sexta-feira, 23 de novembro de 2012

CONTRATO DE TRABALHO A TERMO – FORMALIDADES - ABUSO DE DIREITO



Proc. Nº  2881/09.3TTLSB.L1-4  TRL     28 de Setembro de 2011

 I - A indicação concreta da factualidade no contrato de trabalho a termo constitui formalidade ad substantiam.
II - A sua omissão não pode ser substituída por qualquer meio de prova, nomeadamente por testemunhas ou confissão.
III – Não constitui abuso de direito o facto de o trabalhador vir pedir a declaração de nulidade da cláusula que justificou o termo no contrato que assinou se não se provou, sequer, que o autor conhecia, na altura da assinatura do contrato, a nulidade do termo aposto no contrato e que pretendesse, mais tarde, reverter essa nulidade em seu benefício

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I – Relatório

A , intentou, em 23.07.2009, a presente acção contra B, S.A.,  pedindo, que:
a) Fosse declarado que o autor foi despedido sem justa causa.
b) O réu fosse condenado a pagar ao autor as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido de juros, á taxa legal, até integral pagamento.
c) O réu fosse condenado a reintegrar o autor ou a indemnizá-lo, conforme opção do autor.
d) O réu fosse condenado a pagar ao autor a quantia de 15.000,00 € (quinze mil euros), a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
e) O réu fosse condenado a suportar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) por cada dia decorrido, após a exequibilidade da sentença, sem que o réu reintegre efectivamente o autor nas suas funções.
O réu deduziu contestação, impugnando parte da matéria alegada pelo autor.

Procedeu-se a julgamento, tendo sido proferida sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
Nestes termos, julgo a presente acção parcialmente procedente e, em consequência, decido:
a) Declarar que o autor foi despedido sem justa causa.
b) Condenar o réu a pagar ao autor as retribuições vencidas e vincendas desde a data do despedimento até trânsito em julgado da sentença, tudo acrescido de juros, à taxa legal, até integral pagamento.
c) Condenar o réu a reintegrar o autor.
d) Condenar o réu a pagar ao autor a quantia de 2.500,00 € (dois mil e quinhentos euros), a título de indemnização por danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora, à taxa legal, desde a citação até integral pagamento.
e) Condenar o réu a pagar uma sanção pecuniária compulsória no valor diário de 250,00 € (duzentos e cinquenta euros) por cada dia decorrido, após a exequibilidade da sentença, sem que o mesmo reintegre efectivamente o autor nas suas funções.
f) Absolver o réu da restante parte do pedido.
g) Condenar o autor e o réu no pagamento das custas a que deram causa, na proporção do decaimento (sendo o valor da causa o indicado na petição inicial)”.

Inconformado com a sentença, veio o Réu interpor recurso de apelação para este Tribunal da Relação, apresentando doutas alegações, com as seguintes conclusões:
(…)

O Autor contra-alegou, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.

Admitido o recurso na forma, com o efeito e no regime de subida devidos, subiram os autos a este Tribunal da Relação.
O Exmo. Magistrado do Ministério Público emitiu douto parecer no sentido da improcedência da apelação.
Nada obstando ao conhecimento da causa, cumpre decidir.

O âmbito do recurso é limitado pelas questões suscitadas pelos recorrentes nas conclusões das alegações (art.ºs 690º e 684º, n.º 3 do Cód. Proc. Civil) , salvo as questões de conhecimento oficioso (n.º 2 in fine do art.º 660º do Cód. Proc. Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- se a cláusula que fundamenta o termo aposto no contrato de trabalho é válida;
- Se o autor agiu em abuso de direito;
- Se não se justifica qualquer pedido de indemnização ou reintegração, nem tampouco a aplicação de uma sanção pecuniária compulsória

II - FUNDAMENTOS DE FACTO
Os factos considerados provados são os seguintes:
1 – O autor foi admitido ao serviço do réu em 29 de Maio de 2006 para lhe prestar a sua actividade profissional de empregado bancário, sob as suas ordens, direcção e autoridade mediante retribuição.
2 – O contrato foi celebrado a termo certo, pelo período de um ano, com termo a 28 de Maio de 2007.
3 – Tal contrato foi renovado em 28 de Maio de 2007, por igual período, e em 28 de Maio de 2008 foi mais uma vez renovado.
4 – Quando foi admitido, o autor foi colocado na agência do réu em Alvalade, a exercer as funções de caixa, ali permanecendo até Outubro de 2006, altura em que foi transferido para a agência do réu em Campo de Ourique, igualmente em Lisboa, com as mesmas funções de caixa.
5 – A partir de Outubro de 2007, o autor exerceu a sua actividade profissional em diversas agências do réu na zona de Oeiras e Cascais, sempre como caixa, tendo em Setembro de 2008 sido colocado na agência do réu em Carnaxide.
6 – Nesta última agência, o autor passou a desempenhar as funções de assistente comercial, exercendo funções de caixa, back-office e atendimento ao público, fazendo interessar os clientes pelos produtos do banco.
7 – Quando foi admitido no réu, o autor foi colocado no nível 4 do ACT do sector bancário, acrescido de um subsídio de almoço e do subsídio de caixa.
8 – Quando o réu admitiu o autor justificou tal admissão com o facto de, alegadamente, se encontrar “numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade” (documento nº1 junto com a petição inicial a fls. 15 e 16 cujo teor se dá por inteiramente reproduzido).
9 – Por carta datada de 1 de Abril de 2009, o réu informou o autor que não pretendia renovar o contrato e que o mesmo caducaria em 28 de Maio de 2009 (documento nº2 junto com a petição inicial a fls. 17 cujo teor se dá por integralmente reproduzido).
10 – À data referida em 9, o autor auferia a retribuição mensal de 729,49 € (setecentos e vinte e nove euros e quarenta e nove cêntimos), acrescido de um subsídio de almoço de 8,94 € (oito euros e noventa e quatro cêntimos) por cada dia de trabalho efectivamente prestado e de um acréscimo a título de falhas no valor de 133,30 € (cento e trinta e três euros e trinta cêntimos).
11 – Em virtude do facto referido em 9 e pelo receio de não encontrar emprego, o autor ficou num estado de ansiedade, nervosismo e apreensão.
12 – O autor é sócio do Sindicato dos Bancários do Sul e Ilhas.
13 – Com o aumento do volume de negócios e reestruturação profunda que o réu viveu durante os anos 2006/2007, com a segmentação de serviços comerciais para empresas e serviços para particulares, necessitou do trabalho do autor para que este auxiliasse em tarefas administrativas de modo a não serem defraudadas as expectativas dos clientes.
14 – Quando o réu escolheu o autor como candidato a esse lugar, explicou-lhe que o mesmo iria assinar um contrato a termo certo por entender que existia um aumento do volume de negócio e de trabalho.
15 – Na altura, verifica-se um acréscimo excepcional de clientes e de trabalho.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Vejamos, então, se o termo aposto no contrato de trabalho é válido.
O recorrente afirma-o defendendo que a concretização do termo constitui uma formalidade ad probationem e não ad substantiam, sendo que o Recorrente provou em julgamento a sua necessidade temporária e a reestruturação invocada na cláusula do contrato de trabalho a termo certo celebrado com o Recorrido.
Vejamos:
Entre autor/recorrido e ré/recorrente foi acertado um contrato de trabalho intitulado a termo certo pelo período de um ano, com início em 28 de Maio de 2007.
A cláusula que justificou o termo aposto no contrato tem a seguinte redacção: “O prazo estabelecido justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade”.
Perante o teor desta cláusula, o senhor juiz considerou não se mostrar justificada “a celebração a termo do contrato dado que não era a reestruturação em curso que constituía motivo ou fundamento para a outorga do vínculo nesse condicionalismo, sendo certo que a referência genérica a “acréscimo temporário de actividade” – que, aliás, não se demonstrou existir – mais não é do que a reprodução literal do conceito normativo que o legislador considera relevante”.
O recorrente entende, porém e como vimos, que a cláusula que justifica o termo é uma cláusula ad probationem permitindo a prova posterior da necessidade temporária dos serviços do trabalhador, por ter, entretanto sido revogado o DL 38/96 de 31 de Agosto, não exigindo o Código do Trabalho aplicável, uma clareza de redacção e o rigor na concretização de factos e circunstâncias, nos mesmos termos anteriormente previstos nessa lei.
É evidente a sem razão do recorrente.
Antes de entrar no caso concreto tratado nos autos referiremos que, para análise do regime jurídico da contratação a termo, há que partir do princípio constitucionalmente consagrado da segurança no emprego (artº 53º da CRP) - o que determina que, como regra, os contratos de trabalho são celebrados por tempo indeterminado, sendo de carácter excepcional a contratação a termo.
Para a contratação a termo já em 1989 a lei exigia que a justificação da aposição do termo no contrato, justificação essa que se pudesse integrar nas situações tipificadas no artº 41º n.º 1 do DL 64-A/89 de 27.02:
Tal justificação tinha de constar expressamente de documento escrito e mencionar concretamente os factos e as circunstâncias que integram essa motivação (artº 3º da Lei 38/96 na redacção introduzida pelo art.º 3.º do DL 18/2001 de 3.7 e artºs 41º e 42º n.º 1 al. e) do DL 64-A/89 de 27.02.)
E a menção concreta dos factos e circunstâncias que integram a motivação era absolutamente necessária para que o trabalhador tivesse conhecimento das circunstâncias em que contratou e, sendo caso disso, o tribunal pudesse sindicar da veracidade desses motivos e circunstâncias.
Fórmulas genéricas que abarcassem uma diversidade de situações de facto apostas como fundamento do termo do contrato não permitiriam a apreciação pelo tribunal da veracidade e da validade do motivo invocado e possibilitariam que a entidade patronal apresentasse mais tarde uma qualquer situação concreta que se enquadrasse nessa fórmula genérica – mesmo que não tivesse sido aquela a motivação da contratação do trabalhador.
Por isso mesmo, sempre os nossos tribunais julgaram só ser de atender à motivação do termo, se dele constassem os factos concretos e as circunstâncias que integram essa motivação para permitir aos órgãos jurisdicionais o controlo concreto dos motivos do recurso a esse tipo de contratação – neste sentido e a título de exemplo cfr. o Ac. desta Relação de 13.07.95 in CJ 1995/IV/152 onde, no domínio do DL 64-A/89 de 27.02 (portanto, há mais de 20 anos) se afirma que “a indicação concreta da factualidade no contrato a termo constitui formalidade ad substantiam. A sua omissão não pode ser substituída por qualquer meio de prova, nomeadamente por testemunhas ou confissão”.
Perante as, na altura, fundadas dúvidas, veio o legislador clarificar a questão através da Lei n.º 38/96 de 31 de Agosto, cujo art.º 3.º, sob a epígrafe “Motivo justificativo na celebração do contrato de trabalho a termo” estabelecia:
“1 – A indicação do motivo justificativo da celebração de contrato de trabalho a termo, em conformidade com o n.º 1 do artigo 41.º e com a alínea e) do n.º 1 do artigo 42.º do regime jurídico da cessação do contrato individual de trabalho e da celebração e caducidade do contrato de trabalho a termo, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro, só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias. que integram esse motivo” – sublinhado nosso.
Mais tarde, o DL 18/2001 de 3 de Julho veio reforçar essa clarificação com a alteração à redacção do art.º 3.º da Lei 38/96, especificando que a indicação do motivo justificativo da celebração do contrato de trabalho a termo “… só é atendível se mencionar concretamente os factos e circunstâncias que objectivamente integram esse motivo, devendo a sua redacção estabelecer com clareza a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado
Nesta última norma foi consagrada uma forte corrente jurisprudencial já anteriormente firmada pelas Relações, as quais sempre se pronunciaram pela necessidade de concretização dos motivos da contratação a termo no respectivo escrito ( entre outros, vejam-se os Acórdãos da Relação de Lisboa de 28.10.92 e de 13.07.95, o Acórdão da Relação de Évora de 08.11.94, o Acórdão da Relação de Coimbra de 11.11.92 e o Acórdão da Relação do Porto de 11.03.96, publicados, respectivamente, na C.J., Tomo IV, Ano XVII-1992, a páginas 225 e seguintes, na C.J., Tomo IV, Ano XX-1995, a páginas 152 e seguintes, na C.J. Tomo V, Ano XIX-1994, a páginas 298 e seguintes, na C.J., Tomo V, Ano XVII-1992, a páginas 103 e seguintes e na C.J., Tomo II, Ano XXI-1996, a páginas 255 e seguintes e do STJ nos Acórdãos de 23.01.2002 e 24.06.2003, publicados, respectivamente, no n.º 491 dos A.D.S.T.A., a páginas 1540/1550 e em www.dgsi.pt) .
E o Código do Trabalho aprovado pela Lei 99/2003 de 27 de Agosto, que revogou a legislação acima mencionada e se aplica ao caso dos autos, continua a manter a mesma necessidade de menção concreta dos factos que justificam o termo.
É o que resulta do estabelecido no art.º 131.º n.ºs 3 e 4 do CT, que determina se considere sem termo, o contrato em que se omita ou seja insuficiente a menção expressa dos factos que o integram o motivo justificativo da aposição do termo, “…devendo estabelecer-se a relação entre a justificação invocada e o termo estipulado”.
Tal como resulta claramente da lei, como ensina a doutrina (Cfr. Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina 2006, a págs, 245 e segs., Pedro Romano Martinez, in Direito do Trabalho, 2.ª Ed. Almedina 2005 a págs. 636/637 e João Leal Amado, Contrato de Trabalho, 2.ª Ed. 2009, págs. 100 e segs), e continua a ser decidido pelos nossos tribunais superiores, nomeadamente o nosso Mais Alto Tribunal (cfr., a título de exemplo, os Acs. do STJ de 28.04.2010 e 19.05.2010), só será de atender à motivação do termo, se dele constarem os factos concretos e as circunstâncias que integram essa motivação para permitir aos órgãos jurisdicionais o controlo concreto dos motivos do recurso a esse tipo de contratação, configurando essa exigência a de uma formalidade ad substantiam ou ad essentiam na formação do contrato para a validade do termo nele aposto.
Por esse motivo, só são de atender para efeitos de justificação do termo, os factos que constem do contrato – e não quaisquer outros que possam ter ocorrido e venham a provar-se. Daí que não possam ser levados em consideração nestes autos e para aferição da validade do termo aposto no contrato, eventuais factos que justificassem a aposição desse termo, se esses factos não constarem do próprio contrato.
Ora, no caso dos autos, a fundamentação do termo aposto no contrato não contém qualquer facto que justifique o termo nele aposto.
Dizer-se que, como do contrato ficou a constar para fundamentar o termo, que “O prazo estabelecido justifica-se pelo facto de o primeiro se encontrar numa fase de profunda reestruturação, com consequente aumento temporário de actividade” mais não constitui que uma generalidade não só insusceptível de ser percepcionada pelo trabalhador na altura da assinatura do contrato, como insusceptível de controlo concreto dos motivos do recurso à contratação a termo por parte dos tribunais.
Trata-se, pois, de uma cláusula que não justifica o termo aposto no contrato, tal como foi decidido na 1.ª instância.
Improcede, assim, esta questão.
*
E, com a improcedência da questão acima referida há que concluir-se que o contrato de trabalho que uniu as partes é um contrato por tempo indeterminado.
Tendo-lhe sido posto termo pelo réu, através de carta, conforme consta do facto sob 9 dos factos assentes, estamos perante um despedimento ilícito, que confere ao trabalhador o direito a ser indemnizado, reintegrado e receber as retribuições deixadas de auferir desde o despedimento até ao trânsito em julgado da decisão, tal como consta da sentença recorrida.
Mais se verificam os requisitos de que depende a condenação em sanção pecuniária compulsória, pelo que, também nesta parte, andou bem a sentença ora em crise.
*
Defende o recorrente que o autor, ao vir a tribunal sabendo que tinha sido contratado a termo, agiu em abuso de direito, conforme a recorrente já tinha alegado na contestação.

Sem razão, contudo.
Da leitura da contestação não se logra observar onde vem alegado que o autor agiu em abuso de direito.
De qualquer modo, sendo o abuso de direito de conhecimento oficioso, não deixaremos de analisar a questão.
O abuso do direito, conforme resulta do art.º 334.º do CCivil, traduz-se no exercício ilegítimo de um direito, resultando essa ilegitimidade do facto de o seu titular, ao exercê-lo, exceder manifestamente os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes ou pelo fim social ou económico desse direito.
Não basta, pois, que o titular do direito exceda os limites referidos naquele preceito, é necessário que esse excesso seja manifesto e gravemente atentatório da boa fé, dos bons costumes ou do fim social ou económico do direito que é exercido.
Por outro lado, não se exige que o titular do direito tenha consciência de que o seu procedimento é abusivo, ou seja, não é necessário que tenha a consciência de que, ao exercer o direito, está a exceder os limites impostos pela boa fé, pelos bons costumes e pelo fim social ou económico do direito, basta que na realidade (objectivamente) esses limites tenham sido excedidos de forma nítida e intolerável, pois, como é sabido, o nosso ordenamento jurídico acolheu a concepção objectiva do abuso do direito (cf., por todos, PIRES DE LIMA e ANTUNES VARELA, Código Civil Anotado, volt. I, Coimbra Editora, 1967, p. 217).
Conforme se afirmou no acórdão do STJ de 30 de Março de 2006, processo n.º 3921/05, da 4.ª Secção, o abuso do direito na modalidade de venire contra factum proprium «caracteriza-se pelo "exercício de uma posição jurídica em contradição com uma conduta antes assumida ou proclamada pelo agente". Como refere Baptista Machado(-), o ponto de partida do venire é "uma anterior conduta de um sujeito jurídico que, objectivamente considerada, é de molde a despertar noutrem a convicção de que ele também no futuro se comportará, coerentemente, de determinada maneira", podendo "tratar-se de uma mera conduta de facto ou de uma declaração jurídico-negocial que, por qualquer razão, seja ineficaz e, como tal, não vincule no plano do negócio jurídico". Todavia, para que o venire se verifique não basta a existência de condutas contraditórias. É necessário que a conduta anterior tenha criado na contraparte uma situação de confiança, que essa situação de confiança seja justificada e que com base nessa situação de confiança a contraparte tenha tomado disposições ou organizado planos de vida de que lhe surgirão danos irreversíveis, isto é, que tenha investido nessa situação de confiança e que esse investimento não possa ser desfeito sem prejuízos inadmissíveis(-)».
Relativamente às regras da boa fé, o ordenamento jurídico utiliza essa expressão umas vezes com um sentido objectivo ou ético (boa fé objectiva) e outras vezes com um sentido subjectivo ou psicológico (boa fé subjectiva), embora, no dizer de ALMEIDA COSTA, se trate de dois ângulos diferentes de encarar ou exprimir a mesma realidade (Direito das Obrigações, 9.ª edição, Almedina, p.102).
O artigo 334.º do Código Civil acolhe a expressão boa fé com um sentido vincadamente ético, o qual se reconduz às exigências fundamentais da ética jurídica, «que se exprimem na virtude de manter a palavra dada e a confiança, de cada uma das partes proceder honesta e lealmente, segundo uma consciência razoável, para com a outra parte, interessando as valorações do círculo social considerado, que determinam expectativas dos sujeitos jurídicos» (ALMEIDA COSTA, ob. cit., pp.104-105).
Trata-se, a final, de adoptar a conduta do bonus paterfamilias (V. Ac. do STJ de 28.06.2006 in www.dgsi.pt.).

No caso dos autos, o único facto assente para analisar o invocado abuso de direito vem referido sob o n.º 14 dos factos assentes: “Quando o réu escolheu o autor como candidato a esse lugar, explicou-lhe que o mesmo iria assinar um contrato a termo certo por entender que existia um aumento do volume de negócio e de trabalho”.
Este facto é, só por si, insuficiente (diremos mesmo, insignificante) para se poder dizer que o autor abusou do seu direito.
Para se poder, eventualmente, concluir que o autor, ao vir pedir a declaração de nulidade da cláusula que justificou o termo no contrato, excedeu manifestamente os limites impostos pela boa fé, (como é exigido pelo art. 334.º do CC) haveria que se demonstrar, pelo menos, que o autor conhecia, na altura da assinatura do contrato, a nulidade dessa estipulação e que pretendesse, mais tarde, reverter essa nulidade em seu benefício (ver, neste sentido, o Ac. do STJ de 06.06.2007 in www.dgsi.pt).
Ora tais factos nem sequer foram alegados pela a recorrente na contestação, e, muito menos, apurados em julgamento.
Daí que tenha de improceder a alegada questão do abuso de direito.

Improcedem, deste modo, as conclusões de recurso, sendo de manter a sentença recorrida, que fez correcta aplicação do direito aos factos provados, não violando qualquer das normas referidas pela recorrente.

IV - DECISÃO
Em conformidade com os fundamentos expostos, nega-se provimento ao recurso e confirma-se inteiramente a sentença impugnada.
Custas em ambas as instâncias pela recorrente

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Natalino Bolas
Albertina Pereira
Leopoldo Soares

Sem comentários:

Enviar um comentário