sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ACIDENTE DE TRABALHO - DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE - NEGLIGÊNCIA GROSSEIRA – PENSÃO – CADUCIDADE - ÓNUS DA PROVA



Proc. Nº 204/07.5TTLRS.L1-4    TRL    17.10.2012

 I – É manifesto ter o sinistrado sofrido um acidente de trabalho pois foi atingido pela estrutura superior de um empilhador, na sequência da queda deste sobre um dos seus lados, verificada no tempo e no local de trabalho e quando o mesmo desempenhava as funções de condutor do mesmo, em termos subordinados e assalariados para a 2.ª Ré, tendo o referido evento, ocasional e involuntário, em função das lesões físicas que lhe provocou, sido causador do seu falecimento imediato.
II – Não se verifica uma situação de negligência grosseira, por ser inexigível ao sinistrado que, num espaço de alguns segundos e numa situação de desequilíbrio e acompanhamento forçado do movimento do empilhador em queda, que se traduzia num perigo iminente para a sua integridade física, ponderasse as diversas alternativas de fuga à mesma que se lhe apresentavam - deixar-se ficar dentro da estrutura ou saltar para fora do dito equipamento por qualquer um dos lados possíveis - e medisse todas as vertentes e consequências que delas derivavam, por forma a escolher a que envolvesse menos risco para si e lhe desse mais garantias de sucesso.
III – O incidente previsto nos artigos 152.º e 153.º do Código do Processo do Trabalho imputa à entidade responsável o ónus de alegação e de prova dos factos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito ao recebimento da pensão, como é a não frequência escolar, ao nível do ensino secundário ou superior, por parte do filho do sinistrado, estando a caducidade de tal direito dependente ainda da circunstância de não haver pensões, indemnizações ou quaisquer outras prestações a satisfazer em dívida.



ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, viúva, portadora do Bilhete de Identidade n.º 0000000, emitido em 20/04/2007, contribuinte fiscal n.º (…) residente na Rua (…), Lote (…), n.º 4 F, 0000-000 Lisboa e BB, solteiro, menor, residente na Rua (…), Lote (…), n.º 4 F, 0000-000 Lisboa, vieram ambos instaurar, em 06/07/2009, a presente ação declarativa de condenação emergente de acidente de trabalho com processo especial contra CC, SA, pessoa coletiva n.º 000 000 000, com sede no MARL - Pavilhão (…), ..., ..., 0000-000 Loures e DD SEGUROS, SA, pessoa colectiva com o n.º ..., com sede no Edifício ..., 0000-000 Porto, pedindo, em síntese, que:
I - A Ré CC seja condenada no pagamento de:
a) À mulher do sinistrado e Autora, uma pensão anual, vitalícia e atualizável, de € 7.428,50, desde 14/03/2007, até a Autora perfazer a idade da reforma por velhice e de 9.904,66 € a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
b) Ao filho do sinistrado, uma pensão anual e atualizável, de € 4.952,33, desde 14/03/2007, até aquele perfazer a idade de 18 anos, 22 ou 25 anos e frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.
II - A Ré DD SEGUROS condenada subsidiariamente no pagamento de:
c) À viúva do sinistrado e Autora, uma pensão anual, vitalícia e atualizável, de € 1.936,97, desde 14/03/2007, até a Autora perfazer a idade da reforma por velhice e de 2.582,62 € a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho;
d) Ao filho do sinistrado, uma pensão anual e atualizável, de € 1.292,31, desde 14/03/2007, até aquele perfazer a idade de 18 anos, 22 ou 25 anos e frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior;
e) À viúva e ao filho do sinistrado, o subsídio por morte, no valor global de € 4.836,00, sendo 2.418,00 € para cada um.
III - Sendo ainda as Rés condenadas ao pagamento de juros moratórios, desde a morte do sinistrado até efetivo pagamento.
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Alegam os Autores, em síntese, que, (…)
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Citada a Ré DD SEGUROS (fls. 466, 467 e 473), esta apresentou a sua contestação (fls. 475 a 503), alegando não ser responsável pelos danos ocorridos em virtude da morte do sinistrado, pois a responsabilidade é da entidade empregadora, dado a outra Ré ter inobservado as regras de segurança.
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Citada a Ré CC (fls. 468, 469 e 472), veio esta, a fls. 504 a 525, alegar que não incumpriu quaisquer regras de segurança, tendo o acidente ocorrido por culpa do sinistrado, que circulava em velocidade excessiva, tendo as pás do empilhador demasiado elevadas - o que o desestabilizou.
Acresce que, quando o empilhador tombava, o sinistrado resolveu sair dele, o que fez com que fosse atingido pela barra de proteção daquele veículo.
Requereu ainda a intervenção provocada de EE, S.A.
Conclui pedindo a absolvição do pedido.
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A Ré CC respondeu à contestação da Ré Seguradora nos moldes constantes de fls. 531 e seguintes, pugnando pela responsabilidade exclusiva da Companhia de Seguros pelas prestações devidas por força do acidente de trabalho dos autos.
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O tribunal recorrido, a fls. 549 e em 03/02/2010, proferiu despacho onde, perante o facto de o Autor ter atingido a maioridade, em 29/12/2009, determinou a sua notificação para, entre outros efeitos, constituir advogado ou ser patrocinado pelo Ministério Público, tendo o mesmo vindo a fls. 555, requerer que o seu patrocínio fosse assegurado pelo Ministério Público, vindo tal declaração de vontade a ser comunicada ao respetivo magistrado (fls. 557).
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Os Autores responderam ao pedido de intervenção principal provocada da empresa EE, S. A. nos moldes constantes de fls. 536 e seguintes, pugnando pelo seu indeferimento.
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Foi proferido despacho saneador, no qual se indeferiu o incidente de intervenção provocada, se considerou regularizada a instância e se procedeu à fixação da matéria de facto assente e à elaboração da base instrutória (31 artigos), conforme ressalta de fls. 560 a 570.
Foram juntos pelas partes os respectivos requerimentos probatórios (fls. 458, 480, 518 e 553), cuja admissão ocorreu através do despacho de fls. 569. 
Procedeu-se ao julgamento com observância de todas as formalidades legais, como resulta da respectiva acta, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo áudio (fls. 730, 731, 773 a 775, 806 a 814, 816 e 817 e 837 e 838).
A matéria de facto foi decidida por despacho proferido a fls. 875 a 879 que não suscitou quaisquer reparos pelas partes presentes.

Foi então proferida a fls. 881 a 895 e com data de 25/10/2011, sentença que, em síntese, decidiu o litígio nos termos seguintes:
“Face ao acima exposto, julgo a presente ação com processo especial emergente de acidente de trabalho, proposta por AA, por si e em representação do menor BB contra a DD, S. A. e a sua entidade patronal CC, S.A., parcialmente procedente e, em consequência:
a) Condeno a Ré CC, S. A., ao pagamento de uma pensão anual à autora, AA, correspondente a 100 % da retribuição anual (900,00 € mensais líquidos x 14 meses = 12.600,00 €) do sinistrado e, para o seu filho menor, BB, até este perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, uma pensão anual correspondente a 100 % da retribuição anual do sinistrado - desde 14 de Março de 2007;
c) Condeno a Ré CC, S. A., a título principal no pagamento à viúva e ao filho do sinistrado, do subsídio por morte, no valor global de € 4.836,00, sendo 2.418,00 € para cada um e a Ré DD SEGUROS subsidiariamente;
d) Condeno a Ré CC, S. A., a título principal no pagamento dos juros que se vencerem sobre as quantias supra referidas, à taxa anual de 4 %, desde 14 de Março de 2007, até efetivo e integral pagamento e a Ré DD SEGUROS subsidiariamente;
e) Condeno a Ré DD SEGUROS, S. A., subsidiariamente, ao pagamento de uma pensão anual à autora, AA, correspondente a 30% da retribuição anual do sinistrado até perfazer a idade de reforma por velhice e 40% a partir daquela idade ou no caso de doença física ou mental que afete sensivelmente a sua capacidade de trabalho e, para o seu filho menor, BB, até este perfazer 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, uma pensão anual correspondente a 20 % da retribuição do sinistrado- desde 14 de Março de 2007, tudo tendo por referência a retribuição anual de € 6.456,56 (€ 403,00 x 14 + € 67,88 x 12);
f) Absolvo as Rés do restante pedido;
g) Condeno as Rés e a Autora nas custas do processo, na proporção do respetivo decaimento, sendo de 4/5 para as primeiras e 1/5 para a segunda, sem prejuízo do apoio judiciário - art.º 446.º, n.º 1 e 2, do Código de Processo Civil, ex vi do art.º 1.º, n.º 2, al. a) do Código de Processo de Trabalho.
Honorários ao Ilustre Patrono, de acordo com a tabela legal.
Registe e notifique.”
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A Ré CC, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 904, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 981 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, nos próprios autos e efeito meramente devolutivo.
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A Apelante apresentou, a fls. 903 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
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A Ré Seguradora apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 931 e seguintes): 
(…)
*
A Autora apresentou contra-alegações dentro do prazo legal, na sequência da sua notificação para o efeito, tendo formulado as seguintes conclusões (fls. 959 e seguintes):
(…)
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A Ré Apelante CC veio, a fls. 973 a 977 e em 27/04/2012, informar nos autos que havia sido declarada insolvente, por sentença proferida, em 21/02/2012, no 4.º Juízo do Tribunal do Comércio de Lisboa e já transitada em julgado.
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Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

1 - A 13.03.2007 a Autora e o sinistrado estavam casados um com o outro (A dos Factos Assentes).
2 - BB nasceu a 29.12.1991 (B dos Factos Assentes)
3 - O sinistrado FF trabalhou por conta da Ré CC, S.A., sob sua direção e fiscalização, desde 2002 até 13 de Março de 2007, inclusive. (C dos Factos Assentes)
4 - Em 13.3.2007, a Ré CC, não tinha qualquer registo que permitisse apurar o número de horas de trabalho, por dia e por semana, com indicação da hora de início e termo do trabalho, efetuadas por cada trabalhador. (D dos Factos Assentes)
5 - Também, nesta data, não tinha afixado qualquer horário de trabalho que determinasse as horas de início e termo do período normal de trabalho diário, bem como os intervalos de descanso, assim como os dias de descanso semanal de cada trabalhador. (E dos Factos Assentes)
6 - O sinistrado auferia verbas, em numerário, superiores às indicadas nos recibos. (F dos Factos Assentes)
7 - À data do acidente o Sinistrado tinha a categoria de motorista. (G dos Factos Assentes)
8 - A 1.ª Ré, CC tinha, em 13.3.2007, a responsabilidade do acidente transferida para a Ré, DD SEGUROS, S. A., em função de uma retribuição anual de € 6.456,56 (€ 403,00 x 14 + € 67,88 x 12). (H dos Factos Assentes)
9 - O Sinistrado, apesar de ter a categoria de motorista, também desempenhava a tarefa de manobrar empilhadores nas cargas e descargas. (I dos Factos Assentes)
10 - O Sinistrado, por volta das 03:00 do dia 13 de Março de 2007, no MARL, sito na Freguesia de ..., no Concelho de Loures, encontrava-se a laborar, no exercício das suas funções, no local onde a Ré CC funciona, concretamente, a manobrar um empilhador. (J dos Factos Assentes)
11 - O referido empilhador não possuía cinto de segurança. (L dos Factos Assentes)
12 - Quando se encontrava a conduzir o empilhador, este tombou e o sinistrado ficou entalado entre o mesmo e o solo. (M dos Factos Assentes)
13 - Deste acidente resultaram as lesões descritas no relatório da autópsia de fls. 279 a 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (N dos Factos Assentes)
14 - Lesões que provocaram a morte do sinistrado, ocorrida às 04:10 do dia 13.03.2007. (O dos Factos Assentes)
15 - A IGT (atual A.C.T.) efetuou o inquérito de fls. fls. 42 a 222, que se dá por reproduzido, destacando-se a fls. 58, sob o título “Notificação para tomada de medidas” o seguinte trecho:
- Situações irregulares verificadas: Os empilhadores utilizados não dispunham de uma estrutura que assegurasse aos trabalhadores espaço suficiente entre o solo e o empilhador e que mantenha os operadores no posto de condução e o impeça de ser apanhado por alguma parte do empilhador, nos termos do art.º 25º do D.L. 50/2005, de 25/02.
- Medidas de prevenção a cumprir: implementação das devidas condições que limitem os riscos advenientes do capotamento dos empilhadores e impeça os operadores de serem projetados dos seus postos de comando, nomeadamente através da utilização dum cinto de segurança.
- Prazo: imediato. (P dos Factos Assentes)
16 - O referido relatório concluiu ainda que:
a) O sinistrado habitualmente manobrava um empilhador para efetuar descargas de veículos, quando não existiam cais de descarga livres que permitissem a descarga direta para a zona de armazenagem e reacondicionamento e reembalagem do pescado;
b) O trabalhador/sinistrado, FF, conduzia e manobrava um empilhador, para descarregar e acondicionar numa boxe paletes de caixas de pescado, as quais estavam a ser retiradas de um veículo pesado;
c) O veículo pesado encontrava-se estacionado a cerca de 30 metros do cais;
d) Pelas 03:30 horas, o trabalhador/sinistrado, após ter procedido à descarga de uma palete na boxe 56 ou 156, conduzia o empilhador, o qual não tinha carga;
e) O empilhador tinha os garfos com uma elevação de cerca de 1,40 metros em relação ao pavimento, o que potenciou eventualmente o desequilíbrio do empilhador quando em situação de mudança de direção.
f) Ao aproximar-se da retaguarda do veículo que estava a ser descarregado, o empilhador capotou parcialmente;
g) Em resultado do capotamento parcial do empilhador, o trabalhador/sinistrado ficou com o corpo entalado sob o empilhador o que provocou a sua morte no local;
h) Não consta dos registos de formação daquele trabalhador qualquer ação de formação relativa à condução/manobra de empilhadores;
i) O empilhador em referência não dispunha de qualquer estrutura que mantivesse o trabalhador no posto de condução, nomeadamente, cinto de segurança (Q dos Factos Assentes);
17 - Em 16.6.2009 foi realizada a Tentativa de Conciliação, que consta dos autos a fls. 426 a 430, e se dá por reproduzida, tendo as Rés aceitado que a responsabilidade emergente de acidente de trabalho se encontrava transferida da entidade patronal para a seguradora pela retribuição anual de € 6.456,56, que o sinistrado era trabalhador da 1.ª Ré, bem como a qualidade de beneficiários da viúva e do filho do sinistrado. (R dos Factos Assentes)
18 - A Ré seguradora e os beneficiários reconheceram ainda a existência e caracterização do acidente como acidente de trabalho, bem como o nexo causal entre esse acidente e as lesões sofridas pelo sinistrado, e que essas lesões provocaram a morte do sinistrado. (S dos Factos Assentes)
19 - A Ré seguradora não aceitou a responsabilidade emergente do acidente dos autos, por considerar que o mesmo resultou da violação das normas de segurança por parte da entidade patronal, tal como consta do Relatório da IGT (atual A.C.T.). (T dos Factos Assentes)
20 - A 1.ª Ré, CC não aceitou o valor da retribuição proposto (de € 24.761,66 anuais), não aceitou que tenha violado regras de segurança, nem aceitou a caracterização do acidente dos autos como de trabalho, por considerar que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado. (U dos Factos Assentes)
21 - O Sinistrado tinha o seguinte horário de trabalho: à segunda-feira entrava às 23 horas e de terça-feira a sábado entrava às 24 horas. (1.º da Base Instrutória)
22 - Não tinha hora fixa de saída, dependia do serviço que lhe era solicitado, como motorista e também nas cargas e descargas. (2.º da Base Instrutória)
23 - O Sinistrado trabalhou sempre mais de 8 horas por dia. (3.º da Base Instrutória)
24 - O sinistrado auferia € 900,00/mês líquidos. (4.º da Base Instrutória)
25 - O sinistrado nunca recebeu qualquer ação de formação, organizada e estruturada, para o desempenho da tarefa de manobrar empilhadores. (5.º da Base Instrutória)
26 - O empilhador não se encontrava equipado com qualquer sistema de retenção do trabalhador no seu posto de trabalho, nem tinha marcação CE e nem existia manual de instruções. (6.º da Base Instrutória)
27 - Tal acidente ocorreu quando o sinistrado mudava de direção com o empilhador e este se virou. (7.º da Base Instrutória)
28 - A existência de um sistema efetivo de retenção do trabalhador no seu posto de trabalho, ou de um cinto de segurança, impediria que o sinistrado saísse do empilhador em caso de tombo lateral ou capotamento. (8.º da Base Instrutória)
29 - O empilhador não estava adaptado ou equipado com os meios de segurança de modo a limitar os riscos inerentes a uma queda decorrente de capotamento ou tombo lateral, através de uma estrutura ou de uma cabine que assegurasse ao trabalhador a possibilidade de não ficar entalado entre a cabine do empilhador e o pavimento. (9.º da Base Instrutória)
30 - Ou de uma estrutura que mantivesse o trabalhador no posto de condução e o impedisse de ser apanhado por alguma parte do empilhador. (10.º da Base Instrutória)
31 - O sinistrado, na queda do empilhador, tentou sair da cabine, caiu e ficou esmagado entre a cabine e o pavimento. (11.º e 26.º, da Base Instrutória)
32 - O sinistrado, ao aperceber-se que o empilhador ia tombar, tentou sair do mesmo, tendo sido neste momento que a cabina do empilhador o atingiu. (12.º da Base Instrutória)
33 - O empilhador não tem cabine fechada, mas apenas uma estrutura superior. (13.º a 19.º, da Base Instrutória)
34 - A Ré procedia, periodicamente, à avaliação das condições de segurança e higiene no trabalho. (20.º da Base Instrutória)
35 - Para esse efeito, a Ré contratou os serviços da sociedade especializada “EE, SA.” (21.º da Base Instrutória)
36 - Foram feitas avaliações e, segundo os resultados comunicados à Ré, os equipamentos não estavam em desconformidade com a legislação aplicável. (22.º da Base Instrutória)
37 - O acidente deu-se quando o sinistrado mudou de direção. (25.º da Base Instrutória)
38 - Nas circunstâncias referidas, o sinistrado foi atingido na cabeça, pela barra de proteção da cabine do empilhador. (27.º a 29.º da Base Instrutória)
39 - A testemunha GG já tinha chamado a atenção do sinistrado para a velocidade com que conduzia o empilhador. (31.º da Base Instrutória)

Factos não Provados ou provados restritivamente:
(…)
*
III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção (na sua fase conciliatória - cf. artigo 26.º, números 2 e 3 e 99.º do Código do Processo do Trabalho de 1999) ter dado entrada em tribunal em 14/03/2007, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada muito depois da entrada em vigor da reforma do Código de Processo Civil introduzida em 2003 pelo Decreto-Lei número 38/2003, de 8/03 mas antes da vigência das reformas de 2007 e 2009, introduzidas por seu turno e, respetivamente, pelos Decretos-Lei n.ºs 303/2007, de 24/08 e 226/2008, de 20/11, que, em regra e de acordo com os artigos 21.º e 22.º desses diplomas legais, só se aplicam aos processos instaurados a partir de 1/1/2008 e 31/03/2009 (sem prejuízo, contudo, das ressalvas constantes do número 2 do artigo 21.º do Decreto-Lei n.º 303/2007 e 22.º, número 1 e 23.º do Decreto-Lei 226/2008).
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do anterior Código do Processo do Trabalho e da reforma do processo civil de 2003 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em regra e em termos de custas devidas no processo, o Código das Custas Judiciais publicado em 1996, com as subsequentes modificações entretanto sofridas até 28/09/2006, pois o atual Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02 e retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e posteriores alterações, só entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e aplica-se unicamente a processos entrados em juízo após essa data.  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, face à data em que se verificou o acidente de trabalho - 13/03/2007 - terem todos ocorrido na vigência da LAT (ou seja, da Lei dos Acidentes do Trabalho aprovada pela Lei n.º 100/97, de 13/09 e da respectiva regulamentação inserida no Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04), dado as normas constantes do Código do Trabalho de 2009 - que entrou em vigor em 17/02/2009 -, relativas aos acidentes de trabalho (artigos 281.º e seguintes) estarem dependentes de legislação especial que só veio a encontrar a luz do direito com a Lei n.º 98/2009, de 4/09 e que, segundo os seus artigos 185.º, 186.º e 187.º, revogou o regime anterior (aquele aqui aplicável) e está em vigor desde 1/01/2010 e para eventos infortunísticos de carácter laboral ocorridos após essa data (também o novo regime jurídico da promoção da segurança e saúde no trabalho, vertido na Lei n.º 102/2009, de 10/09, só produz efeitos desde 1/10/2009 - cf. artigo 121.º).  

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)
Julga-se assim e pelos motivos expostos, improcedente, nesta sua vertente fáctica, o presente recurso de Apelação.              

C – OBJECTO DO RECURSO - QUESTÕES DE DIREITO

Se lermos as alegações de recurso e as conclusões delas extraídas, verificamos que o que é questionado pela Ré é a circunstância do tribunal da 1.ª instância não ter considerado juridicamente descaracterizado o acidente que vitimou o cônjuge e pai dos Autores, fundando tal discordância na seguinte argumentação:
“13. Relativamente à matéria de direito, o tribunal a quo decidiu pela não descaraterização do acidente, nos termos do art.º 7 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro;
14. Em suma, concluiu que não resulta a negligência grosseira do sinistrado e, muito menos, o necessário nexo causal entre esta e o acidente;
15. Porém, a Apelante entende que, segundo a matéria considerada prova ou os elementos de prova existentes nos autos, era aplicável o regime estabelecido na alínea a), n.º 1 do art.º 7 do mencionado diploma;
16. Foram cumpridos, cumulativamente, os respetivos pressupostos, a saber, existia regras de manuseamento do empilhador que o trabalhador não podia desconhecer e que lhe era exigível (Cfr. art.15 do DL n.º 441/91 de 14 de Novembro), a queda decorre de incumprimento, não houve motivo justificativo e, por fim, o acidente é consequência de ato do sinistrado;
17. O sinistrado tinha experiência na tarefa, no momento do acidente circulava com os garfos de forma irregular e já tinha sido advertido pela falta de cuidado no manuseamento do equipamento;
18. Em suma, a queda decorre de ato do trabalhador pelo que não pode ser imputável à Apelante a reparação;
19. Pelo que o tribunal a quo devia ter aplicado o regime da descaraterização do acidente;
20. Acresce que o dano morte teve ainda como nexo causal o facto do sinistrado, na queda do empilhador, ter tentado sair da cabina de proteção existente no empilhador, matéria que ficou especificamente provada;
21. O nexo causal não assentou na projeção ou esmagamento pelo que, por falta de nexo causal, a reparação também não podia ser imputável à Apelante;
22. O tribunal a quo considerou estarem reunidos os pressupostos para ser exigível o agravamento da reparação, nos termos do art.º 18 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, por violação do art.º 25 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro;
23. Porém, tendo em conta a matéria de facto considerada provada, por falta de nexo causal, não existir agravamento;
24. Não foi cumprido o regime estabelecido no art.º 342 do CC, os Apelados não lograram provar que o acidente resultou de falta de observação das condições de segurança específicas;
25. Não ficou demonstrado que era exigível cabina fechada ou sequer “cinto de segurança” que o tribunal a quo entendeu não ser obrigatório;
26. O tribunal a quo aplicou, sem fundamento, o regime estabelecido no art.º 18.º do mencionado diploma;
27. A seguradora devia assim responder e não apenas subsidiariamente;”
Julgamos despiciendo analisar as questões que a montante da problemática em análise habitualmente se colocam, em face do acordo existente entre as partes no que toca à existência de uma relação de trabalho subordinada e remunerada entre a vítima do acidente dos autos e a 2.ª Ré, achando-se a responsabilidade infortunística laboral transferida pela Apelante para a Companhia de Seguros aqui também demandada.      

C1 - REGIME LEGAL APLICÁVEL
 
Convirá, todavia, face à transcrita argumentação jurídica da entidade empregadora do sinistrado, chamar à boca de cena o estatuído nos artigos 6.º e 7.º da LAT, que, sem prejuízo das normas que os complementam em termos de regulamentação do correspondente regime (artigos 6.º, 7.º e 8.º do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04), rezavam o seguinte à data do sinistro dos autos: 
       
Artigo 6.º
Conceito de acidente de trabalho
1- É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
2- Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
a) No trajecto de ida e de regresso para e do local de trabalho, nos termos em que vier a ser definido em regulamentação posterior;
b) Na execução de serviços espontaneamente prestados e de que possa resultar proveito económico para a entidade empregadora;
c) No local de trabalho, quando no exercício do direito de reunião ou de actividade de representante dos trabalhadores, nos termos da lei;
d) No local de trabalho, quando em frequência de curso de formação profissional ou, fora do local de trabalho, quando exista autorização expressa da entidade empregadora para tal frequência;
e) Em actividade de procura de emprego durante o crédito de horas para tal concedido por lei aos trabalhadores com processo de cessação de contrato de trabalho em curso;
f) Fora do local ou do tempo de trabalho, quando verificado na execução de serviços determinados pela entidade empregadora ou por esta consentidos.
3 - Entende-se por local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
4 - Entende-se por tempo de trabalho, além do período normal de laboração, o que preceder o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe seguir, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas de trabalho.
5 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença for reconhecida a seguir a um acidente presume-se consequência deste.
6 - Se a lesão corporal, perturbação ou doença não for reconhecida a seguir a um acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência dele.
Artigo 7.º
Descaracterização do acidente
1- Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;
b) Que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Que resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos da lei civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se a entidade empregadora ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação;
d) Que provier de caso de força maior.
2 - Só se considera caso de força maior o que, sendo devido a forças inevitáveis da natureza, independentes de intervenção humana, não constitua risco criado pelas condições de trabalho nem se produza ao executar serviço expressamente ordenado pela entidade empregadora em condições de perigo evidente.
3 - A verificação das circunstâncias previstas neste artigo não dispensa as entidades empregadoras da prestação dos primeiros socorros aos trabalhadores e do seu transporte ao local onde possam ser clinicamente socorridos.

O quadro legal acima transcrito – convindo realçar também a presunção contida no número 1 do artigo 7.º do diploma regulamentar da LAT, já aludido –, quando devidamente conjugado com a matéria de facto dada como assente, permite concluir, sem margem para dúvidas, pela ocorrência de um evento imprevisto e agressivo, verificado no local e tempo de trabalho e susceptível de produzir, directamente, lesão corporal que implicou a morte do sinistrado (cf., quanto aos diversos elementos que integram o conceito de acidente de trabalho, Carlos Alegre, “Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, Regime Jurídico Anotado, 2.ª Edição, Fevereiro de 2000, Almedina, páginas 34 e seguintes e, em anotação ao artigo 6.º).   
Ainda que assim não fosse, bastaria lançar mão das presunções legais contidas nos artigos 17.º, número 5 da Lei n.º 100/97 de 13/09 e 7.º, número 1 do Decreto-Lei n.º 143/99 de 30/04 (reconhecimento da lesão a seguir a um acidente, verificado no local e tempo de trabalho) para concluir pela ocorrência do acidente de trabalho em questão, não havendo, aliás, como ressalta do Auto de Tentativa de Conciliação de fls. 426 e seguintes, divergência entre as partes relativamente a tal facto (ainda que a aqui recorrente aí afirme que discorda «c - da caracterização do acidente dos autos como de trabalho, uma vez que considera que o mesmo ocorreu por negligência grosseira do sinistrado», certo é que a sua argumentação remete para o estatuído no transcrito artigo 7.º, número 1, alínea b) da LAT, ou seja, para uma situação em que se nega ao trabalhador sinistrado o direito à reparação que normalmente lhe seria devido por força do acidente de trabalho que sofreu e que é pressuposto da aludida descaracterização, sendo tal ideia reforçada pelo que se mostra acordado pela mesma no respetivo Auto).

C2 - DESCARACTERIZAÇÃO DO ACIDENTE  

Face aos factos dados como assentes, é manifesto que o sinistrado foi atingido fatalmente na cabeça pela estrutura superior do empilhador que tripulava como motorista, quando este, ao curvar, tombou de lado, o que se verificou no tempo e no local de trabalho e quando o mesmo desempenhava os mencionados serviços, em termos subordinados e assalariados para a 2.ª Ré, tendo o referido evento, ocasional e involuntário, em função das lesões físicas que lhe provocou, sido causador do seu falecimento imediato.
Tal chegada a esse primeiro porto não se confunde com a viagem seguinte, destinada exactamente a averiguar se o processo causal que levou à morte do sinistrado pode ser assacado ao mesmo, em termos de responsabilidade (alíneas a) e b) do número 1 do artigo 7.º) ou, pelo menos, de imputabilidade subjectiva (alínea c) do mesmo número e artigo) ou, numa outra perspectiva, a um caso de força maior.
Nesta segunda fase da análise jurídica do pleito dos autos e tendo como pano de fundo a dinâmica concreta do acidente e as circunstâncias particulares em que ocorreu, importa fazer um novo juízo estribado nos pressupostos e parâmetros previstos no artigo 7.º da LAT (no que para aqui especificamente importa, naqueles contidos na alínea b) desta disposição legal).
O artigo 8.º, número 2, do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30/04 contêm a seguinte noção jurídica de «negligência grosseira»: «Entende-se por negligência grosseiro o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão.»
O Dr. Carlos Alegre, obra citada, páginas 61 a 63, em anotação ao artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13/09, sustenta o seguinte acerca desta circunstância de exclusão da reparação do acidente de trabalho:      
«II. A alínea h) do n.° l da Base VI da Lei anterior mencionava a falta grave e indesculpável da vítima como causa de exclusão do direito à reparação. A correspondente alínea do artigo 7.° em anotação, refere-se a negligência grosseira do sinistrado como única causa da eclosão do acidente e consequente exclusão do direito a reparação. Dizíamos, em anotação à Base VI que as faltas graves e indesculpáveis têm (tinham), regra geral, que ver com as condições de segurança, pelo que a sua individualização, em relação à alínea anterior constituía um desenvolvimento da diminuição das condições de segurança do trabalho, alargadas, então, às que não são expressamente estabelecidas pela entidade patronal.
A norma exigia que a falta fosse grave e indesculpável, para o que seria preciso ter em conta algumas condições relativas à vítima:
1.° Em primeiro lugar seria necessário demonstrar que a vítima era um trabalhador experimentado e consciente das condições de segurança: se fosse um aprendiz ou um trabalhador inexperiente não lhe poderia ser assacada gravidade na atuação e, muito menos, indesculpabilidade;
2.º A gravidade do ato de um trabalhador experimentado e conhecedor dos riscos do seu ofício, havia de traduzir-se em imprudências ou temeridades inúteis, de todo inexplicáveis, por isso, indesculpáveis, sem ligação direta com o trabalho. Por outro lado, a gravidade do ato havia de ocorrer em simultâneo com a indesculpabilidade do ato que traduz. Temeridades resultantes do hábito de lidar com o risco, por força do trabalho, não podiam ser tidas como indesculpáveis. Era, alias, a própria lei que o esclarecia quando o artigo 13.° do decreto n.° 360/71, regulamentando a Base VI dizia que "não se considera falha grave e indesculpável da vítima do acidente o ato ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos e costumes da profissão".
Os próprios atos de abnegação, regra geral temerários, pelo excesso de audácia que pressupõem, não podem ser tidos como indesculpáveis, sob pena de se punirem, em vez de galardoarem tais atos. É óbvio que ao falar-se de atos que redundam em falta grave e indesculpável, se está a pensar, apenas, em atos voluntários, embora não intencionais.
A gravidade referia-se à falta e não às suas consequências.
3.' Em terceiro lugar, a existência de culpa grave e indesculpável, não devia ser apreciada em relação a um tipo abstrato de comportamento, mas em concreto, tendo em conta a própria vitima e as suas circunstâncias. Era esta, entre nós, a posição unânime da jurisprudência.
4.° Finalmente, era necessário que o acidente fosse, exclusivamente, o resultado da falta grave e indesculpável da vítima.
A nova redação da alínea b) do n.° 1 do artigo 7.°, porém, substituiu a referência a falta grave e indesculpável por negligência grosseira. Qual o alcance desta alteração?
Sabe-se que, quer no Direito Civil, como no Direito Criminal, a imputação subjetiva de um facto ao agente de uma dada ação (ou omissão) pode revestir duas formas: o dolo e a negligência. O dolo anda, normalmente, ligado à prática de facto intencional (em que há crime ou ilícito civil). A negligência, sendo, fundamentalmente a falta de diligência e atenção, traduz-se na omissão de um dever objetivo de cuidado ou diligência, adequado, segundo as circunstâncias concretas de cada caso e em cada momento, a evitar a produção de um dado evento. No plano da censura jurídica dir-se-á que o facto doloso é mais grave (mais censurável) que a negligência.
Tal como acima se disse, a expressão falta grave e indesculpável, usada na alínea b) do n.º 1 Base VI, andava, assim, muito próxima do dolo, mas, à conduta dolosa já se referia a alínea a), pelo que a primeira seria redundante. Talvez por isso, a correspondente alínea b) do n.° 1 do artigo 7.º, venha, agora, referir-se mais explicitamente a negligência.
Ao qualificar a negligência de grosseira, o legislador está a afastar impli­citamente a simples imprudência, inconsideração, irreflexão, impulso leviano que não considere os prós e os contras. Há, todavia, uma espécie de comportamento que, em termos laborais, deve ser considerado muito diverso da negligência ou da imprudência, embora, em muitos casos possa resultar de um misto de ambas: é a imperícia ou o erro profissional.
O legislador do artigo 7.º teve, também, o cuidado de distinguir a negligência quanto à intensidade da vontade ou gravidade, no pressuposto de que a doutrina costuma estabelecer três graus: lata, leve e levíssima. A negligência lata ou grave confina com o dolo e parece ser, sem dúvida, a esta espécie de negligência que se refere o legislador ao mencionar a negligência grosseira: é grosseira, porque e grave e por ser aquela que in concreto não seria praticada por um suposto homo diligentissimus ou bonus pater-familias.
O legislador continua a exigir. como na anterior lei, que o ato desca­racterizador do acidente tenha resultado exclusivamente, isto é, sem concurso de qualquer outra ação, de negligência grosseira, aspeto que convém ter sempre presente na apreciação de qualquer caso concreto.»
Chame-se também aqui à colação alguma da mais recente jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça acerca desta mesma problemática: 
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/02/2012, processo n.º 165/07.0TTBGC.P1.S1, relator: Sampaio Gomes, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):    
III - Correspondendo a “negligência grosseira” à “culpa grave”, a sua verificação pressupõe que a conduta do agente – porque gratuita e de todo infundada – se configure como altamente reprovável, à luz do mais elementar senso comum.
IV - A exclusão da responsabilidade prevista na alínea b) do n.º 1 do art.º 7.º da LAT, a par de um comportamento altamente reprovável do trabalhador exige que o acidente tenha resultado em exclusivo desse comportamento.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20/10/2011, processo n.º 1127/08.6TTLRA.C1.S1, relator: Fernandes da Silva, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):   
I – Assente, factualmente, que o condutor sinistrado, ao chegar a um cruzamento, não parou ante o sinal vertical de Stop, antes prosseguindo a sua marcha e arriscando uma manobra que envolvia sério perigo de colisão com outros veículos que seguissem na rua com prioridade, como efetivamente aconteceu, tal conduta constitui uma contraordenação muito grave, prevista na alínea f) do art.º 146.º do Código da Estrada, configurando um comportamento temerário em alto e relevante grau;
II – A descaracterização do acidente de trabalho, prevista na aliena b) do nº 1 do art.º 7.º da LAT (Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro), exige a verificação de dois requisitos: que o acidente provenha de negligência grosseira do sinistrado e que esta sua conduta seja a causa exclusiva do mesmo.
III – A prova dos factos integrantes da descaracterização, enquanto impeditivos do direito à reclamada reparação, constitui ónus do réu, em conformidade com a regra do n.º 2 do art.º 342.º do Cód. Civil.
IV – Não cabe todavia na amplitude de tal ónus o da demonstração de eventuais fenómenos que, de algum modo e medida, pudessem ter afetado ou condicionado a condução/atuação infraccional do sinistrado.
V – Não pode concluir-se pela exclusividade da culpa do sinistrado na eclosão do acidente quando, quanto à dinâmica deste e ao comportamento do outro condutor interveniente, apenas se sabe que o mesmo, ao ver a sua linha de marcha interrompida, se desviou para a direita.
- Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 22/09/2011, processo n.º 896/07.5TTVIS.C1.S1, relator: Pinto Hespanhol, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):   
1. Provando-se que o sinistrado, ao chegar a um cruzamento, não parou, apesar do sinal STOP existente no local e prosseguiu o seu trajeto, com total desprezo por elementares regras de segurança, arriscando de forma inteiramente gratuita uma manobra que envolvia o sério perigo de colisão com outros veículos, tal conduta constitui uma contraordenação muito grave, prevista na alínea n) do artigo 146.º do Código da Estrada, e não pode deixar de se considerar como temerária em alto e relevante grau, configurando negligência grosseira.
2. E tendo ficado demonstrado que o sinistrado cortou a linha de trânsito do veículo automóvel que circulava na via prioritária, surgindo a cerca de seis metros da frente daquele veículo, não dando qualquer hipótese ao respetivo condutor de evitar o embate, impõe-se concluir que o comportamento do sinistrado foi a causa exclusiva do acidente e das consequências dele resultantes.
3. Verifica-se, assim, a descaracterização do sinistro como acidente de trabalho, nos termos da alínea b) do n.º 1 do artigo 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, segundo a qual não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
Tendo em atenção o quadro legal transcrito e a interpretação que dele faz a nossa melhor doutrina e jurisprudência, será que se podem encarar os comportamentos dados como provados e imputados ao sinistrado como configuradores de negligência grosseira (culpa grave e indesculpável)?
Tais condutas são as seguintes:
7 - À data do acidente o Sinistrado tinha a categoria de motorista. (G dos Factos Assentes)
9 - O Sinistrado, apesar de ter a categoria de motorista, também desempenhava a tarefa de manobrar empilhadores nas cargas e descargas. (I dos Factos Assentes)
10 - O Sinistrado, por volta das 03:00 do dia 13 de Março de 2007, no MARL, sito na Freguesia de ..., no Concelho de Loures, encontrava-se a laborar, no exercício das suas funções, no local onde a Ré CC funciona, concretamente, a manobrar um empilhador. (J dos Factos Assentes)
11 - O referido empilhador não possuía cinto de segurança. (L dos Factos Assentes)
12 - Quando se encontrava a conduzir o empilhador, este tombou e o sinistrado ficou entalado entre o mesmo e o solo. (M dos Factos Assentes)
16 - O referido relatório concluiu ainda que:
a) O sinistrado habitualmente manobrava um empilhador para efetuar descargas de veículos, quando não existiam cais de descarga livres que permitissem a descarga direta para a zona de armazenagem e reacondicionamento e reembalagem do pescado;
b) O trabalhador/sinistrado, FF, conduzia e manobrava um empilhador, para descarregar e acondicionar numa boxe paletes de caixas de pescado, as quais estavam a ser retiradas de um veículo pesado;
c) O veículo pesado encontrava-se estacionado a cerca de 30 metros do cais;
d) Pelas 03:30 horas, o trabalhador/sinistrado, após ter procedido à descarga de uma palete na boxe 56 ou 156, conduzia o empilhador, o qual não tinha carga;
e) O empilhador tinha os garfos com uma elevação de cerca de 1,40 metros em relação ao pavimento, o que potenciou eventualmente o desequilíbrio do empilhador quando em situação de mudança de direção.
f) Ao aproximar-se da retaguarda do veículo que estava a ser descarregado, o empilhador capotou parcialmente;
g) Em resultado do capotamento parcial do empilhador, o trabalhador/sinistrado ficou com o corpo entalado sob o empilhador o que provocou a sua morte no local;
h) Não consta dos registos de formação daquele trabalhador qualquer ação de formação relativa à condução/manobra de empilhadores;
i) O empilhador em referência não dispunha de qualquer estrutura que mantivesse o trabalhador no posto de condução, nomeadamente, cinto de segurança (Q dos Factos Assentes);
25 - O sinistrado nunca recebeu qualquer ação de formação, organizada e estruturada, para o desempenho da tarefa de manobrar empilhadores. (5.º da Base Instrutória)
26 - O empilhador não se encontrava equipado com qualquer sistema de retenção do trabalhador no seu posto de trabalho, nem tinha marcação CE e nem existia manual de instruções. (6.º da Base Instrutória)
27 - Tal acidente ocorreu quando o sinistrado mudava de direção com o empilhador e este se virou. (7.º da Base Instrutória)
31 - O sinistrado, na queda do empilhador, tentou sair da cabine, caiu e ficou esmagado entre a cabine e o pavimento. (11.º e 26.º, da Base Instrutória)
32 - O sinistrado, ao aperceber-se que o empilhador ia tombar, tentou sair do mesmo, tendo sido neste momento que a cabina do empilhador o atingiu. (12.º da Base Instrutória)
33 - O empilhador não tem cabine fechada, mas apenas uma estrutura superior. (13.º a 19.º, da Base Instrutória)
37 - O acidente deu-se quando o sinistrado mudou de direção. (25.º da Base Instrutória)
38 - Nas circunstâncias referidas, o sinistrado foi atingido na cabeça, pela barra de proteção da cabine do empilhador. (27.º a 29.º da Base Instrutória)
39 - A testemunha GG já tinha chamado a atenção do sinistrado para a velocidade com que conduzia o empilhador. (31.º da Base Instrutória) ”.
Será que é possível extrair de tal factualidade uma atuação gravemente negligente do sinistrado, que o responsabilize, em termos exclusivos, pela verificação do acidente, ou seja, que lhe impute somente a ele, em termos causais e por força da aludida conduta, a ocorrência do evento infortunístico que lhe custou a vida?
A resposta tem de ser necessariamente negativa, dado não se vislumbrar nos factos acima transcritos e atendendo às circunstâncias e condições em que se verificou o sinistro dos autos, um quadro comportamental gratuito, temerário, desaconselhável em alto grau e absolutamente infundado por parte da vítima, que tenha sido a causa adequada e única do mesmo.
Estamos face a um trabalhador que desenvolvia a sua atividade normalmente depois das 23 ou 24,00 horas, manobrando, na altura do acidente - 3,00 horas da madrugada - um empilhador relativamente ao qual nunca tinha tido formação apropriada - sendo que a sua categoria de motorista não o habilitava automática e tecnicamente para tripular o referido equipamento -, ignorando-se, por outro lado, o tempo de experiência de condução que já possuía sobre o mesmo.
É certo que o último ponto reproduzido refere que um colega (ignorando-se se era seu superior hierárquico) tinha alertado o sinistrado para a velocidade que imprimia o dito empilhador mas tal chamada de atenção, só por si, e sem outros factos que o confirmem, não nos permite dar como assente que tal alerta espelhava efetivamente tal realidade (a saber, que a vítima, de facto, circulava com «excesso de velocidade», com referência ao local, veículo, que ia sem carga, e percurso em questão), tratando-se de uma mera perspetiva ou ponto de vista subjetivos que, desacompanhado de qualquer outro suporte fidedigno e objetivo, se revela incapaz de demonstrar minimamente a citada velocidade excessiva.
Também o facto de o empilhador levar os garfos a uma altura de 1,40 metros (o que segundo o relatório da ACT «… potenciou eventualmente o desequilíbrio do empilhador quando em situação de mudança de direção.») não nos possibilita igualmente afirmar, não só que foi a referida situação que deu causa ao acidente, como que a mesma sequer contribuiu, efetivamente e de alguma maneira, para a sua eclosão.
Resta-nos, finalmente, analisar a tentativa de abandono, por parte do sinistrado, do aludido empilhador, quando este, na sequência da curva que estava a fazer, começou a tombar sobre um dos seus lados, para dizer que tal reação nunca poderia ser qualificada como grave e indesculpavelmente descuidada, injustificada, altamente censurável, dado configurar antes, na sua essência, uma resposta instantânea, automática, reflexiva, de emergência, quase irracional, porque ditada pelo instinto de sobrevivência da vítima, sendo, nessa medida, absolutamente compreensível e humana.
Era inexigível ao sinistrado que, num espaço de alguns segundos e numa situação de desequilíbrio e acompanhamento forçado do movimento do dito equipamento, que se traduzia num perigo iminente para a sua integridade física, ponderasse as diversas alternativas de fuga à mesma que se lhe apresentavam - deixar-se ficar dentro da estrutura ou saltar para fora do dito equipamento por qualquer um dos lados possíveis - e medisse todas as vertentes e consequências que delas derivavam, por forma a escolher a que envolvesse menos risco para si e lhe desse mais garantias de sucesso, numa racionalização e julgamento objetivos das circunstâncias e condicionantes envolventes, bem como do próprio dinamismo do sinistro, que, em rigor, só têm lugar nos filmes e romances de ficção.[1] 
Em nosso entender, a vulgarmente chamada presença de espírito (o gesto adequado e eficaz no momento exato) - ou, melhor dizendo, a falta dela - não permite assacar ao sinistrado, a título de negligência grosseira, a responsabilidade pelo acidente de trabalho que sofreu.                        
Logo, o presente recurso tem de ser julgado improcedente também nesta sua primeira vertente jurídica.                     
      
C3 - VIOLAÇÃO DAS REGRAS DE SEGURANÇA E SAÚDE NO TRABALHO

Importa agora analisar a penúltima linha de argumentação da Ré Apelante, em sede de impugnação da sentença recorrida, contando-se a mesma nas seguintes conclusões do recurso:    
«22. O tribunal a quo considerou estarem reunidos os pressupostos para ser exigível o agravamento da reparação, nos termos do art.º 18 da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, por violação do art.º 25 do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro;
23. Porém, tendo em conta a matéria de facto considerada provada, por falta de nexo causal, não existir agravamento;
24. Não foi cumprido o regime estabelecido no art.º 342 do CC, os Apelados não lograram provar que o acidente resultou de falta de observação das condições de segurança específicas;
25. Não ficou demonstrado que era exigível cabina fechada ou sequer “cinto de segurança” que o tribunal a quo entendeu não ser obrigatório;
26. O tribunal a quo aplicou, sem fundamento, o regime estabelecido no art.º 18.º do mencionado diploma;
27. A seguradora devia assim responder e não apenas subsidiariamente»
Ora, porque a atividade humana contém, em proporções variáveis, uma dose de risco para a integridade física e/ou vida de quem a desenvolve ou para terceiros (assim como relativamente a bens materiais do beneficiário da actividade, dos prestadores da dita actividade ou de outras pessoas singulares ou colectivas) e, exactamente, para evitar até onde é possível a ocorrência de eventos ou condutas causadores de tais prejuízos de natureza pessoal e patrimonial, procura-se, técnica e legalmente, regular aquela, nas suas inúmeras variantes e modalidades, produtivas ou não.
É neste quadro geral que surgem as múltiplas regras e procedimentos de carácter profissional, destinados a prescrever, em moldes comuns e genéricos e, depois, especificamente para cada sector ou área, determinadas maneiras de interagir com as situações de perigo que podem surgir, quer seja na montagem, desmontagem e manuseamento de ferramentas, máquinas ou outros mecanismos, quer no trabalho, atentas as circunstâncias particulares em que ocorre, atendendo, nomeadamente, à sua agressividade ou risco inerentes (quer em altura como em profundidade, em terra, no ar ou no mar, etc.), quer na deslocação de pessoas, materiais ou veículos, quer noutras que seria despiciendo enumerar aqui em toda a sua extensão e pormenor (cf., a título de exemplo, a Lei n.º 102/209, de 10/02, já acima referida e não invocável no caso dos autos, ao contrário do que acontece com os diplomas que a mesma veio revogar, nos termos do seu artigo 120.º: Decretos-Lei n.ºs 411/91, de 14/11, 26/94, de 1/02 e 29/2002, de 14/02 e Portaria n.º 1179/95, de 26/09, convindo ainda realçar o determinado pelo Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25 de Fevereiro).
A factualidade que importa aqui considerar é a seguinte:
7 - À data do acidente o Sinistrado tinha a categoria de motorista. (G dos Factos Assentes)
9 - O Sinistrado, apesar de ter a categoria de motorista, também desempenhava a tarefa de manobrar empilhadores nas cargas e descargas. (I dos Factos Assentes)
10 - O Sinistrado, por volta das 03:00 do dia 13 de Março de 2007, no MARL, sito na Freguesia de ..., no Concelho de Loures, encontrava-se a laborar, no exercício das suas funções, no local onde a Ré CC funciona, concretamente, a manobrar um empilhador. (J dos Factos Assentes)
11 - O referido empilhador não possuía cinto de segurança. (L dos Factos Assentes)
12 - Quando se encontrava a conduzir o empilhador, este tombou e o sinistrado ficou entalado entre o mesmo e o solo. (M dos Factos Assentes)
13 - Deste acidente resultaram as lesões descritas no relatório da autópsia de fls. 279 a 284, cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido. (N dos Factos Assentes)
14 - Lesões que provocaram a morte do sinistrado, ocorrida às 04:10 do dia 13.03.2007. (O dos Factos Assentes)
15 - A IGT (atual A.C.T.) efetuou o inquérito de fls. fls. 42 a 222, que se dá por reproduzido, destacando-se a fls. 58, sob o título “Notificação para tomada de medidas” o seguinte trecho:
- Situações irregulares verificadas: Os empilhadores utilizados não dispunham de uma estrutura que assegurasse aos trabalhadores espaço suficiente entre o solo e o empilhador e que mantenha os operadores no posto de condução e o impeça de ser apanhado por alguma parte do empilhador, nos termos do art.º 25º do D.L. 50/2005, de 25/02.
- Medidas de prevenção a cumprir: implementação das devidas condições que limitem os riscos advenientes do capotamento dos empilhadores e impeça os operadores de serem projetados dos seus postos de comando, nomeadamente através da utilização dum cinto de segurança.
- Prazo: imediato. (P dos Factos Assentes)
16 - O referido relatório concluiu ainda que:
a) O sinistrado habitualmente manobrava um empilhador para efetuar descargas de veículos, quando não existiam cais de descarga livres que permitissem a descarga direta para a zona de armazenagem e reacondicionamento e reembalagem do pescado;
b) O trabalhador/sinistrado, FF, conduzia e manobrava um empilhador, para descarregar e acondicionar numa boxe paletes de caixas de pescado, as quais estavam a ser retiradas de um veículo pesado;
c) O veículo pesado encontrava-se estacionado a cerca de 30 metros do cais;
d) Pelas 03:30 horas, o trabalhador/sinistrado, após ter procedido à descarga de uma palete na boxe 56 ou 156, conduzia o empilhador, o qual não tinha carga;
e) O empilhador tinha os garfos com uma elevação de cerca de 1,40 metros em relação ao pavimento, o que potenciou eventualmente o desequilíbrio do empilhador quando em situação de mudança de direção.
f) Ao aproximar-se da retaguarda do veículo que estava a ser descarregado, o empilhador capotou parcialmente;
g) Em resultado do capotamento parcial do empilhador, o trabalhador/sinistrado ficou com o corpo entalado sob o empilhador o que provocou a sua morte no local;
h) Não consta dos registos de formação daquele trabalhador qualquer ação de formação relativa à condução/manobra de empilhadores;
i) O empilhador em referência não dispunha de qualquer estrutura que mantivesse o trabalhador no posto de condução, nomeadamente, cinto de segurança (Q dos Factos Assentes);
25 - O sinistrado nunca recebeu qualquer ação de formação, organizada e estruturada, para o desempenho da tarefa de manobrar empilhadores. (5.º da Base Instrutória)
26 - O empilhador não se encontrava equipado com qualquer sistema de retenção do trabalhador no seu posto de trabalho, nem tinha marcação CE e nem existia manual de instruções. (6.º da Base Instrutória)
27 - Tal acidente ocorreu quando o sinistrado mudava de direção com o empilhador e este se virou. (7.º da Base Instrutória)
28 - A existência de um sistema efetivo de retenção do trabalhador no seu posto de trabalho, ou de um cinto de segurança, impediria que o sinistrado saísse do empilhador em caso de tombo lateral ou capotamento. (8.º da Base Instrutória)
29 - O empilhador não estava adaptado ou equipado com os meios de segurança de modo a limitar os riscos inerentes a uma queda decorrente de capotamento ou tombo lateral, através de uma estrutura ou de uma cabine que assegurasse ao trabalhador a possibilidade de não ficar entalado entre a cabine do empilhador e o pavimento. (9.º da Base Instrutória)
30 - Ou de uma estrutura que mantivesse o trabalhador no posto de condução e o impedisse de ser apanhado por alguma parte do empilhador. (10.º da Base Instrutória)
31 - O sinistrado, na queda do empilhador, tentou sair da cabine, caiu e ficou esmagado entre a cabine e o pavimento. (11.º e 26.º, da Base Instrutória)
32 - O sinistrado, ao aperceber-se que o empilhador ia tombar, tentou sair do mesmo, tendo sido neste momento que a cabina do empilhador o atingiu. (12.º da Base Instrutória)
33 - O empilhador não tem cabine fechada, mas apenas uma estrutura superior. (13.º a 19.º, da Base Instrutória)
34 - A Ré procedia, periodicamente, à avaliação das condições de segurança e higiene no trabalho. (20.º da Base Instrutória)
35 - Para esse efeito, a Ré contratou os serviços da sociedade especializada “EE, SA.” (21.º da Base Instrutória)
36 - Foram feitas avaliações e, segundo os resultados comunicados à Ré, os equipamentos não estavam em desconformidade com a legislação aplicável. (22.º da Base Instrutória)
37 - O acidente deu-se quando o sinistrado mudou de direção. (25.º da Base Instrutória)
38 - Nas circunstâncias referidas, o sinistrado foi atingido na cabeça, pela barra de proteção da cabine do empilhador. (27.º a 29.º da Base Instrutória)
39 - A testemunha GG já tinha chamado a atenção do sinistrado para a velocidade com que conduzia o empilhador. (31.º da Base Instrutória)
Como ressalta de tais factos e dos documentos que os complementam, o sinistrado, na altura do acidente, achava-se a conduzir um empilhador pertencente à Ré, procedendo com o mesmo a operações de carga e descarga, sem que tivesse tido formação anterior e sem que tal equipamento estivesse acompanhado de manual de instruções em português ou devidamente certificado, não se achando provido das medidas cautelares de segurança legalmente definidas para desenvolver essa atividade, com o mínimo de risco para integridade física e a vida de quem levasse a cabo as correspondentes e diversas tarefas destinadas a lograr tal desiderato.
Constata-se, com efeito, que não só o trabalhador não tinha ao seu dispor um cinto de segurança que o prendesse adequada e eficazmente ao lugar, de maneira a impedi-lo, em caso de capotamento, de deslizar do seu assento e cair por um dos lados da cabina aberta que se achava instalada no dito empilhador, como este último, complementarmente, não possuía uma cabina fechada ou uma outra qualquer estrutura que resguardasse a integridade física do seu motorista de uma queda como a que veio a acontecer nos autos e impossibilitasse que o mesmo ficasse entalado entre o solo e uma qualquer parte desse equipamento.      
Impõe-se, nesta matéria, chamar à boca de cena o artigo 25.º do Decreto-Lei n.º 50/2005, de 25/02, que reza o seguinte:

Artigo 25.º
Risco de capotamento de empilhadores
O empilhador que transporta o operador deve ser adaptado ou equipado de modo a limitar os riscos de capotamento, nomeadamente através de uma estrutura que o impeça, ou uma cabina ou outra estrutura que, em caso de capotamento, assegure ao operador um espaço suficiente entre o solo e o empilhador, ou uma estrutura que mantenha o operador no posto de condução e o impeça de ser apanhado por alguma parte do empilhador
     
Tal quadro fáctico e jurídico, que deve ainda ser completado pelo disposto nos artigos 8.º, números 1 e 2, alíneas a), m), n) e o), 9.º e 12.º do Decreto-Lei n.º 441/91, de 14/11 - alterado pelo Decreto-Lei n.º 133/99, de 12/04 e Lei n.º 118/99, de 11/8 e revogado pela Lei n.º 102/2009, de 10/09 -, impunham ao empregador o cumprimento dos referidos procedimentos de segurança, o que o efetivamente não aconteceu.
A particular dinâmica do sinistro dos autos permite-nos afirmar, sem margem para dúvidas, que a existência de tal cinto de segurança e de uma estrutura protetora do condutor de tal equipamento teria evitado a deslocação do sinistrado, quer do lugar onde estava sentado, como da cabina aberta onde se encontrava a manobrar, obstando finalmente à malograda tentativa de fugir ao seu esmagamento pela referida estrutura (não só porque as referidas medidas cautelares lhe confeririam a segurança necessária, mantendo-o na cadeira e protegido na cabina fechada, como não lhe dariam tempo para uma manobra desesperada como a por ele empreendida e já acima analisada).
Logo, em termos de causalidade adequada, a não introdução de tais alterações no empilhador que esteve envolvido no acidente de trabalho dos autos, revelou-se determinante para a verificação das consequências fatais do mesmo.
Sendo assim, resultando o sinistro em análise da «falta de observação das regras sobre segurança, higiene saúde no trabalho», conforme estipula o corpo do número 1 do artigo 18.º da Lei n.º 100/97, de 13/09, haverá que condenar a Ré empregadora nas prestações fixadas de acordo com a alínea a) desse mesmo dispositivo legal, em termos de responsabilidade primeva e principal, respondendo a Ré Seguradora apenas, em termos subsidiários, conforme estabelecido pelo artigo 37.º, número 1, da LAT.                
Veja-se, nesse sentido, o já referido Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 29/02/2012, processo n.º 165/07.0TTBGC.P1.S1, relator: Sampaio Gomes, publicado em www.dgsi.pt (Sumário):   
II - Resultando provado que a máquina na qual o sinistrado laborava – britadeira de crivo – não estava dotada das proteções que impediam o contacto com elementos móveis – as quais tinham sido retiradas –, que funcionava de forma deficiente, que a empregadora havia dado instruções ao sinistrado para que removesse as pedras que iam caindo no tapete da máquina – instruções às quais obedecia aquando da ocorrência do acidente de trabalho – e que ao sinistrado, não obstante comunicadas os perigos inerentes ao facto de colocar a mão na máquina, não havia sido dada qualquer formação em matéria de segurança quanto ao funcionamento da máquina, não pode concluir-se que o acidente se deveu a sua culpa exclusiva. (…)
V - Atendendo à factualidade enunciada em II, não pode concluir-se que o sinistrado haja atuado de forma temerária, inútil, indesculpável e sem qualquer explicação, dando causa única à eclosão do acidente de trabalho, tanto mais que, por várias vezes, avisou o gerente da empregadora que o tapete da máquina era um perigo e que era necessário substitui-lo.
VI - Apurando-se que o acidente de trabalho ocorreu em virtude de a máquina na qual operava o sinistrado estar sem proteções do crivo e ausente o botão de paragem de emergência junto à zona de perigo, em virtude de inexistirem procedimentos e instruções de segurança relativos ao funcionamento da máquina e em virtude da falta de experiência e formação do sinistrado, em matéria de segurança, relativamente àquele tipo de máquina, é de imputar à empregadora a responsabilidade, a título principal, pela reparação dos danos emergentes daquele acidente, por inobservância das regras de segurança.
VII - A prova de factos que permitem concluir que a entidade empregadora violou deveres de cuidado, atenção ou diligência, que seriam seguidos por um empregador normal, colocado na posição da ré, que contribuíram para a produção do acidente, ou que aquela tenha violado qualquer regra legal de segurança no trabalho, causal do acidente, há lugar à indemnização por danos não patrimoniais.
Temos nessa medida de concluir pela improcedência deste recurso de Apelação também nesta parte.

D - PRESTAÇÃO DEVIDA

Resta-nos abordar a derradeira questão suscitada pela Apelante nas suas alegações de recurso e que se acha sintetizada na sua última conclusão:  
28. Por último, é inexigível o pagamento de reparação ao apelado por não estarem provados os pressupostos da alínea c) do art.º 20 da LAT, ou seja, as condições da sua atribuição (ensino), o que incumbia ao mesmo provar.
Começar-se-á por referir que se trata de uma questão nova, não antes suscitada nos autos pela recorrente (v. g., na sua contestação, antecipando dessa forma a muito próxima data de aniversário do filho da vítima ou em articulado superveniente, após o atingimento da maioridade por parte do mesmo), que não é de conhecimento oficioso e que, portanto, dispensa o Tribunal da Relação de Lisboa de a apreciar e julgar.
Dir-se-á, contudo e em termos sintéticos, que, ainda que este tribunal de recurso estivesse obrigado a analisar tal matéria, a Apelante não tem razão no que afirma, pelos fundamentos sumários que, de imediato, iremos passar a expor. 
O referido artigo 20.º, número 1, alínea c) da LAT refere o seguinte:

Artigo 20.º
Pensões por morte
1 - Se do acidente resultar a morte, as pensões anuais serão as seguintes:
a) (…)
c) Aos filhos, incluindo os nascituros e adotados plena ou restritamente à data do acidente, até perfazerem 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentarem, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade quando afetados de doença física ou mental que os incapacite sensivelmente para o trabalho: 20 % da retribuição do sinistrado se for apenas um, 40 % se forem dois, 50% se forem três ou mais, recebendo o dobro destes montantes, até ao limite de 80 % da retribuição do sinistrado, se forem órfãos de pai e mãe;
 
O Autor BB, conforme ressalta do relatório deste Acórdão, fez 18 anos no dia 29/12/2009, sendo certo que à data da propositura da presente ação (na sua fase contenciosa), ocorrida em 06/07/2009, ainda era menor, não convindo esquecer finalmente que o acidente mortal que vitimou o seu pai aconteceu em 13/03/2007, sendo as prestações decorrente do mesmo devidas desde 14/03/2007.
Logo, tendo em atenção a norma acima reproduzida, não podem restar dúvidas de que a Ré recorrente (a título principal) e a Ré Seguradora (a título subsidiário) são responsáveis pelo pagamento ao referido Autor da pensão emergente do acidente de trabalho do autos, sendo-o, indiscutivelmente, entre 14/03/2007 e 29/12/2009, dado o mesmo ser menor entre tais momentos temporais e desde 30/12/2009 até perfazer 22 ou 25 anos, desde que o beneficiário, conforme ficou determinado na sentença recorrida, frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou curso equiparado ou o ensino superior.
A Ré trata a frequência escolar como um facto constitutivo do direito do Autor mas não será despiciendo recordar o incidente previsto nos artigos 152.º e 153.º do Código do Processo do Trabalho, que imputa à entidade responsável o ónus de alegação e de prova dos factos extintivos, modificativos ou impeditivos do direito ao recebimento da pensão, como é a não frequência escolar, ao nível do ensino secundário ou superior, por parte do filho do sinistrado, convindo ainda realçar que a caducidade desse direito depende também da circunstância de não haver pensões, indemnizações ou quaisquer outras prestações a satisfazer em dívida (cf. entre outros, os Acórdãos do Tribunal da Relação de Coimbra de 18/3/2004, publicado em C.J., 2004, Tomo II, páginas 56 e seguintes e do Tribunal da Relação do Porto de 24/10/2005, publicado em CJ, 2005, Tomo 4.º, páginas 253 e seguintes).                   
Logo, tem o presente recurso de Apelação, pelos motivos expostos, de ser julgado improcedente, confirmando-se a decisão judicial impugnada.           

IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por CC, SA, nessa medida se confirmando a decisão recorrida.
     
Custas a cargo da Apelante - artigo 446.º, número 1, do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.


Lisboa, 17 de Outubro de 2012

José Eduardo Sapateiro
Sérgio Almeida
Jerónimo de Freitas
-----------------------------------------------------------------------------------------
[1]
Acerca do gesto reflexo, instantâneo, de fuga do sinistrado e da não descaracterização do acidente onde tal acontece, o Acórdão do Supremo Tribunal Administrativo, de 18/3/1975, em Acórdãos Doutrinais, n.º 162, página 875 afirma que não envolve culpa grave e indesculpável a saída imediata e instintiva, na iminência de desastre, do condutor que perde a direção do autopesado, circulando em pavimento húmido, à saída duma curva, junto a um muro (citado por José Augusto Cruz de Carvalho, «Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais», Legislação Anotada, 2.ª Edição Atualizada, Petrony, 1983, página 67).
Também o Acórdão do Tribunal da Relação do Porto de 6/03/2006, processo 0544514, relator: Ferreira da Costa, em www.dgsi.pt (Sumário), afirma o seguinte:
«I - De acordo com o art.º 7.º, 1, b) da Lei n.º 100/97, de 13/09, não dá direito a reparação o acidente que provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado.
II - Não age com negligência grosseira (de forma temerária em alto e relevante grau) a sinistrada que, conduzindo o seu veículo na autoestrada e tendo deixado cair uma garrafa de água de 0,33l, se debruçou para a apanhar, entrou em despiste e invadiu a faixa separadora central, depois de ter derrubado as barras de proteção, pois o ato de se debruçar para apanhar a garrafa não traduz uma conduta grave (próxima do dolo), representando antes um ato irrefletido, automático, a identificar com a negligência simples ou leve.»

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