sexta-feira, 16 de novembro de 2012

DENÚNCIA DO CONTRATO DE TRABALHO - REVOGAÇÃO DA DENÚNCIA - RECONHECIMENTO PRESENCIAL DA ASSINATURA POR ADVOGADO



Proc. Nº 243/09.1TTFUN.L1-4    TRL     30 de Junho de 2011

 O entendimento de que um Advogado se encontra impedido de reconhecer presencialmente a assinatura de uma declaração de rescisão unilateral de um contrato de trabalho de um trabalhador de uma cliente sua afigura-se incompatível não só com a intenção do legislador ao atribuir aos Advogados tal possibilidade, assim como com a sua qualidade de “colaborador da justiça”


A, (…), intentou  acção,  com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra “ B, Ldª”, (…) acção,  com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho.
Pede que seja declarada:
- nula a denúncia do contrato de trabalho ocorrida em 16 de Março de 2009;
- a ilicitude do reconhecimento da assinatura do Autor operada pelo Advogado da Ré;
-  a ilicitude do despedimento de que diz ter sido alvo.
Em  consequência, reclama as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até a decisão final, reservando-se o direito de opção pela indemnização.
Também solicita que a  Ré seja condenada no pagamento de uma indemnização por danos morais.
Alegou. em síntese, que para além de ter sido coagido a assinar a declaração de denúncia do seu contrato de trabalho, não teve perfeito conhecimento do seu conteúdo e consequências.
O reconhecimento da sua assinatura não podia ter sido feito pelo Advogado da Ré.
Em 20.03.09, revogou, por escrito, a declaração de denúncia do contrato.
A Ré impediu-o de trabalhar, proibindo a sua entrada nas suas instalações.
Em virtude da coacção a que foi sujeito e as pressões e ameaças feitas à sua pessoa, ficou em completo desânimo.
Realizou-se audiência de partes.
A Ré contestou.
Alegou, em resumo, que, em 16-3-09, o Autor assinou livremente a denúncia do seu contrato, sendo certo que em virtude da ter sido sujeita a reconhecimento não pode ser revogada.
Desde então o Autor nunca mais compareceu na empresa, o que determinou, a título subsidiário a denúncia do contrato por abandono de trabalho.
O reconhecimento da assinatura do Autor foi feito nos termos legalmente previstos.
Conclui pela absolvição dos pedidos.
Foi proferido despacho saneador e dispensada a fixação de matéria assente e base instrutória.
Realizou-se julgamento.
O Tribunal fixou a matéria de facto, em moldes que não mereceram reparos.
Notificado para o efeito pelo Tribunal o Autor optou pela indemnização. (vide, fls.102), sendo certo que a Ré  deduziu oposição a tal opção.
Veio a ser proferida sentença que na parte decisória teve o seguinte teor:
“Nestes termos e com tais fundamentos, decide este Tribunal julgar a presente acção parcialmente procedente e, em consequência:
A) – Declara ilícito o despedimento do Autor por inexistência de procedimento disciplinar.
B) – Condenar a Ré no pagamento ao Autor das retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão e bem assim no pagamento de uma indemnização por antiguidade equivalente a trinta dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano ou fracção de antiguidade até à data do trânsito em julgado da decisão, sem prejuízo do desconto das quantias a que se alude o artº 390º do Código do Trabalho.
C) – Absolver a Ré do pedido de indemnização por danos não patrimoniais.
Custas a cargo do Autor a Ré na proporção do decaimento.
Fixo à causa o valor de € 5 000,01.
Notifique e Registe” – fim de transcrição.
Irresignada a Ré apelou, sendo certo que invocou a NULIDADE DA SENTENÇA RECORRIDA nos seguintes moldes :
(…)
Mais concluiu que:
(…)
O Autor não contra alegou.
O recurso foi admitido, sendo certo que a Mmª juiz “a quo” sustentou que a sentença não enferma de qualquer nulidade.
O Exmº Procurador – Geral Adjunto emitiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
 Foram colhidos os vistos dos Exmºs Adjuntos.

                                         *****

A 1ª instância deu como provada a seguinte matéria de facto :
1 – O Autor entrou ao serviço da Ré em 26 de Junho de 1981.
 2 – Ao Autor foi atribuída a categoria profissional de Operador Empilhador, auferindo o salário líquido mensal de € 969,63.
3. – No dia 16 de Março de 2009, na presença da Drª C, do Drº D, do Srº E, todos funcionários com cargos de chefia na Ré, e do Drº F, Advogado da Ré, o Autor assinou um documento, previamente redigido pela Ré e cuja cópia se encontra junta aos autos apensos a fls. 15, que se dá aqui por integralmente reproduzido.
4 – Do mesmo consta, na parte que interesse que “ não pretende continuar a trabalhar para essa empresa, pelo que rescinde o seu contrato de trabalho, com efeitos imediatos”.
. – A assinatura aposta no documento de fls.15 do apenso foi reconhecida pelo Ilustre Advogado, Drº F, conforme documento de fls.16.
6 - Na origem da assinatura do documento, está o facto de o Autor ter sido confrontado com a instauração de um processo disciplinar e uma queixa-crime, com a acusação de ter sido visto a tirar uma garrafa pertencente à empresa enquanto trabalhava.
7 – Perante tal situação e, após lhe ter sido exibido o documento, cuja cópia se encontra junto aos autos apensos a fls. 14, que se dá aqui por integralmente reproduzido, o Autor admitiu ter cometido tal facto e decidiu rescindir o seu contrato de trabalho.
8. – No mesmo dia, ao fim da tarde, o Autor voltou aos escritórios da Ré, solicitando uma cópia do documento que assinou, tendo-lhe sido informado que o mesmo estava na posse do Drº F, advogado da Ré.
9. – Após insistências nos dias seguintes, o Autor teve acesso ao
documento que assinou, acompanhado do documento de conhecimento da sua assinatura.
10. – Aquando da assinatura do documento referido em 1.3. e 1.4., não lhe foi mencionado e/ou explicado que o mesmo iria ser alvo de reconhecimento presencial e os efeitos deste, nomeadamente, a impossibilidade de revogar a sua declaração.
11. – Com data de 19 de Março de 2009 e enviada via fax e, ainda, por carta registada com aviso de recepção no dia seguinte, o Autor comunicou à Ré o  seguinte: “ Serve a presente para comunicar (…) que revogo a declaração do contrato de trabalho assinada por mim no dia 16 de Março de 2009, pelo que a mesma não deverá produzir qualquer efeito (…), conforme cópia do documento a fls.18 dos autos apensos, aqui dado por integralmente reproduzido.
12. – Com data de 26 de Março de 2009, a Ré emitiu um cheque à ordem do Autor no montante de € 606,25, correspondente aos valores devidos pela cessação do contrato, deduzido da indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidade.
13. – Por carta com data de 30 de Março de 2009, enviada por carta
registada no dia seguinte, o Autor deu conta à Ré que se considera trabalhador da empresa e devolveu o cheque, conforme consta do teor dos documentos juntos aos autos a fls.87 a 90.
14. – Por carta registada com aviso de recepção com data de 14 de Abril de 2004 e expedida no dia seguinte, a Ré deu conta ao Autor, na parte que interesse, do seguinte: “ (…) desde o momento em que V. Exª comunicou à B a Vossa denúncia do contrato, ocorrida a 6/03/2009, V. Exª não mais compareceu ao serviço naquele que era o Vosso horário de trabalho e com o objectivo de trabalhar, sendo completamento falso o alegado no ponto 9 e 10 da Vossa carta.
Ausência essa que já se verifica há mais de 10 dias úteis consecutivos, o que igualmente confirma e que vale como denúncia do Vosso contrato de trabalho, nos termos do disposto no artº 403º do C. Trabalho, o que aqui se expressamente se invoca a título subsidiário à supra-mencionada denúncia expressa do vosso contrato de trabalho. (…)”
15. – Após enviar a carta referida em 1.11, o Autor compareceu, várias vezes, no seu horário de trabalho, nas instalações da Ré, tendo sido impedido de entrar nas instalações pelo segurança de serviço, por ordens superiores.
16. – Algumas semanas depois, o Autor levantou os bens pessoais que tinha no cacifo da empresa, incluindo o fardamento.
17. – O Autor sempre foi um trabalhador exemplar, conhecido e respeitado pelos seus colegas e superiores hierárquicos.


                                                     *****

É sabido que o objecto do recurso apresenta-se delimitado pelas conclusões da respectiva alegação (artigos 684º nº 3º e 690º nº 1º do CPC ex vi do artigo 87º do CPT).[i]
No presente recurso suscitam-se duas questões.
A primeira respeita à apreciação da arguição de três nulidades de sentença, duas por omissão de pronúncia e uma por excesso de pronúncia.
Segundo a recorrente , a decisão em causa não se pronunciou – como devia – sobre a problemática atinente à reintegração do trabalhador ( sendo que deduziu oposição à opção que o Autor plasmou nos autos após ter sido notificada para o efeito pelo Tribunal após encerrada a audiência de discussão e julgamento).
E deduz argumentação idêntica em relação à problemática que suscitou na contestação respeitante ao abandono de trabalho por parte do mesmo.
A terceira nulidade concerne ao alegado excesso de pronúncia no tocante à reintegração que, a seu ver, não foi tempestivamente pedida.
A segunda questão concerne à nulidade do reconhecimento presencial da assinatura levado a cabo pelo Exºmº Advogado Drº F no tocante à sua declaração rescisória constante de fls. 15/16  da providência cautelar .
Entende a recorrente que , ao contrário do decidido em 1ª instância , não se verificava qualquer impedimento do Exm º Advogado para levar a cabo tal acto pelo que se deve considerar que o trabalhador não podia “arrepender-se “ da supra mencionada declaração rescisória ( vide artigo 402º, nº 1º do CT/2009) o que tem evidentes implicações em termos da verificação do despedimento ilícito do Autor , visto que se o trabalhador rescindiu unilateralmente o seu vínculo laboral este último, por motivos óbvios , já não se podia verificar .
Haveria, assim, desde logo, que apreciar a arguição das nulidades da sentença.
Todavia  ( independentemente do facto de a sentença -  bem ou mal neste ponto não releva -  se ter pronunciado implicitamente, uma vez que a condenou a pagar a indemnização legal, sobre a opção adoptada pelo Autor após ter sido notificado expressamente para esse efeito e de o Tribunal não ter de se debruçar sobre todos os argumentos e posições expendidas pelos litigantes, sobretudo quando tal apreciação se mostra prejudicada por posição perfilhada anteriormente ( se o trabalhador foi ilicitamente despedido como se entendeu na decisão recorrida não pode depois abandonar o trabalho , visto que a relação laboral já se mostra cessada….) na situação sub júdice não é assim.
É que se a segunda questão suscitada pela recorrente proceder não se verifica um despedimento ilícito do recorrido, o que , como é patente , prejudica qualquer opção  do trabalhador e consequentemente também do invocado excesso de pronúncia assim, como a verificação de um eventual abandono de trabalho…
Daí que se inicie a apreciação do recurso pela segunda questão.
E analisada a situação afigura-se que o recurso procede.
É que, com respeito por entendimento diverso, não se vislumbra que o Exmº Advogado que reconheceu presencialmente a assinatura do recorrido constante do documento inserido a fls. 15/ 16 da providência cautelar estivesse impedido de o fazer.
De facto, independentemente das datas constantes das procurações juntas quer na providência quer no processo principal , respectivamente , a  fls.  67 e 37 ( ambas datadas de 2008 o que indicia com segurança que nesse ponto se verificou um lapso material na respectiva datação, visto que ambas aludem a processos concretos que deram entrada em 2009…) não resulta do disposto no nº 1º do artigo 5º do Código  do Notariado[1] , assim como do preceituado no nº 1 do artigo 38º do DL nº  76-A/ 2006 , de 29.3, na  redacção que lhe foi conferida pelo DL nº 8/07, de 17.1 [2], que o Exmº Advogado estivesse impedido de o fazer.
É que não se detecta que o mesmo fosse beneficiário directo ou indirecto do acto em questão, o mesmo se dizendo de qualquer familiar seu fosse em que grau fosse.
E cumpre salientar que não constam do processo elementos que permitam afirmar que era legal representante da recorrente.
Esgrimir-se-á que à data era seu mandatário ( que já o fora ou ainda que mantinha uma avença com a empresa…) , o que permite explicar a sua presença no acto.
Contudo, mesmo dando de barato tal qualidade, que, aliás, decorre da matéria assente em 3, não se vislumbra que estivesse impedido de levar cabo o reconhecimento em apreço, pois nessa qualidade não beneficiava directa ou indirectamente com esse acto.
É certo que se pode esgrimir que tinha um interesse indirecto e evidente no acto, pois que o mesmo sempre redundava num “benefício” para o seu cliente, visto que evitava que tivesse de instaurar um processo disciplinar aquele trabalhador visando o seu despedimento, o que se infere da matéria provada em 6.
Porém, a perfilhar-se tal entendimento estar-se-ia por um lado a retirar grande parte do conteúdo útil da norma que permite aos Advogados levar a cabo os reconhecimentos e por outro a conferir-lhes a tal título um estatuto de “menoridade” e uma presunção de “desconfiança”, incompatíveis, a nosso ver, não só com a intenção do legislador ao atribuir-lhes tal possibilidade , assim como com a sua qualidade de “colaboradores da justiça” plasmada na Lei nº 3/99, de 13 de Janeiro ( tal como resulta do seu artigo 6º).
Entende-se, pois, que não se verificava a tal título impedimento nos moldes considerados na decisão recorrida.
Assim sendo , nos termos do disposto no artigo 402º, nº 1º do CT/2009 , após ter outorgado o documento rescisório em apreço o Autor já não o podia revogar nos moldes dados como assentes em 11 e 13.
Como tal quando o Autor foi impedido de entrar nas instalações da Ré (vide 15) já não era seu trabalhador, pelo que tal conduta da recorrente não acarreta a existência de um despedimento ilícito, o que implica a procedência do recurso com a inerente absolvição da Ré do pedido.
Procede, pois, o recurso neste ponto com as devidas consequências a nível do pedido, ficando, por outro lado, prejudicada, pelos motivos já apontados, a apreciação da vertente recursória respeitante à verificação das arguidas nulidades de sentença.
                                                      ****

Em face do exposto, acorda-se em julgar procedente o recurso e em consequência absolve-se a Ré dos pedidos.

Custas pelo recorrido  em ambas as instâncias.
(revisto pelo relator -  nº 5º do artigo 138º do CPC).

Lisboa, 30 de Junho de 2011

Leopoldo Soares
Ferreira Marques
Natalino Bolas
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[1] O qual estabelece , sob a epígrafe casos de impedimento, que:
“1 – O notário não pode realizar actos em que sejam partes ou beneficiários , directos ou indirectos quer ele próprio quer o seu cônjuge ou qualquer parente ou afim na linha recta ou em 2º grau na linha colateral.
2 – O impedimento é extensivo aos actos cujas partes ou beneficiários  tenham como procurador ou representante legal alguma das pessoas compreendidas no número anterior.
3 -…”.
[2] O qual na parte que aqui releva estabelece que os advogados podem fazer reconhecimentos simples e com menções especiais, presenciais e por semelhança, autenticar documentos particulares, certificar ou fazer e certificar traduções de documentos, nos termos previstos na lei notarial.
[i] Nas palavras do Conselheiro Jacinto Rodrigues Bastos:
“As conclusões consistem na enunciação, em forma abreviada, dos fundamentos ou razões jurídicas com que se pretende obter o provimento do recurso…
Se as conclusões se destinam a resumir, para o tribunal ad quem, o âmbito do recurso e os seus fundamentos pela elaboração de um quadro sintético das questões a decidir e das razões porque devem ser decididas em determinado sentido, é claro que tudo o que fique para aquém ou para além deste objectivo é deficiente ou impertinente” – Notas ao Código de Processo Civil, volume III, Lisboa, 1972, pág 299.
Como tal transitam em julgado as questões não contidas nas supra citadas conclusões.
Por outro lado, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas  pelas partes e decididas pelos Tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente ( vide vg: Castro Mendes , Recursos , edição AAFDL, 1980, pág 28, Alberto dos Reis , CPC, Anotado, Volume V, pág 310 e acórdão do STJ de 12.12.1995, CJSTJ, Tomo III, pág 156).

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