quarta-feira, 10 de outubro de 2012

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - AUDIÊNCIA DO ARGUIDO - VIDEOVIGILÂNCIA




Proc. 18/09.8TTALM.L1-4     TRL  6 de Junho de 2012



I - O procedimento disciplinar, como processo sancionatório que é, tem de assegurar ao arguido a observância do direito de contraditar os factos e produzir as provas pertinentes.
II- Se o arguido identifica uma testemunha e além dessa, pede para serem ouvidas as colegas que se encontravam no local aquando da ocorrência, sem as identificar e sem indicar a que factos depõe cada uma, não compete à R. deixar de ouvir a 1ª indicada e única identificada, sob o argumento de que ouvidas as outras seis, a toda a matéria, ultrapassam o limite previsto no art. 414º nº 2 do CT.
III- Não é prova ilegal o visionamento dos suportes de videovigilância, se esta estava autorizada para protecção de pessoas e bens.
IV- A omissão da audição da 1ª testemunha com o fundamento referido e do requerido visionamento do suporte da videovigilância, sem qualquer justificação, viola a garantia de defesa e o princípio do contraditório, tornando inválido o procedimento disciplinar, o que determina a ilicitude do despedimento

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho, sob a forma do Processo Comum, contra B..., Exploração de Postos de Abastecimento e Lojas de Conveniência, Sociedade Unipessoal, Ldª. (que alterou a denominação social para F... 24 - Exploração de Postos de Abastecimento e Lojas de Conveniência, Ldª), alegando, em síntese, que a autora foi admitida ao serviço da ré, por contrato de trabalho a termo certo outorgado em 23 de Maio de 2003, para exercer as funções inerentes à categoria de Caixa Balcão, desempenhando o cargo interno de Assistente a clientes II, auferindo, inicialmente, o vencimento mensal de € 427,00, bem como subsídio de alimentação e demais abonos, numa média mensal que ronda os € 614,50. Por carta datada de 03 de Janeiro de 2008 foi-lhe comunicado o despedimento, com alegação de justa causa, na sequência de processo disciplinar que lhe fora instaurado pela ré. Foram inobservadas e violadas formalidades no decorrer do procedimento disciplinar, nomeadamente, foram ignoradas diligências de prova requeridas pela autora e o mandatário constituído não foi notificado da inquirição das testemunhas, o que implica a nulidade do procedimento disciplinar e consequente ilicitude do despedimento. A autora viu-se vexada pela sua entidade patronal, o que lhe causou danos de natureza não patrimonial.
Pede seja declarado ilícito o despedimento de que foi alvo e seja a ré condenada a pagar-lhe uma indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, a compensação prevista no artigo 437º, a reintegrar a A. no seu posto de trabalho ou a pagar uma indemnização em substituição da reintegração.
Após audiência de partes, a Ré contestou, alegando, em síntese, que o procedimento disciplinar não padece dos vícios formais invocados pela autora. Os factos imputados na nota de culpa à autora verificaram-se e constituem justa causa para o seu despedimento. Conclui pela improcedência da acção, devendo, em conformidade, ser absolvida dos pedidos formulados.
Procedeu-se a audiência de julgamento           a que se seguiu a prolação da sentença de fls. 196/211, que julgou parcialmente procedente a acção e, em consequência:
a) julgou ilícito o despedimento que a Autora foi alvo;
b) condenou a Ré a reintegrar a autora, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
c) condenou a Ré no pagamento, à Autora, da quantia total de € 17 974,10 (dezassete mil novecentos e setenta e quatro euros e dez cêntimos) relativa a retribuições, férias, subsídio de férias e de Natal vencidos entre 08 de Dezembro de 2009 e o dia 08 de Janeiro de 2012, acrescida das quantias que se vencerem a título de retribuição, subsídio de alimentação, férias, subsídio de férias e de Natal até ao trânsito em julgado da sentença, deduzidas as quantias, eventualmente, auferidas pelo Autora a título de subsídio de desemprego. À quantia a apurar, em sede de incidente de liquidação prévio à execução de sentença, acrescerão os juros legais desde a data do vencimento de cada uma das prestações em causa até efectivo e integral pagamento.
d) absolveu a ré do demais peticionado, nomeadamente, a indemnização por danos não patrimoniais no valor de € 5.000,00 e as diferenças salariais peticionadas relativas a ajudas de custo.
            A R. não conformada, veio apelar, terminando as respectivas alegações com as seguintes conclusões:
(…)
            A A. contra-alegou, pugnando pela improcedência do recurso.
            Também o M.P., junto deste tribunal se pronunciou pela improcedência no parecer  que emitiu.
                       
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias da recorrente, constata-se que no caso vem suscitada apenas a reapreciação da nulidade do procedimento disciplinar [que serviu de fundamento à qualificação do despedimento como ilícito, nos termos do art. 430º nºs 1 e 2 al. n) do CT de 2003].

Na 1ª instância foram dados como provados os seguintes factos:
 (Da Petição Inicial).
1. Em 21 de Maio de 2003 entre a ré, como primeira outorgante, e a Autora, AA, como segunda outorgante foi celebrado o contrato denominado de “contrato de trabalho a termo certo”, de fls. 17 a 18 dos autos e anexo de fls.20, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, pelo qual a primeira admitiu a autora para exercer as funções inerentes à categoria de Caixa de Balcão, desempenhando o cargo interno de Assistente a Clientes II, pelo período de sete meses com início em 21 de Maio de 2003 e termo em Dezembro de 2003, inicialmente com o vencimento mensal de € 427,00 (quatrocentos e vinte e sete euros), acrescido da quantia de € 3,74 (três euros e setenta e quatro cêntimos) por cada dia de trabalho a título de subsídio de refeição.
2. Ultimamente a autora auferia o vencimento mensal de € 475,00 bem como subsídio de alimentação e demais abonos, numa média mensal que ronda os € 614,50 mensais.
3. De entre as suas principais funções, elencavam-se as tarefas e responsabilidades correspondentes à função de “Assistente a Clientes III- Caixa Balcão”, que compreendem, essencialmente, tarefas em torno do atendimento ao público no que às vendas e serviços próprios da loja do Posto de Abastecimento diz respeito, em suma, de serviço ao cliente, de manutenção da operacionalidade do posto de abastecimento e também de carácter administrativo.
4. O contrato de trabalho converteu-se, entretanto, em contrato sem termo.
5. A ré remeteu à autora, que a recebeu, uma carta datada de 26 de Setembro de 2007, juntamente com uma nota de culpa datada de 18 de Setembro de 2007, onde se lê, entre o mais “ (…) nos termos legais anexa-se fotocópia da nota de culpa deduzida no âmbito do processo disciplinar que lhe foi instaurado, sendo intenção da B... 24, Exploração de Postos de Abastecimento e Lojas de Conveniência - Sociedade Unipessoal, Ldª, atendendo à gravidade da infracção disciplinar de que é acusado (…) proceder ao seu despedimento, com justa causa (…).
Informa-se ainda de que dispõe do prazo de 10 (dez) dias úteis para, querendo, apresentar a sua defesa, por escrito, e requerer as diligências que julgar necessárias ao apuramento da verdade podendo, durante o mesmo período, consultar o processo cuja cópia se encontrará disponível na seguinte morada : ... – Edifício …, em ....”, tudo conforme documento de fls. 23 a 27 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
6. Em 17.10.2007 a autora respondeu à nota de culpa nos termos constantes de fls. 29 a 38, que aqui se dão por reproduzidos.
7. Na resposta à nota de culpa requereu a autora o visionamento dos suportes de videovigilância do posto referentes ao local e data da ocorrência no interior e exterior da loja, a inquirição do seu marido BB e a inquirição dos demais colegas que estavam no local e hora da ocorrência a prestar serviço no posto.
8. Nem a autora nem o seu mandatário foram notificados para qualquer diligência instrutória.
9. Em 09.11.2007 a autora requereu que “sejam juntas ao processo as notas biográficas ou folhas de serviço, emitidas anualmente pelo gerente do posto de abastecimento onde a arguida trabalha, onde consta a sua apreciação, quer em termos disciplinares, como em termos de produtividade e demais asserções de serviço.”
Mais informa que não tem, por ora, mais nada a adicionar à resposta por si produzida quanto à nota de culpa, tudo conforme documento de fls. 41 cujo teor aqui se dá por reproduzido.
10. A ré não ouviu em sede de processo disciplinar o marido da autora, BB, não procedeu ao visionamento dos suportes de videovigilância e não juntou aos autos as notas biográficas ou folhas de serviço.
11. A ré remeteu à autora, que a recebeu, uma carta datada de 03 de Janeiro de 2008, que a autora recebeu em 07.01.2008, onde se lê, entre o mais “Na sequência do processo disciplinar que lhe foi instaurado vimos, pela presente, comunicar que, conforme despacho da Direcção da Empresa datado de 03 de Janeiro de 2008, cuja cópia se junta, foi decidido aplicar a sanção de despedimento com justa causa”, tudo conforme documentos de fls. 43 a 45 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
12. A decisão não foi notificada ao mandatário constituído pela autora.
 (Da contestação).
13. A ré tem como objecto social a exploração de postos de abastecimento de combustíveis, a exploração de lojas de comércio retalhista de produtos alimentares e a prestação de quaisquer serviços conexos com o desenvolvimento dessas actividades de exploração.
14. Aquando da celebração do contrato, a A. obrigou-se:
1) Ter como missão: Atender todos os clientes com simpatia, profissionalismo e rapidez (…);
2) Exercer as seguintes “funções e responsabilidades”: Atender todos os Clientes com simpatia, eficiência e rapidez (…); tratar com todas as reclamações e/ou perguntas dos Clientes com respeito e tacto.
3) Ter como “objectivos”: No serviço ao Cliente, assegurar de uma forma permanente um serviço eficiente e de acordo com as orientações da empresa.
15. A autora obrigou-se, ainda, a exercer as suas funções com zelo e diligência, a comparecer ao serviço com assiduidade e a cumprir as demais obrigações decorrentes da Lei ou instrumento de regulação do trabalho.
16. A autora foi admitida para exercer as suas funções no posto de abastecimento B... (…), do qual a ré é concessionária, ou em qualquer outro local onde a ré exercesse a sua actividade.
17. A 26.07.2007, pelas 15 horas, duas clientes da ré entraram na loja do posto de abastecimento e, na caixa da loja, pagaram dois cafés.
18. A A., que se encontrava de serviço no balcão da cafetaria da loja do posto de abastecimento, tirou dois cafés, antes de as duas clientes da ré lho solicitarem, tendo-os colocado sobre o balcão da cafetaria.
19. Sucede que, as clientes da ré ao deslocarem-se para o balcão da cafetaria pediram à A. dois cafés “curtos”, tendo, assim, recusado consumirem os dois cafés que já se encontravam sobre o balcão.
20. Na sequência da recusa de consumo do café por parte das clientes e da discussão que se gerou a autora disse às clientes que saía às 15 horas e que se encontravam lá fora.
21. As clientes pediram o livro de reclamações.
22. Na sequência do que o responsável do posto de abastecimento, CC dirigiu-se ao balcão, tendo-lhe as clientes exposto a situação.
23. As clientes da ré mantiveram-se dentro da loja a escrever a sua reclamação no livro de reclamações e a expor a situação ao responsável do posto.
24. A autora após ter terminado o seu turno, dirigiu-se ao escritório da loja do posto com a sua caixa.
25. A autora ao sair de serviço ficou do lado de fora da loja do posto de abastecimento, junto à sua porta de entrada e ainda envergando a farda da ré.
26. Como é regra e uso seguido na ré, os seus trabalhadores, após terminarem o seu turno, fecham a sua caixa e dirigem-se ao escritório para apresentarem as suas folhas de caixa.
27. Assim que as clientes da ré saíram da loja, a autora imediatamente dirigiu-se-lhes quando aquelas se encontravam junto da porta da loja, tendo-se a autora e as clientes envolvido em agressões físicas e verbais.
28. As agressões terminaram quando uma trabalhadora da ré, DD, conseguiu separar a autora e as clientes, tendo conduzido a primeira para o interior da loja, área do pessoal.
29. A polícia de segurança pública foi chamada ao local por uma trabalhadora da ré, DD, identificando todos os participantes das injúrias e das agressões.
30. As clientes da ré apresentaram queixa junto da PSP.
31. O sucedido ocorreu com os colegas de trabalho e com clientes da loja e do posto de abastecimento a assistirem.
32. A 28.07.2007 o responsável do posto de abastecimento (…)- CC - participou disciplinarmente da A. à gerente da Ré, descrevendo os factos ocorridos a 26.07.2007.
33. A 30.08.2007, a gerente da ré despachou no sentido de ser instaurado um processo disciplinar contra a A. nomeando como instrutora a Drª. EE.
34. A 23.10.2007 a R. por carta registada com aviso de recepção dirigida ao mandatário da autora constituído no processo disciplinar, informa que o processo se encontra novamente para consulta e concede-lhe novamente 10 dias úteis para que junte aditamentos à resposta à nota de culpa ou outros documentos que entenda por convenientes.
35. A ré no âmbito do processo disciplinar inquiriu em 30 de Novembro de 2007 as testemunhas FF, GG, CC, DD, HH, II e JJ, colegas de trabalho da autora que se encontravam ao serviço no momento e local dos factos.
36. A ré obteve a autorização nº. 757/2004 de 06 de Julho de 2004 da Comissão Nacional de Protecção de Dados para tratamento de videovigilância nas bombas de abastecimento de combustível e respectiva loja (…), nos termos constantes de fls. 157 a 159 cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido.
37. A ré juntou ao processo disciplinar a ficha de auto-avaliação de desempenho da autora.
38. Em 28 de Dezembro de 2007 a relatora do processo disciplinar elaborou relatório final, que consta de fls. 144 a 152 e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, no qual propõe a aplicação à arguida da sanção de despedimento com justa causa.

                   Apreciação
                    A Srª Juíza considerou ilícito o despedimento da A., nos termos do art. 430º nºs 1 e 2 al. b) do CT de 2003 (em vigor à data dos factos), por ter considerado inválido o procedimento disciplinar, uma vez que a R., no decurso do mesmo, omitiu diligências de prova requeridas pela A. na resposta à nota de culpa, sem fundamentar ou com fundamentação considerada inaceitável, assim desrespeitando o disposto pelo art. 414º nº 2 do mesmo código.
          A recorrente pretende contrariar a valoração efectuada na sentença, sustentando que o procedimento disciplinar não padece de invalidade, mas quanto muito de mera irregularidade, devendo considerar-se que existiu justa causa de despedimento.
          Adiante-se, desde já, que não assiste razão à recorrente.
          A sentença procedeu a uma cuidada análise e ponderação da situação concreta e decidiu o litígio em conformidade com as normas e princípios jurídicos pertinentes.
          Senão vejamos:
          A A., na resposta à nota de culpa, subscrita pelo respectivo mandatário judicial, requereu que fossem produzidas as seguintes provas: “1. Visionamento dos suportes de videovigilância do Posto referentes ao local e data da ocorrência, no interior e exterior da loja. 2. Inquirição de testemunhas, sendo a testemunha BB, e arrolando-se como testemunhas os demais colegas que estavam no local e hora da ocorrência a prestar serviço no Posto.” E, em 9/11/2007 (na sequência de nova oportunidade que lhe fora conferida pela instrutora para consultar o processo, face às dificuldades  relatadas no ponto prévio da resposta à nota de culpa – cf. fls. 110/112 e 121/123 dos autos), requereu que fossem juntas as “notas biográficas ou folha de serviço, emitidas anualmente pelo Gerente do Posto de Abastecimento onde a arguida trabalha, onde consta a sua apreciação, quer em termos disciplinares, quer em termos de produtividade e demais asserções de serviço”.
                   A Exª instrutora do processo ouviu como testemunhas, a toda a matéria de facto, sete pessoas[1], todas empregadas da R. em serviço no posto de abastecimento em causa na data dos factos (sendo certo que a A. não identificara nenhuma em particular), juntou aos autos uma “Ficha de Auto-avaliação de Desempenho”, datada de Março de 2007 e, no relatório final, onde refere as diligências de prova efectuadas, não faz qualquer alusão ao visionamento dos suportes de videovigilância, que havia sido requerido, tampouco refere o motivo do não visionamento. Aí consigna a dado passo “Tendo em conta o facto de, a pedido da arguida, já terem sido ouvidos 6 declarantes todos aos mesmos factos, nos termos do nº 2 do art. 414º do Código do Trabalho, não foi ouvido o marido da A., Sr. BB” e, mais adiante “Mesmo que a arguida não tenha passado disciplinar, tendo sido uma profissional cumpridora, …”.
            Uma das formas pelas quais se concretiza o princípio do contraditório ou direito de defesa no procedimento disciplinar[2] (art. 413º) é a possibilidade de o arguido requerer diligências probatórias que sejam pertinentes para o esclarecimento da verdade. O empregador é obrigado a proceder a essas diligências, a menos que patentemente as considere impertinentes ou dilatórias, o que terá de justificar fundadamente, por escrito. Se bem que a lei estabeleça que o empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total (art. 414º nº 2) e não obstante, no caso, não ter sido indicado pela A., na resposta à nota de culpa, a que factos pretendia que fosse ouvida cada uma das testemunhas (provavelmente por esperar que o respectivo mandatário pudesse assistir à inquirição e fazer então essa indicação), salvo o devido respeito não cabia à Srª Instrutora decidir desde logo qual ou quais as testemunhas que deviam ser prescindidas, sem ao menos ter previamente convidado o mandatário da arguida a indicar quais os factos a que queria que fosse inquirida cada testemunha. Uma vez que entendeu não facultar ao mandatário da arguida a presença na inquirição (o que, como bem considerou a Srª Juíza, não é ilícito, dado a lei não exigir tal presença) e ouviu as outras sete testemunhas sem preocupação pela observância do limite estabelecido no art. 414º nº 2, não é razoável que apenas quanto à testemunha BB[3] tenha sentido necessidade de observar tal limite, tanto mais quanto esta fora a única testemunha identificada e indicada pela arguida em 1º lugar. Impunham as regras da boa fé que o mandatário da arguida tivesse sido convidado a proceder a essa indicação, de forma a permitir observar o mencionado limite. Ao não o ter feito, não tendo sequer sido invocado que tal depoimento fosse impertinente ou dilatório, foi violada a garantia de defesa que, nos termos do art. 32º nº 10 da CRP, deve ser assegurado em qualquer processo sancionatório, como é o procedimento disciplinar.
            Mas também ao omitir o requerido visionamento das gravações da videovigilância sem fundamentar minimamente o porquê de tal omissão, a R. violou o direito de defesa. Alega agora a recorrente que foi dada uma justificação para isso ter acontecido e que é o carácter ilegal dos meios de vigilância. Salvo o devido respeito, não tem razão. Por um lado, não foi efectivamente dada qualquer justificação, no próprio procedimento disciplinar, que é onde deveria ter lugar a justificação para a não realização da prova requerida pelo trabalhador arguido. E, por outro, porque o meio de vigilância não era ilegal. Com efeito, dispõe o art. 20º do CT
“1- O empregador não pode utilizar meios de vigilância a distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico, com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
2. A utilização do equipamento identificado no número anterior é lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem.
3. Nos casos previstos no número anterior o empregador deve informar o trabalhador obre a existência e finalidade dos meios de vigilância utilizados.”
            Ora, porque a videovigilância estava legalmente autorizada, para protecção de pessoas e bens (cf. nº 36 e doc. de fls. 157/159) - até por se tratar de uma actividade (bomba de abastecimento de combustível) em que as particulares exigências o justificam – a utilização do referido equipamento era lícita de acordo com o disposto no nº 2 do art. 20º do CT.
Nos termos do art. 13º nº 2  do DL 35/2004, de 21/2 (regime jurídico do exercício da actividade de segurança privada) a gravação de imagens feita por entidades de segurança privada só pode ser utilizada nos termos da legislação processual penal. E, de acordo com a legislação processual penal, a reprodução videográfica é prova documental, que pode ser junta desde que não seja ilícita (art. 167º CPP). Porque no caso a videovigilância estava autorizada, não era ilícita. Por isso,  ao contrário do que ora afirma a recorrente, não era ilegal aquele meio de prova. E porque a A. alega ter sido agredida pelas clientes, tendo respondido à agressão para a repelir, o referido meio de prova, assim como o depoimento do marido da A., que estava no exterior do estabelecimento, pode ser muito relevante para permitir esclarecer o que efectivamente se passou entre a A. e as aludidas clientes. Ao rejeitar tal meio de prova, sem qualquer justificação, a empregadora violou a garantia de defesa dado que a matéria  a que se destinava a referida prova integra o cerne da acusação disciplinar.
No que se refere às notas biográficas ou folhas de serviço nas quais conste o registo disciplinar e/ou a avaliação de desempenho, relativamente às quais a recorrente só agora vem dizer que nem sequer existem, era no relatório final do procedimento disciplinar que o deveria ter dito e na realidade não o disse, sendo certo que nada juntou além de uma ficha de autoavaliação de desempenho. Apesar disso, porque aqueles elementos de prova não dizem respeito propriamente aos factos que são imputados à arguida, mas apenas ao seu “histórico” na empresa e porque a própria instrutora no relatório final refere que a arguida não tem passado disciplinar e é uma profissional cumpridora, não cremos que a omissão desses elementos viole as garantias de defesa. Aqui sim, podemos considerar que a falta dessa junção ou de justificação para a não junção constitua uma irregularidade. Em todo o caso não pode de forma alguma ser considerada mera irregularidade a omissão dos outros meios de prova requeridos. A garantia de, em qualquer processo sancionatório, o acusado poder, em sua defesa, contraditar a acusação e apresentar provas, tem natureza constitucional (art. 32º nº 10). Foi por violação desta norma constitucional que o ac. 338/2010 do TC declarou inconstitucional, com forma obrigatória geral a norma do art. 356º nº 1 do CT aprovado pela L. 7/2009. O disposto nos art. 413º e 414º do CT de 2003 é uma manifestação dessa garantia de defesa. O desrespeito de tais normas não podia deixar de importar a invalidade do procedimento disciplinar, como dispõe o art. 430º nº 2 al. b), constituindo um dos possíveis fundamentos da ilicitude do despedimento.
Improcedem, assim, os fundamentos do recurso

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste tribunal em julgar improcedente a apelação, confirmando inteiramente a douta sentença recorrida.
Custas pela recorrente
         
Lisboa, 6 de Junho de 2012
         
Maria João Romba
Paula Sá Fernandes  
José Feteira
----------------------------------------------------------------------------------------
[1]
Guilhermina Gonçalves, Célia Madureira, Miguel Salgueiro, Dulce Dantas, Tânia Neves, Nuno Sequeira, Nadimo Grave.
[2]
Sendo as outras, a faculdade de consultar o processo e o direito de responder à nota de culpa, deduzindo por escrito, os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos.
[3]
Marido da A., que, segundo é referido por diversas testemunhas, se encontrava no exterior do posto de abastecimento aquando da ocorrência, sendo certo que parte significativa dos factos se passaram no exterior, sendo portanto de admitir que o respectivo depoimento pudesse fazer luz sobre essa parte da ocorrência

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