de obras consta o início dos trabalhos em 19.03.2007 e o termo dos mesmos a 18.06.2007;
11 - Apesar do que consta daquele livro de obras, os trabalhos de construção já se haviam iniciado em data anterior, e pelo menos em Novembro de 2006;
12 - O A. voltou a trabalhar, pelo menos, a partir de 11.02.2008.
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Vem questionada no presente recurso, a isso se resumindo aliás o objecto do mesmo, a validade da cessação contratual operada pela recorrente, que para o efeito manifestou a vontade de não manter ao seu serviço a trabalhador apelado, logo que se completou o segundo semestre em que esse vínculo laboral subsistiu.

Coloca-se portanto a questão de saber se a relação de trabalho existente entre as partes cessou validamente por caducidade, ou se pelo contrário, e tal como entendeu o Tribunal recorrido, a invocação do termo contratual foi ilegítima, traduzindo-se antes num despedimento ilícito.

Não estando em causa o aspecto formal da invocação da caducidade, o ponto fulcral do litígio centra-se por isso na validade, ou não, da estipulação do termo na relação contratual estabelecida. Com efeito, a acolher-se a solução negativa, e a entender-se que a cláusula do termo é inválida, configurando o contrato de trabalho celebrado, de jure, um contrato sem termo, será necessariamente ilegal a forma como a parte empregadora promoveu a cessação do vínculo, já que se socorreu de um expediente que é apenas admitido para hipóteses de contratação a termo.

Vejamos então qual é o enquadramento normativo da questão, fazendo porém uma prévia análise da evolução legislativa que tem ocorrido neste domínio, de modo a melhor entender as diversas condicionantes que se colocam à correcta solução do problema.
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Ainda que a contratação a prazo, ou a termo certo, se encontrasse já prevista nos arts.º 9º e 10º da L.C.T. (regime aprovado pelo Dec.-Lei nº 49.408, de 24/11/1969), foi com o Dec.-Lei nº 781/76, de 28/10, que tal figura jurídica foi pela primeira vez objecto de tratamento sistematizado no ordenamento legal português.

Afirmava-se então, no preâmbulo desse Dec.-Lei, que o contrato de trabalho a prazo se encontrava regulado em termos ‘muito insuficientes’, admitindo o novo diploma que o recurso a esse tipo de contratação a prazo, desde que ‘rodeada das necessárias cautelas’, podia dar satisfação a ‘necessidades extraordinárias de trabalho’.

Marcante nesse novo regime, para além da obrigatoriedade da forma escrita (aliás já exigida no domínio da L.C.T.), era a proibição de contratos a prazo incerto: o prazo mínimo acordado era, em regra, de seis meses, permitindo-se sucessivas renovações até ao limite de três anos, a partir do qual o contrato passava a vigorar sem prazo (arts.º 1º, nsº 1 e 2, e 3º, nº 1).

A amplitude que esse tipo de contratação entretanto atingiu no mercado de trabalho, em níveis dificilmente compatíveis com a regra da segurança no emprego, garantida pela art.º 53º da Constituição, levou a que essa mesma temática fosse objecto de profunda revisão, operada, de forma mais elaborada, no âmbito do regime jurídico aprovado pelo Dec.-Lei nº 64-A/89, de 27/2 (LCCT), respeitante à cessação do contrato individual de trabalho e à celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo.

Neste novo regime, a admissibilidade da contratação a termo passou a restringir-se a ‘situações rigorosamente tipificadas’ (expressão utilizada no preâmbulo do diploma) – art.º 41º, nº 1 - fora das quais a consequência seria a nulidade da estipulação do termo – nº 2 – e que teriam de ser obrigatoriamente indicadas no documento escrito que formalizasse o contrato – art.º 42º, nº 1, al. e). Por outro lado, e de maneira inovadora, passou também a ser admitida a celebração de contratos a termo incerto, reconduzidos embora, apenas, a algumas das situações previstas naquele art.º 41º, nº 1 – art.º 48º.
Ainda assim, não obstante a natureza mais restritiva do regime resultante da LCCT, comparativamente com o que resultava do Dec.-Lei nº 781/76, e por razões de política legislativa que não serão difíceis de perceber, foi sentida a necessidade de introduzir um ainda maior rigor no domínio da contratação a termo. Com esse óbvio propósito, o art.º 3º, nº 1, da Lei nº 38/96, de 31/8, veio por isso determinar que a indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com os citados arts.º 41º, nº 1, e 42º, nº 1, al. e), da LCCT, ‘só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que integram esse motivo’.

Depois, e nesse mesmo sentido, a Lei nº 18/2001, de 3/7, veio introduzir novas alterações. Assim, e para além do mais, o citado art.º 41º, nº 2, foi clarificado, passando a nele referir-se expressamente que, em caso de nulidade da estipulação do termo, o trabalhador adquiria o direito à qualidade de trabalhador permanente da empresa. Foi por outro lado introduzido um nº 4 nesse mesmo art.º 41º, que passou a referir caber ao empregador o ónus de provar os factos e circunstâncias que fundamentam a celebração de um contrato a termo. Por sua vez, foi ainda dada nova redacção ao art.º 3º, nº 1, da aludida Lei nº 38/96, passando nele a dizer-se que a indicação do motivo justificativo ‘só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção permitir estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado’.

Desta evolução legislativa resulta evidente o propósito de restringir o âmbito da contratação a termo, conferindo-lhe carácter de excepcionalidade face à regra da perdurabilidade do contrato de trabalho, e em homenagem ao valor da segurança no emprego, que como se disse está constitucionalmente consagrado.
Esse mesmo propósito está subjacente ao Código do Trabalho (C.T.), aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27/8, em cuja vigência foi celebrado, e veio a ser dado por cessado, o contrato de trabalho aqui em causa.

Este novo diploma veio regular de novo toda a matéria respeitante aos contratos de trabalho a termo, sem no entanto introduzir alterações particularmente significativas ao regime que antes vigorava.

Desde logo, o respectivo art.º 129º, nº 1, é peremptório e inequívoco ao afirmar que ‘o contrato de trabalho a termo só pode ser celebrado para a satisfação de necessidades temporárias da empresa e pelo período estritamente necessário à satisfação dessas necessidades’. Por outro lado, do documento escrito que titula o contrato deve também constar, obrigatoriamente, e para além do mais, a ‘indicação do termo estipulado e do respectivo motivo justificativo’, que ‘...deve ser feita pela menção expressa dos factos que o integram, devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado’; a omissão ou a insuficiência de tais referências determina a conversão do contrato em contrato sem termo (art.º 131º, nsº 1, al. e), 3 e 4).

Há que notar ainda, e no que toca concretamente a cláusulas de termo certo, que o contrato se renova no final do termo estipulado, por igual período, na falta de declaração das partes em contrário; a renovação do contrato está porém sujeita à verificação das exigências materiais da sua celebração, bem como às de forma no caso de se estipular prazo diferente; se essa renovação ocorrer em desrespeito de tais exigências, o contrato considerar-se-á igualmente como contrato sem termo (art.º 140º, nsº 2, 3, e 4).
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A decisão do recurso passa naturalmente pela subsunção do quadro normativo que se descreveu à hipótese concreta dos autos, em particular naquele que é o ponto mais sensível do litígio: saber se é ou não válida a cláusula que apôs o termo certo no contrato, logo aquando da respectiva celebração, ou pelo menos no segundo semestre da sua vigência, após ter ocorrido a renovação automática do prazo inicialmente estabelecido.

E para o efeito, importa sobretudo atender aos pontos de facto acima descritos sob os nsº 3, e 7 a 11, relativos por um lado ao motivo justificativo da aposição do termo de seis meses, e por outro à verificação fáctica de semelhante justificação.

Ora, a sentença recorrida orientou-se no sentido de considerar inválida tal estipulação, entendendo não estar suficientemente demonstrada a necessidade de contratar o A., e muito menos a necessidade de essa contratação ter sido feita por seis meses, colocando um termo certo no contrato, fixado para 17/3/2007. Nessa lógica, o contrato devia ser considerado sem termo, sendo assim ilícita a cessação do mesmo que a recorrente promoveu.

Com todo o respeito que nos possa merecer esse entendimento, com ele não podemos concordar.

Efectivamente, e não obstante todas as exigências formais e substanciais que a lei impõe à contratação a termo, há que interpretar com alguma flexibilidade as normas em causa, obviamente sem as desvirtuar, mas também sem deixar de ter em conta aquelas que são as realidades das coisas.

Desde logo, sabendo-se que neste âmbito é a contratação a termo certo a que é erigida com regra, surgindo os contratos a termo incerto como uma figura de aplicabilidade mais limitada, senão mesmo residual, há que reconhecer que só em casos ideais será possível estabelecer com absoluto rigor uma total correspondência entre o prazo certo estipulado para um contrato a termo e o lapso de tempo em que determinada empresa necessita temporariamente de mais mão de obra.
Ou seja: é na prática muito difícil, senão mesmo impossível, fazer reportar cada uma das várias situações descritas no art.º 129º, nsº 2 e 3, do C.T., onde estão elencadas as várias hipóteses que justificam uma contratação a termo certo, a um lapso de tempo exacto e pré-determinado, por exemplo, de seis meses. O que só pode significar que a valoração da validade duma cláusula que apôs um termo certo num contrato de trabalho deve reger-se de acordo com critérios de razoabilidade e sensatez, sob pena de, na prática, se concluir sempre pela impossibilidade da fazer a demonstração entre o prazo clausulado e a razão de ser da contratação.

É que, convenhamos, as mais das vezes não será viável provar a razão porque, para fazer face a determinada necessidade temporária, foi contratado um trabalhador por seis meses, e não o foi antes por cinco, por sete, por oito, ou por seis meses e meio...

E estas dificuldades serão ainda mais evidentes numa área como a da construção civil, em que como se sabe a duração duma obra sofre com frequência consideráveis atrasos, por vezes por motivos imponderáveis, que alteram significativamente o prazo de execução inicialmente previsto. A tradução dessa dificuldade é retratada aliás no CCT referenciado pela apelante [1] , (ainda que posterior aos factos dos autos), cuja Cl. 53ª, nº 3, admite expressamente a contratação a termo para diversas obras do empregador, sem necessidade de identificação concreta das mesmas. Por isso, fazer depender a validade do termo da prova da rigorosa coincidência entre o prazo contratado e a necessidade temporária duma empresa significará, na realidade, inviabilizar virtualmente qualquer tipo de contratação a termo certo.

No caso dos autos, da factualidade apurada resulta que o A. se manteve ao serviço da recorrente em dois semestres consecutivos, de Setembro de 2006 a Setembro de 2007, ao abrigo dum contrato motivado pelo acréscimo de trabalho resultante da adjudicação, à empresa R., duma obra no lote 179 de Vale do Lobo, cuja construção se prolongou, pelo menos, de Novembro de 2006 a 18/6 do ano seguinte. Referiu-se ainda que essa obra implicava que se ultrapassasse o nível médio do trabalho da empresa, para o qual a mesma teria contratado um número suficiente de trabalhadores efectivos.

Neste contexto, afigura-se-nos perfeitamente compreensível que o A. não tivesse desempenhado as suas funções de encarregado, especificamente, naquela obra de Vale do Lobo, mas noutras empreitadas que a R. levava a cabo. A gestão do pessoal duma empresa, e a optimização das suas disponibilidades de mão de obra, poderá implicar alguma mobilidade dos trabalhadores, ainda que numa área geográfica limitada, em particular quando está em causa um desempenho profissional, como o de um encarregado, que se traduz numa supervisão sobre o desenvolvimento dos trabalhos em obras, e não na execução duma tarefa concreta e previamente determinada.

Logo, estando demonstrado que o vínculo laboral estabelecido com o A. se prolongou sensivelmente durante o período de construção da referida obra de Vale do Lobo, e sendo também de todo verosímil que a adjudicação dessa obra acarretou um acréscimo de trabalho para a recorrente, que não seria possível suprir com o pessoal efectivo, há que considerar estar suficientemente comprovada a razão de ser do termo aposto no contrato, e justificada também a renovação do prazo inicialmente contratado.

Em consequência, não devendo ter-se por inválida a cláusula do termo, e não estando por outro motivo impugnada a forma como a apelante accionou a caducidade do contrato, resta concluir pela procedência da pretensão por ela formulada no recurso.
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Nesta conformidade, e pelos motivos expostos, acordam os juízes desta Secção Social em julgar a apelação procedente, assim revogando a sentença recorrida, a nessa medida absolvendo a R. dos pedidos contra ela formulados.

Custas pelo recorrente.

Évora, 3/11/2009

Alexandre Ferreira Baptista Coelho
Acácio André Proença
Joaquim António Chambel Mourisco


[1] CCT celebrado entre a AECOPS – Associação de Empresas de Construção Civil e Obras Públicas e Serviços e outras, e a FEVICCOM – Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro e outros, publicado no BTE nº 20, de 29/5/2008

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