sexta-feira, 9 de novembro de 2012

LOCAL DE TRABALHO – TRANSFERÊNCIA - JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO - FALTAS INJUSTIFICADAS



Proc. Nº 317/11.9TTCLD.L1-4    TRL    31.10.2012

I - O Local de trabalho deve resultar do acordo das partes , expresso ou tácito, podendo lançar-se mão dos mecanismos gerais para a interpretação do acordo, designadamente atendendo ao comportamento das partes após a conclusão do contrato e na sua execução.
II - Tendo ficado provado que o local de trabalho de dois trabalhadores da construção civil variava consoante a localização das obras a realizar e resultando tal da execução do contrato, a ordem dada pelo empregador para que eles se apresentassem numa obra sita na zona de Portalegre não configura o exercício do poder unilateral do empregador de modificar o local de trabalho, mas antes o de exigir que os trabalhadores se apresentem noutro local que cabe ainda dentro do seu local de trabalho.
III - Não ocorre, nestas circunstâncias, transferência temporária, não cabendo a situação na previsão do art. 194 do CT de 2009, nem havendo lugar à aplicação das regras procedimentais previstas no art. 196 do mesmo diploma, sendo legítima a ordem dada pelo empregador.
IV - Não se tendo apresentado no local da nova obra, os trabalhadores incorreram em mais de cinco faltas injustificadas, assumindo o seu comportamento indubitável gravidade, tanto mais que sabiam que a deslocação era apenas por algumas semanas e que o Réu tinha escassez de trabalho, revelando um manifesto desinteresse pela manutenção dos seus postos de trabalho numa altura em que é facto público e notória a falta de trabalho e o desemprego crescente, desprezando o dever essencial de prestarem o seu trabalho nas condições acordadas.
V - Pese embora a respectiva antiguidade e a falta de antecedentes disciplinares, aqueles aspectos levam-nos a concluir como bastante grave a atitude absentista assumida pelos Autores, susceptíveis de pôr em crise a base de confiança que pressupõe um normal relacionamento laboral, constituindo justa causa de despedimento

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa

I - Relatório
O A. AA, residente na Rua (…), nº 8, ..., ..., Caldas da Rainha, instaurou a presente acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento nº 317/11.9 TTCLD – à qual foram apensos os autos de acção especial de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento de nº 318/11.7 TTCLD, em que é A. BB, residente na Rua (…), nº 32, ..., ..., Caldas da Rainha - , e, em ambos os autos, são RR. CC e mulher DD, residentes na (…), ..., Alcobaça.
Regularmente citados os RR., procedeu-se, em cada um dos processos instaurados por cada um dos AA., à realização da audiência de partes, à qual compareceram ambas as partes, os trabalhadores acompanhados do respectivo ilustre mandatário judicial, constituído nos autos, não se tendo mostrado viável a conciliação, em virtude de a entidade patronal considerar que o despedimento do respectivo trabalhador foi lícito e regular, e que apenas o Réu marido é empregador, e não o casal.
Regularmente notificados os RR. para, no prazo e sob a cominação e advertência legal, apresentarem articulado a motivar o despedimento, juntarem o procedimento disciplinar, arrolarem testemunhas e requererem outros meios de prova, apenas o réu marido veio fazê-lo, em ambas as acções, juntando cópia do procedimento disciplinar, e mais alegando em síntese:
§ Por excepção
_ Invocando a ilegitimidade passiva da ré mulher, sustentando que a mesma nunca celebrou qualquer contrato de trabalho com os AA; e que apenas o réu marido era o empregador;
§§ Quanto ao fundamento do despedimento
_ Alegando que cada um dos trabalhadores, no ano de 2011, deu mais de dez faltas injustificadas e interpoladas ao trabalho, o que, nos termos do disposto no artº 256º nº 2 do CT constitui infracção grave.
_ Que com tal conduta faltosa culposa de cada um dos trabalhadores causou prejuízo ao empregador, e representa uma grave violação dos deveres legais e contratualmente impostos aos trabalhadores, previstos no artigo na alínea b) do n.º 1 do art. 128º do CT.
_ A conduta grave e culposa do trabalhador preenche o disposto no n.º 1 e na alínea g) do n.º 2 do art. 351º do CT, uma vez que o trabalhador se ausentou injustificadamente mais de 10 dias úteis interpolados num ano civil, integrando o conceito de justa causa de despedimento,
_ A decisão final foi proferida com respeito ao direito de defesa do trabalhador, e foi proferida por a relação de trabalho estar irremediavelmente posta em causa, pelo que o despedimento ocorrido terá que ser considerado lícito.
_ Termina pugnando seja o despedimento com justa causa considerado lícito e regular, com as legais consequências.
Notificados – em sede de cada um dos processos - os Trabalhadores para contestarem, nos termos e para os efeitos do disposto no art.º 98º - L do CPT, os
mesmos vieram fazê-lo, nos seguintes termos, em síntese:
§ Por impugnação:
_ Alegando que o R. marido se dedica à actividade de construção civil, e é com o fruto dessa actividade que faz face aos encargos da vida familiar, e que adquiriu o património comum do casal, o qual pode vir a ser onerado ou perdido com o decaimento da presente acção; pelo que a ré mulher é parte legítima na presente acção, tendo interesse em contradizer;
_ Que do procedimento disciplinar não consta prova de qualquer dos factos imputados ao trabalhador na respectiva nota de culpa;
_ Pelo que o despedimento é ilícito, uma vez que nada consta do procedimento disciplinar que o fundamente;
_ Mais alega que os factos articulados são falsos;
_ Que o trabalhador sempre esteve disponível para prestar trabalho, desde que o empregador lhe garantisse deslocação, alimentação, dormidas e vencimento, condições que este não garantiu;
_ Que o R. marido apenas em 30/05/2011 lhes comunicou, verbalmente, que no dia 06/06/2011 iriam trabalhar para o Alentejo;
_ Não se encontrando assim preenchido o conceito de justa causa de despedimento e, consequentemente, o despedimento do A. é ilicíto.
§§ Em Reconvenção:
Pedindo a condenação dos RR. no pagamento das seguintes quantias:
O A. AA:
- A quantia global de € 21.040,00 relativa a créditos laborais vencidos e indemnização pelo despedimento ilícito;
- O pagamento das retribuições vencidas na pendência da acção, até ao trânsito em julgado da sentença;
- Juros de mora sobre as referidas quantias, vencidos e vincendos até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%;
- A quantia de € 2.500 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
O A. BB:
- A quantia global de € 19.140,00 relativa a créditos laborais vencidos e indemnização pelo despedimento ilícito;
- O pagamento das retribuições vencidas na pendência da acção, até ao trânsito em julgado da sentença;
- Juros de mora sobre as referidas quantias, vencidos e vincendos até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%;
- A quantia de € 2.500 a título de indemnização pelos danos não patrimoniais.
_ Terminam, em ambos os casos, pugnando pela legitimidade da ré mulher para ser demandada, e pela procedência do pedido reconvencional, sendo declarado ilícito o despedimento, com as legais consequências.
Notificados da respectiva contestação/reconvenção, o réu marido veio responder, pugnando pela parcial improcedência do pedido reconvencional, apenas admitindo encontrarem-se em dívida algumas das quantias peticionadas a título de créditos laborais vencidos, a saber:
- a quanta global de € 1.180 relativamente ao A. AA;
- a quantia global de € 1.140 relativamente ao A. BB.
Em ambas as acções, foi proferido despacho que dispensou a realização de audiência preliminar. Mais foi proferido despacho saneador (que relegou para fase da sentença o conhecimento da invocada excepção dilatória de ilegitimidade da ré mulher); e, bem assim, despacho que dispensou a fixação da matéria de facto.
Procedeu-se à realização da audiência final nestes autos nº 317/11. 9 TTCLD - no início da qual foi determinada a apensação aos presentes dos autos nº 318/11.7 TTCLD -, com observância de todas as formalidades legais, como se alcança da respectiva acta de fls. 58 e segs. pp, tendo, no decurso da mesma, sido proferida decisão que decidiu sobre a matéria de facto em discussão em ambas as acções, a fls. 75-82 .
Seguidamente foi prolatada a sentença de fls75-114, na qual foi exarada a seguinte
Decisão
Em face do exposto:
a) Julgo não provada e improcedente a invocada excepção de ilegitimidade passiva da ré mulher.
b) Declaro a ilicitude dos despedimentos dos Autores AA e BB por parte do Réu marido, ocorridos em 08/08/2011.
E, em consequência:
c) Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelo A./Reconvinte AA contra os RR./Reconvindos CC e mulher, DD, e condeno os RR. a pagarem ao A. as seguintes quantias:
c.1) A quantia global de € 8779 a título de indemnização em substituição da reintegração, indemnização pelos danos morais sofridos em consequência da ilicitude do despedimento, e créditos laborais vencidos; acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%;
c.2) as retribuições vencidas desde 19/08/2011, e vincendas, até ao trânsito em julgado da sentença [deduzido o valor das retribuições ou subsídio de desemprego entretanto recebidos após o despedimento, e que não teriam recebido se não fosse
este] até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.
d) Julgo parcialmente procedente o pedido reconvencional deduzido pelo A./Reconvinte BB contra os RR./Reconvindos CC e mulher, DD, e condeno os RR. a pagarem ao A. as seguintes quantias:
d.1) A quantia global de € 9.350 a título de indemnização em substituição da reintegração, indemnização pelos danos morais sofridos em consequência da ilicitude do despedimento, e créditos laborais vencidos; acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%;
d.2) as retribuições vencidas desde 19/08/2011, e vincendas, até ao trânsito em julgado da sentença [deduzido o valor das retribuições ou subsídio de desemprego entretanto recebidos após o despedimento, e que não teriam recebido se não fosse este] até integral pagamento, contados à taxa anual de 4%.
Fixo à causa [reconvenções incluídas] o valor global de € 31.000 .
___ Cfr. artº 98º-P nº 2 do Novo CPT.
Custas (das acções e das reconvenções ) a cargo dos AA. e da ré, na proporção do decaimento, que fixo em 1/3 e 2/3, respectivamente.
Registe.
Notifique.
Inconformados interpuseram os Réus recurso desta decisão, no qual formularam as seguintes
Conclusões
(…)
Contra-alegaram os Apelados sustentando o acerto da decisão impugnada.
Subidos os autos a esta Relação e colhidos os vistos legais, cumore apreciar e decidir.
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões alegatórias (arts. 684,nº3 e 690,nº1 do CPC) a questão a resolver é a de saber se ocorre ou não justa causa para o despedimento dos Autores/Apelados promovido pelo Réu/Apelante.

II – FUNDAMENTOS DE FACTO
A 1ª Instância deu como provados os seguintes factos:
1. Os RR. casaram entre si em 11/06/1988, sem convenção antenupcial.
2. O Réu marido dedica-se à actividade de construção civil e é com o produto e frutos recebidos dessa actividade que os RR. fazem face às despesas do agregado familiar de ambos.
3. O Autor AA foi admitido ao serviço do réu marido, em 1 de Julho de 1992, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquele, exercer as funções de pedreiro, designadamente, colocar manilhas, aparelhar pedra, construir paredes em pedra e alvenaria, aplicar argamassas e rebocos e assentar pavimentos, variando o local de trabalho consoante a localização das obras a realizar.
4. O Autor BB foi admitido ao serviço do réu marido, em 1 de Março de 1990, para, sob a autoridade, direcção e fiscalização daquele, exercer as funções de pedreiro, designadamente, colocar manilhas, aparelhar pedra, construir paredes em pedra e alvenaria, aplicar argamassas e rebocos e assentar pavimentos, variando o local de trabalho consoante a localização das obras a realizar.
5. Os AA. desempenharam ininterruptamente as funções supra referidas até 6 de Junho de 2011, em obras situadas na região Oeste, e na zona da grande Lisboa, vindo sempre pernoitar a casa.
6. No ano de 2011 o Autor AA auferia a retribuição mensal base de € 620,00 (seiscentos e vinte euros), acrescido de subsídio de alimentação de montante não apurado, e de transporte diário em veículo dos RR., desde a habitação dos RR., até às diversas obras onde o mesmo exercia funções.
7. No ano de 2011 o Autor BB auferia a retribuição mensal base de € 600,00 (seiscentos euros), acrescido de subsídio de alimentação de montante não apurado, e de transporte diário em veículo dos RR., desde a habitação do A., até às diversas obras onde o mesmo exercia funções.
8. Em regra, os AA. gozavam férias nos últimos 15 dias úteis do mês de Agosto de cada ano, e as férias remanescentes eram gozadas em períodos repartidos, em alturas em que o R. marido tivesse menos obras para realizar.
9. No mês de Maio de 2011 o R. marido tinha apenas pequenas obras e “biscates” em curso.
10. Em virtude de não ter trabalho para os mesmos realizarem, o R. marido deu indicações aos AA. para ficarem em casa de 23 a 27 de Maio de 2011, contando tal período como gozo efectivo de férias a que os AA. tinham direito; e ordenou-lhes que se apresentassem ao trabalho na 2ª Feira, dia 30 de Maio de 2011.
11. No dia 30 de Maio de 2011, pelas 8 horas, os AA. apresentaram-se ao trabalho.
12. Nessa altura o réu marido comunicou verbalmente aos AA. que na próxima 2ª Feira, dia 6 de Junho de 2011, os mesmos iriam trabalhar durante algumas semanas numa obra sita na zona de Portalegre, sem qualquer acréscimo remuneratório ou pagamento de ajudas de custo, custeando o R. marido o transporte de ida e volta desde a sua residência, aos fins-de-semana; e bem assim, uma casa para os AA pernoitarem durante a semana.
13. Os AA. logo disseram ao R. marido que não aceitavam ir trabalhar deslocados para a zona de Portalegre sem qualquer acréscimo remuneratório ou pagamento de ajudas de custo que compensasse as despesas acrescidas, designadamente com refeições.
14. Nesse dia 30/05/2011 estava a chover, o que impedia a realização dos trabalhos programados e, por isso, o réu marido mandou os AA. para casa, e ordenou-lhes que se apresentassem ao trabalho no dia seguinte, 31/05/2011, após o almoço.
15. O A. AA apresentou-se ao trabalho no início da tarde do dia 31/05/2011, e trabalhou até 6ª Feira, dia 03/06/2011.
16. O A. BB faltou ao trabalho na tarde do dia 31/05/2011, e não apresentou documento justificativo dessa falta ao R. marido; apenas lhe tendo referido verbalmente que nessa tarde se deslocou a uma consulta médica, comunicação que o R. marido não aceitou como justificação da falta.
17. O A. BB apresentou-se ao trabalho no início da manhã do dia 01/06/2011, e trabalhou até 6ª Feira, dia 03/06/2011
18. No dia 3 de Junho de 2011 o réu marido informou os AA. de que a partida para o Alentejo seria na manhã de 2ª Feira, dia 6 de Junho de 2011.
19. Os AA. não se apresentaram ao trabalho na manhã do dia 6 de Junho de 2011, nem nos dias 7, 8 e 9 de Junho de 2011, nem justificaram as respectivas faltas.
20. No Domingo, 12 de Junho de 2011, o A. AA deslocou-se à residência dos RR., manifestando vontade de ir trabalhar para o Alentejo, desde que o R. marido, para além do transporte e habitação, custeasse todas as despesas, designadamente com todas as refeições, o que o R. marido recusou.
21. Após essa data, o A. AA não voltou a exercer quaisquer funções sob a autoridade, direcção e fiscalização do R. marido, não foi por este convocado para trabalhar, nem se apresentou para trabalhar no local e horário de trabalho.
22. O A. BB faltou ao trabalho, por doença, no período compreendido entre 13 de Junho de 2011 e 24 de Junho de 2011, tendo entregue ao R. marido certificado de incapacidade temporária para o trabalho nesse período.
23. Após essa data, o A. BB não voltou a exercer quaisquer funções sob a autoridade, direcção e fiscalização do R. marido, não foi por este convocado para trabalhar, nem se apresentou para trabalhar no local e horário de trabalho.
24. Com data de 04/07/2011 o réu marido outorgou a favor do Sr. Dr. EE a procuração forense junta a fls. 26 destes autos e 28 do apenso A – cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais – mediante a qual lhe confere os mais amplos poderes forenses em direito permitidos e ainda os especiais para instruir processos disciplinares laborais contra os ora AA., desenvolvendo toda a actividade instrutória, elaborar e assinar notas de culpa e proceder à sua comunicação.
25. Em 07/07/2011 o instrutor do procedimento disciplinar, invocando “o cumprimento dos poderes que me foram conferidos” remeteu ao A. AA - que a recebeu, em 08/07/2011 - carta registada com A/R, comunicando-lhe a abertura de Processo Disciplinar, com intenção de despedimento com justa causa, e o envio de Nota de Culpa [cfr. fls. 22 destes autos, cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
26. Anexo à carta referida em 25, e que o A. AA recebeu, seguia a Nota de Culpa constante de fls. 25-26 –cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais -, subscrita pelo instrutor do procedimento disciplinar.
27. O autor AA respondeu à nota de culpa referida em 26 nos termos constantes de fls. 20-21, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
28. Com data de 08/08/2011 o Réu marido subscreveu a decisão de despedimento de fls. 3 destes autos -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais – no qual aplica ao A. AA a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, o que lhe comunica por carta registada com A/R.
29. Em 07/07/2011 o instrutor do procedimento disciplinar, invocando “o cumprimento dos poderes que me foram conferidos” remeteu ao A. BB - que a recebeu, em 08/07/2011 - carta registada com A/R, comunicando-lhe a abertura de Processo Disciplinar, com intenção de despedimento com justa causa, e o envio de Nota de Culpa [cfr. fls. 23 do apenso A (antigo Proc. 318/11.7 TTCLD), cujo teor aqui se dá aqui por integralmente reproduzido para todos os efeitos legais].
30. Anexo à carta referida em 29, e que o A. BB recebeu, seguia a Nota de Culpa constante de fls. 24-25 do apenso A –cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais -, subscrita pelo instrutor do procedimento disciplinar.
31. O autor BB respondeu à nota de culpa referida em 30 nos termos constantes de fls. 21 do apenso A, e cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais.
32. Com data de 08/08/2011 o Réu marido subscreveu a decisão de despedimento de fls. 3 do Apenso A -, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido, para todos os efeitos legais – no qual aplica ao A. BB a sanção disciplinar de despedimento com justa causa, o que lhe comunica por carta registada com A/R.
33. Ambos os autores têm a sua residência e vida familiar fixada na freguesia de ..., concelho das Caldas da Rainha, tendo encargos mensais fixos com a respectiva habitação, adquirida através de empréstimos bancários.
34. Os AA. eram reputados como trabalhadores assíduos, humildes, respeitadores, leais e cordatos.
35. Nenhum dos AA. tem antecedentes disciplinares.
36. Em consequência do despedimento de que foram objecto os AA. sentiram-se injustiçados e maltratados.
Não tendo sido impugnada nem havendo motivos legais para proceder à sua alteração, aceita-se a factualidade considerada como provada pelo Tribunal a quo, que aqui se mantém.

III – FUNDAMENTOS DE DIREITO
Cabe agora responder à questão nuclear de saber se o despedimento dos AA. ocorreu sem verificação de justa causa como defende o recorrente, questão que deverá ser analisada à luz do regime jurídico constante do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro, que procedeu à revisão do Código do Trabalho, revogando a Lei nº 99/2003, de 27 de Agosto [cfr. os artigos 12º, nº 1, a) e 7.º, n.º 1 daquela Lei].
Em conformidade com o imperativo constitucional contido no artigo 53º da Lei Fundamental, o artigo 351.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009 define o conceito de justa causa de despedimento como “o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho”, estabelecendo-se depois um quadro exemplificativo de comportamentos justificativos desse despedimento.
Esta noção decompõe-se em dois elementos: a) um comportamento culposo do trabalhador - violador de deveres de conduta ou de valores inerentes à disciplina laboral - grave em si mesmo e nas suas consequências; b) que torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
Com algumas diferenças de forma (que não de conteúdo) a jurisprudência tem definido nestes termos o conceito de justa causa, considerando ainda:
– que a ilicitude consiste na violação dos deveres a que o trabalhador está contratualmente vinculado, seja por acção, seja por omissão, relativamente a deveres contratuais principais ou secundários, ou ainda a deveres acessórios de conduta, derivados da boa fé no cumprimento do contrato, o que afasta os factos sobre os quais não se pode fazer juízo de censura e aqueles que não constituam violação de deveres do trabalhador enquanto tal;
– que na apreciação da gravidade da culpa e das suas consequências deve recorrer-se ao entendimento de um "bonus pater familias", de um "empregador razoável", segundo critérios de objectividade e razoabilidade (artigo 487.º n.º 2 do Código Civil) em face do condicionalismo de cada caso concreto; e
– que a impossibilidade prática e imediata da relação de trabalho é o elemento que constitui o critério básico de "justa causa", sendo necessário um prognóstico sobre a viabilidade das relações contratuais para se concluir pela idoneidade ou inidoneidade da relação para prosseguir a sua função típica (vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2007.04.18, Processo n.º 2842/06 e de 2006.03.08, Processo n.º 3222/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados em www.stj.pt).
A metodologia utilizada pelo legislador da LCCT (Regime Jurídico da Cessação do Contrato Individual de Trabalho e da Celebração e Caducidade do Contrato de Trabalho a Termo aprovado pelo DL n.º 64-A/89, de 27 de Fevereiro) para regular o despedimento por motivo imputável ao trabalhador foi retomada nos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009. Com a referência este último, a lei começa por apresentar uma cláusula geral de justa causa que integra com recurso a diversos critérios (art. 351.º, n.º 1); depois enumera um conjunto de situações típicas de justa causa para despedimento (art. 351.º, n.º 2); e por fim apresenta alguns critérios de apreciação das situações de justa causa no quadro da empresa (art. 351.º, n.º 3) – vide M. do Rosário Palma Ramalho in Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Coimbra, 2006, p. 806, no que diz respeito ao Código do Trabalho de 2003.
De entre os comportamentos que a lei considera constituírem justa casa de despedimento figura o da sua al.g) que prevê as “faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa, ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de prejuízo ou risco”. Nesta última situação, a verificação de justa causa tem subjacente a constatação de que o apontado número de faltas causa uma inevitável perturbação na organização do trabalho do empregador, acarretando sempre incómodos e prejuízos, embora não directamente qualificáveis, até pela imprevisibilidade da data de verificação da ausência e do correspondente tempo de duração. Daí que o legislador tenha dispensado a respectiva alegação e prova.
Por outro lado, tem entendido a doutrina e a jurisprudência, maioritariamente, que a ausência ao serviço, em cada ano civil, em cinco dias seguidos ou dez interpolados, não implica a verificação automática da justa causa de despedimento, impondo-se verificar do preenchimento da cláusula geral contida no nº1 do mesmo preceito (neste sentido, vejam-se, entre outros, os Acs. do STJ de 15.2.2006 e de 8.10.2008, disponíveis em www.dgsi.pt.
Pese embora não exista, no Código do Trabalho, norma idêntica à da parte final do n.º 4 do artigo 12.º, da revogada LCCT, segundo a qual cabia à entidade empregadora, na acção de impugnação judicial do despedimento, a prova dos factos integradores da justa causa constantes da decisão de despedimento, é de manter o mesmo entendimento, face à estrutura e princípios que regem os termos do processo disciplinar e a acção de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento constantes do Código do Trabalho e do Código de Processo do Trabalho e face aos princípios gerais do ónus da prova, constantes do Código Civil.
Na verdade, de acordo com os artigos 353.º, n.º 1 e 357.º, nºs. 4 e 5 do Código do Trabalho de 2009, cabe ao empregador a imputação dos factos integrantes da justa causa de despedimento, a descrever na nota de culpa e a dar como assentes na decisão final do processo disciplinar e, nos termos do n.º 3 do artigo 387.º, o empregador apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento comunicada ao trabalhador na acção que aprecia judicialmente o despedimento. É o empregador que invoca a justa causa para o despedimento, sendo de seu interesse ver reconhecido pelo tribunal que o comportamento do trabalhador se subsume à cláusula geral descrita no artigo 351º, nº 1 do CT, a fim de impedir que o trabalhador veja judicialmente reconhecidos os direitos indemnizatórios e retributivos emergentes da ilicitude do despedimento. Por seu turno na lei adjectiva encontra-se especificamente previsto um articulado do empregador que se destina a motivar o despedimento, onde apenas pode invocar factos e fundamentos constantes da decisão de despedimento (artigos 98.º-I, n.º 4 e 98.º-J), iniciando-se a prova a produzir em julgamento com a oferecida pelo empregador (artigo 98.º-M).
Assim, é de considerar que os factos integradores da justa causa são constitutivos do direito do empregador ao despedimento do trabalhador e, como tal, a provar pelo empregador – vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2010.09.15, Recurso n.º 2754/06.1TTLSB.L1.S1 e de 2009.04.22, Recurso n.º 153/09 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
Tecidas estas questões gerais, cabe reverter ao caso concreto.
A 1ª Instância considerou não se verificar justa causa para o despedimento dos trabalhadores, sustentando que o facto do empregador os ter mandado apresentar em Portalegre, durante o período de umas semanas, para executar umas obras que ali iria levar a cabo, consubstancia uma transferência temporária subsumível à previsão do art.194 do CT aprovado pela Lei 7/2009, de 12.2. E, não tendo o empregador observado as formalidades exigidas no nº1 do art. 196, tal acarreta a ilicitude da ordem de transferência, pelo que os Autores a ela não deviam obediência, não estando obrigados a apresentarem-se no referido local de trabalho, inexistindo as faltas injustificadas que lhes foram imputadas nos processos disciplinares (com excepção de uma falta de meio dia dada pelo trabalhador ...).
Vejamos se assim é.
Ao caso vertente é aplicável o CT aprovado pela Lei 7/09 de 12.2, como decorre do art. 7º desta Lei Preambular.
A relevância do local de trabalho explica a atenção que a lei laboral tradicionalmente lhe dispensa, ocupando-se com a sua determinação e associando-lhe uma garantia de inamovibilidade no seu art. 129, nº1,f) e estabelecendo restrições à possibilidade da sua variação.
O art.193 do CT diz-nos no seu nº1, que “O trabalhador deve, em princípio, exercer a actividade no local contratualmente definido (…)”.
Sendo um elemento essencial do contrato, o local de trabalho deve resultar do acordo das partes, expresso ou tácito, podendo lançar-se mão dos mecanismos gerais para a interpretação do acordo, designadamente atendendo ao “comportamento complexivo das partes após a conclusão do contrato e na sua execução”(vd. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol.I, 2007, pág. 638).
O conceito de local de trabalho corresponde, em princípio, ao lugar físico de cumprimento da prestação de trabalho, o que habitualmente coincide com as instalações da empresa ou com o estabelecimento do empregador.
Contudo, este não é adequado a diversas situações, em que a actividade laboral desenvolvida influencia directamente o local de trabalho, tornando-o de mais difícil determinação.
Como refere Maria do Rosário Palma Ramalho (Direito do Trabalho, parte II, Situação Laboral Individual, 3ª ed., 2010, pág. 477) esta noção não é adequada a diversas situações, em que a actividade laboral desenvolvida influencia directamente o local de trabalho, tornando-o de mais difícil determinação, como é o caso dos contratos de trabalho se sujeita a alterações periódicas por força da actividade desenvolvida pela empresa, citando como exemplo os trabalhadores da construção civil que desenvolvem a sua actividade nas diversas obras da empresa, em localidades diferentes.
Segundo Júlio Gomes, ob. cit., pág.638, podendo o local de trabalho comportar um grau de incerteza e ambiguidade futura, adianta:”As partes podem definir o local de trabalho com relativa amplitude: apenas a título de exemplo, o local de trabalho pode ser definido como qualquer estabelecimento da empresa situado num raio de 50 quilómetros à volta de uma cidade, um concelho ou área metropolitana ou até em todo o território de Portugal ou no espaço comunitário”.
Podendo, segundo o estabelecido tacitamente entre as partes, o local de trabalho variar consoante a localização da obra a realizar, a ordem dada pela entidade patronal para que os trabalhadores se apresentassem, no dia 6.5.11, numa obra sita na zona de Portalegre, não configura o exercício do poder unilateral do empregador de modificar o local de trabalho, mas de exigir que o trabalhador se apresente noutro ponto que cabe ainda dentro do seu local de trabalho, pelo que não há lugar à aplicação do art. 194 do CT, nem das regras procedimentais previstas no art. 196, não configurando a deslocação em causa uma transferência temporária do local de trabalho.
Daqui decorre que a ordem dada pelo empregador é legítima e que os trabalhadores lhe deviam obediência.
Resulta da matéria de facto assente que o trabalhador ... não se apresentou ao serviço nos dias 6, 7, 8 e 9 de Junho e que, após 12.6.11 não mais se apresentou no local e horário de trabalho. Por sua vez, o trabalhador ... faltou ao serviço nos dias 6,7,8 e 9 de Junho de 2011, tendo faltado por doença entre 13.6 e 24.611, tendo entregue ao Réu marido certificado de incapacidade para o trabalho nesse período, não voltando, após esta última data, a apresentar-se para trabalhar.
Ao darem mais de cinco faltas injustificadas ao serviço, os ora Apelados incumpriram de forma culposa – já que podiam e tinham capacidade para actuar de maneira bem diversa – deveres laborais que assumiram ao estabelecerem contrato de trabalho com a sua entidade empregadora, sobretudo o dever essencial de prestarem trabalho nas condições acordadas.
É certo que se provou que o Autor ..., no dia 12.6.11 “deslocou-se à residência dos Réus, manifestando vontade de ir trabalhar para o Alentejo desde que o Réu marido, para além do transporte e habitação, custeasse também todas as despesas, nomeadamente com todas as refeições, o que o Réu marido recusou.
Ora, este último já pagava ao Autor o subsídio de alimentação, não estando obrigado a satisfazer as demais exigências, que, aliás, não estão sequer previstas para as situações de transferência temporária de local de trabalho (cfr.art.194, nº4 do CT).
E o comportamento dos Autores assumem indubitável gravidade. Para além de violarem o principal dever a que está adstrito um trabalhador, que é o dever de assiduidade, aqueles sabiam que havia escassez de trabalho, razão que levou o Réu a dar-lhes indicação para ficarem em casa de 23 a 27 de Maio de 2011, contando tal período como gozo de férias.
E nos tempos actuais, em que é facto público e notório a falta de trabalho e o desemprego crescente, não pode deixar de relevar o desinteresse dos trabalhadores na manutenção dos seus postos de trabalho, desprezando os deveres laborais que sobre si impendiam, tanto mais quando a deslocação em causa era restrita a algumas semanas e a entidade patronal lhes assegurava transporte e alojamento.
Assim, pese embora a antiguidade e a falta de antecedentes disciplinares, aqueles aspectos levam-nos a considerar como bastante grave a atitude absentista assumida pelos Apelados, constituindo, por isso, uma atitude de gravidade suficiente para pôr em crise a base de confiança que pressupõe um normal relacionamento laboral.
Nessa medida, mostra-se justificada a sanção disciplinar que lhes foi aplicada pela Apelante.
Sendo lícito o despedimento não pode subsistir a condenação dos Réus no pagamento aos Autores de quantias que pressupunham a sua ilicitude, mantendo-se, no entanto, a condenação no pagamento ao A ... da quantia de €1180 e ao Autor ... a importância de €1140, acrescida de juros de mora, nos termos definidos na sentença recorrida, respeitante a créditos laborais que não foram pagos e que são devidos apesar da licitude da cessação contratual.

IV – DECISÃO
Pelo exposto, acorda-se em julgar parcialmente procedente a apelação, pelo que:
a) altera-se a sentença quanto aos pontos c) e c.1) condenando os Réus a pagarem ao Autor AA a quantia de €1180, a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento, à taxa anual de 4%;
b) altera-se a sentença quanto aos pontos d) e d.1) condenando os Réus a pagarem ao Autor BB a quantia de €1120, a título de créditos salariais, acrescida de juros de mora vincendos, até integral pagamento, à taxa de 4% ao ano;
c) Revogar, no mais, a sentença recorrida.

Custas por Autores e Réus, na proporção do respectivo decaimento.

Lisboa, 31 de Outubro de 2012

Filomena Carvalho
Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soares

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