sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PRAZO PARA A IMPUGNAÇÃO JUDICIAL DAS SANÇÕES DISCIPLINARES DIVERSAS DO DESPEDIMENTO



Proc. Nº 4230/09.1TTLSB.L1-4   TRL   18.04.2012

A - Tal como se refere em recente e douto aresto do STJ de 06-12-2011 , proferido no processo: 338/08.9TTLSB.L1.S1, 4ª secção, Relator: SAMPAIO GOMES acessível em www. dgsi.pt):
” I - É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.
II - No Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação, mas é omisso quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento.
III- Não contendo a lei qualquer norma aplicável à situação referida, e inexistindo qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, quanto ao início da contagem do prazo, a integração das lacunas de lei deverá fazer-se por analogia iuris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, traduzindo-se na criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.
IV - Atendendo a que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência do CT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação”.
B – O acto impeditivo da caducidade de acção de impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento é o da sua propositura , sem mais, consumando-se esta com o recebimento da petição inicial na secretaria.

AA intentou[1] acção emergente de contrato individual de trabalho , com processo comum ,contra  BB Actividades Turísticas Hotelaria, S.A.
Pede que seja anulada a sanção que lhe foi aplicada e, em consequência, retirada toda e qualquer referência à mesma do seu cadastro disciplinar e que lhe seja paga a título de indemnização por danos morais a importância de € 6.000,00, tudo acrescido de juros , à taxa legal, a contar da citação até efectivo pagamento.      
Alegou, em resumo, que foi punida com perda de um dia de férias por carta de 13 de Novembro de 2008 por factos que lhe foram imputados, sendo certo que não cometeu qualquer infracção quer por acção quer por omissão.
Mais alegou a caducidade porquanto até à data a Ré não fez executar essa decisão.
A Ré foi citada em 4 de Dezembro de 2009 – vide fls. 23.
Realizou-se audiência de partes.[2]
A Ré contestou.
Alegou, em síntese, que caducou o direito de impugnar judicialmente a sanção aplicada.
Foi proferido despacho saneador que teve o seguinte teor:
“Face à simplicidade da causa, dispenso a convocação da audiência
preliminar, à contrário do disposto no nº 1 do art.º 62º do C. P. Trabalho, uma vez que os autos já fornecem todos os elementos probatórios necessários à apreciação da excepção peremptória da prescrição, que se mostra já suficientemente debatida nos articulados.
I - O Tribunal é competente em razão nacionalidade, da matéria, da hierarquia e do território.
O processo é o próprio e mostra-se válido.
As partes têm personalidade e capacidade judiciária e gozam de legitimidade.
Não há nulidades, cumprindo apreciar a excepção da prescrição deduzida pela ré na contestação, com base nos seguintes factos:
1 - Por carta datada de 13 de Novembro de 2008, que a A. recebeu em 15 de Novembro de 2008, foi a autora punida com perda de um dia de férias. (alegação da autora sob o artigo 5º da petição, não impugnada pela ré)
2 - A petição inicial deu entrada em juízo, através do sistema “Citius”, no dia 13 de Novembro de 2009 (fls. 21);
3 - A ré foi citada pelo correio em 4 de Dezembro de 2010 (fls. 23).
II - A ré alega que a acção de impugnação de sanção disciplinar que não o despedimento é de 3 meses após a aplicação da sanção.
Quanto à questão de saber qual o prazo de prescrição para a acção de
impugnação de sanção disciplinar que não o despedimento, transcreve-se a fundamentação do Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 4.05.2005, proferido no processo nº 1602/2005-4, com a qual se concorda:
“Questão a tratar: Saber se o prazo para impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da data da comunicação da sua aplicação.
Ainda recentemente tratámos de caso em tudo semelhante em acórdão desta Relação (recurso n.º 9.991/04 - 4.ª Secção) e que, por isso, vamos, aqui, transcrever quase na íntegra:
“A propósito desta questão escreveu-se no acórdão do STJ de 20/05/ de 1998, in AC. DOUT. 443 - «Vejamos se será de aplicar, e em que termos, o disposto no artigo 38.º, da L.C.T., que dispõe que todos os créditos resultantes do contrato de trabalho e da sua violação ou cessação, prescrevem no prazo de um ano do dia seguinte àquele em que cessou o contrato de trabalho.
E nem se diga que este artigo se refere só ao crédito, no sentido de prestação pecuniária, na linguagem generalizada. E nem ele pode ser entendido num puro critério civilístico, antes se tendo de atender às especificidades próprias do direito laboral.
E, nestes termos, aquela expressão créditos tem de ser entendida com um critério mais genérico, correspondendo ao direito pessoal (cfr. Dr. Pedro Macedo, em Poder Disciplinar Laboral, págs. 161-162), aí se incluindo o direito de impugnação de decisão disciplinar, pois o que está em causa é o accionamento tempestivo de um direito.
E, neste campo, a jurisprudência é uniforme no sentido de que a impugnação de despedimento tem o prazo de um ano referido naquele artigo 38.º, a partir do despedimento (cfr. Acs. Dout., n.ºs 233/668, 234/769, 240/1522, 242/262 e 266/262).
Mas, a aplicação do prazo referido no n.º 1, do falado artigo 38.º, também se afigura como não aplicável.
Na verdade, o despedimento - sanção mais grave - só pode ser impugnado no prazo de um ano a contar da data em que foi decretado. Assim sendo, e estando a impugnação do despedimento sujeito àquele prazo e condição, não se compreenderia que uma sanção menos grave pudesse ser impugnada dentro do critério definido pelo citado n.º 1, pois se o contrato se mantivesse em vigor por um período superior a um ano - v.g. 10 ou 20 anos - seria aquele prazo mais dilatado do que o correspondente ao do despedimento.
E com a aplicação daquele prazo, tal como o referido n.º 1 o regulamenta, poderia acarretar para o trabalhador a dificuldade da prova para a impugnação.
E, aqui, haverá que ter em conta o disposto no n.º 2 do mesmo artigo 38.9, que permite a reclamação de crédito pela aplicação de sanção abusiva, no prazo de um ano a contar do despedimento, mas exige que a prova se faça por documento idóneo.
Se se fosse aplicar aquele prazo à sanção não abusiva, e, por isso, menos grave - como ela não está sujeita á exigência daquele n.º 2, por não estar aí prevista, o que não é de aceitar.
Assim, de concluir é da não aplicação daquele prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato.
Assim, não se aplicando os normativos referidos, haverá que determinar qual o prazo para a reclamação, já que ele terá de existir.
Afigura-se como mais correcta a solução de que a reclamação terá de ser feita no prazo de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção. – sublinhado nosso.
Esta solução é a que melhor se harmoniza com os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos — 10, 15... - sem se saber se determinada sanção se mantêm ou é anulada.
E esta solução justifica-se e harmoniza-se, ainda, com o prazo fixado para a impugnação do despedimento, que tem o prazo de um ano a contar do dia seguinte ao da cessação do contrato dela resultante.
Finalmente, é esta a solução preferível, tendo em conta a facilidade de prova, por não deixar correr um prazo demasiado longo.
Conclui-se, assim, que o prazo para a impugnação das sanções aplicadas aos AA. É de um ano a contar da comunicação da aplicação da sanção.»
Também no Acórdão do STJ de 04/07/90, in AJ 10.º/11.º-30, se decidiu de igual modo e com semelhante fundamentação, tendo-se escrito no respectivo sumário:
«I - O prazo para impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da sua aplicação.
II - A favor desta posição militam os princípios da estabilidade e certeza do direito disciplinar, evitando que se fique vários anos sem saber se determinada sanção se mantém ou é anulada.
III - Aquele é igualmente o prazo fixado para a impugnação do despedimento - sanção mais grave da escala disciplinar.
IV - E também no aspecto da facilidade da prova a solução preferível. por não deixar correr prazo demasiado longo».
Consideramos correcta esta orientação do STJ.
Pelo seu interesse, tenha-se ainda em atenção o voto de vencido no recente acórdão deste Tribunal da Relação, de 09/12/2004, acessível em www.dgsi.pt , em que se escreveu, a propósito desta mesma questão:
«Votei a decisão embora continue a entender que no caso de sanções disciplinares não abusivas, o prazo para impugnação de tais sanções aplicadas aos trabalhadores pela entidade patronal é de um ano a contar da comunicação da sua aplicação.
Como se escreve no Ac. do Tribunal Constitucional n° 185/2004 .(Processo n° 423/03), acessível em wsvw.tribunalconstitucional.pt/ jurisprudencia.htm, “A este respeito – e independentemente da questão de saber se o regime de prescrição dos créditos laborais
constante do artigo 38. n.° 1, da LCT é o único constitucionalmente admissível - há que reconhecer que, no que respeita à impugnação de sanções disciplinares, ocorrem ponderosas razões de paz jurídica, a reclamar que não se deixe protelar excessivamente no tempo a solução desses litígios, que tornam constitucionalmente conforme a interpretação acolhida na decisão recorrida de que o prazo de tal impugnação corre mesmo na vigência da relação laboral. Essa preocupação de paz jurídica é evidenciada pelos apertados prazos,
legalmente impostos à entidade empregadora, de início do procedimento disciplinar (60 dias subsequentes ao conhecimento da infracção – n.º 1 do artigo 31.º da LCT), de prolacão da decisão punitiva (30 dias após a conclusão da instrução - n.º 8 do artigo 10.° do Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.° 64-A/89, de 27 de Fevereiro) e de execução da sanção disciplinar (3 meses subsequentes à decisão punitiva - n.° 3 do artigo 31. da LCT)" .
No mesmo Acórdão do Tribunal Constitucional decidiu-se também “Não julgar inconstitucional a norma, que a decisão recorrida reportou ao artigo 38.º, n.º 1, do Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 49408, de 24 de Novembro de 1969, de acordo com a qual o prazo de impugnação judicial de decisão de sanção disciplinar de um dia de suspensão sem vencimento prescreve no prazo de um ano contado desde a data de comunicação da aplicação da respectiva sanção, mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado.»
Aderimos, pois, à orientação do STJ no sentido de que “o prazo para a impugnação das sanções disciplinares laborais é de um ano a contar da data da comunicação da sua aplicação ao trabalhador”, com aceitação, em termos constitucionais, pelo próprio Tribunal Constitucional (…)”.
Resulta evidenciado da fundamentação deste acórdão, à qual se adere, que o prazo de prescrição aplicável à acção de impugnação de sanção disciplinar que não o despedimento não é de 3 meses após a aplicação da sanção, mas é aplicável também o prazo de um ano previsto no artigo 435º, nº 2 do Código de Trabalho, aprovado pela Lei nº 99/2003, de 27.08.
A prescrição consiste na perda ou extinção de um direito disponível ou que a lei não declare isento de prescrição, por virtude do seu não exercício durante certo tempo (art.º 298º, n.º 1 do Código Civil).
Como escreve o Prof. Mota Pinto, in “Teoria Geral do Direito Civil”, 2ª ed., pág. 374, “o instituto da prescrição justifica-se, em regra, com a inércia do titular do direito em exercitá-lo, o que faz presumir uma renúncia ou, pelo menos, o torna indigno da tutela do direito, conjugado com a necessidade social de segurança jurídica e certeza dos direitos”.
No caso presente, o prazo de um ano previsto no referido preceito legal
começa a contar-se a partir do dia seguinte à comunicação da sanção ao trabalhador, o que no caso presente, conforme consta dos factos acima indicados, ocorreu no dia 15.11.2008, pelo que o prazo de prescrição de um ano terminou às 24 horas do dia 15 de Novembro de 2009, de acordo com o disposto no art.º 279º, al. c) do Código Civil, ex vi do art.º 296º do mesmo código.
A petição inicial da presente acção deu entrada em juízo no dia 13 de
Novembro de 2009, mas a ré apenas veio a ser citada no dia 4 de Dezembro de 2009.
O prazo de prescrição, enquanto não decorrer na sua totalidade, é susceptível de ser interrompido. A interrupção da prescrição pode ocorrer por promoção do titular do direito (art.º 323º do Código Civil), por compromisso arbitral (art.º 324º do Código Civil) ou pelo  reconhecimento do direito (art.º 325º do Código Civil).
A interrupção da prescrição promovida pelo titular do direito ocorre designadamente quando se exprime a intenção de exercer o direito pela citação (art.º 323º, nº 1 do Código Civil).
Nos termos do n. 2 do artigo 323º do Código Civil, se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
No caso presente, por efeito desta disposição legal, a prescrição deve
considerar-se interrompida no dia 18.11.2009 e não no dia 4.12.2009, data da citação.
Porém, verifica-se que no dia 18.11.2009 já o prazo de um ano tinha
decorrido na sua totalidade, pelo que o direito que a autora pretendia ver reconhecido na presente acção já se encontrava extinto nessa data, impondo-se julgar procedente a excepção da prescrição invocada pela ré.
III - Pelos fundamentos expostos, julgo procedente a invocada excepção da prescrição, e, em consequência, absolvo a ré BB - Actividades Turísticas Hoteleiras, S.A. do pedido.
Sem custas, atenta a isenção da autora (art.º 4º, nº 1, al. h) do RCP).
Fixo o valor da causa em 6.019,72 € (art.º 306º, nº 1 e 2 do C. P. Civil).
Notifique e registe” – fim de transcrição.
Inconformada com a decisão, a Autora apelou.
Concluiu que:
(…)
A Ré contra-alegou (fls. 60 a 69).
Pugnou pela manutenção da decisão recorrida.
Já nesta Relação o recurso foi admitido, nada mais havendo a referir a tal título.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência do recurso – vide fls. 80/81.
A Autora respondeu pugnando pela posição anteriormente sustentada – vide fls. 84.
Nada obsta ao conhecimento do recurso.

                                                      ***

Na presente decisão ter-se-ão em conta os factos constantes do supra elaborado relatório.

                                                         ****


É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º do CPC) [i] .
In casu, o recurso interposto pela Autora apresenta uma única questão que consiste em saber se o seu direito de impugnar a sanção disciplinar que lhe foi imposta se mostra ou não prescrito.
E a tal título transcrever-se-á aqui recente e douto aresto do STJ de 06-12-2011 , proferido no processo: 338/08.9TTLSB.L1.S1, 4ª secção, Relator: SAMPAIO GOMES acessível em www. dgsi.pt)  que mereceu o seguinte sumário:
” I - É de caducidade o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pela sua entidade patronal, pois trata-se de um direito que deve ser exercido através de uma acção judicial, a intentar dentro de determinado prazo.
II - No Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27-08, prevê-se, de forma expressa, a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artigo 371.º), bem como o prazo de um (1) ano, a contar da data do despedimento, para intentar a respectiva acção de impugnação, mas é omisso quanto ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar distinta do despedimento.
III- Não contendo a lei qualquer norma aplicável à situação referida, e inexistindo qualquer preceito análogo que possa resolver a referida lacuna, quanto ao início da contagem do prazo, a integração das lacunas de lei deverá fazer-se por analogia iuris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, traduzindo-se na criação de norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.
IV - Atendendo a que com a impugnação judicial de uma sanção disciplinar se visa obter a sua anulabilidade, estabelecendo a lei geral (art. 287.º do Código Civil) o prazo de um ano prazo para a impugnação das invalidades, e que é, também, esse o prazo que o art. 435.º do Código do Trabalho de 2003 fixa para a sanção especifica do despedimento, as sanções disciplinares laborais, distintas do despedimento, na vigência do CT, devem ser judicialmente impugnadas no prazo de um ano a contar da data da sua comunicação” – fim de transcrição e sublinhado nosso.
Nesse acórdão afirma-se :
“ Sendo a prescrição e a caducidade formas de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjectivos, a sua distinção reside em que a prescrição extingue esses direitos e a caducidade torna-os inexigíveis. E não estabelecendo a lei aquele critério de distinção, esta tem de colher-se na interpretação das disposições normativas que fixam prazos para o exercício de direitos.
Ora, na situação em apreço, o que se discute é saber qual o prazo de que os trabalhadores dispõem para impugnar judicialmente uma sanção disciplinar que lhes tenha sido aplicada pelo seu empregador.
Desta forma, se aquele direito tiver de exercer-se através de uma acção judicial, a instaurar dentro de determinado prazo, estamos no domínio da caducidade; se, ao invés, esse direito houver de ser exercido dentro de determinado prazo, a sua inobservância provoca a inexigibilidade do direito, e neste caso, fala-se de prescrição.         
A questão, no domínio específico das sanções disciplinares laborais, tem-se revelado controversa, anotando-se sensíveis divergências sobre ela, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência.                  
De tal dissonância se faz eco no Ac.deste Supremo Tribunal, de 29.11.2005 (Sousa Grandão), que vinha já do “Regime Jurídico do Contrato Individual de Trabalho”, aprovado pelo D.L. n.º 49.408, de 24 de Novembro de 1969, sendo que a questão não se mostra minimamente resolvida pelo actual Código do Trabalho.
De um lado sustenta-se, como  Pedro Romano Martinez, que esse prazo é de um ano após a data da cessação do contrato individual de trabalho, independentemente da data em que o trabalhador teve conhecimento da sanção, recorrendo-se, para o efeito, da prescrição contida no art.º 38º n.º 1 da L.C.T. (in “Direito do Trabalho”, pág. 599).
A jurisprudência do S.T.J., vem seguindo a orientação de que o prazo em apreço será de um ano após a comunicação da sanção mesmo que o contrato de trabalho não haja cessado (Acs. de 22.10.2008 –rec. Nº3787/07; de 29.11.2005, Proc. Nº1703/05).
E tal controvérsia decorre da inexistência absoluta de norma legal que, directa ou indirectamente, preveja tal questão.
O Código do Trabalho (2003) já prevê, de forma expressa a admissibilidade da acção judicial para impugnar as sanções disciplinares (artº 371º), assim como o artº 435º do mesmo CT, no seu nº 2, regula, expressamente, o prazo para intentar a acção de impugnação do despedimento, quando rege que “A acção de impugnação deve de ser intentada no prazo de um ano a contar da data do despedimento, excepto no caso despedimento colectivo em que a acção de impugnação teve de ser intentada no prazo de seis meses contados da data da cessação do contrato”.
Ficou, assim, resolvida a questão do prazo de impugnação da sanção disciplinar do despedimento que, no regime anterior, se considerava ser o prazo de um ano a contar da data da cessação do contrato individual de trabalho, previsto no art.º 38º da L.C.T. para a prescrição dos créditos laborais.
Contudo - apesar do ordenamento jurídico sentir a necessidade de estabelecer, nos mais variados domínios, prazos concretos para o exercício de direitos - a lei ainda continua a ser omissa no que diz respeito ao prazo de que o trabalhador dispõe para proceder à impugnação judicial de sanção disciplinar que não seja o despedimento.            Assim, não contendo a lei qualquer regra aplicável à situação vertente, quando é certo que deveria conter essa regulamentação, estamos perante uma lacuna de lei que tem, necessariamente que ser integrada através da analogia.
E nesta integração jurídica, temos o caminho da analogia legis ou analogia juris, devendo fazer-se chamamento ao que dispõe o artº 10º do Cód. Civil.
E esta opção prende-se, não só com a existência de razões de paz jurídica, a reclamar que não se protele excessivamente no tempo a resolução dos litígios associados à prática de uma infracção disciplinar e à aplicação da correspondente sanção por banda da entidade empregadora, mas, desde logo face à proibição do non liquet que o artº8 do mesmo Cód. Civil impõe.
Ora, e tal como se refere no citado Ac. deste Supremo de 29.11.2005, “dadas as referidas  razões de paz jurídica nesta matéria, imperioso é concluir que o espírito do sistema jurídico — em geral e, particularmente no domínio laboral — reclama a necessidade de:
- por um lado, estabelecer um prazo para a impugnação judicial das sanções disciplinares diversas do despedimento; e
- por outro, de fazer coincidir o “dies a quo” para a sua contagem com a data da comunicação da sanção, sendo de evitar a sua transferência para o momento incerto da cessação do contrato individual de trabalho”.
Concluindo, então, pela necessidade de aplicação analógica, tendo por norte o que o artº 10º do Cód. Civil dispõe, não se vê preceito análogo que permita encontrar a solução no nº1 do citado artº 10º isto é, através da analogia legis (da lei).
Se é certo que alguma jurisprudência tem vindo a fazer referência ao art.º 38º n.º 1 da L.C.T. — único que poderia ser eventualmente atendível — não passa por aí a aplicação analógica, pois naquela norma prevê-se expressamente que os créditos laborais prescrevem no prazo de um ano após a cessação do contrato de trabalho.
E assim, a analogia seria apenas quanto à duração do prazo mas nunca quanto ao início da sua contagem. E é o início que aqui está em causa.
Desta forma, temos o recurso à integração da lacuna de lei através da analogia juris, isto é, pelo espírito do sistema jurídico, pela norma que o próprio intérprete produziria se tivesse de legislar dentro do espírito do sistema.
Citando agora o que se decidiu no citado Ac. deste Supremo de 29.11.2005:
“Já vimos que esse espírito exige a resolução rápida dos conflitos surgidos no âmbito do direito disciplinar laboral: é dizer que o contencioso daí resultante deve ser integralmente resolvido em período que não se distancie demasiado da prática infraccional invocada, abstraindo sempre do ciclo de vida da relação laboral.
Resta proceder à fixação do prazo.
Como a impugnação judicial de uma sanção disciplinar visa obter a sua anulabilidade, parece-nos adequado atender ao regime que a lei geral estipula para esse tipo de invalidade: o prazo de um ano, previsto no art.º 287º do Código Civil.
De resto, é também esse prazo que o art.º 435º do actual Código de Trabalho veio expressamente fixar para uma das sanções disciplinares: a sanção específica do despedimento.
Ainda que este preceito não seja analogicamente atendível no caso dos autos — como já referimos — é patente a similitude das situações, porque estamos no mesmo domínio do direito disciplinar laboral, e não devemos ignorar que o legislador acabou por consagrar agora, para o despedimento, uma solução que alguma doutrina e jurisprudência já vinha reclamando para a generalidade das sanções disciplinares” – fim de transcrição.
Subscreve-se tal entendimento.
Todavia, no caso concreto, uma vez que o prazo em questão é de caducidade, tendo em conta que a notificação da decisão que impôs a sanção disciplinar em causa ocorreu em 15 de Novembro de 2008
( relembre-se que a decisão recorrida que nesse particular não foi impugnada teve como assente que:
1 - Por carta datada de 13 de Novembro de 2008, que a A. recebeu em 15 de Novembro de 2008, foi a autora punida com perda de um dia de férias. (alegação da autora sob o artigo 5º da petição, não impugnada pela ré)
2 - A petição inicial deu entrada em juízo, através do sistema “Citius”, no dia 13 de Novembro de 2009 (fls. 21);
3 - A ré foi citada pelo correio em 4 de Dezembro de 2010 - fls. 23) e que a presente acção foi intentada em 13 de Novembro de 2008 , cabe considerar que a presente acção deu entrada dentro do prazo ( de um ano  contado desde a data da supra mencionada comunicação).
É que o acto de recebimento na secretaria da petição inicial tem que se reputar como impeditivo da caducidade ( vide neste sentido M. Brito, CC, Anotado, 1,432, citado por Abílio Neto in Código Civil , Anotado, 15ª edição  revista e actualizada, pág 251, anotação nº 3).
Neste sentido aponta também acórdão do STJ de 3.6.1992[3], embora em acção de cariz distinto.
Segundo tal aresto “o acto impeditivo da caducidade de acção de anulação de bens imóveis é a sua propositura , sem mais, consumando-se esta com o recebimento da petição inicial na secretária”.
E nem se esgrima com o preceituado no nº 2º do artigo 267º do CPC ( momento em que a acção se considera proposta), sendo que tal norma regula:
“1 - A instância inicia-se pela propositura da acção e esta considera-se proposta, intentada ou pendente logo que seja recebida na secretaria a respectiva petição inicial, sem prejuízo do disposto no art 150º.
2 - Porém, o acto de proposição não produz efeitos em relação ao réu senão a partir do momento da citação, salvo disposição legal em contrário”.
É que tal como já se deixou consignado[4] “ sendo a prescrição e a caducidade formas de extinção que o decurso do tempo provoca sobre direitos subjectivos, a sua distinção reside em que a prescrição extingue esses direitos e a caducidade torna-os inexigíveis” .
Desta forma, não se justifica que essa inexigibilidade , que não extinção do direito, esteja dependente  do conhecimento da propositura da acção pelo Réu que como é evidente se obtém através da sua citação.
Não logra , pois, aplicação na situação em exame o disposto no  artigo 323º do CC[5], antes havendo que reputar aplicável o preceituado no  artigo 331º do CC o qual estatui (Causas impeditivas da caducidade) que :
1. Só impede a caducidade a prática, dentro do prazo legal ou convencional, do acto a que a lei ou convenção atribua efeito impeditivo.
2. Quando, porém, se trate de prazo fixado por contrato ou disposição legal relativa a direito disponível, impede também a caducidade o reconhecimento do direito por parte daquele contra quem deva ser
exercido.
In casu, o acto a praticar é exactamente o da propositura da acção dentro do supra mencionado prazo de um  ano.
Assim sendo, cumpre considerar que a acção foi intentada tempestivamente dentro desse prazo.
Procede, pois, o presente  recurso cabendo , não só julgar improcedente a arguida excepção de caducidade  , como determinar em consequência que os autos prossigam os seus termos nos moldes que se julgarem convenientes em ordem a lograr decisão para a causa.

                                                    ****

Nestes termos, acorda-se em julgar procedente o presente recurso, julgando-se, pois, improcedente a excepção de caducidade.
Em consequência determina-se que os autos prossigam os seus termos nos moldes que se julgarem convenientes em ordem a lograr decisão para a causa.
Custas pela recorrida.

DN (processado e revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).
          
Lisboa, 18 de Abril de 2012

Leopoldo Soares
José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto (vencida quanto aos fundamentos, pelas razões que constam da declaração junta)

Declaração de voto
         Divirjo parcialmente da fundamentação da decisão na medida em que entendo que o trabalhador pode exercer o direito de impugnação das sanções disciplinares distintas do despedimento dentro do prazo de um ano a partir do dia seguinte aquele em que cessou o contrato de trabalho. E chegaria a tal conclusão:
- quer por interpretação extensiva do artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho – considerando que a expressão "créditos" usada no referido dispositivo não corresponde ao sentido técnico-jurídico de prestação pecuniária que lhe poderia ser atribuído no quadro do direito das obrigações, mas abarca, na especificidade própria do direito laboral, o acervo de direitos que se constituem na esfera jurídica do trabalhador por efeito das vicissitudes associadas à violação ou à cessação do contrato (foi assim que se resolveu durante décadas o problema do prazo para impugnar o despedimento e exercer os direitos decorrentes da ilicitude deste, incluindo o direito à reintegração);
- quer por integração analógica  do mesmo preceito (artigo 10.º, n.º 2 do Código Civil) – por se verificarem na íntegra quanto à impugnação das sanções disciplinares as razões que estiveram na base da previsão da suspensão do prazo de prescrição na vigência do contrato prescrita no artigo 337.º, n.º 1 do Código do Trabalho.
         A solução adoptada colide com a disciplina traçada n.º 2 do artigo 337.º. Se a lei possibilita a prova do crédito correspondente a indemnização por sanção abusiva com a dilação temporal de 5 anos, não se compreende que se limite a 1 ano após a aplicação da sanção o prazo para a reacção judicial à mesma sanção, tirando sentido útil aquela regra probatória, sendo incongruente, mesmo quanto às sanções não abusivas, que o direito de crédito emergente da respectiva aplicação ilícita, veja a sua satisfação inviabilizada pela caducidade do direito de impugnar a sanção disciplinar (vide sobre esta matéria João Leal Amado in RLJ, n.º 3954, pp. 169 e ss.).
         Voto contudo a decisão na medida em que a aplicação desta tese levaria exactamente ao resultado que foi alcançado, embora no aresto pela via da consideração (que subscrevo) do referido prazo como um prazo de caducidade.

Maria José Costa Pinto
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[1] Em 13.11.2009 – vide fls. 21.
[2]
Vide fls. 25.
[3]
In BMJ nº 418, pág 687.
[4]
Por ser referido no acórdão do STJ que longamente se transcreveu.
[5]
ARTIGO 323º
(Interrupção promovida pelo titular)
1. A prescrição interrompe-se pela citação ou notificação judicial de qualquer acto que exprima, directa ou indirectamente, a intenção de exercer o direito, seja qual for o processo a que o acto pertence e ainda que o tribunal seja incompetente.
2. Se a citação ou notificação se não fizer dentro de cinco dias depois de ter sido requerida, por causa não imputável ao requerente, tem-se a prescrição por interrompida logo que decorram os cinco dias.
3. A anulação da citação ou notificação não impede o efeito interruptivo previsto nos números
anteriores.
4. É equiparado à citação ou notificação, para efeitos deste artigo, qualquer outro meio judicial
pelo qual se dê conhecimento do acto àquele contra quem o direito pode ser exercido.
[i]
[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).

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