sexta-feira, 26 de outubro de 2012

JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO - DEVER DE LEALDADE



Proc. 117/11.6TTFUN.L1-4    TRL   10.10.2012

I- A noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes: i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa); ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa); iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.
II - Constitui justa causa de despedimento o comportamento de uma trabalhadora que utiliza uma declaração emitida pela entidade empregadora, a seu pedido e a pretexto de ser destinada a efeitos bancários, na qual consta que auferia uma retribuição mensal de € 650,00, 14 vezes ao ano, sem que tal correspondesse à realidade, apresentando-a à Inspecção Regional do Trabalho, como meio de prova, no âmbito de participação que fez para ver reconhecida uma categoria profissional e diferenças de retribuição.
III - A trabalhadora bem sabia que essa declaração não tinha correspondência com a realidade e que a R., ao emiti-la, não estava a reconhecer que a sua retribuição fosse a que fez constar no documento, nem tão pouco podia ignorar que a R. emitiu-a no pressuposto que apenas iria ser utilizada com a finalidade indicada por si ao pedir-lha, ou seja, para efeitos bancários.
IV - Assim como não podia ignorar, que ao apresentar aquela declaração estava a actuar com o propósito de através desse artifício influenciar tendenciosamente a apreciação e a actuação da IRT.
V- Por tudo isto não podendo deixar de ter consciência da deslealdade da sua conduta, pois que ao actuar dessa forma estava a trair a confiança que nela fora depositada pela R, bem assim que do mesmo passo estava também a pôr em causa o bom nome e a reputação da sua entidade empregadora, já que levava terceiros a crer, nomeadamente os instrutores do processo, que a R. era incumpridora por aquela razão, bem sabendo que quanto a esse aspecto tal não correspondia à verdade.
ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho do Funchal, AA, através da apresentação de formulário próprio, intentou contra “BB, Lda”, a presente acção declarativa de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, com processo especial, emergente de contrato individual de trabalho, pedindo que seja declarada a ilicitude ou a irregularidade do despedimento com as legais consequências.
Foi realizada audiência de partes, mas sem que tenha sido alcançada a conciliação das mesmas.
Notificada para apresentar o seu articulado motivando o despedimento, a entidade empregadora veio a fazê-lo, alegando os factos da nota de culpa, para sustentar que a conduta da Autora constitui justa causa de despedimento nos termos das alíneas e) e i) do art.º 351º do Código do Trabalho em vigor.
No essencial, os factos imputados na nota de culpa e alegados, consistem no seguinte:
- A A. foi admitida ao seu serviço a autora, a 01 de Fevereiro de 2006, com a categoria profissional de "Empregada de Balcão”, recebendo o salário líquido de 514,76€.
- Em 21 de Junho de 2010 a ré, a pedido da autora, para esta poder obter um empréstimo bancário no âmbito da sua vida pessoal e familiar e para fins exclusivos de apresentação a uma entidade bancária, procedeu ao preenchimento de uma Declaração, nela mencionando que aquela auferia mensalmente 650,00€.
- A Ré acedeu ao pedido tendo em atenção a necessidade manifestada e de acordo com os fins a que aquela se propunha.
- Contudo, no início do 4°trimestre do ano de 2010, a autora, ao contrário do solicitado, direccionou aquela declaração para um fim completamente contrário à vontade manifestada pelo pedido, indo participar à Inspecção Regional do Trabalho, para reclamar da sua categoria profissional e no sentido de estar a auferir um valor inferior aos 650,00 € mensais.
- Pela IRT foi iniciado processo contra-ordenacional contra si, no qual apresentou defesa expondo as suas razões, as quais não foram atendidas, tendo sido considerado o valor constante daquele documento e proferiu decisão condenatória.
- O comportamento da trabalhadora, para além de injurioso para com a sua entidade patronal e à pessoa do seu sócio gerente, é extremamente grave, pondo em causa o vinculo laboral, nomeadamente, quanto aos princípios da responsabilidade, da confiança, da lealdade, da boa fé contratual e lesão dos interesses patrimoniais, de entre outros.
Conclui, pedindo que se declare a improcedência da acção, com a sua absolvição dos pedidos.
A autora contestou, no essencial alegando o seguinte:
- Aufere a retribuição base de € 546,47.
- Como afirmou na resposta à nota de culpa solicitou a emissão pela Ré da referida declaração, sendo a mesma de facto necessária e utilizada para efeitos de pedido de empréstimo bancário.
- Jamais foi utilizada para outros fins, designadamente os indicados pela Ré.
- A queixa junto da Inspecção Regional de Trabalho, surgiu por outras razões e já no final do ano, ou seja, a Autora foi reivindicar a sua actualização ao nível da categoria profissional, e consequentemente o aumento da sua retribuição.
- A atitude da Ré é ilegítima e ilegal, uma vez que nenhum trabalhador pode ser penalizado pelo facto de reivindicar os seus direitos laborais.
- A Autora não violou qualquer dever, que ponha em causa a subsistência do seu vínculo laboral.
Conclui, reiterando o pedido de declaração de ilicitude do despedimento e a condenação da R. no pagamento das retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até á decisão final transitada em julgado, reservando-se no direito de opção previsto no art.º 391.º do CT.

I.2 Concluída a fase dos articulados foi proferido despacho saneador e dispensada a selecção da matéria de facto.
Procedeu-se a julgamento com observância do legal formalismo, tendo o Tribunal fixado a matéria de facto, que não sofreu reclamação.
Nessa sede, a Autora optou pela reintegração.
O Senhor Juiz a quo, ao abrigo do disposto no art.º 265.º, n.º 3 do C.P.C., determinou a junção aos autos de cópia certificada da participação que deu origem ao procedimento administrativo n.º ...-CO/2010, a que corresponde o processo de recurso de contra-ordenaçâo n.º.../11.6TTFUN, a correr termos no mesmo Tribunal, bem como cópia da decisão administrativa e decisão judicial que sobre o mesmo recurso recaiu.
Subsequentemente foi proferida sentença, nos termos seguintes:
- “Nestes termos e com tais fundamentos, decide este tribunal julgar a presente acção totalmente improcedente e, em consequência:
A) – Declarar lícito o despedimento promovido pela Ré, por procedência da justa causa invocada.
B) – Absolver a Ré dos créditos laborais peticionados.
I.3 Inconformado com essa decisão, a A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.
Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas alegações, delas constando o seguinte:
(…)
I.4 Não foram apresentadas contra-alegações.
I.5 O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
Notificadas as partes para se pronunciarem sobre o mesmo, nada vieram dizer.
I.6 Foram colhidos os vistos legais.
I.6 Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), a questão que se coloca para apreciação é a de saber se a decisão recorrida enferma de erro de julgamento, ao considerar verificada a justa causa de despedimento invocada pela R.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Na decisão recorrida, consideraram-se assentes os factos adiante descritos, que não foram impugnados pela recorrente, aos quais, por nossa iniciativa, na parte onde se remete para documentos, dando-os por reproduzidos, completaremos com a concretização das partes relevantes.
Assim, a matéria de facto a considerar é a seguinte:
1. A Ré tem a sua actividade na área dos similares de hotelaria e é proprietária de um estabelecimento comercial, denominado Padaria e Pastelaria “CC”.
2. A Autora foi admitida ao serviço da Ré em 01 de Fevereiro de 2006, com a categoria profissional de “Empregada de Balcão de 2ª”.
3. Elaborada a nota de culpa foi a Autora notificada da mesma, mediante carta expedida por correio registado a 17.01.2011, com o correspondente código de barras RC 5084 7660 2 PT e recebida no dia 20.01.2011, tendo comunicado a sua intenção de proceder ao seu despedimento com justa causa, com base nos fundamentos indicados na nota de culpa, que se encontra junta a fls.46 a 50 e cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, onde consta, para além do mais, o seguinte:
- «(..) "BB, LDA.", representada pelo seu sócio gerente, DD, (..) foi notificada, em finais de 2010, de um Auto de Contra-Ordenação, Proc. nº ...-CO/2010, que corre termos pela Inspecção Regional de Trabalho, da Secretaria Regional dos Recursos Humanos, Governo Regional, desta Região Autónoma da Madeira,
() em que, junto ao articulado daquela Inspecção, foi anexado uma Declaração,
() conforme cópia que se junta em anexo à presente Nota de Culpa e que se dá por integralmente reproduzida para os devidos e legais efeitos,
(6°) Declaração essa que, a pedido da trabalhadora,
(7°) por razões que se prendiam com um pedido de empréstimo bancário,
() para ultrapassar situações da sua vida pessoal e familiar,
() ao que a sua entidade patronal acedeu,
(10º) tendo presente o facto de que sem essa Declaração, ser-lhe-ia muito difícil obter a satisfação do seu pedido,
(11°) uma vez que o seu salário ilíquido são de 456,08 € que, deduzidos os respectivos descontos, ficam em 405,91 €,
(..)
(13°) Ora, o que se verificou foi que a trabalhadora, munida dessa Declaração,
(14°) desvirtuando completamente o sentido e a vontade real manifestada naquela,
(15°) queixou-se à Inspecção de Trabalho,
(..)
(19°) Esta atitude e comportamento da trabalhadora, para além de injuriosas para com a sua entidade patronal e a pessoa do seu sócio gerente, são por si só extremamente graves,
(20°) que põem em causa claramente o vínculo laboral, nomeadamente, quanto aos princípios da responsabilidade, da confiança, da lealdade, da boa fé contratual, lesão dos interesses patrimoniais, de entre outros,
(..)
(23°) Assim, com aquele comportamento, a trabalhadora em causa na presente Nota de Culpa, de forma premeditada e perversa,
(24°) engendrou maneira de extorquir valores à sua entidade patronal, superiores àqueles a que tinha e tem direito,
(25°) violando um principio fundamental que é o da confiança e responsabilidade, que deve existir entre empregado e empregador,
(26°) com efeitos nefastos nos restantes relacionamentos contratuais com os demais trabalhadores da mesma entidade patronal,
(27°) gerando desse modo injustiças, desconfianças, instabilidade, em suma, lesão directa ao trabalho e ao patrimônio da entidade patronal.
(28°) Ou seja, o comportamento e atitude da trabalhadora atrás descritos, configuram um incumprimento contratual grave, ilícito e culposo, constituindo infracção aos seus deveres e ao disposto nos art.°s 126° e 128°, n° 1, alínea a) e f), do Código do Trabalho que,
(29°) pela sua gravidade, reiteração e consequências, quebram a relação de confiança subjacente ao contrato de trabalho,
(30º) impossibilitando praticamente a subsistência do seu vínculo laboral e constituindo, desse modo,
(31°) justa causa de despedimento da trabalhadora, nos termos previstos no art° 35 1°, n°1 e 2, alíneas e) e i), do Código do Trabalho».

4. A Autora respondeu à nota de culpa, nos termos do documento de fls.57 e 58 dos autos, cujo teor se dá aqui por inteiramente reproduzido, onde consta, para além do mais, o seguinte:
- (1.º) «É verdade que a trabalhadora arguida pediu à arguente a declaração referida.
() Acontece que, tal foi solicitado em Junho e, de facto para efeitos bancários.
() Sendo completamente falso que a tenha usado para efeitos de acusar a sua entidade patronal.
() A queixa na Inspecção Regional do Trabalho, surgiu só no final do ano e na sequência de necessidade de actualizar a sua categoria profissional.
() Não fazendo qualquer sentido o restante da acusação.
() Até porque, nenhum trabalhador pode ser penalizado, pela defesa dos seus direitos laborais.
() Não praticando a trabalhadora, pelo exposto, qualquer violação dos seus deveres laborais.
(8º) Não havendo qualquer fundamento para o despedimento da trabalhadora arguida. Termos em que, o mesmo deverá ser arquivado».

5. Em 25/02/2011, após processo disciplinar a Autora foi despedida pela Ré, pelos factos constantes na decisão final cuja cópia se mostra junta a fls.62 a 66 dos autos, aqui dada por inteira e integralmente reproduzida, que chegou ao conhecimento da Autora em 28.02.2011, onde consta, para além do mais, o seguinte:
- «Dão-se aqui por integralmente reproduzidos todos os factos articulados na Nota de Culpa.
Desta forma, da análise da matéria trazida aos autos e quanto aos factos constantes do Auto de Notícia, confirma-se o constante daquele Auto de Noticia, naquilo que foi o seu ostensivo comportamento, atitude e desrespeito para com a entidade patronal.
(..) o sentido e vontade real daquela Declaração, foi completamente desvirtuado, a partir do momento em que a arguida resolve apresentar aquele documento, apenas e só dirigido para os efeitos acima, a uma entidade bancária, no sentido de que o salário auferido não era o salário declarado.
Em face desta atitude, já de si muito grave, ainda mais grave a mesma se tornou, a partir do momento em que os responsáveis da Inspecção de Trabalho, em presença da declaração que a arguida lhes levou, rapidamente interpretaram de uma forma literal (..).
Desta forma, este comportamento da arguida apenas teve um sentido que foi o de se fazer beneficiar, solicitando à entidade patronal uma declaração que nada tinha com a realidade salarial, aparentemente para entregar no banco, mas na verdade, a finalidade era a de atingir aqueles objectivos.
(..)
Não existem assim dúvidas de que tais factos constituem infracções graves à firma empregadora, circunstância essa que pôs em causa a sua relação funcional (..) prejudicando seriamente aquela relação, pondo mesmo em causa o bom nome e o trabalho da entidade patronal, tudo conforme o acima fundamentado.
Tais factos consubstanciam um comportamento culposo de V.ª Ex.ª', enquanto trabalhadora arguida e por isso violadora das normas da Lei Geral do Trabalho, naquilo que é o respeito que deve merecer a entidade patronal, o cumprimento das suas directivas, o acatamento das suas ordens, da sua autoridade e direcção, que se fundamentam na violação do normativo acima referenciado.
(..)
6. A pedido da Autora e para efeitos bancários, a Ré emitiu um documento intitulado “DECLARAÇÃO” com o seguinte teor “ Declaramos pela presente que AA, portadora do Bilhete de Identidade nº 0000000, emitido em 28-08-2001 no Funchal, exerce a sua profissão, na empresa BB, LDA., (…), na modalidade de efectiva, desde 01/02/2006, auferindo mensalmente 650,006€ (seiscentos e cinquenta euros).
Esta remuneração é devida 14 vezes por ano.
Funchal, 21 de Junho de 2010”
7. No recibo do mês de Outubro de 2010, junto pela Ré como documento n° 1, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls.95 e que aqui se dá por reproduzida, consta como salário base € 484,50, e sob menção “Abonos” constam as menções “ 075 Retroact./2006/2007”; “ 076 Retroact./2008”; “ 089 retroactivos/2009”.
8. Com a mesma data de emissão e respeitante ao recibo do mês de Outubro de 2010, junto pela Ré como documento n° 1, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls. 96 e que aqui se dá por reproduzida, consta como salário base € 450,00, e sob menção “Abonos” constam as menções “ 034 Ret. Jan/10 a Set./lO”.
9. Com a mesma data de emissão e respeitante ao recibo do mês de Outubro de 2010, junto pela Ré como documento n° 2, cuja cópia se encontra junto aos autos a fls. 97 e que aqui se dá por reproduzida, sob menção “Abonos” consta a menção “001 Vencimento Base - € 546,47”.
10. Com data de 16 de Novembro de 2010, a IRT instaura um processo especial com o nº .../2010, por a Ré ter infringido o disposto no n° 2 da clausula 1ª (Lugar e tempo de cumprimento) do Contrato Colectivo de Trabalho Vertical para o sector dos Similares da Hotelaria, publicado no JORAM, III Série, n.º 5, de 03/03/2006, com Regulamento de Extensão publicado no JORAM, III Série, n° 6, de 17/03/2006, alegando que “ o arguido tem ao seu serviço a trabalhadora AA, admitida a 01/02/2006, com a categoria profissional de “empregada de balcão de 2ª”, à qual não pagou até à presente data, a totalidade da retribuição referente ao trabalho prestada pela mesma nos meses de Setembro e Outubro de 2010.
Refira-se que a partir de 21/06/2010 a remuneração da trabalhadora supra referida é de € 650,00 conforme declaração emitida pela empresa (vide Doc. 4 em anexo)”.
11. A Ré nos referidos autos de contra-ordenação foi condenada pelo não pagamento à trabalhadora, ora Autora, da totalidade da retribuição referente ao trabalho prestado pela mesma nos meses de Setembro e Outubro de 2010, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros).
12. Autora participou, entre outros factos, na IRT a actualização ao nível de categoria profissional, conforme decorre do CCT aplicável ao sector e consequentemente o aumento da sua retribuição.

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
II.2.1 Numa breve síntese começaremos por alinhar as posições em confronto.
A argumentação utilizada pelo julgador na apreciação crítica dos factos para chegar à decisão recorrida, no essencial assenta nas considerações seguintes:
- “Dos factos imputados à Autora na nota de culpa e apurados em sede judicial, resulta no essencial que a Autora com a sua conduta, contribuiu para que fosse instaurado um processo especial de contra-ordenação, no qual a Inspecção Regional do Trabalho (IRT) veio a condenar a Ré numa coima de € 250,00, bem como no pagamento das diferenças salariais, respeitantes aos meses de Setembro e Outubro de 2010. (vide, supra, 3.10, doc. a fls.156 a 160).
E como se depreende dos factos apurados, a Autora procurou, de forma ardilosa engendrar uma situação que levasse a ITR a crer que efectivamente auferia mensalmente a quantia de € 650,00, entregando para tal uma declaração emitida pela Ré, cujo teor sabia que não correspondia à verdade e que se destinava única e exclusivamente para efeitos bancários e, como é obvio, com benefícios para ela própria.
(..)
É certo que a Autora havia apresentado reclamações contra o empregador junto da IRT e que após a intervenção desta entidade, a Ré viria a proceder à correcta fórmula remuneratória da Autora com a reposição de valores. (vide, supra, 3.7. a 3.9 e doc. a fls.95 a 97)
Mas contrariamente ao explanado pela Autora, a situação da queixa junto da
Inspecção Regional de Trabalho, foi para além dessas situações. Na verdade, a Autora, sem qualquer fundamento, indo para além de uma mera mentira ou mera declaração desconforme com a verdade, aproveitou-se hábil e ardilosamente, de uma declaração emitida pela entidade patronal para fins bancários (..) com o intuito de auferir mensalmente a remuneração que constava da declaração, bem sabendo que tal facto não correspondia à verdade, tanto mais que no seu articulado a Autora confessa que a sua retribuição mensal é de € 546,47.
Concluiu-se que com essa conduta a arguida violou de forma culposa e grave o dever de respeitar e tratar com urbanidade a entidade empregadora e o dever de lealdade para com esta, previsto nas alíneas a) e f) do nº 1º do artº 128º do CT.
(..)
E a Autora que sabia de antemão que o teor da declaração emitida pela entidade patronal (..) não correspondia à verdade, traiu-a ao utilizar tal declaração para uma participação contra-ordenacional que sabia não existir fundamento para tal.
Tal comportamento levado a cabo pela Autora e ainda que, porventura, assumido pela primeira vez ao serviço da Ré, apresenta-se dotado de uma tal gravidade que, por si só, põe em causa, de uma forma que consideramos irreversível, a base de confiança e boa fé que deve existir nas relações laborais, não sendo, por isso, exigível que a Ré, perante um tal comportamento, se tivesse bastado com a aplicação de uma qualquer sanção conservatória da relação laboral até então existente entre as partes.
(..)
Importa realçar, que a Autora poderia redimir-se, evitando, quiçá, a sanção mais grave, demonstrando à entidade patronal que o seu acto desleal e desonesto foi pontual. Infelizmente, reiterou, a sua deslealdade ao negar ostensivamente um facto evidente:
(..)»
No que concerne à recorrente, das respectivas conclusões retira-se, no essencial, que a sua argumentação assenta nas seguintes premissas:
i) (Concl.4 e 5): “a gravidade do comportamento da recorrente” não pode (..)corresponder àquela que o Tribunal considerou”.
ii) (Concl. 6 e 7) O Tribunal retirou dos ”(..) dos factos provados, consequências completamente descontextualizadas da relação laboral (..)”, com base em “juízos de senso comum e de normalidade”, que “não foram também atendidos no sentido inverso, ou seja, para fundamentar e explicar os comportamentos do trabalhador”.
iii) (Concl. 7,8, 9 e 10) “O contexto de relacionamento entre as partes aqui em litígio foi um facto notório” não podendo considera-se “provado que existiu uma culpa grave” e “ justificativo de um despedimento”;
iv) (Concl. 12) O Tribunal a quo não valorou “que não se provou qualquer prejuízo em relação à recorrida, nem sequer quanto à qualidade de trabalho da recorrente”.

II.2.2 Vejamos então se assiste razão à A.
Com a celebração do contrato de trabalho o trabalhador assume uma obrigação principal, a de prestar a sua actividade ao empregador, executando o trabalho de harmonia com as instruções daquele a quem compete o poder de direcção, ou seja, o de «(..) estabelecer os termos em que o trabalho deve ser prestado, dentro dos limites decorrentes do contrato e das normas que o regem» [art.º 97.º do CT 09].
Mas para além dessa obrigação principal, sobre o trabalhador recaem ainda outras obrigações «(..) conexas à sua integração no complexo de meios pré-ordenados pelo empregador” [António Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, 14.ª Ed., Almedina, 2009, pag. 236).
Esses deveres acessórios estão previstos nas diversas alíneas do art.º 128.º do CT 09, em enumeração exemplificativa, entre eles constando, no que ao caso importa, os deveres de respeito e urbanidade e de lealdade, a que se referem, respectivamente, as alíneas a) e f) do n.º 1, daquele artigo. Começa o n.º 1 por dizer que “Sem prejuízo de outras obrigações, o trabalhador deve”, para depois naquelas alíneas constarem os deveres de “Respeitar e tratar o empregador, os superiores hierárquicos, os companheiros de trabalho (..) com urbanidade e probidade” [al.a)]; e, “Guardar lealdade ao empregador (..)” [al.f)].
Subjacente a esses deveres está o princípio orientador geral da boa fé no cumprimento dos contratos, no Código do Trabalho constante do art.º 126.º n.º1, nos termos seguintes:
-“O empregador e o trabalhador devem proceder de boa fé no exercício dos seus direitos e no cumprimento das respectivas obrigações”.
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, a par de parte da doutrina nacional a esse propósito - como assinala - distingue entre os “deveres acessórios integrantes da prestação principal e os deveres acessórios independentes da prestação principal”, nesta última categoria, que também designa por “deveres acessórios autónomos”, por não dependerem da prestação de trabalho, incluindo os deveres de lealdade, em geral, e de respeito e urbanidade [Direito do Trabalho, Parte II, 3.ª Ed., Almedina, 2010, pp. 412].
Prossegue a mesma autora, assinalando que em sede de apresentação geral dos deveres acessórios do trabalhador deve ter-se em conta a dimensão pessoal de alguns desses deveres, bem como a dimensão organizacional, o que se aplica, entre outros, aos deveres de lealdade e de respeito e urbanidade, para depois explicar que “A dimensão pessoal de alguns deveres dos trabalhadores decorre do envolvimento integral da sua personalidade no contrato de trabalho e explica também a imposição ou limitação de condutas pessoais ao trabalhador, em determinados parâmetros, bem como o relevo geral da confiança pessoal entre as partes no contrato de trabalho”.
Mais adiante, debruçando-se em concreto sobre o dever de respeito e urbanidade, a mesma autora escreve “O critério a ter na qualificação de certa conduta do trabalhador como infracção ao dever de respeito ou como manifestação de um dos seus direitos de personalidade deverá ser o da adequação da conduta do trabalhador ao contexto laboral em que está a exercer, independentemente da exigibilidade da actividade laboral” [Op. cit. pp.413 e 425].
E, quanto ao dever de lealdade, faz notar que «Embora seja referido na lei sem particular destaque [art.º 128.º n.º 1 al. f], o dever de lealdade é, a par do dever de obediência, o mais importante dos deveres acessórios do trabalhador. Prossegue a análise deste dever, escrevendo que “Em sentido amplo, o dever de lealdade é o dever geral de conduta do trabalhador no cumprimento do contrato. (…) O dever de lealdade do trabalhador entronca, em primeiro lugar, no dever geral de cumprimento pontual dos contratos. Nesta perspectiva, o dever de lealdade do trabalhador tem como destinatário o empregador, contraparte no contrato de trabalho, e não é mais do que a concretização laboral do princípio da boa-fé, na sua aplicação ao cumprimento dos negócios jurídicos, tal como está vertido no art.º 762.º n.º 2 do CC. É também neste sentido que deve ser compreendida a referência ao dever de comportamento do trabalhador e do empregador segundo as regras da boa fé no cumprimento dos seus deveres e no exercício dos seus direitos, que consta do art.º 126.º, n.º 1 do CT». Assinalando, ainda, que para além dessa dimensão obrigacional, o dever de lealdade tem uma outra «(..) que decorre dos dois elementos do contrato de trabalho que o tornam singular no panorama dos contratos obrigacionais: o elemento do envolvimento pessoal do trabalhador no vínculo; e a componente organizacional do contrato», e concluir que «(..) a componente organizacional do contrato de trabalho justifica que o dever de lealdade do trabalhador não se cifre apenas em regras de comportamento para com a contraparte mas também na exigência de um comportamento correcto do ponto de vista dos interesses da organização (..) para além da lealdade ao empregador, enquanto contraparte num negócio jurídico, releva também a lealdade à empresa ou à organização do empregador» [Op. Cit. pp. 420/424].
Comecemos, pois, por nos debruçar sobre a conduta da Trabalhadora, no sentido de aferir se a mesma é conforme ao que lhe era exigível à luz dos deveres de respeito e urbanidade e lealdade.
Decorre dos factos assentes que a pedido da A. e para efeitos bancários, em 21 de Junho de 2010, a R. emitiu uma declaração, nela fazendo constar que aquela auferia mensalmente € 650,00, 14 vezes por ano (facto 6).
Como a A. bem sabia, essa declaração não tinha correspondência com a realidade, já que não auferia mensalmente aquela quantia. Na verdade, à data a R. pagava-lhe a retribuição base mensal no valor de € 484,50, só veio a reconhecer-lhe a retribuição mensal de € 546,67 em Outubro de 2010, após intervenção da Inspecção Regional do Trabalho, no âmbito do processo contra-ordenacional que lhe foi instaurado na sequência da participação apresentada pela A., com vista ao reconhecimento da categoria profissional e do correspondente salário (cfr. factos 7 a 11). De resto, a própria A. reconheceu na contestação ao articulado inicial da R, que aufere a retribuição base de € 546,67.
Nesse contexto, não podia a A. ignorar que a R., ao emitir aquela declaração, não estava a reconhecer que a sua retribuição fosse a que fez constar no documento. Mais, nem tão pouco podia ignorar que a R. estava a ser conivente nessa falsidade – conduta também merecedora de censura, mas que não releva para o caso - no pressuposto que a declaração apenas iria ser utilizada com a finalidade indicada por si, ao pedir-lha, ou seja, para efeitos bancários.
O que vale por dizer, que a A. não podia deixar de estar consciente de que a R confiou em si, crendo que não iria dar um outro uso à declaração, desde logo, para alcançar qualquer fim desfavorável à própria Ré. Por outras palavras, a R. partiu do pressuposto de que a A. teria uma conduta leal e não se aproveitaria da declaração para alcançar qualquer benefício à custa da sua credulidade.
Ora, ao contrário do que a R. esperava, a A. veio a usar a declaração para um fim diverso, apresentando-a à Inspecção Regional do Trabalho, quando participou com o propósito de lhe ver reconhecida a categoria profissional e uma retribuição mais elevada (cfr. factos 11 e 12).
E, como é exigível a qualquer pessoa medianamente esclarecida e diligente, não podia a A. ignorar que ao apresentar aquela declaração emitida pela R., estava a pretender invocar e demonstrar perante a IRT, que o valor nela mencionado era efectivamente o da retribuição que lhe era reconhecida pela R., mas que não estaria a ser integralmente paga. Significa isto, então, que a A. actuou conscientemente e com o propósito de através desse artifício influenciar tendenciosamente a apreciação e a actuação da IRT.
Por tudo isto, é evidente que a A. não podia deixar de ter consciência da deslealdade da sua conduta para com a R., ou seja, que ao actuar dessa forma estava a trair a confiança que nela fora depositada, bem assim que do mesmo passo estava também a pôr em causa o bom nome e a reputação da sua entidade empregadora, já que levava terceiros a crer, nomeadamente os instrutores do processo, que a R. era incumpridora por aquela razão, bem sabendo a A. que quanto a esse aspecto tal não correspondia à verdade.
Quanto a este último aspecto, como bem se refere na sentença, “Exige-se a todas as pessoas civilizadas o cumprimento do dever de urbanidade em relação aos outros. Por maiores razões, esse dever é exigido nas relações laborais, tendo sido consagrado com um dos deveres/obrigações do trabalhador. Cfr. al.a) do nº1 do artº 128º do C.T. A urbanidade ou polidez precede as boas acções e a elas conduzem, dando garantias de saber respeitar os outros e orientar a sua vida de acordo com o direito, a justiça e correcção».
Mais, nem a A. tão pouco podia ignorar que com a sua conduta, oferecendo como meio de prova um documento onde constava uma declaração que bem sabia ser falsa, mas que apresentou como se fosse verdadeira, estava clara e objectivamente a ludibriar os serviços da IRT.
Sendo certo que com essa conduta logrou efectivamente alcançar aquele resultado, influenciando de modo determinante a decisão e, em consequência, obtendo o reconhecimento de um valor de retribuição que não auferia.
É o que se retira dos factos 11 e 12, dos quais consta que a IRT considerou que a R. tinha “(..) ao seu serviço a trabalhadora AA admitida a 01/02/2006, com a categoria profissional de “empregada de balcão de 2ª”, à qual não pagou até à presente data, a totalidade da retribuição referente ao trabalho prestada pela mesma nos meses de Setembro e Outubro de 2010”, para tal estribando-se na documentação em causa, como se conclui da afirmação “Refira-se que a partir de 21/06/2010 a remuneração da trabalhadora supra referida é de € 650,00 conforme declaração emitida pela empresa (vide Doc. 4 em anexo)”.
Acresce, como assente, que essa consideração da IRT foi fundada naquele documento e foi, também, determinante para a decisão do processo contra-ordenacional, já que a R. foi “foi condenada pelo não pagamento à trabalhadora, ora Autora, da totalidade da retribuição referente ao trabalho prestado pela mesma nos meses de Setembro e Outubro de 2010, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros)”.
Não se sabe se esta conduta foi premeditada, ou seja, se a A. solicitou a declaração invocando aquele pretexto, já com o propósito de a usar junto da IRT. Assim como não se sabe se alguma vez a usou junto de alguma entidade bancária
Mas também não é isso que se imputa à A. na sentença.
E, se é certo que caso tivesse havido premeditação, a sua conduta seria ainda mais censurável, também não deixa de o ser apenas em face dos factos que se vem referindo.
Acrescendo ainda, como oportunamente se assinala na sentença, que a A. reiterou a sua deslealdade ao negar ostensivamente um facto evidente. Repare-se na sua resposta à nota de culpa, redigida em termos ambíguos, sem reconhecer que a declaração foi efectivamente utilizada para fim diverso do que fora solicitado e sem oferecer uma qualquer explicação para essa sua conduta. Para melhor se perceber, aqui fica o extracto:
- (1.º) «É verdade que a trabalhadora arguida pediu à arguente a declaração referida.
() Acontece que, tal foi solicitado em Junho e, de facto para efeitos bancários.
() Sendo completamente falso que a tenha usado para efeitos de acusar a sua entidade patronal.
() A queixa na Inspecção Regional do Trabalho, surgiu só no final do ano e na sequência de necessidade de actualizar a sua categoria profissional.
() Não fazendo qualquer sentido o restante da acusação.
De resto, essa mesma ambiguidade mantém-se presente nos presentes autos, não negando a A. frontalmente a apresentação da declaração no IRT, mas também não o reconhecendo claramente, contornando habilmente a questão, dizendo que “Como se afirmou já em sede de resposta à nota de culpa, a Autora solicitou a emissão pela Ré da referida declaração. Sendo a mesma de facto necessária e utilizada para efeitos de pedido de empréstimo bancário” e que “jamais foi utilizada para outros fins, designadamente os indicados pela Ré” [cfr. artigos 4,5 e 6], sem sequer ter cuidado de ter em conta que na decisão final de despedimento a R. deixou de afirmar que ela tinha engendrado um estratagema para obter o documento e o usar como usou, cingindo-se aos factos objectivos.
E, nessa mesma estratégia de se esquivar a reconhecer a sua conduta, quer na resposta à nota de culpa quer nestes autos, contra-ataca, sustentando que o processo disciplinar é uma retaliação por parte da R., motivada pelo facto de ela ter exercido os seus direitos de trabalhadora.
Insinuação que, como decorre dos factos provados, não colhe o mínimo indício, sendo também certo que nada mais foi alegado pela A. que para tal pudesse contribuir, desde que se tivesse provado.
É indiscutível que à A. assistia o direito a diligenciar por ver reconhecida a sua categoria profissional e a retribuição correspondente à mesma, mas naturalmente, fazendo apenas uso de factos verdadeiros.
Ora, dito frontalmente e em poucas palavras, o que se conclui do que se vem apreciando, é que a A. não olhou a meios para atingir os fins. É nesta conduta que radica a censura, e não por ter exercido os seus direitos.
Consequentemente, sem que ofereça dúvida, como bem se apreciou e decidiu na sentença, a conduta da trabalhadora foi voluntária, consciente e dolosa, violando efectivamente os deveres de respeito e urbanidade e o dever de lealdade, com um grau elevado de gravidade, atentas as circunstâncias em concreto.
II.2.3 Não havendo qualquer dúvida quanto à prática daqueles ilícitos disciplinares, importa agora apreciar se neste contexto assistia à R. fundamento para concluir o processo disciplinar com a aplicação da sanção mais gravosa do elenco legal, o despedimento, para tanto invocando um incumprimento grave dos deveres da trabalhadora, isto é, uma situação de justa causa subjectiva.
Como é sabido, a CRP, no seu art.º 53.º, estabelece o princípio da segurança no emprego, que se traduz, antes de mais, na proibição do despedimento sem justa causa, isto é, “(..) os despedimentos arbitrários, sem razão suficiente e socialmente adequada” [Bernardo da Gama Lobo Xavier, Iniciação ao Direito do Trabalho, 2.ª Edição, Editorial Verbo, Lisboa, 1999, p. 281].
O trabalhador perderá essa protecção se tiver dado origem, por falta disciplinar grave, ao despedimento, nesse caso podendo o empregador, no exercício do poder disciplinar, aplicar-lhe a sanção de “Despedimento sem indemnização ou compensação” [art.º 328.º n.º1, al. d), do CT 09].
Como explica Monteiro Fernandes, “Daí a deslocação do problema da determinação da justa causa para o terreno da valoração disciplinar e da correlativa graduação das sanções. Certa infracção poderá constituir justa causa quando, em concreto, se não possa exigir, segundo as regras da boa-fé, que o empregador se limite a aplicar ao trabalhador faltoso uma sanção disciplinar propriamente dita, quer dizer, uma medida punitiva que não afecte, antes viabilize, a permanência do vínculo” [Op. cit. p. 610].
Atentemos, então, nos aspectos essenciais da figura da justa causa por facto imputável ao trabalhador (subjectiva).
Dispõe o n.º 1 do art. 351.º do CT 09: “Constitui justa causa de despedimento o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”.
Daí que, tal como era defendido nos anteriores regimes perante idênticas normas, nomeadamente, no Decreto-lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro (LCCT) o art.º 9º n.º1 e, no Código do Trabalho de 2003, o art.º 396.º n.º1, continua a entender-se quer na doutrina quer na jurisprudência, que a noção de justa causa de despedimento exige a verificação cumulativa dos requisitos seguintes:
i) um comportamento ilícito e culposo do trabalhador, por acção ou omissão, violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências (elemento subjectivo da justa causa);
ii) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral (elemento objectivo da justa causa);
iii) a verificação de um nexo de causalidade entre aquele comportamento ilícito, culposo e grave e a impossibilidade prática e imediata da manutenção da relação laboral, na medida em que esta tem que decorrer, efectivamente, do comportamento do trabalhador.
Igualmente à semelhança das anteriores normas, o legislador complementa o conceito de justa causa com uma enumeração meramente exemplificativa de comportamentos susceptíveis de integrarem justa causa de despedimento [n.º2, do art.º 351]. O que vale por dizer que os comportamentos susceptíveis de constituírem justa causa de despedimento não se esgotam naquele elenco, antes abrangendo qualquer outro comportamento do trabalhador, desde que ilícito, culposo e violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral, grave em si mesmo e nas suas consequências.
Contudo, não basta a verificação de um ou mais comportamentos assim qualificáveis para se concluir que há justa causa, sendo necessário apreciá-los à luz do conceito de justa causa, para determinar a sua gravidade e consequências, atendendo ao «(..) quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão do interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus trabalhadores e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes” [n.º 3, do art.º 351.º].
A jurisprudência dos tribunais superiores é unânime no entendimento de que a ponderação sobre a gravidade da culpa e das suas consequências deve considerar o entendimento de um “bónus pater famílias” e de um “empregador razoável” segundo critérios de objectividade e de razoabilidade, em função das circunstância de cada caso concreto.
Outro aspecto relevante a considerar na apreciação da justa causa consiste na formulação de um juízo de prognose sobre a viabilidade futura da relação de trabalho.
Nas palavras de Bernardo da Gama Lobo Xavier, “Este é sem dúvida um aspecto de extrema relevância para compreender a essência da justa causa de despedimento: o juízo sobre a impossibilidade das relações contratuais refere-se ao futuro («a subsistência da relação de trabalho», no dizer da própria lei)” [Op. cit., p. 306].
Dito por outras palavras, e como aponta Maria do Rosário Palma Ramalho, tem sido entendimento unânime da doutrina e da jurisprudência que qualquer situação de justa causa tem que se subsumir à cláusula geral de justa causa estabelecida no n.º1 do art.º 351.º, para efeitos dos respectivos elementos integrativos, ou seja, para que o comportamento do trabalhador consubstancie uma situação de justa causa de despedimento não é suficiente que seja ilícito, culposo e grave, sendo também condição de verificação necessária, que dele resulte a impossibilidade prática e imediata da subsistência do contrato de trabalho. Em suma, “(..) perante o comportamento do trabalhador, objectivamente considerado (..) é sempre necessário um juízo de valor para determinar, em concreto, a gravidade desse comportamento, o grau de culpa do trabalhador e em que medida é que ele compromete o vínculo laboral” [Op. Cit., p. 910].
Para Bernardo da Gama Lobo Xavier, a verificação da justa causa passa, assim, pelo recurso a um critério operacional, que se traduz no seguinte: “A ideia de impossibilidade imediata refere-se essencialmente à posição do empregador que faz valer a rescisão por justa causa, libertando-se de todos os obstáculos postos pela lei à desvinculação das relações de trabalho. A desvinculação torna-se tão valiosa juridicamente que a ela não pode obstar a protecção da lei à continuidade tendencial do contrato nem a defesa da especial situação do trabalhador. A justa causa representa exactamente uma situação em que esses interesses deixam de valer, ou melhor, são afastados” [Op. cit., p. 308].
Num entendimento convergente, Monteiro Fernandes defende que «(..) não se trata, evidentemente, de uma impossibilidade material, mas de uma inexigibilidade, determinada mediante um balanço em concreto dos interesses em presença - fundamentalmente o da urgência da desvinculação e o da conservação do vínculo (..). Basicamente, preenche-se a justa causa com situações que, em concreto (isto é, perante realidade das relações de trabalho em que incidam e as circunstâncias específicas que rodeiem tais situações), tornem inexigível ao contraente interessado na desvinculação o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo (termo aposto ao contrato, sanções disciplinares conservatórias)” [Op. Cit, p. 589].
E, mais adiante, após mais desenvolvido tratamento da figura, vem a concluir dizendo “Em suma: a cessação do contrato imputada a falta disciplinar só é legítima quando tal falta gere uma situação de imediata impossibilidade de subsistência da relação laboral, ou seja, quando a crise disciplinar determine uma crise contratual irremediável, não havendo espaço para o uso de providência de índole conservatória. Na sua essência, a justa causa consiste exactamente nessa situação de inviabilidade do vínculo, a determinar em concreto (arts.351.º/3 e 357.º/4, através do balanço de interesses atrás referido” [Op. Cit., p. 613].
Nessa linha de entendimento, a jurisprudência dos tribunais superiores vem reafirmando que a impossibilidade prática e imediata de subsistência da relação laboral, verifica-se quando perante um comportamento ilícito, culposo e com consequências gravosas na relação laboral, ocorra uma situação de absoluta quebra de confiança entre a entidade patronal e o trabalhador, susceptível de criar no espírito da primeira a dúvida sobre a idoneidade futura da conduta do último, deixando de existir o suporte psicológico mínimo para o desenvolvimento dessa relação laboral. Nesse sentido, vejam-se, entre outros e na jurisprudência mais recente, os Acórdãos do STJ de 29.04.2009, Proc. nº 08S3081; de 17.06. 2009, Proc.º 08S3698; de 03.6.2009, Proc.º n.º 08S3085; de 15.09.2010, Proc.º 254/07.1TTVLG.P1.S1; de 7.10.2010, Proc.º 439/07.0TTFAR.E1.S1; e, de 13.10.2010, Proc.º n.º 142/06.9//LRS.L1.S1, todos eles disponíveis em www.dgsi.pt/jstj.
Passemos então a apreciar se os factos que resultaram provados dos invocados pela R., mais precisamente aqueles acima apreciados, preenchem ou não a noção de “justa causa de despedimento”. Dito de outro modo, se é de concluir pela impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho em concreto, reconduzida à ideia de “inexigibilidade da manutenção vinculística”, no sentido de comprometer, desde logo, e sem mais o futuro do contrato [AC STJ de 29.4.2009, Conselheiro Sousa Grandão, acima citado].
Importando aqui assinalar, de novo através das palavras do Senhor Conselheiro Sousa Grandão, que “A diminuição de confiança, resultante da violação do dever de lealdade não está dependente da verificação de prejuízos nem da existência de culpa grave do trabalhador, já que a simples materialidade desse comportamento, aliado a um moderado grau de culpa, pode em determinado contexto levar razoavelmente a um efeito redutor das expectativas de confiança” [Acórdão citado, de 29.4.2009].
De resto, entendimento que desde há muito vem sendo seguido pela jurisprudência dos Tribunais superiores, como o ilustra o Acórdão de 22-01-1992, Conselheiro Castelo Paulo [Nº Convencional: JSTJ00013348, disponível em www.dgsi.pt/jstj].
O que vale por dizer, que não merece qualquer acolhimento a posição da A., assente também no pressuposto de que era necessária a prova de prejuízos sérios.
De resto, a este propósito, também não lhe assiste razão ao pretender negar a existência de prejuízos. Com efeito, não pode a A. esquecer que a R. “foi condenada pelo não pagamento à trabalhadora, ora Autora, da totalidade da retribuição referente ao trabalho prestado pela mesma nos meses de Setembro e Outubro de 2010, na coima de € 250,00 (duzentos e cinquenta euros)”, resultando da análise da decisão administrativa que o dado relevante para chegar a essa decisão foi precisamente a declaração que a A. apresentou.
Aplicando os critérios enunciados, significa isto, que neste balanço das posições de A. e R., devemos começar por ter presente que o despedimento, face à tutela constitucional do princípio da segurança no emprego, só é juridicamente aceitável quando nenhuma outra medida se mostre adequada a salvaguardar a preservação e o equilíbrio da relação contratual.
Porém, tudo ponderado no quadro dos factos apurados, não cremos estar perante um caso susceptível de ser sanado através da aplicação de uma medida sancionatória não expulsiva, mas antes perante uma crise contratual irremediável.
Como vimos, a trabalhadora violou os deveres de respeito e urbanidade e de lealdade, merecendo a sua conduta um elevado grau de censura, ou seja, sem que ofereça dúvida, estamos perante uma conduta inequivocamente grave.
Numa perspectiva subjectiva, aqueles deveres estão intrinsecamente relacionados com a necessidade de existir uma relação de confiança entre as partes, exigindo do trabalhador que paute a sua conduta de modo a não comprometer essa confiança. E, numa perspectiva objectiva, reconduzem-se à necessidade do ajustamento do comportamento do trabalhador ao princípio da boa-fé no cumprimento das suas obrigações.
Ora, atento o quadro factual na sua globalidade, é forçoso concluir que a conduta da trabalhadora não só pôs em causa a necessária relação de confiança, como a comprometeu definitivamente. Não é de todo exigível à R., como não o seria a qualquer outra entidade empregadora colocada perante o mesmo circunstancialismo, que creia na idoneidade futura do comportamento da trabalhadora, ou seja, que tenha como provável que no futuro vá ser uma trabalhadora cumpridora dos seus deveres, nomeadamente, não pondo em causa o bom nome da entidade empregadora, isenta de comportamentos desleais e capaz de assumir as responsabilidades por eventuais erros que viesse a cometer.
Por conseguinte, não merece qualquer acolhimento a posição da A., ou seja, no confronto dos interesses antagónicos das partes, não vemos fundamento bastante para dar prevalência ao seu interesse na conservação do contrato de trabalho, em detrimento do interesse da R., considerando-se como razoável e justificada, a alegada perda de confiança da R. no seu comportamento futuro, de tal modo que torna inexigível a manutenção daquele ao seu serviço.
Concluímos, pois, estarem preenchidos os requisitos necessários para se julgar verificada a justa causa invocada, considerando-se o despedimento lícito e, logo, que a sentença recorrida não merece qualquer censura.

***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.


III.DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas pelo recorrente.

Lisboa, 10 de Outubro de 2012

Jerónimo Freitas
Ferreira Marques
Maria João Romba

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