sexta-feira, 9 de novembro de 2012

CONTRATO DE TRABALHO - CONTRATO DE PRESTAÇÃO DE SERVIÇOS




Proc. Nº 4522/09.0TTLSB.L1-4         9.05.2012    TRL


I - Ao longo dos mais de 20 anos em que o autor prestou serviço para a ré efectuou funções de desenhador projectista, realizando desenho à mão, a régua e esquadro, grafismos e perspectiva, no âmbito da decoração de interiores e elaborando projectos de arquitectura e de execução de obras, bem como projectos de alterações, funções estas que eram desempenhadas tanto nas instalações da ré, como fora delas, sem que tivesse de assinar o livro de ponto, obrigatório para os trabalhadores subordinados.
II - Também durante este tempo, resultou provado que o autor trabalhou para outras entidades, na execução de trabalhos idênticos aos que desenvolvia para a ré, teve um atelier próprio, em conjunto com outros arquitectos, não tendo aceite a proposta que lhe foi feita pela ré para que fizesse descontos para a Segurança Social, como trabalhador dependente.
III - Esta recusa do autor além de inviabilizar, por vontade própria, a sua integração nos quadros da empresa ré como trabalhador subordinado, reforçou, ainda, a convicção da ré de que o autor queria uma relação de prestação de serviços, que lhe dava mais liberdade de actuação, e só assim se justifica que, logo em Janeiro de 2009, a ré tenha alertado o autor que iria prescindir dos seus serviços mas só o vindo a fazer em Julho do mesmo ano (factos 35 e 36).
IV - Assim, a sentença recorrida não decidiu de forma correcta pois da análise dos factos provados não resultaram indícios suficientes de que entre autor e ré existia uma relação de trabalho subordinado que caracteriza o contrato de trabalho.
V - Deste modo, a comunicação da ré ao autor, em 7 de Julho de 2009, que não necessitava mais dos seus serviços não configura qualquer despedimento ilícito, devendo a ré ser absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor.

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA, (…)
BB, Lda., (…) , pedindo que seja:
a) Reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre autor e a ré, desde Julho de 1988 até 7 de Setembro de 2009;
b) Declarada a ilicitude do seu despedimento, com todas as legais consequências;
c) A ré condenada a pagar ao autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão final, a calcular em execução de sentença (artigo 390º do Código do Trabalho);
d) A ré condenada a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade, se o autor por ela optar ou, em alternativa, ser a ré condenada a pagar-lhe, nos termos do disposto no artigo 439.º do Código de Trabalho/2003 (aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto), uma indemnização no montante mínimo de € 50.641,29 (cinquenta mil seiscentos e quarenta e um euros e vinte e nove cêntimos), caso outro montante mais elevado
não se venha a apurar;
e) A ré condenada a pagar ao autor as retribuições correspondentes às férias e subsídios de férias e de natal que se venceram respeitantes ao ano de 2009 até à data de 7 de Setembro de 2009, no valor integral de € 5.168,62 (cinco mil cento e sessenta e oito euros e sessenta e dois cêntimos), bem como as que se venham a vencer, estas a calcular em execução de sentença, a que acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral cumprimento;
f) A ré condenada a pagar ao autor, a título de danos não patrimoniais, pelos danos causados pela sua conduta ilícita, um valor nunca inferior a € 10.000,00 (dez mil euros);
g) A ré condenada a pagar ao autor juros de mora desde a citação na presente acção até integral pagamento.

Para o efeito alega que, em 1 de Setembro de 1998, foi admitido ao serviço da ré, como desenhador técnico, actividade que posteriormente desenvolveu cumulativamente com a de desenhador projectista, o que fez entre 1 de Setembro de 1988 e 7 de Setembro de 1999. O autor sempre desempenhou a sua actividade nas instalações da ré; usando o material por esta disponibilizado e que era propriedade desta. A ré controlava a sua assiduidade através de uma folha de horas mensal onde eram controladas as horas de trabalho. Auferia uma quantia fixa (€ 2.411,49/mês), bem como subsídio de férias e de Natal, gozando férias um mês por ano. Obedecia a ordens e instruções da ré, dependendo de ordens do arquitecto ..., estando inserido na sua estrutura organizativa. Em 31 de Julho de 2009, véspera do início do período de férias, a ré comunicou ao autor que não necessitava mais dos seus serviços, o que configura um despedimento, ilícito, tendo direito a indemnização. De férias e subsídio de férias pelo tempo proporcional ao tempo de trabalho prestado no ano de 2009, são-lhe devidos € 3.560,96 e subsídio de Natal no valor de € 1.607,66.


Na contestação a ré sustenta que deve ser declarada a inexistência de um contrato individual de trabalho entre si e o autor já que o autor era profissional liberal, não prestava a sua actividade apenas na ré e não era subordinado da ré. Como não mantinha com o autor um contrato de trabalho mas de prestação de avença prescindiu dos serviços do autor com seis meses da antecedência. Invocou ainda um manifesto abuso de direito por parte do autor no exercício do direito aos valores agora peticionados

Após a realização da audiência de julgamento foi proferida sentença que decidiu nos seguintes termos: Por todo o exposto julga-se a acção parcialmente procedente, e em consequência:
a. Reconhece-se a existência de um contrato de trabalho entre autor e a ré, desde Julho de 1988;
b. Declara-se a ilicitude do seu despedimento, e em consequência:
b.a. Condena-se a ré a reintegrar o autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade;
b.b. Condena-se a ré a pagar ao autor o montante das retribuições (incluindo férias, subsídio de férias e subsídio de Natal) que deixou de auferir desde o 30.º dia antes da propositura da acção até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros desde a citação para as vencidas até tal data e das respectivas datas de vencimento para cada uma das restantes retribuições até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano. A tal valor deve ser deduzido o montante das importâncias atinentes a rendimentos de trabalho auferido pela autora em actividades iniciadas posteriormente ao despedimento e ainda o montante do subsídio de desemprego.
b.c. Condena-se a ré condenada a pagar ao autor a quantia de quatro mil, oitocentos e dezasseis euros e trinta e sete cêntimos (€ 4.816,37), a que acrescem juros legais desde a citação até efectivo e integral cumprimento, à taxa legal supletiva em vigor, e que é actualmente de 4% ao ano;
c. Absolve-se a ré do demais peticionado.

A ré, inconformada, interpôs recurso, tendo para o efeito elaborado as a seguir transcritas,
Conclusões:
(…)


Cumpre apreciar e decidir

I. Tal como resulta das conclusões do recurso interposto, a questão essencial suscitada é relativa à natureza do contrato existente entre autor e ré, no caso de se concluir pela existência de um contrato de trabalho, saber se o exercício do direito aos valores agora peticionados pelo autor configura, ou não, um abuso de direito na modalidade de venire contra factum propriu.

II. Fundamentos de facto
Foram considerados provados os seguintes factos:
1. Desde 1 de Setembro de 1988 o autor efectuou para a ré funções de desenhador projectista, designadamente: desenho à mão, a régua e esquadro; grafismos e perspectiva;
2. … No âmbito da actividade de decoração de interiores;
3. E ainda elaborando projectos de alterações (amarelos e vermelhos); plantas, alçados e cortes;
4. … No âmbito da elaboração de projectos de arquitectura e de execução de obras;
5. Tais funções eram desempenhadas mediante as ordens e sob a orientação (instruções) do arquitecto CC, gerente da ré, designadamente quanto aos projectos a realizar; especificações; e momentos em que cada um deveria ser efectuado;
6. E dos “arquitectos sénior”;
7. O autor era considerado por alguns dos colaboradores como “sócio desenhador” e “chefe de sala”;
8. Sendo o autor quem, em conformidade as orientações referidas em 5., distribuía os trabalhos pelos demais desenhadores da ré;
9. Os trabalhos de desenho de interiores realizados pelo autor, eram por si assinados;
10. Mas pertença da ré…;
11. … Que tinha no seu todo a responsabilidade do projecto/obra;
12. Era a ré, designadamente os seus gerentes, que assinavam os projectos;
13. Sendo em parte desempenhados nas instalações da ré;
14. Quando os desenhos e projectos efectuados pelo autor eram efectuados nas instalações da ré, o autor utilizava estirador; computador e canetas;
15. Que eram pertença da ré;
16. O autor desempenhava as funções acima descritas de segunda a sexta-feira, em regra durante sete horas diárias de trabalho;
17. Em regra dentro do período de funcionamento do gabinete, que era das 9h30 e as 13h00, e das 14h30 e as 19h00;
18. Pelo menos até 1990 a ré não tinha livro de ponto;
19. Em data não determinada após 1990 a ré possuía livro de ponto;
20. E folhas de obra;
21. Nas folhas de obra eram registadas as horas dispendidas em cada obra/projecto desenvolvido pela ré;
22. Servindo para contabilização do número de horas em cada obra, sendo preenchido por todos os que estivessem envolvidos em determinada obra/ projecto;
23. O livro de ponto era assinado pelos trabalhadores que na ré eram designados como “trabalhadores subordinados”, designadamente aqueles para os quais eram feitos os descontos como trabalhadores dependentes;
24. O autor nunca assinou o livro de ponto;
25. Em contrapartida pelas funções desempenhadas o autor recebia mensalmente um valor fixo;
26. Tal valor é, desde 2000, de € 2.411,49;
27. Verba que nos meses de Junho de Novembro (por vezes Dezembro) era paga a duplicar;
28. E era entendida por todos como correspondendo aos subsídios de férias e de Natal;
29. O autor gozava um mês de férias;
30. De 1998 a 2009 o autor prestou serviços e executou trabalhos para outras entidades, em regime de profissional liberal;
31. Designadamente: projecto de remodelação de um imóvel na Travessa do ..., em Cascais; projecto para implantação de um restaurante na Rua ..., em Lisboa, projecto de remodelação de um edifício em Oeiras, para o Sr. DD, projectos de remodelação de interiores de hotéis na Madeira, Funchal, como o Hotel; ... em 1992, o Hotel ... ... ... em 1997, o Hotel ...; ..., em 1993, e o Hotel ..., no ...-Cascais, em 1998;
32. De 1993 a 1996 teve um atelier partilhado com o Arquitecto EE, sito (…), em Linda a Velha e nos anos 1995 e 1996 partilhou um atelier com o Arquitecto FF, sito (…), em Telheiras;
33. O autor nunca assinou o livro de ponto;
34. O autor não aceitou proposta do Arquitecto GG, em 1999, então gerente da ré, para que fizesse descontos para a Segurança Social, como “trabalhador” dependente da ré;
35. Desde Janeiro de 2009 o gerente da ré, arquitecto GG alertou o autor que iria prescindir dos seus serviços a partir do Verão;
36. O que fez em 7 de Julho de 2009, comunicando ao autor que não necessitava mais dos seus serviços após o período de férias, a ocorrer durante o mês de Agosto.

III. Fundamentos de direito
Na sentença recorrida foi reconhecida a existência de um contrato de trabalho entre o autor e a ré desde Julho de 1988. Com efeito, depois de algumas considerações gerais sobre a distinção entre contrato de trabalho e de prestação de serviços, analisaram-se os factos apurados e concluiu-se, sobre os indícios da relação sub iúdice, que: “No caso dos autos, resultou provado que desde 1 de Setembro de 1988 o autor efectuou para a ré funções como de desenhador projectista, quer no âmbito da decoração de interiores (desenho à mão, a régua e esquadro; grafismos e perspectiva), quer no âmbito da elaboração de projectos de arquitectura e de execução de obras (projectos de alterações - amarelos e vermelhos; plantas, alçados e cortes). O que fazia mediante as ordens e sob a orientação (instruções) do arquitecto GG, gerente da ré, designadamente quanto aos projectos a realizar; especificações; e momentos em que cada um deveria ser efectuado e dos “arquitectos sénior”. O autor encontrava-se integrado no organização de pessoal da ré, tanto mais, que era considerado por alguns dos colaboradores como “sócio desenhador” e “chefe de sala”, sendo o autor quem, em conformidade as orientações por si recebidas, distribuía os trabalhos pelos demais desenhadores da ré;
Os desenhos do autor eram por si assinados mas a responsabilidade de todo o projecto/obra era da ré, sendo os seus gerentes que, a final, assinavam o projecto. O autor desempenhava as funções acima descritas de segunda a sexta-feira, em regra durante sete horas diárias de trabalho e dentro do período de funcionamento do gabinete, que era das 9h30 e as 13h00, e das 14h30 e as 19h00.
Por último, e em contrapartida as funções desempenhadas o autor recebia mensalmente um valor fixo, o qual nos meses de Junho de Novembro (por vezes Dezembro) era paga a duplicar, sendo entendida por todos como correspondendo aos subsídios de férias e de Natal, tanto assim que o autor gozava um mês de férias.
Indícios que, à luz da globalidade da relação jurídica concreta, permitem concluir que o autor esteve juridicamente subordinado à ré, mantendo com esta contrato de trabalho, 1 de Setembro de 1998 a Setembro de 2009.”
Assim sendo, na sentença recorrida foram considerados indícios da existência de subordinação jurídica os que se reconduzem à existência de ordens e orientações por parte do gerente da ré e dos arquitectos sénior, à integração do autor na organização de pessoal da ré, ao cumprimento de um horário, e ao recebimento de uma remuneração mensal fixa.
Afigura-se-nos, porém, que a matéria de facto apurada revela factos indiciadores da inexistência de uma subordinação jurídica do autor à ré, sendo certo que incumbe ao autor ónus de prova da existência do contrato de trabalho.
Vejamos porquê.
O contrato de trabalho vem definido no art.º10 do CT/2003 como aquele pelo qual uma pessoa se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade intelectual ou manual a outra, ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas. Assim, por parte do trabalhador, o que está em causa é a prestação da sua actividade, que a entidade empregadora organiza e dirige no sentido de alcançar determinado resultado. Esta subordinação tem sido considerada pela doutrina e jurisprudência como o elemento caracterizador do contrato de trabalho, consistindo na relação de dependência da conduta do trabalhador, na execução da sua actividade, às ordens, regras ou orientações ditadas pelo empregador, dentro dos limites do contrato e das normas que o regem. Todavia, sendo este conceito de subordinação um conceito jurídico, saber quando existe de facto a orientação e direcção da actividade do trabalhador por parte do empregador nem sempre reveste a mesma facilidade.
Apesar de teoricamente a distinção não oferecer dúvidas de maior, certo é que na prática, face à diversidade que assumem as relações, frequentemente é difícil proceder à qualificação de uma situação em que existe prestação de trabalho remunerado em benefício de outrem, sendo que muitas vezes, a conformação da situação de facto ao conceito de subordinação jurídica só pode ser alcançada através do recurso ao “método indiciário”, que se baseia na procura de indícios fácticos ligados ao concreto exercício dos poderes de orientação e direcção por parte do empregador. Estes indícios, para a existência de uma subordinação jurídica, traduzem-se normalmente em elementos que respeitam ao modo de organização da entidade empregadora na qual a actividade do trabalhador está inserida, e que, desse modo, denunciam a sua sujeição à autoridade e supremacia do empregador. Têm sido considerados como indiciadores dessa subordinação: - a vinculação a horário de trabalho estabelecido pelo empregador; o local de trabalho; a prestação do trabalho em instalação do empregador ou em local por ele designado corresponde normalmente a trabalho subordinado; a existência de controlo externo do modo da prestação da actividade; a obediência a ordens e a sujeição à disciplina da empresa; a modalidade da retribuição; a existência de uma retribuição certa, à hora, ao dia, à semana ou ao mês indicia trabalho subordinado, por estar normalmente relacionado com a remuneração da actividade do trabalhador e não com o resultado do mesmo; - a propriedade dos instrumentos do trabalho; - a pertença ao empregador indicia a existência do contrato de trabalho, em virtude de o empregador proporcionar, em regra, ao trabalhador subordinado os elementos necessários ao cumprimento da sua prestação.
Costumam, ainda, apontar-se outros índices, de carácter formal e externo, como a observância dos regimes fiscal e de segurança social, próprios dos trabalhadores por conta de outrem. Mas, é preciso sublinhar, tal como adverte Monteiro Fernandes, in Direito do Trabalho 11ª edição pág. 143, “ ...cada um destes elementos, tomados de per si, reveste-se de patente relatividade. O juízo a fazer é sempre um juízo de globalidade, conduzindo a uma representação sintética da tessitura jurídica da situação concreta. Não existe nenhuma fórmula que pré-determine o doseamento necessário dos índices de subordinação, porque cada um deles pode assumir significado diverso caso a caso”.
Analisemos então os factos apurados e os indícios que relevam sobre a natureza da relação de trabalho que vinculou autor e ré.
- Relativamente ao invocado índice sobre o horário de trabalho, provou – se que, em regra, o autor desempenhava as funções, de segunda a sexta-feira, dentro do período de funcionamento da ré, porém, não resultou provado que o autor cumpria qualquer horário que lhe tivesse sido determinado pela ré, nem que esta exercia o controlo da assiduidade do autor, ou que sobre ele exercesse o poder disciplinar, antes pelo contrário, resultou provado que o autor nunca assinou livro de ponto, que era assinado pelos trabalhadores que na ré eram designados como "trabalhadores subordinados", designadamente aqueles para os quais eram feitos descontos como trabalhadores dependentes (facto n.º23), sendo certo que assinar o livro de ponto configura um elemento controlador da assiduidade, pelo que quem não o assina, nem prove que disso está expressamente dispensado, indicia que não está sujeito ao dever de assiduidade, que constitui um dos deveres dos trabalhadores subordinados – art.º121 n.º1b) do CT/2003.
- O facto de o autor receber uma remuneração certa, só por si, não é indício decisivo para a qualificação do contrato, já que tal também sucede nos contratos de avença, que, não raro, são pagas em 14 meses, em resultado dos acordos estabelecidos entre as partes sobre os valores mensais, e como bem nota a recorrente, se de retribuição se tratasse não é credível, dado o contexto laboral da época, que o mesmo se mantivesse fixo de 2000 a 2009 (facto n.º 26).
- Quanto ao local de trabalho, resultou provado que o autor tanto realizava os desenhos e projectos nas instalações da ré, como fora delas (factos 13 e 14), tendo prestado serviços e executado trabalhos, de 1998 a 2009, para outras entidades, em regime de profissão liberal (factos 30 e 31), assim como resultou provado que, de 1993 a 1996, teve um atelier partilhado com outros arquitectos (facto 32).
- Quanto às orientações e instruções recebidas pelo autor apurou-se que existiam apenas no que respeita aos projectos a realizar e tempo de execução, sendo que as especificações eram dadas por quem era responsável pelo projecto global – arquitecto GG, gerente da ré – e não – quanto ao modo de prestação e execução do trabalho do autor (facto n.º5). É certo que resultou igualmente provado que o autor no âmbito de execução de projectos coordenava e distribuía a outros colaboradores da ré tarefas no âmbito do projecto em execução. Porém, esta distribuição não é indiciadora da integração do autor na organização de pessoal da ré mas tão, somente, na organização do trabalho relativamente à elaboração de cada projecto em concreto. Sendo certo que resultou provado que o autor não aceitou a proposta do arquitecto GG, então gerente da ré, para que fizesse descontos para a Segurança Social, como "trabalhador" dependente da ré (facto 34).
- Mas resultaram, ainda, apurados factos que nos levam a concluir que o autor não estava sujeito ao dever de exclusividade, nem ao dever de não concorrência perante a ré, pois apurou-se que o autor prestou serviços para outras entidades na mesma área de actividade e exerceu, por conta própria, actividade concorrencial da actividade da ré, situação aceite por ambas as partes, o que pressupõe que o autor não se havia obrigado ao cumprimento dever de lealdade, que é um dever fundamental numa relação de subordinação jurídica – art.º121, n.º1 e) do CT /2003.
- Quanto à não inscrição na Segurança Social, recusada pelo Autor, desde 1999 (facto 34), configura um forte indício no sentido contrário ao da existência de um contrato de trabalho, manifestado pelo próprio autor. Embora, seja uma obrigação que impende sobre o empregador, parte da contribuição tem de ser obrigatoriamente suportada pelo trabalhador e este recusou, ao ser convidado pelo gerente da sociedade, a fazê-lo com vista a integrar os quadros da empresa como trabalhador dependente. Perante tal recusa, ficou inviabilizada a sua integração como trabalhador dependente, situação que o autor dela beneficiou pois não estava sujeito aos deveres de assiduidade, exclusividade e não concorrência que o afastavam da sujeição ao poder disciplinar. Assim sendo, o autor, depois de beneficiário dessa situação, vir invocar a existência de um contrato de trabalho, fá-lo à revelia de uma conduta por si assumida e querida ao longo de 20 anos, o que até poderia configurar o exercício de um direito em manifesto abuso, na modalidade de um venire contra factum propriu, proibido pelo art.º334 do CC – A propósito de uma situação idêntica, ver um recente Acórdão do STJ de 16.11.2011 publicado na dgsi.pt.
Em síntese, ao longo dos mais de 20 anos em que o autor prestou serviço para a ré efectuou funções de desenhador projectista, realizando desenho à mão, a régua e esquadro, grafismos e perspectiva, no âmbito da decoração de interiores e elaborando projectos de arquitectura e de execução de obras, bem como projectos de alterações, funções estas que eram desempenhadas tanto nas instalações da ré, como fora delas, sem que tivesse de assinar o livro de ponto, obrigatório para os trabalhadores subordinados. Também durante este tempo, resultou provado que o autor trabalhou para outras entidades, na execução de trabalhos idênticos aos que desenvolvia para a ré, teve um atelier próprio, em conjunto com outros arquitectos, não tendo aceite a proposta que lhe foi feita pela ré para que fizesse descontos para a Segurança Social, como trabalhador dependente. Esta recusa do autor além de inviabilizar, por vontade própria, a sua integração nos quadros da empresa ré como trabalhador subordinado, reforçou, ainda, a convicção da ré de que o autor queria uma relação de prestação de serviços, que lhe dava mais liberdade de actuação, e só assim se justifica que, logo em Janeiro de 2009, a ré tenha alertado o autor que iria prescindir dos seus serviços mas só o vindo a fazer em Julho do mesmo ano (factos 35 e 36).
Deste modo, afigura-se-nos que a sentença recorrida não decidiu de forma correcta ao considerar que o autor tinha provado, como lhe competia, a existência de um contrato de trabalho com a ré. Com efeito, da análise dos factos provados, como acima se viu, não resultaram indícios suficientes de que entre autor e ré existia uma relação de trabalho subordinado que caracteriza o contrato de trabalho. Assim, a comunicação da ré ao autor, em 7 de Julho de 2009, que não necessitava mais dos seus serviços não configura qualquer despedimento ilícito, devendo a ré ser absolvida de todos os pedidos formulados pelo autor.

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se procedente o recurso interposto, e revoga-se a sentença recorrida, absolvendo-se a ré de todos os pedidos formulados pelo autor.
Custas pelo recorrido.

Lisboa, 9 de Maio de 2012.

Paula Sá Fernandes
José Feteira
Filomena de Carvalho



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