quarta-feira, 10 de outubro de 2012

MEIOS DE VIGILÂNCIA À DISTÂNCIA - MEIOS DE PROVA



Proc. Nº 292/09.0TTSTB.E1 TR Évora  9 de Novembro de 2010

1. A limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.
2. Por isso e não se tendo admitido o visionamento do DVD com as imagens contendo actuação duma trabalhadora eventualmente atentatória da protecção e segurança de bens vendidos no estabelecimento da agravante, tem que se anular o processado desde o despacho impugnado, com repetição de toda a prova


ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE ÉVORA

1-------
M…, residente em Setúbal, intentou uma acção com processo comum, emergente de contrato de trabalho contra
Companhia…, S.A., com sede em Lisboa, pedindo que o despedimento de que foi alvo seja declarado ilícito e que a Ré seja condenada a pagar-lhe uma indemnização de antiguidade, bem como as retribuições vencidas desde o despedimento e, ainda, € 10.000,00 a título de danos morais.
Alegou para tanto que foi despedida com invocação de justa causa, mas que a mesma inexiste.
Contestou a Ré, pugnando pela existência de justa causa de despedimento, vindo no final da sua contestação indicar a prova a produzir em audiência, requerendo a apensação aos autos do processo disciplinar instaurado à A, com um DVD-R apenso.
Notificada desta junção veio a A impugnar a validade deste meio de prova, alegando que as imagens contidas no DVD foram obtidas por sistema de videovigilância, com a finalidade de controlar o desempenho profissional da A, pugnando assim pela ilegalidade e requerendo que não seja admitido este meio de prova.
A R veio opor-se a este entendimento.
O Senhor Juiz proferiu despacho a dispensar a base instrutória: E pronunciando-se sobre esta questão, decidiu-se pela nulidade do meio de prova oferecido pela R consistente nas imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento comercial.
Inconformada com esta decisão veio a R agravar da mesma concluindo assim a sua alegação:
1ª- A lei vigente não regula especificamente a possibilidade de utilização para fins disciplinares de imagens recolhidas por câmaras de videovigilância.
2ª- A interpretação do regime legal aplicável mostra que essa utilização é possível sempre que seja lícita a recolha de imagens para os fins de protecção de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
3ª- A utilização de imagens recolhidas por câmaras de videovigilância para fins disciplinares será proibida, apenas quando aquela recolha se destine ao controlo do desempenho profissional do trabalhador, entendido como a aptidão e eficiência deste para desempenhar as funções para as quais foi contratado.
4ª- As excepções previstas no artigo 20.º/2 do Código do Trabalho ponderam os direitos constitucionalmente protegidos de propriedade e de liberdade de empresa, da titularidade do empregador, e os direitos fundamentais do trabalhador, oferecendo solução de equilíbrio entre uns e outros.
5ª- O caso em apreço nos autos enquadra-se numa das excepções previstas no artigo 20.º/2 do Código do Trabalho – segurança de bens -, pelo que a utilização pela Agravante das imagens captadas pelo sistema de videovigilância deve ser admitida como lícita no âmbito do processo disciplinar e, bem assim, nos presentes autos.
6ª- A Agravante tem instalado no seu estabelecimento comercial de Setúbal sistema de videovigilância, que recolhe imagens e som, devidamente autorizado pela entidade administrativa competente, e que se destina a garantir a protecção de pessoas e bens e segurança das instalações.
7ª- O visionamento das imagens transmitidas pelo sistema de videovigilância detectou a prática, pela Agravada, de actos atentatórios do direito de propriedade da Agravante, os quais constituem infracção disciplinar.
8ª- A utilização desse meio não visou controlar a actividade profissional da Agravada, mas garantir o interesse patrimonial da Ré, através da protecção da sua propriedade.
9ª- Acresce que a Agravada sabia que as suas movimentações dentro da loja eram susceptíveis de ser filmadas e nunca se opôs a tanto, pelo que tais filmagens devem ter-se por consentidas.
10ª- Ao decidir pela inadmissibilidade, para fins disciplinares, das gravações de imagens obtidas através de sistema de videovigilância, o despacho recorrido aplicou incorrectamente o preceito do artigo 20.º do Código do Trabalho.
Pede-se assim que se revogue o despacho recorrido, substituindo-o por outro que julgue admissível o meio de prova oferecido pela Agravante.
A A alegou pugnando pela manutençao do despacho recorrido.
E continuamndo os autos o seu curso, procedeu-se a julgamento, após o qual se proferiu sentença que julgando a acção parcialmente procedente, condenou a Ré Companhia Portuguesa de Hipermercados, S.A., no seguinte:
a) a reconhecer como ilícito o despedimento da A. M…;
b) pagar à A. uma indemnização de antiguidade, correspondente a € 605,00 por cada ano completo ou fracção de antiguidade, desde 31.08.1992 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo;
c) pagar à A. a remuneração base mensal de € 605,00, desde 27.02.2009 e até ao trânsito em julgado da decisão final do processo, incluindo subsídios de férias e de Natal, mas com dedução das importâncias referidas nos n.ºs 2 e 3 do art. 437.º do CTrabalho de 2003, o que será liquidado no incidente a que se referem os arts. 378.º e segs. do CPCivil;
d) pagar à A. os juros de mora, à taxa a que se refere o art. 559.º n.º 1 do CCivil, desde a data de trânsito em julgado da decisão final do processo, quanto à quantia supra fixada na al. b), e desde a liquidação, quanto à que resultar da condenação supra da al. c).
Novamente inconformada apelou a R tendo rematado a sua alegação com as seguintes CONCLUSÕES:
1ª- A Apelante recorre da sentença proferida pelo Tribunal a quo, quer quanto à decisão aí proferida sobre a matéria de facto assente, quer quanto à decisão de Direito.
2ª- Atenta a sua relevância para a melhor apreciação da presente causa, o ponto 10 da matéria de facto provada deve ser alterado, passando a conter o seguinte teor: “Existe ainda uma recomendação de não atendimento pelos funcionários de familiares seus, o que é do conhecimento da Autora”, uma vez que o conhecimento pela Apelada da existência dessa recomendação resultou provado do depoimento prestado pela testemunha V…, gerente do departamento de produtos frescos, que sobre o mesmo depôs de forma isenta e clara (depoimento referido supra no § 6 das alegações).
3ª - O Tribunal recorrido não apreciou devidamente a prova produzida ao considerar não provados os factos alegados nos artigos 29.º, 31.º, 33.º a 38.º, 40.º, 41.º, 43.º, 45.º a 49.º, 51.º, 53.º a 56.º, 58.º a 60.º, 63.º, 65.º, 68.º a 70.º, 73.º, 76.º, 79.º, 80.º, 81.º, 84.º, 86.º a 90.º, 92.º a 96.º e 99.º a 102.º da contestação.
4ª- Desde logo, a declaração proferida pela Autora quando confrontada com os factos imputados, constante do ponto 28 da matéria de assente [«Desculpem, errei. Não tenho condições para continuar»], é prova suficiente e bastante dos factos constantes dos referidos artigos da contestação, devendo ser valorada como confissão extrajudicial.
5ª- Trata-se de declaração inequívoca, porquanto não suscita dúvidas ou várias interpretações, nem é contraditória, antes foi prestada de forma livre, em ambiente calmo e sereno.
6ª- Por outro lado, confrontada com os factos imputados, a Apelante, em momento algum, negou a sua autoria ou a ocorrência, nem apresentou justificação para os mesmos, pelo que esta atitude evidencia profunda e consciente aceitação dos mesmos.
7ª- Atente-se, a este propósito, aos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, V… e H…, de acordo com os quais a reunião decorreu em ambiente calmo, sem exaltações, não tendo a Apelada, no decurso da mesma, apresentado qualquer justificação (depoimentos referidos supra no § 28 das alegações).
8ª- Não fosse tal suficiente, a Apelada não só proferiu aquelas declarações, como manifestou vontade de denunciar o seu contrato de trabalho e assinou, livre e conscientemente, comunicação para esse efeito.
9ª- A declaração emitida pela Apelada tem natureza confessória, pelo que constitui prova suficiente e bastante dos factos alegados nos artigos 29.º, 31.º, 33.º a 38.º, 40.º, 41.º, 43.º, 45.º a 49.º, 51.º, 53.º a 56.º, 58.º a 60.º, 63.º, 65.º, 68.º a 70.º, 73.º, 76.º, 79.º, 80.º, 81.º, 84.º, 86.º a 90.º, 92.º a 96.º e 99.º a 102.º da contestação, os quais devem, agora, ser dados por assentes.
10ª- Sem prejuízo do exposto, os aludidos factos da contestação resultam ainda provados dos depoimentos prestados pelos trabalhadores da Apelante, J… e H…, que adquiriram conhecimento dos mesmos em tempo real, no seu local de trabalho e no exercício legítimo das suas funções de, respectivamente, chefe de segurança e sub-chefe de segurança da loja de Setúbal (depoimentos referidos supra nos §§ 34 a 39 e §§ 42 a 48 das alegações).
11ª- O facto de o conhecimento ter sido efectuado através de câmara de vigilância à distância em nada interfere com a validade e admissibilidade dos depoimentos prestados por aquelas testemunhas, que devem, por esse motivo, ser considerados para efeitos de prova dos factos imputados à Apelante.
12ª- Os depoimentos das testemunhas H… e J… permitem considerar provados os factos alegados nos artigos 29.º, 31.º, 33.º a 38.º, 40.º, 41.º, 43.º, 45.º a 49.º, 51.º, 53.º a 56.º, 58.º a 60.º, 63.º, 65.º, 68.º a 70.º, 73.º, 76.º, 80.º, 81.º, 84.º, 86.º a 90.º, 92.º a 96.º e 99.º a 102.º, todos da contestação, devendo os mesmos, também por este motivo, ser dados como assentes.
13ª- Por último, dos depoimentos das mesmas testemunhas J… e H… e ainda de V…, A…, M…, Maria… e L… e, bem assim, do próprio depoimento da Apelada é possível extrair prova suficiente e bastante de que os produtos efectivamente adquiridos nos dias 24.09.2008 e 09.10.2008 não podem corresponder aos preços que lhes foram atribuídos pela Apelada, antes correspondem aos preços alegados pela Apelante (depoimentos referidos supra nos §§ 53, 54, 58 a 61, 67 e 68 das alegações).
14ª- Dos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, H…, V…, A…, M…, Maria… e, bem assim, do próprio depoimento de parte da Apelada resulta que se considerem provados os factos alegados pela Apelante nos artigos 29.º, 31.º, 33.º a 38.º, 40.º, 41.º, 43.º, 45.º a 49.º, 51.º, 53.º a 56.º, 58.º a 60.º da contestação.
15ª- As declarações das testemunhas J…, H… e L… devem ser consideradas e devidamente valoradas, impondo que se altere a decisão recorrida e se dê resposta positiva à prova dos factos alegados nos artigos 84.º e 86.º a 89.º da contestação.
16ª- O Tribunal recorrido julgou incorrectamente a prova produzida ao considerar não provado o facto alegado pela Apelante no artigo 114.º da contestação, o qual resulta manifestamente demonstrado dos depoimentos prestados pelas testemunhas J…, V… e H…(depoimentos referidos supra nos §§ 75 a 77 das alegações).
17ª- Tratando-se de facto essencial para a apreciação da atitude da Apelada quando confrontada com os factos imputados e a valoração ou não desta última como reconhecimento e assunção da autoria dos mesmos, aqueles depoimentos impunham que o referido facto da contestação tivesse sido considerado provado, devendo ser aditada à matéria assente ponto com o seguinte teor: “Confrontada com os factos, a Autora não apresentou explicação para os mesmos”.
18ª- Da posição expressamente assumida pela Apelada no decurso da audiência de julgamento e dos depoimentos prestados pelas testemunhas arroladas, quer pela Apelante, quer pela Apelada, em concreto das testemunhas F…, Maria… e V… resultou, de forma manifesta e inequívoca, que a Apelada desempenhava funções de embaladora, pelo que não lhe era permitido atender o público no balcão de talho, nem tão-pouco cortar a carne ou proceder à sua pesagem e atribuição do preço de venda (depoimento referido supra no § 84 das alegações).
19ª- Por motivos de rigor probatório e com vista à melhor apreciação da presente causa, a redacção do facto constante do ponto 5 da matéria de facto provada deve ser alterada em conformidade com a prova produzida, assim se evitando interpretação errónea de que as funções da Apelada integravam aquelas, passando a conter o seguinte teor: “Algumas operadoras desta secção exercem funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda”.
20ª- O facto constante do ponto 52 da matéria assente [“a Autora não tinha sofrido, até à data dos factos, qualquer sanção disciplinar aplicada pela Ré”] encontra-se incorrectamente julgado, por não resultar de qualquer meio de prova apresentado pela Apelada, nem da que foi produzida em audiência de discussão e julgamento, motivo pelo qual deve ser excluído da matéria de facto considerada provada.
21ª- A limitação temporal introduzida no ponto 20 da matéria assente não encontra fundamento na prova produzida nos autos, quer documental, quer testemunhal, já que o facto de a data constante da actual autorização daquela Comissão ser de 26 de Fevereiro de 2002 não permite induzir o de que apenas nessa data a Apelante obteve aquela autorização.
22ª- Aliás, a discussão da causa não incidiu sobre esta matéria, pelo que, ao decidir como decidiu, inserindo aquela limitação temporal, o Tribunal a quo violou o artigo 72.º/1 do Código de Processo do Trabalho.
23ª- O facto provado sob o ponto 20 deve ser alterado em conformidade com o supra exposto, passando a ter a seguinte redacção: “A recolha e tratamento de dados obtidos através de tal sistema de videovigilância foi objecto de autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados em 26.02.2002, nos termos que melhor constam da respectiva decisão, a fls. 93 a 101 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida”.
23ª- Por seu turno, a expressão “para além do mais” inserida no início do ponto 21 da matéria assente não possui natureza factual, antes constitui expressão que pretende influenciar a interpretação do documento aí parcialmente reproduzido e a apreciação da questão em causa, não na presente apelação, mas em recurso de agravo pendente, devendo, por esse motivo, ser a mesma retirada da redacção daquele facto.
24ª- O teor dos factos constantes dos pontos 22, 23, 25 e 27 do elenco da matéria assente deve ser alterado, porquanto contém matéria de natureza conclusiva, ao conter as expressões “desempenho das suas funções laborais” ou “no exercício das suas funções laborais”.
25ª- Trata-se de expressões que qualificam a natureza jurídica dos factos observados pelos trabalhadores da Apelante, o que não só não resultou da prova produzida, como ainda que resultasse, constitui consideração de direito e não de facto, motivo pelo qual deverão os aludidos factos ser alterados, eliminando-se da redacção dos mesmos as expressões acima referidas.
26ª- O Tribunal a quo fixou a matéria constante dos pontos 19, 22, 23, 24 e 50 da decisão sobre matéria de facto, por aplicação do artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho, reputando-a essencial para “esclarecer os motivos pelos quais a Ré iniciou a investigação às quebras desconhecidas no talho e os meios que utilizou”.
27ª- Por aplicação da mesma disposição legal - artigo 72.º do Código de Processo do Trabalho - e tendo em conta que constituem igualmente factos essenciais à decisão da causa, deveria a decisão recorrida ter considerado provados outros que, embora não articulados, resultaram da prova produzida.
28ª- É o caso da matéria respeitante ao modo como a investigação decorreu, quais os meios utilizados pela Apelante e os motivos pelos quais os trabalhadores da secção de segurança da Apelante não abordaram de imediato os clientes para verificar que carnes levavam.
29ª- Uma vez que decorrem dos depoimentos prestados pelas testemunhas J… e H… (depoimentos referidos supra nos §§ 115 a 117, 119 e 120 das alegações), nos termos do artigo 72.º do Código de Processo de Trabalho, à matéria de facto dada por assente devem ser aditados os seguintes factos:
30ª § “A equipa de segurança da Ré iniciou acção de investigação que começou pela realização de auditorias à recepção da mercadoria no cais e à sua conferência, e ainda de auditorias à quebra conhecida (mercadoria que chega ao seu prazo e não consegue ser vendida por algum motivo, que é deitada num contentor mediante registo), auditorias estas que não evidenciaram nenhuma irregularidade.”
31ª- § “Esgotadas as áreas do cais, da recepção e da quebra conhecida, a investigação voltou-se para o circuito da carne na área de saída, isto é, de vendas.”
32ª- § “A equipa de segurança da Ré só teve acesso aos talões das vendas efectuadas nos dias 24.09.2008 e 04, 06 e 09.10.2008 no dia seguinte.”
33ª- Atenta a sua relevância para ao esclarecimento “dos motivos pelos quais a Ré iniciou a investigação às quebras desconhecidas no talho e os meios que utilizou”, esta omissão deve ser suprida pelo Tribunal ad quem, ao qual se pede a inclusão do mencionados factos na matéria assente.
34ª- Em caso de alteração da decisão da matéria de facto, de acordo com o requerido supra em II.a B, deve a decisão de direito ser revogada em conformidade, sendo substituída por outra que declare lícito o despedimento e absolva a Apelante de todos os pedido.
35ª- Com efeito, ao ter vendido géneros alimentícios, propriedade da Apelante, a um preço inferior ao preço de venda ao público, a Apelada violou os deveres de lealdade, honestidade, zelo, diligência e obediência, previstos nas alíneas c), d), e) e g) do n.º 1 do artigo 121.º do Código do Trabalho, sendo os seus actos ainda susceptíveis de consubstanciar o crime de burla, previsto e punido no artigo 217.º do Código Penal.
36ª- O comportamento da Apelada constitui justa causa de despedimento, nos termos do disposto no n.º 1 e n.º 3, alíneas a) e e), do artigo 396.º do Código do Trabalho de 2003, porquanto tal conduta torna impossível a manutenção da confiança, pressuposto de qualquer relação jurídica laboral.
37ª- Sem prejuízo do exposto e ainda que não se entenda revogar a sentença recorrida, quer de facto quer de direito, o montante de indemnização deve ser fixado em valor correspondente ao mínimo legalmente previsto e não em 30 (trinta) dias de retribuição base por cada ano completo ou fracção de antiguidade, o que corresponde ao valor que a Apelada havia concretamente peticionado, conforme decidiu o Tribunal a quo.
38ª- Na determinação da indemnização a fixar nos presentes autos devem ser tidas em conta as circunstâncias do caso concreto e, em particular, o motivo invocado para a ilicitude do despedimento, o qual se prende, apenas e só, com a inadmissibilidade do meio de prova e não com eventual improcedência dos factos alegados como justa causa, não tendo sido efectuado qualquer juízo de valor sobre o comportamento e sobre os fundamentos invocados para o despedimento.
39ª- Por outro lado, o grau de censurabilidade da conduta da Apelante é diminuto, atendendo a que esta procedeu à utilização desse meio de prova, convicta de que o estava a fazer de forma lícita, porquanto os factos observados se encontram, no seu entendimento, dentro dos limites da finalidade com que a autorização daquele meio de prova foi concedida – protecção dos bens que constituem o património da Apelante.
40ª- Por último, a atitude da Apelada, resultante das declarações proferidas quando confrontada com os factos, da ausência de qualquer explicação para os mesmos, da manifestação de vontade de denunciar o contrato e, bem assim, da violação da recomendação existente na Apelante de que não devem ser atendidos familiares não pode ser desconsiderada na apreciação e análise do grau de ilicitude do despedimento.
41ª- A sentença recorrida não aplicou correctamente a norma do artigo 439.º/1 do Código do Trabalho, devendo, consequentemente, ser revogada e substituída por outra que fixe a indemnização no valor correspondente a 15 (quinze) dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo ou fracção de antiguidade.
42ª- Ao decidir pela ilicitude do despedimento da Apelada, a sentença recorrida infringiu as regras dos artigos 655.º/1 do Código de Processo Civil, 72.º do Código de Processo do Trabalho, 342.º/1 do Código Civil e 439.º/1 do Código do Trabalho.
Pede-se assim que se revogue a sentença recorrida e que seja substituída por outra que absolva a Apelante dos pedidos formulados pela Apelada.
A A, em alegou pugnando pela manutençao do julgado.
Subidos os autos a este Tribunal, mostram-se corridos os vistos legais, tendo o Ex.mº Magistrado do MP emitido fundamentado parecer no sentido da procedência do recurso.
Cumpre assim decidir.

2------

Para tanto, temos de atender à seguinte matéria de facto, que embora impugnada vamos reproduzir de imediato:
1 – A Ré dedica-se à actividade do comércio e indústria de géneros alimentícios e outros artigos compreendidos no ramo de hipermercados e supermercados, tendo sede em Lisboa e diversos estabelecimentos comerciais distribuídos pelo território nacional, entre os quais o H… de Setúbal;
2 – A Ré desenvolve actividade no sector do grande consumo, estando exposta aos riscos decorrentes da prática de crimes contra o património, entre outros;
3 – No dia 31.08.1992, a A. foi admitida ao serviço da Ré, para a esta prestar a sua actividade profissional de operadora de segunda, agindo sob as suas ordens, direcção e fiscalização;
4- Teve sempre o seu local de trabalho no H… de Setúbal, explorado pela Ré, e ultimamente auferia a retribuição base mensal de € 605,00, detendo a categoria profissional de operadora especializada e exercendo funções na secção de talho;
5 – As operadoras desta secção exercem funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda;
6 – Em cada estabelecimento da Ré, incluindo o H… de Setúbal, são diariamente vendidas avultadas quantidades de carne;
7 – As operadoras da secção de talho têm contacto directo com estes bens da propriedade da Ré, sendo responsáveis pela sua conservação e correcta utilização e alienação;
8- A A. tem perfeito conhecimento dos diferentes preços de venda da carne ao público;
9 – A Ré proíbe aos seus operadores vender géneros alimentícios a um preço inferior ao preço de venda ao público, regra esta que era conhecida pela A;
10 – Existe, ainda, uma recomendação de não atendimento pelos funcionários de familiares seus;
11 – A A. era considerada pela Ré como uma profissional experiente;
12 – Com data de 19.11.2008, a Ré remeteu à A. uma carta com o seguinte teor:
«Assunto: Processo Disciplinar – Notificação de Nota de Culpa com Intenção de Despedimento com Justa Causa
Exm.ª Sra.
A Companhia…, S.A, decidiu instaurar-lhe processo disciplinar, para o que se envia nota de culpa deduzida contra V. Exa.
Notifica-se que face à gravidade dos factos que lhe são imputados é intenção da Companhia…, S.A, proceder ao seu despedimento com justa causa.
Face à referida gravidade, e com fundamento no artigo 417.º da Lei n.º 99/2003, de 27/08, a Companhia…, S.A, dá como preventivamente suspenso, sem perda de retribuição, o seu contrato de trabalho. Assim sendo, não poderá apresentar-se ao serviço a partir da data da recepção da presente notificação.
Se nos termos da lei entender apresentar defesa, deverá efectuá-la no prazo de 10 dias úteis, contados desde a presente notificação.
Mais se comunica que, no aludido prazo de 10 dias úteis, o processo disciplinar se encontra à sua disposição para consulta junto da secção de recursos humanos do H… de Setúbal»;
13 – Conjuntamente com essa carta, seguia uma nota de culpa com o seguinte teor:
«A Companhia…, S.A., em processo disciplinar, deduz contra a trabalhadora ao seu serviço M…, a presente nota de culpa, que a faz nos termos e pelos factos seguintes:
1. A Arguida desempenha a sua actividade profissional no hipermercado… de Setúbal, onde desempenha as suas funções como operadora na secção de talho.
2. A Arguida por virtude da sua categoria contratual exerce funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
3. A Arguida é uma profissional experiente que exerce funções no balcão de talho do… de Setúbal desde 31-08-1992.
4. No dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10.45 horas quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, recebeu de uma familiar, a sua irmã, um papel com uma encomenda de carne.
5. A Arguida entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6. A E… cortou a carne e colocou-a dentro de sete sacos de plástico;
7. A E…, de seguida entregou os sete sacos com carne à Arguida para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda.
8. Dentro dum primeiro saco entregue estava 1,640 kg de lombo de porco limpo, com preço por kg de € 5,49.
9. A Arguida pesou este saco com 1,640 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
10. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 3,34, correspondente à diferença de preço entre 1,640 kg de lombo de porco limpo e as febras de porco.
11. Num segundo saco entregue pela E… à Arguida, continha 1,512 kg e lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
12. A Arguida pesou este saco com 1,512 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
13. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 3,08, correspondente à diferença de preço entre 1,512 kg lombo de porco limpo e as febras de porco.
14. Num terceiro saco entregue pela E… á Arguida, continha 1,262 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
15. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de lombo de porco limpo como se fosse porco para assar com o preço por kg de € 4,49.
16. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 1,26, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg lombo de porco limpo e a carne de porco para assar.
17. Num quarto saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,952 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
18. A Arguida pesou este saco com 0,952 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
19. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 6,38, correspondente à diferença de preço entre 0,952 kg de pianos de porco e os ossos da suã.
20. Num quinto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,262 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
21. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
22. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 8,45, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg de pianos de porco para e os ossos da suã.
23. Num sexto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,058 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
24. A Arguida pesou este saco com 1,058 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
25. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 6,82, correspondente à diferença de preço entre 1,058 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
26. Num sétimo saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,984 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
27. A Arguida pesou este saco com 0,984 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
28. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 6,35, correspondente à diferença de preço entre 0,984 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
29. Estes sete sacos após pesados foram entregues pela Arguida à sua irmã que adquiriu a carne.
30. Prejudicando a Arguida o … de Setúbal na importância de € 35,68, valor correspondente à soma das diferenças dos preços dos 7 sacos com carne, e beneficiando nessa exacta medida a sua irmã.
31. No dia 4 de Outubro de 2008, pelas 10.20 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
32. A Arguida, ao atender o seu marido, colocou dentro do saco proximadamente 3 kg de lombinhos de porco com o preço por kg de €9,95.
33. A Arguida pesou este saco com 3 kg de lombinhos de porco com o preço de € 9,95 por kg como se fosse rojões de porco com o preço por kg de € 2,95.
34. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 27,29, e favorecendo nessa exacta medida o seu marido, importância que corresponde à diferença entre o preço de 3 kg de lombinhos de porco e o preço dos rojões de porco.
35. No dia 6 de Outubro de 2008, pelas 17.35 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
36. A Arguida ao atender o seu marido pediu à sua colega de trabalho E… que retirasse do expositor um pedaço de carne.
37. A E… retirou do expositor um pedaço de lombo de novilho alentejano lombo com o preço por kg de € 36,95, colocou a carne dentro de um saco e entregou-o à Arguida.
38. A Arguida pesou este saco com lombo de novilho alentejano com o preço de € 36,95 por kg como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,95.
39. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal em importância que não se pode determinar por falta de informação quanto ao peso da carne aviada,
40. No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18.40 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente a Sra. L…, ex-funcionária do … de Setúbal.
41. A Arguida retirou do expositor de auto serviço 2,818 kg de pianos de porco com o preço por kg de € 7,95.
42. A Arguida colocou o produto em cima da balança e atribuiu o preço de venda das aparas para animais com o preço de € 0,70 por kg.
43. A Arguida colocou a etiqueta com o preço das aparas para animais no saco com 2,818 kg com os pianos de porco.
44. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 20,43, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre 2,818 kg de pianos de porco e as aparas para animais.
45. De seguida, a Arguida dirigiu-se ao expositor vertical de carnes de onde retirou uma embalagem de lombo de porco para assar com 0,494 kg e com o preço por kg de € 6,95.
46. A Arguida abriu a embalagem do lombo de porco para assar, retirou a carne da embalagem e colocou-a dentro de um saco e atribuiu o preço de venda do bife de porco cujo preço por kg era de € 2,99.
47. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal na importância de € 1,95, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre os 0.494 kg de lombo de porco para assar e o bife de porco.
48. No total, nos dias 24-09-08, 4-10-08 e 9-10-08, a Arguida ao actuar como actuou, causou um prejuízo patrimonial ao… de Setúbal no montante de € 85,35.
49. O prejuízo causado no dia 6-10-08 não é possível determinar por falta de informação relativa ao peso do produto.
50. Nos dias 24-09-08, 4-10-08, 6-10-08 e 9-10-08, os produtos foram efectivamente adquiridos pelos clientes, respectivamente a irmã da Arguida, o seu marido, e a Sra. L…, que dessa forma obtiveram um enriquecimento ilegítimo à conta do … de Setúbal.
51. O acto praticado pela Arguida constitui a pratica do crime de burla previsto e punido no Código Penal.
52. A gravidade deste seu comportamento faz quebrar por completo a manutenção da confiança que o contrato de trabalho supõe, tornando de todo em todo impossível a manutenção da relação laboral, constituindo face ao disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3 alíneas a) e e), do Código do Trabalho, justa causa de despedimento.
53. Os actos relatados na presente nota de culpa foram apurados na sequência de uma participação da Secção de Segurança do … de Setúbal de 24-10-2008»;
14 – Respondeu a A. à nota de culpa nos seguintes termos:
«1.º -A trabalhadora arguida foi admitida ao serviço da entidade patronal em 31.08.1992.
2.º -Desempenhando as funções de operadora.
3.º -Atendendo os clientes da entidade patronal ao balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
4.º -No exercício dessas funções a trabalhadora arguida no dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10:45 horas, atendeu a sua irmã.
5.º -A qual lhe entregou um papel com a encomenda de carne, que a trabalhadora arguida passou à sua Colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6.º -A sua colega dividiu as peças de carne por sete sacos.
7.º -A encomenda era a seguinte:
• Febras de Porco
• Porco para assar
• Ossos de Suã
• Novilho Nacional estufar
8.º -A trabalhadora arguida pesou e marcou os preços que foram os seguintes:
Qualidade Quantidade Preço/kg
Febras de porco 1,640 kg 3,45 €
Febras de porco 1,512 kg 3,45 €
Porco para assar 1,262 kg 4,49 €
Ossos de Suã 0,952 kg 1,25 €
Ossos de Suã 1,262 kg 1,25 €
Novilho Nacional estufar 1,058 kg 3,50 €
Novilho Nacional estufar 0,984 kg 3,50 €
9.º -Os sacos com as peças de carne foram entregues pela trabalhadora arguida à sua irmã.
10.º -A sua irmã passou os sacos pela caixa do supermercado, tendo pago os respectivos preços.
11.º -No dia 4 de Outubro de 2008 pelas 10h20 a trabalhadora arguida atendeu como cliente o seu marido.
12.º - O qual lhe encomendou 3 kg de rojões de porco.
13.º -A trabalhadora arguida aviou os 3 kg de rojões de porco que colocou num saco e marcou o respectivo preço de 2,95 €/kg.
14.º -No dia 6 de Outubro de 2008 pelas 17:35H atendeu novamente o seu marido que lhe pediu Novilho Nacional para estufar.
15.º -Foi a Colega E… que entregou à trabalhadora arguida a peça de carne encomendada pelo marido.
16.º -A trabalhadora arguida pesou a peça de novilho nacional para estufar com o preço de 3,95 € por kg.
17.º -A qual entregou ao marido, que pagou o respectivo preço na caixa.
18.º -No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18:40 horas a trabalhadora arguida, atendeu como cliente a Sra. L….
19.º - Que lhe encomendou aparas para animais e bifes de porco.
20.º -A trabalhadora arguida pesou 2,818 kg de aparas para animais pelo preço e 0,70€/kg e 0,494 kg de bifes de porco pelo preço por kg de 2,99 €.
21.º -Tanto a irmã como o marido da trabalhadora arguida, após terem adquirido os produtos no talho, permaneceram no supermercado por mais algum tempo adquirindo outros produtos.
22.º -Passaram pela caixa onde pagaram os respectivos preços dos produtos.
23.º -Não lhes tendo sido apresentada qualquer reclamação quer pela funcionária da caixa que pela segurança.
24.º - São assim falsos os factos vertidos nos arts. 8.º a 50.º da Nota de Culpa.
25.º -A trabalhadora arguida sempre respeitou e manteve lealdade para com a sua entidade patronal.
Pelo que devem as acusações ser consideradas improcedentes por não provadas e em consequência o processo disciplinar ser pura e simplesmente arquivado.»
15 – Inquiridas as testemunhas arroladas pela A., com excepção de uma, que prescindiu, foi elaborado o relatório final do teor que segue:
«I – Instrução e Factos Provados
O presente processo disciplinar instaurado à funcionária M…, teve o seu início com a notificação da nota de culpa ao trabalhador Arguido.
A Arguida apresentou resposta à nota de culpa e requereu a inquirição de testemunhas.
Todas as testemunhas foram inquiridas com excepção da testemunha L… que foi prescindido pela trabalhadora.
Do depoimento das testemunhas não resultou nada de relevante para o processo
Finda a instrução, dão-se como provados os factos constantes na nota de culpa que aqui se reproduzem:
1. A Arguida desempenha a sua actividade profissional no hipermercado … de Setúbal, onde desempenha as suas funções como operadora na secção de talho.
2. A Arguida por virtude da sua categoria contratual exerce funções de atendimento ao público no balcão de talho, procedendo à pesagem de carne e atribuindo o preço de venda.
3. A Arguida é uma profissional experiente que exerce funções no balcão de talho do … de Setúbal desde 31-08-1992.
4. No dia 24 de Setembro de 2008, pelas 10.45 horas quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, recebeu de uma familiar, a sua irmã, um papel com uma encomenda de carne.
5. A Arguida entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, para esta executar o corte das peças de carne.
6. A E… cortou a carne e colocou-a dentro de sete sacos de plástico;
7. A E…, de seguida entregou os sete sacos com carne à Arguida para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda.
8. Dentro dum primeiro saco entregue estava 1,640 kg de lombo de porco limpo, com preço por kg de € 5,49.
9. A Arguida pesou este saco com 1,640 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
10. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 3,34, correspondente à diferença de preço entre 1,640 kg de lombo de porco limpo e as febras de porco.
11. Num segundo saco entregue pela E… à Arguida, continha 1,512 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
12. A Arguida pesou este saco com 1,512 kg de lombo de porco limpo como se fosse febras de porco com o preço por kg de € 3,45.
13. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 3,08, correspondente à diferença de preço entre 1,512 kg lombo de porco limpo e as febras de porco.
14. Num terceiro saco entregue pela E… á Arguida, continha 1,262 kg de lombo de porco limpo com o referido preço por kg de € 5,49.
15. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de lombo de porco limpo como se fosse porco para assar com o preço por kg de € 4,49.
16. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 1,26, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg lombo de porco limpo e a carne de porco para assar.
17. Num quarto saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,952 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
18. A Arguida pesou este saco com 0,952 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
19. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 6,38, correspondente à diferença de preço entre 0,952 kg de pianos de porco e os ossos da suã.
20. Num quinto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,262 kg de pianos de porco com preço por kg de € 7,95.
21. A Arguida pesou este saco com 1,262 kg de pianos de porco como se fosse ossos da suã com o preço por kg de € 1,25.
22. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 8,45, correspondente à diferença de preço entre 1,262 kg de pianos de porco para e os ossos da suã.
23. Num sexto saco entregue pela E… à Arguida, estava 1,058 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
24. A Arguida pesou este saco com 1,058 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
25. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 6,82, correspondente à diferença de preço entre 1,058 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
26. Num sétimo saco entregue pela E… à Arguida, estava 0,984 kg de lombinhos de porco com preço por kg de € 9,95.
27. A Arguida pesou este saco com 0,984 kg de lombinhos de porco como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,50.
28. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 6,35, correspondente à diferença de preço entre 0,984 kg de lombinhos de porco e o novilho nacional estufar.
29. Estes sete sacos após pesados foram entregues pela Arguida à sua irmã que adquiriu a carne.
30. Prejudicando a Arguida o … de Setúbal na importância de € 35,68, valor correspondente à soma das diferenças dos preços dos 7 sacos com carne, e beneficiando nessa exacta medida a sua irmã.
31. No dia 4 de Outubro de 2008, pelas 10.20 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
32. A Arguida, ao atender o seu marido, colocou dentro do saco aproximadamente 3 kg de lombinhos de porco com o preço por kg de €9,95.
33. A Arguida pesou este saco com 3 kg de lombinhos de porco com o preço de € 9,95 por kg como se fosse rojões de porco com o preço por kg de € 2,95.
34. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 27,29, e favorecendo nessa exacta medida o seu marido, importância que corresponde à diferença entre o preço de 3 kg de lombinhos de porco e o preço dos rojões de porco.
35. No dia 6 de Outubro de 2008, pelas 17.35 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente o seu marido.
36. A Arguida ao atender o seu marido pediu à sua colega de trabalho E… que retirasse do expositor um pedaço de carne.
37. A E… retirou do expositor um pedaço de lombo de novilho alentejano lombo com o preço por kg de € 36,95, colocou a carne dentro de um saco e entregou-o à Arguida.
38. A Arguida pesou este saco com lombo de novilho alentejano com o preço de € 36,95 por kg como se fosse novilho nacional estufar com o preço por kg de € 3,95.
39. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao …. de Setúbal em importância que não se pode determinar por falta de informação quanto ao peso da carne aviada,
40. No dia 9 de Outubro de 2008, pelas 18.40 horas, quando a Arguida exercia as suas funções no balcão de talho, atendeu como cliente a Sra. L…, ex-funcionária do … de Setúbal.
41. A Arguida retirou do expositor de auto serviço 2,818 kg de pianos de porco com o preço por kg de € 7,95.
42. A Arguida colocou o produto em cima da balança e atribuiu o preço de venda das aparas para animais com o preço de € 0,70 por kg.
43. A Arguida colocou a etiqueta com o preço das aparas para animais no saco com 2,818 kg com os pianos de porco.
44. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 20,43, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre 2,818 kg de pianos de porco e as aparas para animais.
45. De seguida, a Arguida dirigiu-se ao expositor vertical de carnes de onde retirou uma embalagem de lombo de porco para assar com 0,494 kg e com o preço por kg de € 6,95.
46. A Arguida abriu a embalagem do lombo de porco para assar, retirou a carne da embalagem e colocou-a dentro de um saco e atribuiu o preço de venda do bife de porco cujo preço por kg era de € 2,99.
47. Causando nesta medida um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal na importância de € 1,95, e favorecendo nessa exacta medida a Sra. L…, importância que corresponde à diferença de preço entre os 0.494 kg de lombo de porco para assar e o bife de porco.
48. No total, nos dias 24-09-08, 4-10-08 e 9-10-08, a Arguida ao actuar como actuou, causou um prejuízo patrimonial ao … de Setúbal no montante de € 85,35.
49. O prejuízo causado no dia 6-10-08 não é possível determinar por falta de informação relativa ao peso do produto.
50. Nos dias 24-09-08, 4-10-08, 6-10-08 e 9-10-08, os produtos foram efectivamente adquiridos pelos clientes, respectivamente a irmã da Arguida, o seu marido, e a Sra. L…, que dessa forma obtiveram um enriquecimento ilegítimo à conta do … de Setúbal.
51. Os actos relatados na nota de culpa e constantes deste relatório final foram apurados na sequência de uma participação da Secção de Segurança do … de Setúbal de 24-10-2008.
II – Qualificação dos factos e decisão final
O acto praticado pela Arguida constitui a pratica do crime de burla previsto e punido no Código Penal. A gravidade deste seu comportamento faz quebrar por completo a manutenção da confiança que o contrato de trabalho supõe, tornando de todo em todo impossível a manutenção da relação laboral, constituindo face ao disposto no artigo 396.º, n.º 1 e n.º 3 alíneas a) e e), do Código do Trabalho, justa causa de despedimento.
Termos em que face aos factos provados e a respectiva qualificação a Companhia…, S.A., decide aplicar à trabalhadora M…, nos termos artigo 396.º n.ºs 1, e 2 e n.º 3, alíneas a) e e), da Lei n.º 99/2003, de 27/08, a sanção do despedimento com justa causa»;
16 – Por registo postal de 13.02.2009, a Ré enviou o referido relatório final à A., acompanhada da seguinte carta:
«Assunto: Processo Disciplinar – Relatório e Decisão Final
Exm.ª Sra.
Na sequência do processo disciplinar instaurado contra V. Exa., informa-se que a Companhia…, S.A., decidiu proceder à aplicação da sanção do despedimento com justa causa, conforme decisão em anexo.
Assim sendo, o contrato de trabalho celebrado entre V. Exa. e a Companhia…, S.A., cessará na data da recepção da presente carta.
Deverá V. Exa. deslocar-se à secção de pessoal do … de Setúbal, a fim de lhe serem pagas as retribuições vencidas até à data da cessação do contrato de trabalho»;
17 – Há já largos meses que a secção de talho do Hipermercado … de Setúbal apresentava valores de quebra desconhecida considerada muito elevada pela Ré, tendo atingido, entre Janeiro e Setembro de 2008, o valor global de cerca de € 28.000,00;
18 – Com vista ao apuramento dos motivos desse valor de quebra desconhecida existente naquela secção, a Secção de Segurança daquele estabelecimento iniciou uma acção de investigação;
19 – A certo momento dessa acção de investigação, entre Setembro e Outubro de 2008, a Ré passou a utilizar o sistema de videovigilância do Hipermercado … de Setúbal, o qual se encontra ali instalado desde a abertura do estabelecimento, em 1992;
20 – Apenas em 26.02.2002 a Ré obteve autorização da Comissão Nacional de Protecção de Dados para a recolha e tratamento de dados obtidos através de tal sistema de videovigilância, nos termos que melhor constam da respectiva decisão, a fs. 93 a 101 dos autos e que aqui se dá por integralmente reproduzida;
21 – Para além do mais, consta dessa decisão que a finalidade do tratamento era a «Protecção de pessoas e bens» e do ponto 4: «Entidades a quem os dados podem ser transmitidos: Não há transmissão de dados. Os dados só podem ser utilizados nos termos da lei penal.»;
22 – Na utilização desse sistema de videovigilância, a Ré passou a recolher imagens dos seus funcionários da secção de talho, no exercício das suas funções laborais, utilizando para o efeito uma câmara instalada em frente daquela secção;
23 – E, nessa sequência, recolheu diversas imagens da A., no exercício das suas funções laborais;
24 – Para o efeito, a Ré não obteve prévia autorização judicial para a recolha e tratamento daquelas imagens;
25 – Após ter procedido à recolha e gravação das imagens obtidas através desse sistema de videovigilância, a Ré convocou a A. para uma reunião que se realizou no dia 23.10.2008, onde lhe foram exibidas várias imagens obtidas da mesma, no seu local de trabalho e no desempenho das suas funções laborais;
26 – Nessa reunião, encontravam-se presentes, para além da A., ainda J…, Chefe de Secção de Segurança, H…, Gerente de Recursos Humanos, V…, Gerente de Produtos Frescos, M…, Chefe da Secção de Talho e H…, Adjunto do Chefe de Segurança;
27 – Nessa exibição, o Chefe da Secção de Segurança, J…, pediu à A. que comentasse em especial imagens recolhidas da mesma, no seu local de trabalho e no desempenho das suas funções, nos dias 24.09.2008, 04.10.2008, 06.10.2008 e 09.10.2008;
28 – A certa altura, enquanto tais imagens eram exibidas, a A. começou a chorar e afirmou «Desculpem, errei. Não tenho condições para continuar.»;
29 – Após, a A. subscreveu uma declaração de denúncia do contrato de trabalho, que a Ré preparou, declaração essa que a A. veio a revogar em 30.10.2008;
30 – E em 04.11.2008, o referido J… elaborou a participação de ocorrência que se encontra a fs. 2 e 3 do processo disciplinar, e que aqui se considera integralmente reproduzida, participação essa que se baseou nas imagens obtidas através do referido sistema de videovigilância;
31 – A Ré apresentou queixa-crime contra a A. e outras trabalhadoras da secção de talho, correndo o inquérito na secção do Ministério Público desta Comarca, com o NUIPC 523/09.6PCSTB;
32 – No dia 24.09.2008, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão da secção de talho do Hipermercado … de Setúbal;
33 – Nesse dia, juntamente com a A., estava a prestar também serviço no balcão do talho a trabalhadora da Ré E…;
34 – Pelas 10h45 desse dia, a A. atendeu, como cliente, a sua irmã, de quem recebeu um papel com uma encomenda de carne;
35 – A A. entregou o papel com a encomenda à sua colega de trabalho E…, que procedeu ao corte da carne e a colocou dentro de sete sacos de plástico;
36 – Após, entregou estes sacos à A., para que esta os pesasse e atribuísse o preço de venda;
37 – De seguida, a A. entregou tais sacos à sua irmã que, após recolher outros produtos, se dirigiu às caixas, onde os sacos de carne foram registados e pagos pelo seguinte modo:
• 1,640 kg de fêveras de porco, a € 3,45/kg, num total de € 5,66;
• 1,512 kg de fêveras de porco, a € 3,45/kg, num total de € 5,22;
• 1,262 kg de ossos da suã, a € 1,25/kg, num total de € 1,58;
• 0,952 kg de ossos da suã, a € 1,25/kg, num total de € 1,19;
• 1,262 kg de carne de porco para assar, a € 4,49/kg, num total de € 5,67;
• 1,058 kg de novilho para estufar, a € 3,50/kg, num total de € 3,70;
• 0,984 kg de novilho para estufar, a € 3,50/kg, num total de € 3,44;
38 – No dia 24.09.2008, o preço de venda ao público de lombo de porco limpo era de € 5,49/kg, de pianos de porco era de € 7,95/kg e de lombinhos de porco era de € 9,95/kg;
39 – No dia 04.10.2008, pelas 10h20, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido, como cliente, o seu marido;
40 – A A. pesou e atribuiu o preço de venda da carne encomendada pelo seu marido;
41 – Após, o marido da A. dirigiu-se às caixas, onde essa carne foi registada e paga como tratando-se de 0,868 kg de rojões de porco, a € 2,95/kg, num total de € 2,56;
42 – Nesse dia, o preço de venda ao público de lombinhos de porco era de € 9,95/kg;
43 – No dia 06.10.2008, pelas 17h35, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido novamente, como cliente, o seu marido;
44 – A pedido da A., a colega E… retirou do expositor um pedaço de carne, que colocou dentro de um saco, que entregou à A.;
45 – A A. pesou e atribuiu o preço de venda da carne encomendada pelo seu marido e este dirigiu-se às caixas, onde essa carne foi registada e paga como tratando-se de 0,818 kg de novilho nacional para estufar, a € 3,95/kg, num total de € 3,23;
46 – Nesse dia, o preço de venda ao público de lombo de novilho alentejano era de € 36,95/kg;
47 – No dia 09.10.2008, a A. encontrava-se a exercer as suas funções no balcão do talho, tendo atendido, pelas 18h40, a cliente L…, ex-trabalhadora daquele estabelecimento da Ré;
48 – A pedido da cliente, a A. pesou e atribuiu os preços a dois sacos contendo carne, que entregou à L…, que após se dirigiu às caixas, onde essa carne foi registada e paga pelo seguinte modo:
• 2,818 kg de aparas para animais, a € 0,70/kg, num total de € 1,97;
• 0,494 kg de bife de porco, a € 2,99/kg, num total de € 1,48;
49 – Nesse dia, o preço de venda ao público de pianos de porco era de € 7,95/kg e de lombo de porco para assar era de € 6,95/kg;
50 – Nos dias 24.09.2008, 04, 06 e 09.10.2008, apesar dos movimentos da A. e da sua irmã, do seu marido e da L… estarem a ser observados em directo através do sistema de videovigilância, a Ré permitiu a passagem destes pelas caixas com a carne pesada e marcada pela A., não os abordando para verificar que carne efectivamente levavam;
51 – Após a reunião de 23.10.2008, foi a A. quem comunicou aos seus colegas de trabalho, familiares e amigos o que ali se passou;
52 – A A. não tinha sofrido, até à data dos factos, qualquer sanção disciplinar aplicada pela Ré;
53 – A A. sentiu-se frustrada com o seu despedimento, pois assim perdeu a sua principal fonte de rendimento.
3---
Como decorre do ponto 1) deste acórdão, foram interpostos dois recursos pela recorrente, a saber: recurso de apelação da sentença final; e o recurso de agravo que incidiu sobre o despacho que declarou nulo o meio de prova oferecido pela Ré, consistente em imagens obtidas através do sistema de videovigilância instalado no seu estabelecimento comercial.
A R não se conformou com tal decisão, reagindo contra a mesma em devido tempo através da interposição do recurso de agravo, que foi admitido como tal.
Ora, resultava do artigo 710º nº 1 do CPC que os agravos que tenham subido com a apelação serão julgados pela ordem da sua interposição.
Esta norma foi revogada pelo DL nº 303/2007 de 24 de Agosto e que introduziu alterações à lei processual civil, nomeadamente no campo dos recursos, adoptando um regime monista em matéria de recursos cíveis, com eliminação da distinção entre recurso de apelação e de agravo, regras que passaram a vigorar a partir de 1 de Janeiro de 2008 e para serem aplicadas apenas em relação aos processos entrados a partir desta data (artigos 11º e 12º), como é o caso destes autos.
No entanto, em matéria laboral continuaram a existir recursos de apelação e agravo, conforme se colhe nomeadamente dos artigos 80º, 81º nº 5, 83º, 84º, 85º e 86º, todos do CPT/1999, situação que só se alterou com a entrada em vigor do CPT aprovado pelo DL nº 295/2009 de 13 de Outubro e que procedeu à harmonização dos recursos laborais com as alterações ao processo civil introduzidas pelo diploma de 2007.
De qualquer forma como o CPT/2010 só começou a vigorar em 1 de Janeiro de 2010 e só se aplicando às acções que se iniciaram após esta data, conforme resulta dos artigos 6º e 9º do diploma preambular, concluimos daqui que é o CPT de 1999 que continua a aplicar-se ao caso dos autos, pois trata-se duma acção que foi ajuizada em 2009.
Por isso, e como resulta do artigo 87º/1 do CPT que o regime do julgamento dos recursos é o que resulta das disposições do Código de Processo Civil que regulam o julgamento do recurso de agravo, quer interposto na 1ª instância, quer na 2ª, com as necessárias adaptações, temos que considerar que existe actualmente uma lacuna da lei, a integrar de acordo com os critérios definidos no artigo 10º do CC.
Temos assim de nos socorrer da norma que o intérprete criaria dentro do espírito do sistema, conforme prescreve o seu nº 3.
Entendemos por isso que se justifica aplicar uma norma idêntica à constante do regime revogado, sendo portanto de conhecer dos recursos pela ordem da respectiva interposição.
Por outro lado, a questão da licitude ou ilicitude daquele meio de prova pode vir a contender com a matéria de facto que foi apurada em julgamento, pois se se entender que se trata de meio de prova lícito, teremos de anular todo o processado a partir do despacho recorrido, sendo portanto de repetir toda a produção de prova.
Por isso, também por uma questão de lógica sempre teríamos de conhecer primeiro do agravo, pelas repercussões que a questão que nele se discute pode vir a ter no apuramento da matéria de facto necessária ao julgamento da causa.
3.1----
E conhecendo do agravo:
Tendo a A sido despedida por registo postal de 13.02.2009, está em causa o art. 20.º n.º 1 do CTrabalho de 2003 que impede a entidade patronal de utilizar meios de vigilância à distância no local de trabalho, mediante o emprego de equipamento tecnológico com a finalidade de controlar o desempenho profissional do trabalhador.
No entanto, face ao disposto no seu n.º 2 a utilização de tal equipamento será lícita sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens ou quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade o justifiquem.
Para tanto deve a entidade patronal possuir a necessária autorização de captação e tratamento de imagens no estabelecimento comercial onde a A trabalhava, autorização que, no caso, foi concedida pela CNPD em 26.02.2002, com a finalidade de “protecção de pessoas e bens”, conforme se colhe de fls. 93 a 97 dos autos.
Argumenta o Senhor Juiz recorrido que a R está impedida de utilizar neste processo as imagens obtidas porque a autorização da CNPD só lhe permite a utilização das imagens em sede de processo penal. Por outro lado, argumenta-se que que a utilização das imagens da actividade profissional da trabalhadora A., como fundamento do processo disciplinar que a Ré lhe moveu, não se justificava sequer ao abrigo do princípio da proporcionalidade, pois a Ré, sendo uma grande empresa de distribuição e comércio, explora vários hipermercados e tem bastantes meios à sua disposição para disciplinar a sua força laboral, não tendo qualquer necessidade de socorrer-se deste tipo de métodos, ao arrepio da lei e da autorização que lhe havia sido concedida pela CNPD.
Contrapõe a agravante que a utilização de imagens recolhidas por câmaras de videovigilância para fins disciplinares será proibida, apenas quando aquela recolha se destine ao controlo do desempenho profissional do trabalhador, entendido como a aptidão e eficiência deste para desempenhar as funções para as quais foi contratado.
No entanto, enquadrando-se o caso em apreço numa das excepções previstas no artigo 20.º/2 do Código do Trabalho, pois as imagens foram recolhidas para segurança de bens, e ponderando aquele preceito os direitos constitucionalmente protegidos de propriedade e de liberdade de empresa, da titularidade do empregador e os direitos fundamentais do trabalhador, oferecendo uma solução de equilíbrio entre uns e outros, sustenta que a utilização pela agravante das imagens captadas pelo sistema de videovigilância deve ser admitida como lícita no âmbito do processo disciplinar e bem assim, nos presentes autos.
Face a estes contornos que a questão assume, vejamos então como decidir.
3.1.1----
O Código do Trabalho de 2003 contém os artigos 15º a 21º que visam disciplinar a tutela dos direitos de personalidade do trabalhador, dada a assimetria de poder que está presente na relação laboral e o envolvimento da pessoa do trabalhador na execução da prestação.
A inclusão destes preceitos constitui uma certa constitucionalização da relação laboral, pois o trabalhador subordinado é simultaneamente cidadão e a cidadania não fica à porta da empresa, conforme defende Júlio Gomes, Direito do Trabalho, 265 e 266, volume I.
Por outro lado é unanimemente aceite que o empregadoer goza da faculdade de controlar a correcta execução da prestação de trabalho, como corolário da subordinação jurídica que caracteriza o contrato de trabalho, faculdade que constitui um aspecto instrumental do poder de direcção, pois não faria sentido que o poder de dar ordens ao trabalhador fosse desprovido da possibilidade de verificar se as mesmas foram correcta e integralmente cumpridas.
De qualquer modo e continuando a seguir aquele autor, pgª 321, o exercício deste controlo tem que respeitar a boa-fé na execução do contrato e sem violação da dignidade e integridade física e moral do trabalhador, pois qualquer restrição aos direitos fundamentais deste tem de ser justificada, proporcional e adequada.
É neste enquadramento que tem de ser visto o artigo 20º do CT, que se destina a regular o uso pela empresa de meios de vigilância à distância.
São meios de vigilância à distância, entre outros, a utilização de câmaras de vídeo, equipamento audiovisual, microfones dissimulados ou mecanismos de escuta e registo telefónico, conforme sustenta Guilherme Dray em anotação ao artigo 20º, no Código do Trabalho (Romano Martinez e outros), anotado, 6ª edição, pgª 130.
Por outro lado, esta proibição consagrada no artigo 20º nº 1 justifica-se plenamente, já que ao contrário das formas tradicionais de controlo dos trabalhadores, que implicavam uma presença física do superior hierárquico, é atentatório e vexatório para o trabalhador ser permanentemente controlado ou vigiado através destes meios, praticamente imperceptíveis.
Por isso a Organização Internacional do Trabalho (OIT) já considerou que o uso das tecnologias de vigilância constitui uma violação da dignidade humana por ser invasora da vida privada dos trabalhadores.
Nesta linha se compreende a posição de Paula Quintas e Hélder Quintas, Código do Trabalho, anotado, (Almedina 2003), pgª 108, quando dizem que os meios de vigilância à distância não podem ser convertidos em meios de controlo à distância do desempenho do trabalhador.
No entanto, esta posição advinda do nº 1 do artigo 20º tem de ser compaginada com o seu nº 2 que admite que a utilização dos meios de vigilância à distância seja lícita em dois casos: sempre que tenha por finalidade a protecção e segurança de pessoas e bens; e sempre que particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem.
No caso presente invoca a agravante que estamos perante a primeira daquelas situações excepcionais previstas na lei, tanto mais que foi com este intuito que a CNPD lhe deu a autorização para a utilização deste meio.
Por isso, assume grande interesse prático saber se se pode utilizar estes meios de vigilância à distância, autorizados para a prossecução duma determinada finalidade, como meio de prova em processo disciplinar e judicial, por poderem indirectamente controlar o desempenho profissional do trabalhador.
Guilherme Gray em anotação ao artigo 20º, sustenta que os registos provenientes da utilização destes meios não podem ser utilizados como meio de prova em sede de procedimento disciplinar (Código do Trabalho, Romano Martinez e outros, pagª. 131, 6ª edição).
Nesta linha se insere a decisão recorrida, louvando-se no acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2006 (proferido no Proc. 05S3139, relatado por Fernandes Cadilha) e no acórdão da Relação de Lisboa de 03.05.2006 (proferido no Proc. 872/2006, relatado por Isabel Tapadinhas e disponível em www.dgsi.pt), donde concluiu que «sendo o fim visado pela videovigilância exclusivamente o de prevenir ou reagir a casos de furto, vandalismo ou outros referentes à segurança de um estabelecimento, relacionados com o público – e, ainda assim, com aviso aos que se encontram no estabelecimento ou a ele se deslocam de que estão a ser filmados - só, nesta medida, a videovigilância é legítima. A videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode, por maioria de razão, ser utilizado como meio de prova em sede de procedimento disciplinar pois, nestas circunstâncias, a divulgação da cassete constitui, uma abusiva intromissão na vida privada e a violação do direito à imagem do trabalhador - arts. 79º do Cód. Civil e 26º da Constituição da República Portuguesa – criminalmente punível – art. 199º, nº 1, alínea b) do Cód. Penal.»
E no mesmo sentido se pronunciou aquele Tribunal, acórdão de 19.11.2008, na CJ, tomo V, pág. 159, de cuja doutrina se colhe que a captação de imagens por videovigilância não só não pode ser utilizada como forma de controlar o exercício da actividade profissional do trabalhador, como não pode ser utilizada em sede de procedimento disciplinar, não sendo admissível em processo laboral e como meio de prova a utilização de imagens captadas por sistema de videovigilância, envolvendo o desempenho do trabalhador ou os actos disciplinarmente ilícitos por ele praticados nesse mesmo desempenho.
A questão é no entanto extraordinariamente controversa.
Assim, o Supremo Tribunal de Justiça, (acórdão de 9 de Novembro de 1994, in www.dgsi.pt com o número convencional JSTJ00026386) entendeu que “São válidas e a sua utilização em julgamento não viola o disposto nos artigos 179 e 180, gravações vídeo feitas por dona de Casino, na sua propriedade em que explora a indústria de jogo de fortuna ou de azar, com a finalidade de detecção de eventuais anomalias de acesso a máquinas de jogo ou fichas de jogo. Nestes casos, como meios de prova contra a actuação de seus trabalhadores, não se pode falar em intromissão ou devassamento da vida privada de outrem” .
Por outro lado, a Relação do Porto (acórdãos de 20 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026526, publicado também na CJ, 258/4, e de 27 de Setembro de 1999, in www.dgsi.pt com o número convencional JTRP00026339), decidiu igualmente que a “A Lei do jogo não proíbe que as imagens gravadas nas salas de jogo sejam usadas como meio de prova em acção emergente de contrato de trabalho, quando nela se discutam comportamentos imputados ao trabalhador que exercia funções no Bar de uma sala de jogo”.
Igualmente neste sentido a RL, acórdão de 18 de Maio de 2005, (www,dgsi.pt, processo nº10740/2004-4, que concluiu que não se vê que a utilização de câmaras de filmar no local de trabalho seja ofensivo dos direitos de imagem dos trabalhadores que aí laboram, pois os seus retratos não são expostos ao público por via de tais filmagens.
Registe-se também a interessante posição do Tribunal do Trabalho da Figueira da Foz que aceitou, como pressuposto da decisão proferida em sede de matéria de facto, ser lícita a utilização, no âmbito de processo disciplinar, das imagens recolhidas pelo sistema de videovigilância, conforme despacho proferido no proc. nº 91/08.9TTFIG que correu termos na Secção Única daquele Tribunal e de que se juntou cópia.
Por outro lado, na doutrina são também muitas as posições neste sentido.
Assim, André Pestana Nascimento, Prontuário de Direito do Trabalho, nºs 79, 80 e 81, (2008), pgª 239, sustenta que a posição de Guilherme Gray, já referida, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para a qual foi concedida.
Nesta linha David Oliveira Festas (O Direito à Reserva da Intimidade da Vida Privada do Trabalhador no Código do Trabalho, R.O.A., Ano 64, Vol. I/II, Nov. 2004) considera abusiva a invocação pelo trabalhador do direito à reserva da intimidade da vida privada para que se possa prevalecer dos seus comportamentos ilícitos durante a execução do trabalho. Por isso, estranho seria que a videovigilância, instalada e utilizada, por exemplo, para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender, conforme sustenta este autor, também citado pela agravante (obra cit. 429, nota 121).
Também José João Abrantes sustenta que sendo o poder de controlo da actividade laboral do trabalhador imanente ao próprio conceito de subordinação jurídica, elemento caracterizador essencial do contrato de trabalho, serão, todavia, proibidos os meios de vigilância e controlo dessa actividade para os quais não exista uma razão objectiva, v.g., em função de exigências organizativas e/ou de segurança ou da necessidade de tutela do património do empregador, bem como as modalidades desse controlo que (ao menos potencialmente) sejam lesivas da dignidade do trabalhador, maxime por revestir carácter vexatório” (Contrato de Trabalho e Meios de Vigilância da Actividade do Trabalhador em Estudos de Homenagem ao Prof. Raul Ventura, vol. II, 2003, pp. 809 a 818).
A própria CNPD teve oportunidade de esclarecer que “sendo pressuposto que as imagens recolhidas possam servir de prova em processo penal (cfr. art. 13º, n.º 2, do DL 35/2004 [o qual corresponde, com alterações, ao artigo 12.º/2 do revogado DL 231/98, de 22 de Julho]), não podemos deixar de considerar esta finalidade e englobar a recolha de dados, bem como a obtenção dos meios de prova, numa estratégia integrada que visa a protecção de pessoas e bens. Ou seja, para além de estar em causa, objectivamente, a prevenção e dissuasão da prática de actos ilícitos (...) a informação recolhida pode vir a ser utilizada como prova da infracção” (Deliberação n.º 61/2004 sobre “Princípios sobre o tratamento de dados por videovigilância”, disponível em www.cnpd.pt.
Também Amadeu Guerra, ex-vogal da CNPD e um dos signatários da autorização n.º 62/2002 concedida à agravante, entende que “o facto de o DL n.º 35/2004, de 21 de Fevereiro referir que os «dados recolhidos só podem ser utilizados nos termos da lei penal» não invalida que a entidade patronal possa utilizar sistemas de tratamento (som, imagem e registos informáticos – v.g. «tracing« por razões de controlo de acessos e de segurança) para a instrução de processo disciplinar que tenha subjacente factos imputáveis ao trabalhador e indiciadores de actos lesivos da segurança de pessoas e bens” (A privacidade no Local de Trabalho, Almedina, 2004, pp. 358 e 359, com realces nossos).
Efectivamente, se é verdade que os trabalhadores não perdem a sua qualidade de cidadãos no exercício da sua actividade laboral, não é menos verdade que não beneficiam de uma especial protecção e impunidade pelo simples facto de terem celebrado um contrato de trabalho, continua este autor, obra citada.
Por isso Isabel Alexandre, (Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 281-282), partindo da correcta separação dogmática entre o direito à imagem e o direito à intimidade da vida privada e familiar, sustenta que “parece dificilmente concebível uma ofensa do direito à imagem através da utilização em juízo de filmes ou de fotografias. Efectivamente (…), não se vê como pode a exibição de uma fotografia ou de um filme, em processo civil, implicar a ofensa ao direito de não ver o retrato exposto em público, ao direito de não o ver apresentado de forma distorcida ou infiel, ou ao direito de determinar a própria aparência externa. Deste modo, e salvo quando representem uma intromissão na vida privada, tais meios de prova são admissíveis” (Provas Ilícitas em Processo Civil, Almedina, Coimbra, 1998, pp. 281-282).
Descendo ao caso dos autos, constatamos que a R obteve autorização para instalar no seu estabelecimento comercial de Setúbal um sistema de videovigilância, que recolhe imagens e som com vista a garantir a protecção de pessoas e bens e a segurança das instalações.
Por outro lado, a legalidade da instalação deste sistema nunca foi questionada pela A, que no seu requerimento de fls. 122 apenas veio impugnar a validade do meio de prova oferecido pela R na sua contestação (o DVD com as imagens captadas), invocando que se trata duma avaliação do seu desempenho.
Assim sendo, a questão circunscreve-se a determinar se será lícito usar tais imagens no processo de impugnação de despedimento da trabalhadora.
Quanto a nós tal utilização é permitida a isso não se opondo o nº 1 do artigo 20º do CT.
Efectivamente, entendemos ser legal a sua utilização em sede de prova neste processo desde que as imagens sejam captadas no âmbito da autorização que foi concedida à agravante.
Na verdade e seguindo Pestana Nascimento, também consideramos que a limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender, conforme defende David Oliveira Festas, citado supra, posição também seguida por Amadeu Guerra.
Efectivamente, a entender-se doutra forma, a norma do nº 2 estaria completamente deslocada, não se justificando minimamente a sua inclusão no Código do Trabalho, cuja disciplina se destina a regular as relações entre trabalhadores e respectivos empregadores. E por isso, esta norma tem de ter como destinatários os próprios trabalhadores da empresa, pois assim não entendendo não se compreende a sua inserção neste diploma.
Por isso, aceitamos que o nº 2 constitui uma das excepções ao disposto no nº 1, pois doutra forma tratar-se-ia duma norma absolutamente inútil, pois as regras que definem a autorização destes meios de vigilância à distância estão inseridas no diploma legal que fixa e determina a legalidade da sua utilização.
Por outro lado, a sua utilização em sede de audiência de julgamento não será ofensiva do direitos de imagem da trabalhadora, pois esta não será exposta ao público por via de tais filmagem, conforme concluiu a RL, no seus acórdão de 18 de Maio de 2005, (www, dgsi.pt, processo nº10740/2004-4).
Além disso, também não vemos neste visionamento em audiência qualquer intromissão ou devassa da vida privada da trabalhadora, pois o que está em causa é uma actuação desta no âmbito e durante a prestação laboral, doutrina também seguida pelo Supremo Tribunal de Justiça, acórdão de 9 de Novembro de 1994, in www.dgsi.pt processo nº JSTJ00026386.
Por outro lado, a doutrina do acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 08.02.2006 (proferido no Proc. 05S3139), que constitui um dos esteios da decisão recorrida, não nos parece de aplicar ao caso, pois esta decisão incidiu sobre uma questão de legalidade de utilização dos sistema de vídeo vigilância e que foi considerada excessiva e desproporcionada por aquele Alto Tribunal face ao interesse económico invocado pelo empregador.
Ora, no caso presente, não se colocando a questão da legalidade da videovigilância utilizada, não se nos afigura adequada a doutrina deste aresto.
Assim sendo, concluímos pela ilegalidade do despacho recorrido, pois trata-se dum meio de prova admissível.
Por isso, ao não ser admitido cometeu-se uma nulidade processual que impõe a anulação de todo o processado a partir do despacho impugnado, conforme determina o artigo 201º nºs 1 e 2 do CPC.
Como tal, impondo-se a repetição de todo o julgamento, fica prejudicado o conhecimento da apelação.
4---
Assim e em jeito de síntese:
I- A R obteve autorização para instalar no seu estabelecimento comercial de Setúbal um sistema de videovigilância, para recolha de imagens e som com vista a garantir a protecção de pessoas e bens e segurança das instalações, não tendo A questionado a legalidade da sua instalação.
II- A limitação constante do nº 1 do artigo 20º do CT/2003, não deve ser acolhida quando a violação cometida pelo trabalhador seja igualmente atentatória da finalidade de protecção e segurança de pessoas e bens para que foi concedida, pois seria estranho que a videovigilância, instalada e utilizada para a protecção e segurança de pessoas e bens, não pudesse fundamentar uma actuação contra aqueles que, pelas funções que desempenham, mais poderão atentar contra as finalidades que a instalação visa defender.
III- Por isso e não se tendo admitido o visionamento do DVD com as imagens contendo actuação duma trabalhadora eventualmente atentatória da protecção e segurança de bens vendidos no estabelecimento da agravante, tem que se anular o processado desde o despacho impugnado, com repetição de toda a prova.
5---
Termos em que se acorda nesta secção social em conceder provimento ao agravo, pelo que e em consequência se ordena:
a) que o despacho impugnado seja substituido por outro que admita a prova requerida pela R (visionamento do DVD);
b) que seja repetida toda a produção de prova.
Custas pela agravada.
Évora, 9 de Novembro de 2010
António Gonçalves Rocha
Alexandre Baptista Coelho
Acácio André Proença

Sem comentários:

Enviar um comentário