sexta-feira, 9 de novembro de 2012

PROCEDIMENTO DISCIPLINAR - CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A SANÇÃO DISCIPLINAR





Proc. Nº 3040/09.0TTLSB-D.L1-4    TRL     16 de Maio de 2012

I - Nos termos do artigo 415.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003, o empregador está obrigado a proferir decisão disciplinar de despedimento dentro do prazo de 30 dias, sob pena de caducidade de tal direito.
II - O processo disciplinar (com intenção de despedimento), para além de ser enformado pelos princípios do contraditório, da boa-fé/celeridade processual e de recurso, obedece a uma estrutura própria e sequencial, organizada por fases, com um determinado conteúdo e finalidade, visando o conjunto em si objectivos estabelecidos pelo legislador (e que não podem ser deturpados ou transviados, quer pelo empregador, quer pelo trabalhador), podendo definir-se tais procedimentos, em traços gerais e em regra, da seguinte forma: inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar.
III - O empregador - ou o seu representante no quadro do processo disciplinar - não possui um poder discricionário de mandar fazer as diligências probatórias quando e como entende mas está vinculado aos aludidos princípios e regras.
IV - Por manifestamente violadoras dos princípios da celeridade e da boa-fé que devem presidir à tramitação e condução do processo disciplinar, a inquirição do gerente da Ré, bem como a tardia junção de documentos requeridos pelo trabalhador, não possuem a virtualidade de interromper o prazo de caducidade de 30 dias do artigo 415.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003 (cf., em última análise, o disposto no artigo 334.º do Código Civil)

ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:
I – RELATÓRIO

AA, Director Criativo, (…), veio propor, em 01/08/2009, acção declarativa de condenação com processo comum laboral contra BB, LDA., (…), pedindo, em síntese, o seguinte:
«Nestes termos e nos mais de direito, que V. Exa. muito doutamente suprirá, deve a presente acção ser julgada procedente por provada e, em consequência, com os fundamentos de facto e de direito atrás expostos, a Ré condenada, como segue:
I - Quanto à cessação do contrato:
1 - Deve ser julgado ilícito o despedimento do Autor com os fundamentos de facto e de direito expressos no presente articulado:
a) Sob o ponto de vista material;
. Por inexistência de justa causa, pois, não tendo o Autor praticado quaisquer ilícitos disciplinares, carece totalmente de fundamento a decisão de despedimento proferida pela Ré, devendo os alegados motivos de despedimento ser declarados improcedentes, e, por isso, o despedimento ser declarado ilícito, nos termos do artigo 381.º, al. b), do Código do Trabalho;
b) Sob o ponto de vista formal,
. Por motivo de invalidade do procedimento disciplinar; pela morosidade do mesmo procedimento por caducidade do direito de aplicar a sanção;
. Por falta de fundamentação, de facto e de direito, da decisão de despedimento, tudo em violação do disposto no artigo 382.º, n.° 1 - 2.ª parte, no n.° 2, als. a) - última parte e al. d) - 2.ª parte, por remissão para os artigos 357.º, n.º 4 (com excepção do que refere a pareceres dos representantes dos trabalhadores - que não existiam) e, também, remissão para o artigo 358.º, n.° 2 - todos do Código do Trabalho.
2 - Em consequência, deve a Ré ser condenada a:
a) Reintegrar o Autor no seu posto de trabalho, sem prejuízo da retribuição, categoria e antiguidade, nos termos da al- b) do artigo 389.º;
Ou em alternativa, e mediante opção a tomar pelo Autor, até à audiência de julgamento,
b) A indemnização de antiguidade: de 45 dias por ano e fracção (cfr. n.° 1 do art. 391.º), no montante já calculado de € 153.330,00;
c) Pagar ao Autor as retribuições que este deixou de auferir desde a data do despedimento até à data da sentença, tendo-se vencido nesta data, já, a quantia de € 5.680,00;
d) a indemnização por danos não patrimoniais, cfr. al. a) do artigo 389.º do C.T., no montante de € 10.000,00;
2 - Quanto à execução do contrato:
. a título de trabalho suplementar não pago e respectivos descansos compensatórios não concedidos, no montante de € 226.586,66; . a título de formação profissional não concedida: € 5.926,50;
3 - Juros legais, a liquidar em execução de sentença.»
*
O Autor, no que respeita à por si invocada caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, alegou o seguinte:
264.º - Como já antes vem dito, a última diligência de instrução requerida pelo Autor foi efectuada em 7 de Maio de 2009, com a inquirição das últimas das dez testemunhas arroladas pelo Autor: a de CC e a de DD. (cfr. as já citadas fls. 94 a 98 dos autos de procedimento disciplinar)
265.º - Como já antes vem referido, a comunicação de despedimento foi recebida pelo Autor em 2 de Julho de 2009.
266.º - O Autor havia requerido, logo na RNC, a simples junção, de dois documentos aos autos de procedimento disciplinar, quais sejam:
- O registo do tempo de trabalho do Autor para prova do artigo 177.º da RNC;
- Cópia do contrato celebrado entre a Ré e o Sport Lisboa e Benfica, para a época desportiva de 2008/2009, relativo à utilização de um camarote no Estádio deste, para prova do artigo 171.º da RNC.
267.º - Não há duvida, por razões óbvias, de que qualquer destes dois documentos se encontrava na posse da Ré, já antes da suspensão preventiva do trabalhador arguido, em 19 de Janeiro de 2009, pois:
- O contrato com o Benfica foi celebrado em 31 de Julho de 2008 (vide Doc. junto pela Ré aos autos de procedimento disciplinar);
- O registo do tempo de trabalho é feito diariamente.
268.º - Por isso, nada impedia que a junção daqueles documentos tivesse sido efectuada logo a seguir ao recebimento pela Arguente, ora Ré, da RNC, em 22 de Fevereiro de 2009.
269.º - É também óbvio que a simples junção desses dois documentos não constitui qualquer acto de instrução, pois não exigia efectuar quaisquer diligências para apuramento de factos; antes, constituem, em si, prova documental de factos.
270.º - Não deve, pois, ser aceite como pretenso fundamento para a prorrogação do prazo legal, peremptório de 30 dias, previsto no artigo 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho, prazo cujo termo inicial é o dia 7 de Maio, que - como já antes se disse e pode verificar-se nos autos - deve considerar-se o último dia de instrução com a audição das duas últimas testemunhas arroladas. (vide caso análogo in Ac. RL, Proc. n.° 0034914, 19-06-2002)
271.º - E a eventual junção de outros documentos que estivessem na posse da Ré, obedece ao mesmo critério;
272.º - Aliás, a Ré não fundamentou nos autos, por que não procedeu à junção dos documentos logo no início da instrução, na medida em que, como já antes se diz, sempre estiveram na sua posse.
273.º - Procedimento diferente deve ser considerado manifestamente abusivo e revelador de incumprimento dos princípios da celeridade e da certeza processuais. (vide, por todos: Ac. da RL, de 28-11-2007, p. n.° 7018 e o Ac. nele referido da RP, de 19-12­2005):
274.º - E continua este citado douto acórdão:
"Nesta mesma linha de pensamento, ROMANO MARTINEZ ( Direito do Trabalho, 3.ª Ed., Almedina, Coimbra, 2006): "tendo por base a acusação e a defesa, o empregador procede às diligências probatórias para a averiguação dos factos alegados...” e mais: “o legislador não estabeleceu qualquer prazo para estas diligências que, contudo, só se poderão prolongar durante um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa-fé e ao princípio da celeridade processual'.
E citando Amaro Jorge, in PODER E PROCEDIMENTO DISCIPLINAR, A Reforma do Código do Trabalho:
"O legislador ... preocupado com razões de celeridade e certeza processual, estabeleceu um prazo obrigatório para a prolação da decisão, sem permitir prorrogações por iniciativa do empregador, a pretexto da necessidade de realizar mais diligências de prova.
A não ser assim, segundo o mesmo Autor, seria "... admitir que o Código está a deixar entrar pela janela o que proibiu pela porta".
275.º - Verificou-se, pois, a partir de 9 de Junho de 2009, a caducidade do direito de a Ré aplicar a sanção de despedimento, por força do disposto no citado artigo 415.º, n.° 1, do Código do Trabalho, aplicável à data.
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Designada data para audiência de partes, não foi possível a conciliação entre as mesmas, tendo a Ré apresentado a contestação, cujo teor aqui se dá por integralmente reproduzido bem como o processo disciplinar, conforme ressalta, respectivamente, de fls. 62 a 95 e 96 a 402.
A entidade empregadora pugnou pela manutenção do despedimento do Autor, por entender que as condutas imputadas ao mesmo justificam a cessação unilateral do contrato de trabalho existente entre ambos por iniciativa do empregador, tendo-se pronunciado, especificamente, sobre aspectos gerais e específicos da relação laboral em concreto (artigos 1.º a 22.º), o procedimento disciplinar (artigos 23.º a 46.º), os factos de natureza disciplinar assacados ao trabalhador (artigos 47.º a 112.º), a invalidade do dito procedimento disciplinar, traduzida na inquirição de um membro do Conselho de Gerência da Ré (artigos 113.º a 122.º), na inquirição deficiente das testemunhas (artigos 123.º a 125.º) e na falta de inquirição parcial de testemunhas (artigos 126.º a 128.º), da morosidade da instrução (artigos 129.º a 135.º), da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar (artigos 136.º a 146.º), da falta de fundamentação, de facto e de direito, da decisão de despedimento (artigos 147.º a 154.º), dos créditos resultantes da execução do contrato (artigos 155.º a 163.º), da formação profissional (artigos 164.º a 166.º) e dos danos não patrimoniais (artigos 167.º a 174.º), concluindo pela total improcedência da acção, com a sua absolvição de todos os pedidos contra ela formulados pelo Autor.
No que respeita à caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, a Ré alegou, para o efeito, o seguinte:
136. Alega ainda o Autor que tendo em consideração que a última testemunha por si arrolada foi inquirida em 7 de Maio de 2009, a sanção disciplinar teria de ser comunicada ao Autor até 9 de Junho de 2009.
137. Ora, sendo verdade que o Autor recebeu a comunicação de despedimento em 2 de Junho de 2009, o facto é que o último acto de instrução do processo disciplinar não ocorreu em 7 de Maio de 2009.
138. Conforme se referiu, a Ré nomeou um instrutor para proceder aos actos necessários no âmbito da instrução do processo.
139. O instrutor, no cumprimento da sua função, pode e deve realizar as diligências probatórias que entenda necessárias para a descoberta da verdade, sendo estas, obviamente, as diligências probatórias a que se referem os art.ºs 356.º e 357.º do Código do Trabalho (e art.ºs 414.º, 415.º do Código do Trabalho versão aprovada pela Ordem 99/2003).
140. Não fazendo qualquer sentido distinguir no âmbito do processo disciplinar as diligências requeridas pelo trabalhador e aquelas que são determinadas oficiosamente pelo instrutor.
141. Assim, tendo em consideração que a última diligência probatória foi a inquirição de P..., no dia 29 de Junho de 2009, ter-se-á de concluir que tendo sido o relatório final elaborado nessa data e a comunicação de despedimento enviada ao Autor, e por ele recebida a 2 de Julho de 2009, não tinha operado a caducidade para proferir essa decisão.
142. Mas, mesmo que se entendesse que as diligências probatórias para efeitos de cálculo do prazo de 30 dias para proferir a decisão previsto no art.º 357 n.º 2 do Cód. de Trabalho, são apenas as diligências probatórias requeridas pelo trabalhador, a verdade é que o prazo de caducidade também não teria ocorrido.
143. Conforme consta no processo disciplinar, em 4 de Junho de 2009, foram juntos aos autos os registos da entrada e saída do Autor, tal como tinha sido por este solicitado na sua resposta à nota de culpa.
144. A Sra. Instrutora comunicou esse facto ao mandatário do Autor, tendo ainda concedido prazo para que aquele, se assim o desejasse, pudesse consultar e pronunciar-se sobre esses documentos.
145. Assim, mesmo que se contasse o referido prazo de 30 dias a partir da última diligência probatória requerida pelo Autor, a decisão do despedimento continuaria a ser proferida dentro desse prazo.
146. Não se verifica, assim, qualquer caducidade do direito da Ré aplicar a sanção de despedimento com justa causa.”
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Foi proferido, a fls. 403 e seguintes e com data de 30/06/2011, despacho saneador, que, depois de julgar verificada a ineptidão da petição inicial, no que concerne ao pedido respeitante a trabalho suplementar formulado pelo Autor (fls. 403 e 404), considerou a instância respectiva válida e regular, julgou procedente a excepção de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar e, nessa medida, decidiu o seguinte:
«Por todo o exposto julga-se parcialmente procedente o pedido, declarando-se ilícito o despedimento do Autor e em consequência:
a. Relega-se para final a condenação da Ré na reintegração/indemnização;
b. Condena-se a Ré a pagar ao Autor as retribuições que deixou de auferir desde a data do despedimento até à data do trânsito em julgado da decisão, acrescidas de juros de mora vencidos e vincendos desde a data dos respectivos vencimentos até integral pagamento, à taxa legal supletiva em vigor e que é actualmente de 4% ao ano.
A tal valor deve ser deduzido o montante das importâncias comprovadamente obtidas com a cessação do contrato não fosse o despedimento, e ainda o montante do subsídio de desemprego.
Custas, nesta parte, pela Ré e na proporção que se fixe a final.»

Foi finalmente fixada a matéria de facto assente e elaborada Base Instrutória com 142 artigos (cf. fls. 411 a 434), tendo sido admitidos e ponderados os meios de prova apresentados pelas partes e designado dias para a realização da Audiência de Discussão e Julgamento (7/3 e 8/3/2012) - cf. fls. 434 e 435.
O tribunal da 1.ª instância fundou a sua decisão sobre a verificação da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar sobre a seguinte argumentação, de facto e de direito:
«O autor pede que seja declarado ilícito o seu despedimento não só por improcedência dos motivos justificativos da decisão de despedimento mas ainda por invalidades do procedimento disciplinar.
A ré contestou, juntando o processo disciplinar e pugnado pela improcedência dos fundamentos alegados para a invalidade do procedimento.
Os autos já reúnem todos os elementos para apreciar da (in)validade do procedimento disciplinar.
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Alegou o autor que o processo disciplinar é inválido porque:
- Caducou o direito da ré aplicar sanção, por decurso do prazo de 30 dias relativamente às diligências de prova efectuadas;
- Procedeu-se à inquirição de um gerente com violação do seu direito de defesa;
- Ocorreu deficiente inquirição das testemunhas indicadas com a defesa
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O despedimento constitui uma das formas de cessação do contrato de trabalho, entendido este como aquele pelo qual alguém se obriga, mediante retribuição, a prestar a sua actividade a outra pessoa ou outras pessoas, sob a autoridade e direcção destas - art. 10.º do Código de Trabalho, aprovado pelo D.L. 99/2003, de 27/08 (doravante designado de CT) e 1152.º do C. Civil.
Só podendo cessar pelas formas previstas pela lei, designadamente por resolução por facto imputável ao trabalhador (despedimento), o qual se encontra sujeito a procedimento, cuja falta ou invalidade determina a ilicitude - art. 384.º, al. c) e 411.º do C.T.
Antes de mais cumpre distinguir de entre as diversas situações de ilicitude da decisão disciplinar as que determinam a invalidade.
A decisão é ilícita, além das hipóteses insertas nas alíneas a) a c) do art. 429.º do CT, se tiverem decorrido os prazos de prescrição a que alude o art. 372.º do CT ou ainda quando o respectivo procedimento for inválido - art. 430.º do CT.
O procedimento é inválido nas situações a que alude o n.º 2 do preceito em referência:
a) Faltar a comunicação da intenção de despedimento junta à nota de culpa ou não tiver esta sido elaborada nos termos previstos no artigo 411.º;
b) Não tiver sido respeitado o princípio do contraditório, nos termos enunciados nos artigos 413.º, 414.º e no n.º 2 do artigo 418.º (al.;
c) A decisão de despedimento e os seus fundamentos não constarem de documento escrito, nos termos do artigo 415.º ou do n.º 3 do artigo 418.º.
Como doutamente se referiu no Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 19/05/1989 (BMJ, 387.º, 408), «o processo disciplinar, na medida em que se traduz no exercício de uma actividade do empregador contra o trabalhador, que pode desembocar no despedimento deste, põe em causa o direito fundamental de segurança do emprego, consagrado no art. 53.º da Constituição da República, inserto nos direitos, liberdades e garantias dos trabalhadores. Por isso, o processo disciplinar ter-se-á de submeter aos princípios da defesa e do contraditório, com o escopo de conferir aos trabalhadores a necessária e conveniente defesa daquele direito. Isto representa um postulado da tendência marcadamente social desse direito, o qual plenamente se justifica, pois estão em causa meios de realização pessoal do trabalhador, da sua sobrevivência e, quiçá, do seu agregado familiar.
As garantias da defesa incluem o direito de contestação de todos os fundamentos da nota de culpa, por forma a gerar-se uma contraposição dialéctica em ordem a atingir-se uma decisão justa (…)
Pelo princípio do contraditório, confere-se ao trabalhador o direito de audiência, impondo-se à entidade patronal que, em função do juízo de censura que haja de formular o comportamento daquele, que eventualmente possa determinar o seu despedimento, não só ouça as razões invocadas pelo arguido facultando-lhe o exercício do direito de resposta à nota de culpa, mas também desenvolva toda a actividade que a mesma resposta suscite, nomeadamente inquirindo as testemunhas que foram indicadas».
Contraposição dialética que impede que na decisão final sejam invocados factos não constantes da nota de culpa nem referidos na defesa do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a sua responsabilidade - art. 415.º, n.º 3 do CT.
Não obstante, o legislador não impôs que o instrutor proceda a todas as diligências probatórias requeridas, dispondo o artigo 413.º do CT que “O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade”, incumbindo ao empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, “...proceder às diligências probatórias requeridas (...) a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito” – artigo 414.º do CT.
Sendo o procedimento disciplinar marcadamente vincado pelo cunho do princípio do inquisitório, a violação do princípio da defesa só ocorre se a falta das diligências requeridas comprometerem irremediavelmente e defesa do trabalhador.
No que concerne à invalidade decorrente da violação dos prazos a que alude o art. 415.º do CT, dispõe este normativo legal que, decorrido o prazo de cinco dias úteis para a junção dos parecer a que alude o n.º 3 do art. 414.º do mesmo Código, o empregador dispõe de 30 dias para proferir decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
Trata-se de um prazo de caducidade (art. 298.º, n.º 2 do C. Civil) do direito de aplicar sanção, cujo ónus de alegação e prova cabe ao autor (art. 342.º, n.º 2 do C. Civil e art. 516.º do C.P.C.).
Transpostas estas considerações, para o caso dos autos resulta que
- Por carta cuja cópia consta de fls. 200 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 06/02/2009, foi enviada, pela ré ao autor, a nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 201 a 214 do mesmo apenso e que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzida;
- Para prova dos factos alegados na resposta à nota de culpa, o autor arrolou, na parte final da mesma, 10 testemunhas e requereu a junção ao processo disciplinar do registo do tempo de trabalho por si prestado na requerida, bem como do contrato de arrendamento do camarote no estádio do SPORT LISBOA E BENFICA;
- As testemunhas arroladas pelo requer oram inquiridas constam de fls. 166, 164 e 165, 161 a 163, 157 a 160, 155 e 156, 152 a 154, 151, 150, 140 a 143 e 139, respectivamente, do apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
- Foi enviada pela requerida ao requerente a carta, cuja cópia consta de fls. 129 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 01/06/2009, através da qual o informou que se encontrava junto aos autos de processo disciplinar, disponível para consulta, cuja cópia do contrato de aquisição do direito de utilização de um camarote no estádio do SPORT LISBOA E BENFICA, bem como se aguardava a remessa da documentação, já solicitada, relativa ao registo do seu tempo de trabalho;
- Foi enviada pela requerida ao requerente a carta, cuja cópia consta de fls. 58 do apenso datada de 04/06/2009, através da qual o informou que se encontrava junto aos autos de processo disciplinar, disponível para consulta, cópia do registo de entradas e saídas da BB, para o período temporal de 17/11/08 a 31/12/08;
- Em 29/06/2006, por iniciativa da instrutora do processo disciplinar, foi inquirido EE, membro do conselho de gerência da ré, conforme fls. 41 e 42 do apenso;
- Em 29/06/2009, foi elaborado o relatório final e proposta de decisão, cuja cópia consta de fls. 3 a 40 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, designadamente:
«Tendo em consideração a prova produzida quer documental, quer testemunhal cumpre dizer que se logrou provar que o trabalhador AA de forma voluntária, intencional e culposa infringiu de forma muito grave e sucessiva os deveres a que por Lei estava obrigado, nomeadamente os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência; de cumprir com as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho e o de guardar lealdade ao empregador, todos deveres consignados no art.º 128.º, n.º 1 alíneas c), e) e f), do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, o que constitui dada a sua gravidade fundamento para aplicação de sanção disciplinar.
É que, e conforme resulta da instrução do processo disciplinar, a Reunião marcada pela entidade patronal para a noite do dia 14 de Janeiro, mais não era que o Ensaio Geral de apresentação da proposta integrada que iria ser apresentada ao Cliente na manhã do dia seguinte, pelas 12:00 horas. Mais, da instrução também se constatou que o trabalhador - sabendo, à semelhança dos colegas, desse facto - se dirigiu ao superior hierárquico EE dizendo-lhe que não iria poder estar presente no Ensaio à hora marcada por ter compromissos inadiáveis e que envolvessem familiares.
Ora, da análise à prova produzida e contrariamente ao entendimento que o trabalhador verteu na sua Resposta, resulta evidente que o mesmo não advertiu o seu superior para o facto de que o "compromisso inadiável" se tratasse de assistir a um jogo de futebol, no caso concreto envolvendo o Olhanense e o Benfica, no camarote que a sua empresa arrenda ao Estádio do mesmo Benfica.
E o trabalhador, mercê das funções exercidas, do projecto especial que tinha em mãos (e pelo qual era o Director Criativo), acrescido da urgência e necessidade premente de finalizar capazmente a Proposta Integrada (e que, como se constata, também, da análise aos depoimentos prestados estava longe de estar finalizada e em condições de apresentar ao Cliente - tanto que terá havido necessidade de ficar a trabalhar até altas horas da madrugada) não podia ignorar a importância de que se revestia a sua presença na Reunião que, inclusivamente como foi referido, se revelava essencial desde o primeiro minuto.
Para além deste facto o trabalhador não podia, tão pouco, ignorar que o "assistir a um jogo de futebol" não era um motivo inadiável e envolvendo familiares susceptível de justificar a sua ausência da reunião na hora marcada.
A acrescer ao que dizemos em cima também nos parece que o trabalhador descurou de forma seriamente negligente a importância de que se revestia a angariação da Conta Publicitária em causa que, aliás, vinha na linha do esforço adicional que vinha sendo desenvolvido pela empresa. Para além disso, e também como foi referido em sede de instrução, o trabalhador manifestou falta de empenho no decurso da execução do trabalho, mostrando-se contrariado em aceitar as sugestões que iam sendo feitas pelos seus colegas no sentido de melhorar a proposta a apresentar e não tendo desenvolvido um verdadeiro esforço no sentido da apresentação da melhor proposta. O desrespeito pelos colegas foi também atestado por todos que se manifestaram quanto ao aparecimento do trabalhador na Reunião com os cachecóis dos clubes de futebol ao pescoço.
Os factos que acima vão descritos resultaram provados e são reveladores da falta de diligência do trabalhador na execução do trabalho. Este, enquanto Director Criativo de uma Proposta Integrada a apresentar ao cliente terá de agir com zelo e diligência na execução dos trabalhos de que está incumbido, para além de dever assumir um papel fundamental, estrutural na orientação e definição das directrizes porque devem desenvolver o trabalho aqueles que enformam a sua equipa.
Para além deste facto, também a seriedade do trabalhador resulta abalada na medida em que o mesmo - e não podendo ignorar o que acima deixámos escrito - faltou deliberadamente à verdade quando advertiu o seu superior para o facto de que não pudesse estar presente na Reunião à hora marcada por ter um compromisso inadiável - facto que o mesmo sabia não ter correspondência com a verdade, pois um jogo de futebol dificilmente poderá apelidar-se de um compromisso inadiável.
Por estas razões parece-nos evidente que o trabalhador agiu de forma livre, deliberada e consciente e o seu comportamento é suficiente para abalar, e abala, de forma irreversível a confiança que a entidade patronal algum dia depositou no mesmo.
(…) Ora, e tendo presente o que deixámos escrito em cima, não podemos deixar de considerar que o comportamento do trabalhador é muito grave e consubstancia justa causa para despedimento. Mais, também a empresa perde a confiança que depositou no trabalhador quando depois de o incumbir da tarefa de Director Criativo de campanha a apresentar a novo cliente (e que surge na linha definida pela Administração da empresa no sentido de reforçar a sua posição no mercado numa altura generalizada de crise) se depara com um funcionário que de forma voluntária manifesta falta de zelo e diligência no exercício das suas funções profissionais, seja por descurar - desde o início - a apresentação da proposta que melhor sirva os interesses da empresa, seja por abandonar "à sua sorte" a equipa que com o mesmo fazia dupla, e seja, ainda, por não estar presente na hora marcada naquele que era o Ensaio Geral da proposta a apresentar ao Cliente por motivo que, falsamente, invocou ser inadiável e envolvendo familiares.
À empresa não pode ser exigível que mantenha ao serviço um trabalhador que, atento o que deixámos escrito em cima, demonstrou um sério desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto e que são inerentes ao exercício da sua profissão.
Assim, e atento o que acima deixámos escrito, não temos dúvidas de que o comportamento do trabalhador assume gravidade tal que torna manifestamente impossível à entidade patronal mantê-lo ao seu serviço.
Constituem Justa Causa para o Despedimento nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 351.º n.º 1, 2 alíneas a) d) e f) do Código do Trabalho.
Tudo visto, face à matéria dada como provada e o direito aplicável, é meu entendimento que os factos imputados ao trabalhador consubstanciam fundamento para aplicação da Sanção Disciplinar mais gravosa, pelo que se propõe e considera ajustada à gravidade dos factos a aplicação da sanção de Despedimento com Justa Causa, prevista no artigo 328.º, n.º 1 alínea f) do Código do Trabalho».
De onde se conclui que, aquando da prolação da decisão de despedir já haviam decorrido mais de 30 dias sobre a última das diligências probatórias requeridas pelo autor na resposta à nota de culpa, a que se alude no n.º 1 do art. 415.º do Código do Trabalho de 2003, verificando-se, portanto, a caducidade do direito de punir da ré.
Pelo que o despedimento foi ilícito.
Em caso de ilicitude do despedimento, o mesmo representa o incumprimento do contrato de trabalho por parte do empregador, constituindo-o na obrigação geral de indemnizar o trabalhador pelos prejuízos sofridos - art. 562.º do C. Civil e art. 436.º, n.º 1, al. a) e b) do CT.
Nomeadamente, nos termos das disposições conjugadas dos art. 436.º a 439.º do C.T., sendo o despedimento declarado ilícito, o empregador será condenado a:
- Indemnizar o trabalhador pelos danos causados, designadamente: nos danos patrimoniais (como o sejam os salários intercalares devidos desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da decisão; os demais danos relativamente aos quais o trabalhador consiga provar os pressupostos da responsabilidade civil contratual; os juros) e os danos não patrimoniais que pela sua gravidade e consequências mereçam a tutela do direito sendo a sua indemnização meramente compensatória;
- Reintegrar o trabalhador no seu posto de trabalho, sem prejuízo da categoria e antiguidade.
Não pretendendo o trabalhador ser reintegrado poderá optar pela indemnização, sucedânea da reintegração, calculada nos termos do n.º 1 do art. 439.º do C.T., a qual não pode ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades e abrangerá todo o tempo que decorra até ao trânsito em julgado da decisão (n.º 2).
Visa-se, com tais preceitos legais aproximar tanto quanto possível o montante devido ao trabalhador do prejuízo por este efectivamente sofrido e evitar situações de dupla fonte de rendimentos, socialmente injustificadas, ou seja, situações de enriquecimento sem causa, sendo as mesmas impostas por norma de natureza imperativa - art. 2.º, al. b) do diploma em referência.
Uma vez que a opção do trabalhador pela indemnização poderá ser efectuada até à decisão, relega-se para final a condenação da reintegração/ indemnização (e respectiva graduação).»
*
A Ré, inconformada com tal sentença, veio, a fls. 486 a 500, interpor recurso da mesma, que foi admitido a fls. 521 a 523 dos autos, como de Apelação, a subir imediatamente, em separado e com efeito meramente devolutivo.
*
A Apelante apresentou, a fls. 489 e seguintes, alegações de recurso e formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
O Autor apresentou contra-alegações, dentro do prazo legal, na sequência da respectiva notificação, conforme ressalta de fls. 501 a 520, onde - para além de ter pedido a ampliação do objecto do recurso da Ré, ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A do Código de Processo Civil, respondido à nulidade da decisão impugnada invocada pela Apelante bem como às alegações pela mesma apresentadas, veio requerer ainda a condenação daquela como litigante de má-fé -, formulou as seguintes conclusões:
(…)
*
Fundou o Autor o seu pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé na seguinte argumentação de facto e de direito:
«A apelante falta à verdade quando vem alegar a nulidade da douta decisão por falta de indicação de datas importantes que, afinal, se verifica constar da citada decisão; procurando com o seu comportamento ilícito tirar proveito próprio.
A apelante falta também à verdade quando diz que a Meritíssima Juiz afirmou que a decisão da arguente, ora apelante, no processo disciplinar, foi proferida em 29.06.2009, bem sabendo que no texto vem referido: proposta de decisão e não decisão.
A apelante, pensando escrever para incautos, vem dizer que juntou aos autos de procedimento disciplinar o registo do tempo de trabalho do apelado, quando bem sabia que do conjunto de folhas de registo que juntou não constava o nome do apelado, sequer uma vez.
Como consequência:
Deve a apelante ser condenada, como litigante de má-fé, em multa, ao pagamento das despesas do presente recurso e ainda os correspondentes honorários do mandatário do apelado, estes a fixar de acordo com o douto critério de V. Exas., de harmonia com o disposto nos artigos 456º, nomeadamente, no n.º 2, al. b) e 457.º do CPC.»
*
A Apelante veio responder ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé, formulado pelo Apelado, nos seguintes moldes:
«1.º - A Recorrente veio em sede de alegações invocar a nulidade da decisão do Tribunal a quo na parte onde se julga parcialmente procedente o pedido, declarando-se ilícito o despedimento, pois, conclui o Tribunal, “aquando da prolação da decisão de despedir já haviam decorrido mais de 30 dias sobre a última das diligências probatórias requeridas pelo autor na resposta à nota de culpa (…)”.
2.º - A nulidade é arguida pela Recorrente por falta de indicação expressa na decisão da data em que foi realizada a última diligência probatória ou de quais as diligências probatórias realizadas, nomeadamente em que data foi junto ao processo disciplinar os documentos que, no âmbito do seu direito de defesa, o Autor (aqui Recorrido), como diligência probatória, solicitou que fossem juntos.
3.º - Ou seja, a decisão do Tribunal a quo é nula porque não especifica os fundamentos de facto que a justificam, já que não se sabem quais as datas tidas em consideração pela Meritíssima Juiz para concluir pela caducidade do direito da Ré.
4.º - Não bastando para fundamentar a decisão, conforme pretende o Recorrido, a mera remissão para factos constantes de documentos juntos aos autos.
5.º - Neste sentido dispõe o Acórdão do TRL, de 16/12/2009, “A mera remissão para documentos juntos ao processo, dando-se como reproduzido e provado o que deles consta, sem nada se explicitar quanto ao seu conteúdo tem apenas o alcance de dar como provada a existência desses documentos, meios de prova, e não o de dar como provada a existência de factos que com base neles se possam considerar como provados.” (...) “Não pode considerar-se discriminada a matéria de facto relevante para a decisão da causa através de simples remissão para os articulados.”
(...) Tal situação configura uma omissão absoluta de julgamento sobre a matéria de facto (...)”.
6.º - Nestes termos, carece de sentido o pedido de condenação da Recorrente em litigância de má-fé, nos termos do artigo 456.º, n.º 2 alínea b) do C.P.C., fundamentado no facto de esta alegadamente “faltar à verdade” por as datas e factos necessários à decisão se encontrarem aí referidas, o que, conforme se constata, não corresponde à verdade, e no facto de tais datas, omissas na decisão, serem do prévio conhecimento da Recorrente.
7.º - Ora, ao contrário do que pretende o Recorrido, nem a Recorrente alterou a verdade dos factos nem a omissão de factos na decisão do Tribunal a quo lhe é imputável, ainda que tais factos pudessem ser do conhecimento prévio da Recorrente.
Nestes termos, deverá ser declarada nula a decisão do Tribunal a quo nos termos e fundamentos invocados, com todas as consequências daí advenientes e o pedido de litigância de má-fé ser considerado totalmente improcedente.»
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Os autos não vinham instruídos com as alegações de recurso das partes e despacho de admissão da presente Apelação, bem como com cópias da decisão disciplinar de despedimento e respectiva notificação ao Autor, o que levou o relator a ordenar a junção aos autos de tais elementos em falta, tendo tal determinação sido satisfeita, com exceção da apresentação dos dois últimos mencionados, conforme ressalta de fls. 442 e seguintes.
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O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 562 e 563), tendo o Autor se pronunciado acerca do mesmo nos moldes constantes de fls. 566 a 568, ao contrário da Ré, que, apesar de notificada para o efeito, se remeteu ao silêncio dentro do prazo legal de 10 dias.
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Tendo os autos ido a vistos, cumpre apreciar e decidir.

II – OS FACTOS

Foram considerados provados os seguintes factos pelo tribunal da 1.ª instância (no que respeita à decisão sobre a caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar):

1) Por carta cuja cópia consta de fls. 200 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 06/02/2009, foi enviada, pela Ré ao Autor, a nota de culpa, cuja cópia consta de fls. 201 a 214 do mesmo apenso e que aqui se dá, igualmente, por integralmente reproduzida;
2) Para prova dos factos alegados na resposta à nota de culpa, o Autor arrolou, na parte final da mesma, 10 testemunhas e requereu a junção ao processo disciplinar do registo do tempo de trabalho por si prestado na requerida, bem como do contrato de arrendamento do camarote no estádio do SPORT LISBOA E BENFICA;
3) As testemunhas arroladas pelo requer oram inquiridas constam de fls. 166, 164 e 165, 161 a 163, 157 a 160, 155 e 156, 152 a 154, 151, 150, 140 a 143 e 139, respectivamente, do apenso e que aqui se dão por integralmente reproduzidas;
4) Foi enviada pela requerida ao requerente a carta, cuja cópia consta de fls. 129 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, datada de 01/06/2009, através da qual o informou que se encontrava junto aos autos de processo disciplinar, disponível para consulta, cuja cópia do contrato de aquisição do direito de utilização de um camarote no estádio do SPORT LISBOA E BENFICA, bem como se aguardava a remessa da documentação, já solicitada, relativa ao registo do seu tempo de trabalho;
5) Foi enviada pela requerida ao requerente a carta, cuja cópia consta de fls. 58 do apenso datada de 04/06/2009, através da qual o informou que se encontrava junto aos autos de processo disciplinar, disponível para consulta, cópia do registo de entradas e saídas da BB, para o período temporal de 17/11/08 a 31/12/08;
6) Em 29/06/2006, por iniciativa da instrutora do processo disciplinar, foi inquirido EE, membro do conselho de gerência da ré, conforme fls. 41 e 42 do apenso;
7) Em 29/06/2009, foi elaborado o relatório final e proposta de decisão, cuja cópia consta de fls. 3 a 40 do apenso e que aqui se dá por integralmente reproduzida, designadamente:
«Tendo em consideração a prova produzida quer documental, quer testemunhal cumpre dizer que se logrou provar que o trabalhador AA de forma voluntária, intencional e culposa infringiu de forma muito grave e sucessiva os deveres a que por Lei estava obrigado, nomeadamente os deveres de realizar o trabalho com zelo e diligência; de cumprir com as ordens e instruções do empregador respeitantes a execução ou disciplina do trabalho e o de guardar lealdade ao empregador, todos deveres consignados no art.º 128.º, n.º 1 alíneas c), e) e f), do Código do Trabalho aprovado pela Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro, o que constitui dada a sua gravidade fundamento para aplicação de sanção disciplinar.
É que, e conforme resulta da instrução do processo disciplinar, a Reunião marcada pela entidade patronal para a noite do dia 14 de Janeiro, mais não era que o Ensaio Geral de apresentação da proposta integrada que iria ser apresentada ao Cliente na manhã do dia seguinte, pelas 12:00 horas. Mais, da instrução também se constatou que o trabalhador - sabendo, à semelhança dos colegas, desse facto - se dirigiu ao superior hierárquico EE dizendo-lhe que não iria poder estar presente no Ensaio à hora marcada por ter compromissos inadiáveis e que envolvessem familiares.
Ora, da análise à prova produzida e contrariamente ao entendimento que o trabalhador verteu na sua Resposta, resulta evidente que o mesmo não advertiu o seu superior para o facto de que o "compromisso inadiável" se tratasse de assistir a um jogo de futebol, no caso concreto envolvendo o Olhanense e o Benfica, no camarote que a sua empresa arrenda ao Estádio do mesmo Benfica.
E o trabalhador, mercê das funções exercidas, do projecto especial que tinha em mãos (e pelo qual era o Director Criativo), acrescido da urgência e necessidade premente de finalizar capazmente a Proposta Integrada (e que, como se constata, também, da análise aos depoimentos prestados estava longe de estar finalizada e em condições de apresentar ao Cliente - tanto que terá havido necessidade de ficar a trabalhar até altas horas da madrugada) não podia ignorar a importância de que se revestia a sua presença na Reunião que, inclusivamente como foi referido, se revelava essencial desde o primeiro minuto.
Para além deste facto o trabalhador não podia, tão pouco, ignorar que o "assistir a um jogo de futebol" não era um motivo inadiável e envolvendo familiares susceptível de justificar a sua ausência da reunião na hora marcada.
A acrescer ao que dizemos em cima também nos parece que o trabalhador descurou de forma seriamente negligente a importância de que se revestia a angariação da Conta Publicitária em causa que, aliás, vinha na linha do esforço adicional que vinha sendo desenvolvido pela empresa. Para além disso, e também como foi referido em sede de instrução, o trabalhador manifestou falta de empenho no decurso da execução do trabalho, mostrando-se contrariado em aceitar as sugestões que iam sendo feitas pelos seus colegas no sentido de melhorar a proposta a apresentar e não tendo desenvolvido um verdadeiro esforço no sentido da apresentação da melhor proposta. O desrespeito pelos colegas foi também atestado por todos que se manifestaram quanto ao aparecimento do trabalhador na Reunião com os cachecóis dos clubes de futebol ao pescoço.
Os factos que acima vão descritos resultaram provados e são reveladores da falta de diligência do trabalhador na execução do trabalho. Este, enquanto Director Criativo de uma Proposta Integrada a apresentar ao cliente terá de agir com zelo e diligência na execução dos trabalhos de que está incumbido, para além de dever assumir um papel fundamental, estrutural na orientação e definição das directrizes porque devem desenvolver o trabalho aqueles que enformam a sua equipa.
Para além deste facto, também a seriedade do trabalhador resulta abalada na medida em que o mesmo - e não podendo ignorar o que acima deixámos escrito - faltou deliberadamente à verdade quando advertiu o seu superior para o facto de que não pudesse estar presente na Reunião à hora marcada por ter um compromisso inadiável - facto que o mesmo sabia não ter correspondência com a verdade, pois um jogo de futebol dificilmente poderá apelidar-se de um compromisso inadiável.
Por estas razões parece-nos evidente que o trabalhador agiu de forma livre, deliberada e consciente e o seu comportamento é suficiente para abalar, e abala, de forma irreversível a confiança que a entidade patronal algum dia depositou no mesmo.
(…) Ora, e tendo presente o que deixámos escrito em cima, não podemos deixar de considerar que o comportamento do trabalhador é muito grave e consubstancia justa causa para despedimento. Mais, também a empresa perde a confiança que depositou no trabalhador quando depois de o incumbir da tarefa de Director Criativo de campanha a apresentar a novo cliente (e que surge na linha definida pela Administração da empresa no sentido de reforçar a sua posição no mercado numa altura generalizada de crise) se depara com um funcionário que de forma voluntária manifesta falta de zelo e diligência no exercício das suas funções profissionais, seja por descurar - desde o início - a apresentação da proposta que melhor sirva os interesses da empresa, seja por abandonar "à sua sorte" a equipa que com o mesmo fazia dupla, e seja, ainda, por não estar presente na hora marcada naquele que era o Ensaio Geral da proposta a apresentar ao Cliente por motivo que, falsamente, invocou ser inadiável e envolvendo familiares.
À empresa não pode ser exigível que mantenha ao serviço um trabalhador que, atento o que deixámos escrito em cima, demonstrou um sério desinteresse pelo cumprimento, com a diligência devida, das obrigações inerentes ao exercício do cargo ou posto de trabalho a que está afecto e que são inerentes ao exercício da sua profissão.
Assim, e atento o que acima deixámos escrito, não temos dúvidas de que o comportamento do trabalhador assume gravidade tal que torna manifestamente impossível à entidade patronal mantê-lo ao seu serviço.
Constituem Justa Causa para o Despedimento nos termos e ao abrigo do disposto nos artigos 351.º n.º 1, 2 alíneas a) d) e f) do Código do Trabalho.
Tudo visto, face à matéria dada como provada e o direito aplicável, é meu entendimento que os factos imputados ao trabalhador consubstanciam fundamento para aplicação da Sanção Disciplinar mais gravosa, pelo que se propõe e considera ajustada à gravidade dos factos a aplicação da sanção de Despedimento com Justa Causa, prevista no artigo 328.º, n.º 1 alínea f) do Código do Trabalho»
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Nos termos do artigo 712.º, número 1, alínea a), 1.ª parte do Código de Processo Civil, este tribunal de recurso decide aditar ainda, por serem relevantes e se mostrarem comprovados documentalmente (processo disciplinar ou juntos aos autos) ou por confissão ou acordo das partes os seguintes factos:
8) A Ré, com base no relatório final e proposta de decisão a que alude o Ponto 7), proferiu, em 30/06/2009, decisão de despedimento com justa causa do Autor.
9) A decisão da Ré no sentido de despedir com justa causa o Autora chegou ao conhecimento deste último, por via não apurada, no dia 2/07/2009.
10) O Autor, através de carta datada de 4/05/2009 e recebida, em 5/05/2009, no escritório de advogados que procedia à instrução do processo disciplinar, veio, entre outros aspectos, insistir pela junção aos autos do registo do seu tempo de trabalho, no período compreendido entre 18/11/2008 e 31/12/2008, conforme ressalta de fls. 282 e 283.
11) A instrutora do processo disciplinar requereu, em 15/05/2009 e por correio electrónico, à Ré, na pessoa da funcionária FF, os elementos documentais requeridos pelo Autor e identificados no Ponto 2) conforme ressalta de fls. 273;
12) A Ré, através da sua funcionária FF, respondeu a tal pedido, por mensagem de correio electrónico de 28/05/2009, tendo enviado, por tal via e depois por fax, à instrutora do processo disciplinar, cópia do contrato de arrendamento do camarote no estádio do SPORT LISBOA E BENFICA, conforme ressalta de fls. 264 a 273;
13) Foi junto ao processo disciplinar, em data indeterminada situada entre 1/06/2009 e 4/06/2009, registo do tempo de trabalho, no período compreendido entre 17/11/2008 e 31/12/2008, conforme ressalta de fls. 194 a 257.
14) A Resposta à Nota de Culpa, datada de 23/02/2009, foi recebida no processo disciplinar até ao dia 4/03/2009 (inclusive).
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III – OS FACTOS E O DIREITO

É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
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A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente acção ter dado entrada em tribunal em 01/08/2009, ou seja, antes da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às acções que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, somente em 1/01/2010.
Esta acção, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjectivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas excepções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal) – cf., quanto ao complexo regime decorrente das normas de direito transitório constantes do último diploma legal indicado, Eduardo Paiva e Helena Cabrita, “O processo executivo e o agente de execução”, 2.ª Edição, Abril de 2010, Edição conjunta de Wolsters Kluwer Portugal e Coimbra Editora, páginas 19 e seguintes -, mas esse regime, centrado, essencialmente, na acção executiva, pouca ou nenhuma relevância tem para a economia deste processo judicial.
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do anterior Código do Processo do Trabalho e, essencialmente, da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais, aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, rectificado pela Declaração de Rectificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12 e Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e somente para processos instaurados após essa data.
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos, muito embora materialmente ocorridos, quer na vigência do Código do Trabalho de 2003, quer após a entrada em vigor do Código do Trabalho de 2009, que aconteceu em 17/02/2009, imporem, face ao início dos procedimentos de carácter disciplinar antes daquela data - o Autor foi preventivamente suspenso em 22/01/2009 - e da norma de direito transitória constante do artigo 7.º, número 5, alínea c) da Lei n.º 7/2009, de 12/02, a chamada unicamente à colação do primeiro dos regimes acima referenciados.

B - NULIDADE DO SANEADOR/SENTENÇA

A Recorrente veio nas suas alegações arguir a nulidade do saneador/sentença que se acha prevista no artigo 668.º, número 1, alínea b) do Código de Processo Civil (“É nula a sentença: b) Quando não especifique os fundamentos de facto e de direito que justificam a decisão”), por força do artigo 666.º, números 2 e 3, estipulando ainda o artigo 158.º, números 1 e 2, ambos desse mesmo diploma legal, a propósito, respectivamente, do dever de fundamentação da decisão e da forma como tal dever deve ser concretizado, que “as decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas” e “A justificação não pode consistir na simples adesão aos fundamentos alegados no requerimento ou na oposição”.
Chegados aqui, impõe-se, desde logo e antes de mais, atentar na regra especial, de índole formal, que, no quadro do direito processual laboralista, vigora nesta matéria e que se acha contida no número 1 do artigo 77.º do Código de Processo de Trabalho:

Artigo 77.º
Arguição de nulidades da sentença
1 – A arguição de nulidades da sentença é feita expressa e separadamente no requerimento de interposição de recurso.
2 – (…)

Ora, se compulsarmos as alegações de recurso da Apelante verificamos que a mesma dá cumprimento integral a tal exigência legal específica do regime adjectivo juslaboralista, pois invoca, de forma autónoma, no quadro do requerimento de interposição do recurso e antes das alegações propriamente ditas, tal nulidade nos seguintes termos:
«Na decisão em preço, na parte onde se julga parcialmente procedente o pedido, declarando-se ilícito o despedimento, conclui o Tribunal que “aquando da prolação da decisão de despedir já haviam decorrido mais de 30 dias sobre a última das diligências probatórias requeridas pelo autor na resposta à nota de culpa (…)”.
Contudo, em parte alguma dessa decisão consta qual foi a data em que foi realizada essa última diligência probatória ou mesmo quais as diligências probatórias realizadas (por exemplo, em que data foi junto ao processo disciplinar os documentos que, no âmbito do seu direito de defesa, o Autor, como diligência probatória, solicitou que fossem juntos).
Ou seja a decisão proferida é nula por não especificar os fundamentos de facto que justificam a decisão, já que não se sabe quais as datas tidas em consideração pela Meritíssima Juiz para concluir pela caducidade do direito da Ré.
Nulidade essa que desde já se invoca para todos os efeitos legais.»
O Apelado respondeu a tal nulidade nos moldes que já deixamos acima transcritos e que julgamos despiciendo reiterar aqui, bastando fazer notar que se opôs à mesma e que, face á posição da Ré nesta particular matéria, requereu a sua condenação como litigante de má-fé.
Acerca do vício de natureza formal que deixámos enunciado, convirá ouvir Fernando Amâncio Ferreira, em “Manual dos Recursos em Processo Civil”, 6.ª Edição, Almedina, páginas 52 e seguintes, quando afirma o seguinte: “A falta de motivação susceptível de integrar a nulidade de sentença é apenas a que se reporta à falta absoluta de fundamentos quer estes respeitem aos factos quer ao direito (…)”, bem como Jaime Octávio Cardona Ferreira, “Guia de Recursos em Processo Civil – o novo regime recursório civil”, Coimbra Editora, Novembro de 2007, página 54, ao defender o seguinte: “Omissão dos fundamentos de facto e de Direito que justificam a decisão (cfr. art. 158.º); não é o mesmo que fundamentação insuficiente, inadequada ou, até, errada (…)”.
Ora, da leitura atenta do saneador/sentença recorrida não ressalta, salvo a devida opinião, uma absoluta carência de fundamentação em termos fácticos que possa, de alguma forma, ser reconduzida à nulidade aqui em apreço e prevista na alínea b) do número 1 do artigo 668.º do Código de Processo Civil.
Diremos que a atitude processual da Ré nesta específica problemática se configura mais como uma alegação de insuficiência da fundamentação de facto (com a inerente insuficiência da correspondente fundamentação jurídica) do saneador/sentença impugnado do que uma absoluta falta da mesma, dado a decisão em questão elencar a dada altura do seu texto, e com um mínimo destaque formal, a factualidade que, com base no processo disciplinar junto, considera pertinente para o julgamento da questão que é objecto deste recurso.
Logo, pelos motivos expostos, tem a nulidade de sentença em questão de ser julgada improcedente.

C – DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO

Realce-se que a Recorrente não impugnou a decisão sobre a matéria de facto, nos termos e para os efeitos dos artigos 80.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-B e 712.º do Código de Processo Civil, vindo contudo e por seu turno, o recorrido pedir a ampliação subsidiária do recurso nos termos dos artigos 81.º do Código do Processo do Trabalho e 684.º-A, número 2, do segundo diploma legal referenciado, o que parece reconduzir-se a essa mesma vertente, dado não ter arguido qualquer nulidade do despacho/saneador.
Importa dizer, com o devido respeito pela parte, que as alegações do Autor quanto a tal ampliação, embora aparentemente radicadas na segunda parte do número 2 desse dispositivo legal - que estatui “…ou impugnar a decisão proferida sobre pontos determinados da matéria de facto, não impugnados pelo recorrente, prevenindo a hipótese de procedência das questões por este suscitadas” -, acabam por se revelar algo confusas e vagas quanto ao por ele pretendido, ao procederem a uma argumentação indistinta entre aspectos de índole fáctica e de natureza jurídica, o que torna muito imprecisas as fronteiras entre um universo e outro e assaz indefinido o teor de um e de outro.
Muito embora a ampliação em questão pareça traduzir-se numa insuficiência fáctica, certo é que o recorrente não especifica quais os pontos de facto que entende estarem por ela abrangidos nem os meios de prova sobre os quais funda a mesma, nos termos e para os efeitos do artigo 685.º-B, número 1 do Código de Processo Civil.
Logo, não nos resta outra alternativa que não seja, face ao estatuído no citado artigo 685.º-B, número 1 do Código de Processo Civil, em rejeitar tal ampliação subsidiária do recurso nesta sua faceta de impugnação da Matéria de Facto, tudo sem prejuízo dos poderes oficiosos que são conferidos a este Tribunal da Relação pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, que já aliás exercemos anteriormente, em sede da fixação da factualidade dada como provada (por entendermos pertinente o aditamento de mais alguns factos, face ao litígio que temos entre mãos).

D – OBJECTO DO RECURSO

Abordemos então a única questão de direito que a Apelante levanta nas suas conclusões e que se reconduz à não verificação da caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar.

D1 - REGIME LEGAL APLICÁVEL

Tendo já ficado assente que é o Código do Trabalho de 2003 que é o aplicável, chamemos então aqui à colação o disposto nos artigos 413.º a 415.º, que possuíam a redacção seguinte:

Artigo 413.º
Resposta à nota de culpa
O trabalhador dispõe de 10 dias úteis para consultar o processo e responder à nota de culpa, deduzindo por escrito os elementos que considere relevantes para o esclarecimento dos factos e da sua participação nos mesmos, podendo juntar documentos e solicitar as diligências probatórias que se mostrem pertinentes para o esclarecimento da verdade.
Artigo 414.º
Instrução
1 - O empregador, por si ou através de instrutor que tenha nomeado, procede às diligências probatórias requeridas na resposta à nota de culpa, a menos que as considere patentemente dilatórias ou impertinentes, devendo, nesse caso, alegá-lo fundamentadamente por escrito.
2 - O empregador não é obrigado a proceder à audição de mais de 3 testemunhas por cada facto descrito na nota de culpa, nem mais de 10 no total, cabendo ao trabalhador assegurar a respectiva comparência para o efeito.
3 - Concluídas as diligências probatórias, o processo é apresentado, por cópia integral, à comissão de trabalhadores e, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical respectiva, que podem, no prazo de cinco dias úteis, fazer juntar ao processo o seu parecer fundamentado
Artigo 415.º
Decisão
1 - Decorrido o prazo referido no n.º 3 do artigo anterior, o empregador dispõe de 30 dias para proferir a decisão, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
2 - A decisão deve ser fundamentada e constar de documento escrito.
3 - Na decisão são ponderadas as circunstâncias do caso, a adequação do despedimento à culpabilidade do trabalhador, bem como os pareceres que tenham sido juntos nos termos do n.º 3 do artigo anterior, não podendo ser invocados factos não constantes da nota de culpa, nem referidos na defesa escrita do trabalhador, salvo se atenuarem ou diminuírem a responsabilidade.
4 - A decisão fundamentada é comunicada, por cópia ou transcrição, ao trabalhador e à comissão de trabalhadores, bem como, no caso do n.º 3 do artigo 411.º, à associação sindical.

Não estando em causa nos autos a emissão de parecer pela comissão de trabalhadores (que, tanto quanto ressalta da presente acção, é inexistente) ou por associação sindical (o Autor não é delegado sindical), teremos que contar o prazo de 30 dias, dentro dos quais e sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção disciplinar, deve ser proferida a decisão disciplinar a partir da última diligência probatória realizada no processo disciplinar.
Julgamos que a interpretação que se mostra conforme com a letra da lei é a de que o empregador está obrigado a proferir a decisão disciplinar de despedimento dentro do referido prazo de 30 dias, já não parecendo estar vinculado a comunicar a mesma ao trabalhador visado ainda dentro de tal prazo, indo nesse preciso sentido o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 27/01/2012, processo n.º 3586/06.2TTLSB.L1.S1, em que foi relator o Juiz-Conselheiro Pinto Hespanhol e que se acha publicado em www.dgsi.pt (sumário):
2. Nos termos dos conjugados artigos 414.º, n.º 3, e 415.º, n.º 1, do Código do Trabalho de 2003, aplicável no caso, não havendo lugar à emissão de parecer das estruturas representativas do trabalhador, o empregador deve proferir decisão final sobre o despedimento, no prazo de trinta dias, contado a partir da ultimação das diligências probatórias, sob pena de caducidade do direito de aplicar a sanção.
3. Não se extrai do texto do n.º 1 do artigo 415.º citado, nem mesmo se conjugado com o artigo 416.º seguinte, que o trabalhador deva ter conhecimento da decisão final sobre o despedimento antes de decorrido o prazo ali previsto. (este Aresto faz referência a um outro, que incidiu sobre a mesma problemática, também emanado do Supremo Tribunal de Justiça e com a data 14/05/2008, proferido no processo n.º 08S643, pelo mesmo relator).
Muito embora pareça ser essa a melhor leitura do preceito, não podemos deixar de nos interrogar (à imagem do que se fez, no fundo, relativamente à Nota de Culpa e ao prazo de caducidade de 60 dias) acerca das consequências jurídicas de uma excessiva dilação entre a conclusão de tal decisão dentro do referido prazo de 30 dias e a notificação ao trabalhador do teor da mesma, pois que, para além dos prazos gerais de prescrição e de caducidade da aplicação da correspondente sanção disciplinar (1 ano, em regra, e 3 meses, respectivamente, nos termos dos artigos 372.º, número 2, e 373.º do Código do Trabalho de 2003) e da figura do abuso de direito (artigo 334.º do Código Civil), não vislumbramos norma específica que regule tal matéria (logo, apesar do empregador estar vinculado a decidir o processo disciplinar em 30 dias, já parece que poderá comunicar a sanção aplicada, desde que o prazo prescricional o permita, no prazo máximo de 2 meses e 29 dias, o que não deixa de ser contraditório com aquela primeira exigência).
De qualquer maneira, trata-se de questão que não tem influência na economia do presente recurso.

D2 - EXERCÍCIO DO PODER DISCIPLINAR

O Professor Júlio Manuel Vieira Gomes, em “Direito do Trabalho - Relações Individuais de Trabalho”, Volume I, 2007, Coimbra Editora, páginas 888 e 889, sustenta, acerca do exercício do poder disciplinar, o seguinte: «O poder disciplinar está, obviamente, sujeito a limites. Desde logo, não poderá ser exercido com desrespeito pela dignidade da pessoa do trabalhador, o que bem pode acarretar que a aplicação de uma sanção seja feita em condições tais que, mesmo existindo uma real infracção, o seu exercício poderá ser ilícito. Além disso, o poder disciplinar terá que ser exercido de acordo com os ditames e exigências da boa-fé. Em certo sentido, são estes que justificam algumas das regras que se foram consolidando e que estão hoje mesmo consagradas na lei: sanções desproporcionadas, aplicadas sem que o acusado tenha condições adequadas para o exercício d sua defesa, são sanções aplicadas em clara violação da boa-fé. Mas também a regra fundamental de que as sanções disciplinares devem ser aplicadas em prazo relativamente curto, após a decisão, bem como a existência de um período de caducidade relativamente curto para o exercício, pelo empregador, do poder disciplinar, parecem também ter na sua origem a necessidade de respeito pela boa-fé: uma acusação muito tardia, não apenas tornaria mais delicada a defesa do trabalhador, mas e sobretudo, entraria em conflito com a justa convicção do trabalhador de que o seu incumprimento passado não seria relevante, dada a atitude entretanto assumida pelo seu empregador.» (cf. também o Professor Menezes Cordeiro, “Manual do Direito do Trabalho”, Almedina, Novembro de 1997, páginas 753 a 758).
A Professora Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Almedina, Julho de 2006, páginas 644 e 645, muito embora não considere o princípio da boa-fé como um dos princípios enformadores do processo disciplinar (o mesmo, sendo um princípio norteador geral da conduta disciplinar do empregador, teria somente projecções substantivas mas já não projecções processuais específicas), refere ao lado dos princípios do contraditório e de recurso, o da celeridade processual, que segunda essa autora, «concretiza, no domínio processual, o princípio geral idêntico que norteia a matéria disciplinar (…), prosseguindo o mesmo objectivo, isto é, evitar a eternização de uma situação de conflito entre as partes. Projectam este princípio no domínio processual a regar da caducidade para o exercício da acção disciplinar (artigo 372.º, n.º 1) e a exigência de celeridade na condução do próprio processo» (sublinhado nosso). No que toca ao aludido princípio geral da celeridade na actuação disciplinar, essa mesma autora, obra citada, a páginas 635, afirma que o mesmo é «justificado pelo interesse em relocar rapidamente o trabalhador na situação de cumprimento e o contrato de trabalho em execução normal, no caso das sanções conservatórias, e justificado pelo interesse em fazer cessar rapidamente o vínculo laboral, nos casos de justa causa para despedimento (sob pena de o requisito da impossibilidade imediata de continuação do vínculo, previsto no artigo 396.º, n.º 1, do Código do Trabalho para configurar a justa causa não se verificar)», dando depois como exemplo das suas projecções substantivas e processuais o prazo geral de prescrição da infracção disciplinar, o prazo (de caducidade) da instauração do processo disciplinar e o prazo para a aplicação da sanção disciplinar.
O Acórdão da Relação de Lisboa de 19.06.2002, processo 0034914, em que foi relator o Juiz-Desembargador Simão Quelhas e que se mostra publicado em www.dgsi.pt, referindo-se ao prazo de caducidade de 60 dias – início do processo disciplinar - sustenta a certo passo o seguinte (excerto extraído das alegações de recurso do Apelado): “…assenta na ideia de que a maior ou menor lentidão no desencadeamento do processo disciplinar exprime o grau de relevância atribuído pelo empregador à conduta infractora; se o procedimento disciplinar não se iniciar dentro dos 60 dias subsequentes ao conhecimento da referida conduta, esse facto constitui presunção iuris et de iure de irrelevância disciplinar”.

D3 - ARTIGO 415.º, NÚMERO 1, DO CÓDIGO DO TRABALHO DE 2003

É neste quadro jurídico de carácter abrangente que se insere a norma constante do artigo 415.º, número 1, do Código do Trabalho de 2003, referindo a Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 838 e 839 e Nota 337, quanto a tal prazo de 30 dias, o seguinte: «Nos termos do artigo 415.º n.º 1 do Código do Trabalho a decisão de despedimento pode ser emitida (…) no lapso de trinta dias, sob pena de caducidade do direito de aplicação da sanção do despedimento. Este prazo relativamente curto para a emissão da decisão de despedimento é uma projecção do princípio da celeridade, que domina a matéria disciplinar em geral e o processo disciplinar em especial, e resulta também do fundamento do próprio despedimento no conceito de justa causa, que pressupõe a impossibilidade de subsistência do vínculo laboral. Naturalmente, o carácter imediato desta impossibilidade não se compadece com uma excessiva dilação da decisão final de despedimento. (…) o artigo 415.º n.º 1 qualifica este prazo como um prazo de caducidade. Assim, decorridos os trinta dias, a sanção disciplinar de despedimento não pode ser mais aplicada. A nosso ver, é esta a solução que melhor se coaduna com o elemento objectivo do conceito de justa causa (i.e., com a exigência de que a continuação do contrato de trabalho se tenha tornado imediata e praticamente impossível». (cf., no mesmo sentido, Júlio Gomes, obra citada, página 1006, Nota 2145).
O Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 22/10/2008, processo n.º 5303/2008-4, em que foi relatora a Juíza -Desembargadora Paula Sá Fernandes e que se mostra publicado em www.dgsi.pt, afirma, no seu sumário e acerca de tal prazo, o seguinte (Aresto indicado pelo Apelado nas suas alegações):
2. Este preceito corresponde aos n.ºs 8, 9 e 10 do art.º 10.º da anterior Lei dos despedimento (LCCT), contendo contudo uma alteração que, pela sua relevância, importa sublinhar, que é a do prazo de 30 dias que o empregador dispunha para proferir a decisão, que era um prazo meramente indicativo, ter passado a ser um prazo de caducidade do direito de aplicar a sanção.
3. Nos termos do art.º 4.º, do CT, as normas do código do trabalho podem, sem prejuízo do disposto no n.º 2, ser afastadas por instrumento de regulamentação colectiva de trabalho, ou seja quando da norma do código não resulte o contrário – “salvo quando delas resultar o contrário” – o que sucede quando estas tenham uma natureza imperativa.
4. O regime de caducidade previsto no n.º1, do art.º 415.º, do CT, para a não observância do prazo nele estabelecido configura assim um regime imperativo absoluto que não pode ser modificado por IRC.

D4 - INSTRUÇÃO DO PROCESSO DISCIPLINAR

Antes de fecharmos este parêntese de índole jurídica e que visa proceder à interpretação dos preceitos acima reproduzidos, na parte que releva para o objecto do presente recurso, pensamos importante ouvir ainda a Professora Palma Ramalho, obra citada, páginas 834 e 835, acerca da fase instrutória do processo disciplinar: «A lei não estabelece qualquer limite temporal para a conclusão da fase instrutória do processo, o que se compreende tendo em conta a diversidade de comportamentos do trabalhador que pode estar na base do processo disciplinar. Todavia, o princípio geral da celeridade processual impõe que esta fase - como as restantes fases do processo disciplinar - decorra de uma forma tão breve quanto possível.»
O Professor Pedro Romano Martinez, em “Direito do Trabalho”, 3.ª Ed. Almedina, pág. 969, afirma, por seu turno (excerto extraído das alegações do recorrido): “… tendo por base a acusação e a defesa, o empregador procede às diligências probatórias para averiguação dos factos alegados em ambas; só se poderão prolongar durante um período justificável, atendendo a um parâmetro de boa-fé e ao princípio da celeridade processual”.
O Acórdão da Relação de Coimbra, Colectânea de Jurisprudência, Tomo V/2010, págs. 68 e seguintes, citado igualmente pelo Apelado nas suas alegações, refere o seguinte quanto às diligências probatórias: “…não devem ter intuitos dilatórios e não devem prolongar-se para além de um período justificável, tendo em conta o carácter imediato da impossibilidade da manutenção da relação laboral (cfr conceito de justa causa)”.
Importa referir que, em nosso entender, não existe uma regra absoluta e abstracta que, nas matérias acima abordadas, implique uma aplicação uniforme e indistinta a todos os processos disciplinares (v.g., de despedimento), tendo de se fazer uma análise caso a caso, podendo, nessas circunstâncias, um processo disciplinar ter uma duração perfeitamente compreensível e justificada de muitos meses, devido à complexidade da matéria imputada e a uma instrução prolongada reclamada pela mesma e pela defesa do trabalhador, admitindo-se ainda que, excepcionalmente, o instrutor daquele, com o respeito dos direitos de defesa do visado, proceda oficiosamente a diligências probatórias em moldes similares, mas entendemos que, ainda assim, os procedimentos adoptados têm sempre de estar eivados, adjectiva e materialmente, do respeito pelos referidos princípios da boa-fé e/ou da celeridade processual, valendo aqui, de alguma forma, o velho aforismo que “à mulher de César não basta sê-lo mas também parecê-lo”.
Convirá, finalmente, atentar que o processo disciplinar (com intenção de despedimento), para além de ser enformado pelos referidos princípios do contraditório, da boa-fé/celeridade processual e de recurso, obedece a uma estrutura própria e sequencial, organizada por fases, com um determinado conteúdo e finalidade, visando o conjunto em si objectivos estabelecidos pelo legislador (e que não podem ser deturpados ou transviados, quer pelo empregador, quer pelo trabalhador), podendo definir-se tais procedimentos, em traços gerais, da seguinte forma: inquérito prévio (facultativo) + Nota de Culpa (acusação) + defesa + instrução + pareceres + decisão disciplinar (cf., acerca das fases típicas do processo disciplinar com intenção de despedimento, Maria do Rosário da Palma Ramalho, obra citada, páginas 824 e seguintes).
Logo, tal estrutura procedimental (o Código do Trabalho fala indistintamente de procedimento e de processo disciplinar) deve ser respeitada, em princípio, pelo empregador - ou pelo instrutor que nomear para o efeito -, tendo o processo disciplinar de ser tramitado e conduzido em conformidade com a mesma, só em situações particulares e justificadas podendo ocorrer actos e diligências que fujam a tal regra.

D5 - DEPOIMENTO PRESTADO NO DIA 29/06/2009

Ora, numa análise apressada dos autos, tendo a instrutora do processo ouvido um dos gerentes da Ré no dia 29/06/2009 e tendo a decisão final de despedimento sido proferida pela Apelante no dia imediato, estaríamos muito longe do espectro do esgotamento do mencionado prazo de 30 dias, previsto no número 1 do artigo 415.º.
Afigura-se-nos, contudo, que tal “diligência probatória”, que foi levada a cabo, a título oficioso, pela instrutora do processo disciplinar tem de ser desconsiderada para tal efeito, por se reconduzir a um mero expediente para alargar artificialmente o prazo de 30 dias aqui em questão, face a este conjunto de razões, de cariz material e jurídico:
1) Inexiste no processo disciplinar qualquer despacho justificativo de tal audição oficiosa ou, sequer, determinativo da mesma, não constando, ao contrário do que acontece com as inquirições das testemunhas arroladas pelo Autor na sua Resposta à Nota de Culpa, uma qualquer notificação, ainda que telefónica e registada por cota nos autos, destinada à convocação do referido legal-representante (o que, em última análise, nos pode fazer duvidar da sua realização ou, pelo menos, naquela data);
2) Mais, não se vislumbra do processo disciplinar qualquer explicação para o facto da dita “testemunha” só ter sido ouvida nesse preciso dia de 29/06/2009, quando a última testemunha do Autor foi inquirida em 7/05/2009 e a última diligência probatória foi concretizada em 4/06/2009, ou seja, 56 e 25 dias antes daquela data;
3) Também em sede de Nota De Culpa não ressalta, no que toca à prova acusatória que funda as imputações disciplinares ao Autor (fls. 368), qualquer referência a esse sócio-gerente, quer como já tendo prestado declarações no antecedente inquérito, quer com vista a ser ouvido no quadro do processo disciplinar;
4) A referida “testemunha” é, como já dissemos, gerente da Ré (cf. certidão emitida pela Conservatória do Registo Comercial de fls. 112 e seguintes), logo pessoa com poderes de representação e vinculação da empresa, como, aliás, resulta da circunstância de, quer a Nota de Culpa, quer a Decisão de Despedimento, se mostrar por ele subscrita, em conjunto com outro gerente, mas acha-se qualificado no referido depoimento como mero “Director Geral de Publicidade”, não tendo, por outro lado, sido enumerados os factos sobre que ia incidir tal depoimento, que, para mais, parece ter sido indicado por alguém (“a testemunha foi indicada à matéria constante dos artigos…”);
5) Tal inquirição ocorre no mesmo dia em que o Relatório Final e Proposta de Decisão foi concluída, convindo realçar que os mesmos se traduzem num longo e complexo documento de 38 páginas que, convenhamos e de acordo com as regras da experiência comum, nunca poderiam ter sido elaborado num só dia, o que indicia a sua elaboração (total ou em grande parte) em momento anterior;
6) Se confrontarmos o teor de tal “depoimento” com o texto da exposição ou síntese proveniente da Ré enviada à instrutora do inquérito prévio (fls. 384 a 389) e que funda, quer a sua instrução, quer depois a elaboração da Nota de Culpa, verificamos que aquele pouco ou nada adianta ao conteúdo desta última, o que não deixa de ser sintomático do seu carácter dilatório;
7) Tal “depoimento”, de índole acusatória, até porque proveniente de pessoa que, aparentemente, tinha conhecimento directo dos factos, justificava-se em sede inicial de inquérito ou do processo disciplinar e nunca nesta fase final deste último, em que formalmente a instrução estava encerrada, procedendo a uma inversão injustificada da estrutura procedimental acima referenciada;
8) Nessa medida, tal audição da referida “testemunha”, em momento imediatamente anterior (?) ao da elaboração do relatório final e proposta de decisão constitui uma clara e grave violação dos princípios do contraditório e da boa-fé, pois coloca o trabalhador arguido perante um facto unilateral e consumado, relativamente ao qual não teve conhecimento e oportunidade de se defender, dentro dum prazo razoável (com a indicação, por exemplo e para efeitos de contraprova, de outras diligências - informações escritas da Ré, documentos ou inquirição de testemunhas).
Logo, por manifestamente violadora dos referidos princípios da celeridade, do contraditório e da boa-fé que devem presidir à tramitação e condução do processo disciplinar, tal “diligência probatória” não tem a virtualidade de interromper o prazo de caducidade de 30 dias aqui em apreciação (cf., em última análise, o disposto no artigo 334.º do Código Civil).

D6 - JUNÇÃO AO PROCESSO DISCIPLINAR DOS DOCUMENTOS PEDIDOS PELO AUTOR

Dir-se-á, contudo, que tal prazo de 30 dias não se esgotou, pois os segundos documentos requeridos pelo trabalhador na sua defesa foram somente juntos no dia 4/06/2009 (e comunicados ao trabalhador no mesmo dia), tendo a decisão disciplinar sido proferida em 30/06/2009.
Também o primeiro documento foi junto ao processo disciplinar em 28/05/2009 e notificado ao Autor em 1/06/2009, o que acarreta que, também relativamente ao mesmo, o prazo de 30 dias não tivesse totalmente transcorrido.
Tal argumentação teria razão de ser não se desse o caso do trabalhador ter pedido tal apresentação de documentos na sua Resposta à Nota de Culpa, datada de 23/02/2009 e recebida pela instrutora do processo disciplinar até 4/03/2009 e desta última, ao invés de dar andamento célere e pronto a tal pretensão (ou, ao invés, indeferir a mesma, de imediato, ao abrigo da 2.ª parte do número 1 do artigo 414.º) só o veio a fazer em 15/05/2009, ou seja, 2 meses e 10 dias depois de dela tomar conhecimento e já depois de ter realizado a inquirição das testemunhas arroladas pelo Autor (a última foi ouvida em 7/05/2009), sem que se entenda qual a razão de tal dilação, quer em termos formais, como substanciais.
Como bem refere o recorrido nas suas alegações e como resulta do que doutrinária e jurisprudencialmente acima deixámos explanado, o empregador - ou o seu representante no quadro do processo disciplinar - não possui um poder discricionário de mandar fazer as diligências probatórias quando e como entende mas está vinculado aos aludidos princípios e regras que, na hipótese dos autos, não foram minimamente respeitados.
Logo, também tal documentação, nas específicas circunstâncias em que foi produzida nos autos e pelos motivos expostos, não possui a virtualidade de interromper o referido prazo de caducidade de 30 dias.

D7 - CADUCIDADE DO DIREITO DE APLICAR A SANÇÃO DISCIPLINAR

Chegados aqui e face ao que ficou exposto, não parece restarem grandes dúvidas quanto à verificação do aludido prazo de caducidade do direito da Ré aplicar ao Autor a sanção de despedimento, nos termos e para os efeitos do artigo 415.º, número 1 do Código do Trabalho de 2003.
Logo, tem de se julgar improcedente o recurso de Apelação da Ré, nessa medida se confirmando, ainda que com fundamentação parcialmente diversa, o saneador/sentença impugnado.

E - AMPLIAÇÃO DO OBJECTO DO RECURSO

Abordemos agora a ampliação do objecto do recurso requerida pelo Autor, ao abrigo do disposto no artigo 684.º-A, números 2 e 3, do Código de Processo Civil, para dizer que perde utilidade a análise da mesma, perante a confirmação do saneador/sentença na questão da caducidade do direito de despedir o trabalhador (cf., a este título, os artigos 684.º-A e 715.º, número 2 do Código de Processo Civil), sendo certo que, no que se refere às outras matérias relativas à invalidade do procedimento disciplinar, temos para nós que estava vedado a este tribunal de recurso julgá-las em primeira mão, pois o tribunal da 1.ª instância não se pronunciou sobre as mesmas (apesar de, em nosso entender, não se estar numa situação reconduzível ao número 2 do artigo 660.º do Código de Processo Civil, pois as invalidades do processo disciplinar não são prejudicadas, em termos de julgamento, pela referida caducidade, dado se situarem em planos distintos, ao nível das consequências jurídicas delas derivadas) e não estamos face a uma sentença final mas a uma decisão, ainda que incidindo sobre o mérito da causa, meramente intercalar e parcial.

F - LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ

Apreciando agora o pedido de condenação da Ré como litigante de má-fé, radicado no facto de a mesma ter vindo arguir a nulidade do saneador/sentença por falta de (parte da) fundamentação de facto que deveria sustentar o seu raciocínio e conclusão jurídicos, diremos o seguinte:
1) Não existe dúvida de que tal saneador/sentença, com suficiente destaque formal, enuncia os factos que acima se acham elencados na parte factual deste Aresto, não se confundindo, como acima dissemos, a insuficiência dos mesmos com a sua total ausência;
2) Como já acima dissemos e apesar de tal cenário, a atitude processual da Ré na problemática em apreço configura-se antes como uma alegação de insuficiência da fundamentação de facto (com a inerente insuficiência da correspondente fundamentação jurídica) do saneador/sentença impugnado do que como uma absoluta falta da mesma;
3) Convirá reconhecer, em abono da verdade, duma leitura atenta do saneador/sentença, uma lacuna de interpretação dos factos considerados, num salto lógico (cfr. fls. 407 a 411), que até nos faz cogitar se terá efectivamente sido junto aos autos o teor integral do dito despacho (o que, a não ter acontecido, se deverá naturalmente a um lapso material);
4) Logo, tendo em linha de conta tal quadro de facto e de direito, o disposto nos artigos 456.º e 457.º do Código de Processo Civil e o que nossa melhor doutrina sustenta acerca de tal instituto (cf., por todos, António Santos Abrantes Geraldes, “Temas Judiciários - 1 - Citações e Notificações em Processo Civil. 2 - Custas Judiciais e multas cíveis”, I Volume, Almedina, Setembro de 1998, páginas 303 e seguintes), afigura-se-nos que a Apelante não litigou de má-fé o arguir a nulidade da decisão nos moldes em que o fez.
Sendo assim, vai indeferida a condenação da recorrente como litigante de má-fé.


IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se neste Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por BB, LDA. e prejudicado o julgamento da ampliação subsidiária do objecto do mesmo requerida pelo Apelado, nessa medida se confirmando, na parte impugnada, o despacho saneador recorrido.

Custas do presente recurso a cargo da Apelante.

Registe e notifique.

Lisboa, 16 de Maio de 2012

José Eduardo Sapateiro
Maria José Costa Pinto
Seara Paixão


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