sexta-feira, 9 de novembro de 2012

ISENÇÃO DE HORÁRIO DE TRABALHO



3125/08.0TTLSB.L1-4   TRL   21 de Setembro de 2011
 
 
I - Não sendo a atribuição do regime de isenção de horário de trabalho acordada no início do contrato de trabalho, não está a entidade empregadora, em princípio, impedida de a retirar unilateralmente, uma vez que se trata de uma matéria que cabe no âmbito das suas competências, integrando o poder de direcção que lhe é próprio.
II- Todavia, se após a mudança das funções do trabalhador ao abrigo das quais foi atribuída tal isenção, a entidade empregadora se compromete, perante aquele, a manter inalteradas as condições remuneratórias que detinha, o subsídio por essa isenção passou a fazer parte integrante do contrato individual de trabalho, não podendo ser retirado unilateralmente

Acordam no Tribunal da Relação de Lisboa:

A veio instaurar, no 5º Juízo do Tribunal do Trabalho de Lisboa, a presente acção emergente de contrato de trabalho, contra BANCO B, SA, pedindo a condenação do Réu a pagar-lhe o subsídio de isenção de horário de trabalho, desde Dezembro de 2007 e no futuro, enquanto vigorar o contrato de trabalho entre as partes, bem como a proceder ao cálculo correcto desse subsídio, desde 1990 até Dezembro de 2007, tudo acrescido de juros de mora.
Para tanto, alegou, em síntese e tal como consta da sentença recorrida:
Foi admitida ao serviço do Réu (então Banco C) em 2 de Janeiro de 1989, mediante contrato de trabalho.
Em Novembro, na sequência de concurso interno, a Autora foi nomeada para a categoria de cambista, passando a exercer as inerentes funções.
Foi também promovida, em termos retributivos, para um nível superior e passou a auferir um subsídio de isenção parcial de horário de trabalho.
Em 2000 deixou de exercer as funções de Cambista, tendo-lhe então sido garantido pelo Réu que as suas condições contratuais, nomeadamente a nível remuneratório, não seriam beliscadas.
No entanto, em finais de Dezembro de 2007, o Réu cessou de processar o referido subsídio de isenção de horário de trabalho.
De qualquer forma, sempre o Réu calculou de forma errada o montante daquele subsídio a pagar.
O Réu contestou, dizendo:
O subsídio de isenção de horário de trabalho foi atribuído à Autora por força das concretas funções que passou a desempenhar aquando da nomeação para a categoria profissional de cambista.
Cessando de exercer aquelas funções, deixou de se justificar manter aquele subsídio, que não integra o conceito de retribuição;
O valor do mesmo foi sempre correctamente calculado.
Efectuado o julgamento, foi proferida sentença, decidindo da seguinte forma:
“Face ao exposto, julgamos a presente acção parcialmente procedente, por provada em parte, e em consequência condenamos a R a pagar à A o subsídio de isenção de horário de trabalho, desde 2007 e até à presente data, relegando-se a sua liquidação para execução de sentença, bem como a manter tal subsídio para o futuro e enquanto vigorar o contrato de trabalho, absolvendo a R do demais peticionado.
Custas por A e R, na proporção de metade para cada – artigo 446.º do Código de Processo Civil”.
x
Inconformado, o Réu veio interpor recurso, formulando as seguintes conclusões:
(…)
A Autora contra-alegou, propugnando pela manutenção do julgado.
Foram colhidos os vistos legais.
x
Definindo-se o âmbito do recurso pelas suas conclusões (artºs 684°, n°3, e 690°, n° 1, do CPC), temos, como questões em discussão:
a) –se há que alterar a matéria de facto fixada na 1ª instância;
b)- se era legítimo à Ré retirar a isenção de horário de trabalho, e correspondente retribuição, à Autora.
x
Na 1.ª instância foi dado como provado o seguinte:
(…)
x
-a reapreciação da matéria de facto:
(…)
x
O direito:
Está em causa saber se a decisão do Réu, de Dezembro de 2007, que retirou à Autora o subsídio de isenção de horário de trabalho, violou o princípio da irredutibilidade da retribuição.
Como factualidade decisiva para esta questão temos que:
Em 13 de Novembro de 1990, o Réu atribuiu à Autora isenção parcial de horário de trabalho (I.P.H.T.) e um subsídio de função correspondente, à data, a 25% do nível retributivo.
Que posteriormente passou a corresponder a 39% do nível e a designar-se como complemento remuneratório, como ainda hoje é designado.
Ambas as prestações – subsídio de isenção de horário de trabalho e subsídio de função – faziam parte, à data da nomeação, do "pacote" retributivo atribuído aos cambistas, conforme carreira interna desta categoria, aprovada pelo Conselho de Administração em 13.07.88.
Razão porque todos os que eram nomeados definitivamente as recebiam.
Em Setembro de 2000, o Réu comunicou à Autora que, por motivos de reestruturação da Instituição, iria deixar de exercer a função de cambista, sendo integrada na área do banco designada Núcleo de Controlo e Qualidade de Clientes.
Essa comunicação foi-lhe feita pessoalmente pelo Sr. Dr. D, que pertencia – e pertence – à Direcção de Recursos Humanos do banco Réu.
O Dr. D garantiu, quer à Autora, quer a outros colegas cambistas na mesma situação, que, com tal mudança, nada seria alterado em termos das condições remuneratórias que detinham.
A Autora não desejava mudar de área e aceitou tal decisão porque era do interesse do banco.
O Réu entregou à Autora a carta, datada de 24 de Agosto de 2007, que constitui o documento n.º 12 junto com a PI, e na qual se refere que: “por não se manterem os motivos que justificavam a atribuição da Isenção de Horário de Trabalho, foi superiormente decidido fazer cessar a isenção que lhe foi atribuída” e que refere ainda que “a remuneração adicional correspondente à referida isenção deixará de lhe ser paga decorrido que seja o prazo constante no n.º 4 da cláusula 54.ª do ACT (três meses), após a notificação da presente carta”.
Posto isto, temos que, atentas as datas das ocorrência dos factos, a legislação que encontra aqui aplicação é a anterior ao Código do Trabalho de 2003.
Assim, temos que o artº 13º do DL 409/71, de 27/97 previa, entre o mais, que trabalhadores que exerçam trabalhos que pela sua natureza só possam ser efectuados fora dos limites dos horários normais de trabalho ou que exerçam regularmente a actividade fora do estabelecimento, sem controlo regular da hierarquia, possam ser isentos de horário de trabalho.
Por sua vez, o artº 11º, nº 2, do mesmo diploma, definia o "horário de trabalho" como “a determinação das horas do início e do termo do período normal de trabalho diário, bem assim como dos intervalos de descanso.”, competindo às entidades patronais estabelecê-lo- nº 1.
Atento o artº 2º, nºs 1 e 2, al. a), do DL 421/83, de 2/12, "considera-se trabalho suplementar todo aquele que é prestado fora do horário de trabalho", não se compreendendo naquela noção o trabalho prestado por trabalhadores isentos de horário de trabalho em dia normal de trabalho.
O regime de isenção coloca o trabalhador à margem do sistema de pré-determinação das horas de entrada, de saída e dos intervalos de descanso - por isso, fora do âmbito das normas que consagram os limites da duração diária e semanal do trabalho - sem prejuízo, porém, do direito ao repouso diário e semanal (cfr. Francisco Liberal Fernandes, Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar).
Contudo, a isenção do horário de trabalho não é um direito do trabalhador, constitui para este uma penosidade, dada a sua não submissão aos períodos de trabalho diário e semanal estabelecidos.
A concessão da isenção de horário de trabalho depende da vontade da entidade patronal, assim como depende desta a manutenção, podendo fazê-la cessar quando entender que já não se justifica tal regime. “Constitui uma facilidade ou benefício para o empregador que, assim, adquire um meio de dispor flexivamente da força de trabalho em causa, ela pode cessar por sua iniciativa unilateral” (Monteiro Fernandes, Direito do Trabalho, vol. I, 8ª edição, pags. 304 e 305).
Tem-se entendido, doutrinal e jurisprudencialmente, que a isenção de horário de trabalho não é propriamente um direito ou uma regalia do trabalhador, tratando-se, em geral, de uma situação reversível, à qual corresponderá um subsídio, um suplemento que cessa quando a isenção deixa de ter lugar- cfr. Ac. do STJ de 13/11/96, proc. 96S140, in www.dgsi.pt.
Como se escreve no Ac. da Rel. do Porto de 15/12/2003, in www.dgsi.pt, proc. 0242109, “a doutrina e a jurisprudência [cf. Abílio Neto, in Contrato de Trabalho, 10.ª edição, págs. 371 e 372, Francisco Liberal Fernandes, in Comentário às Leis da Duração do Trabalho e do Trabalho Suplementar, 1995, págs. 72 a 76 e António Menezes Cordeiro, in Isenção de Horário, Subsídios para a Dogmática Actual do Direito da Duração do Trabalho, 2000, págs. 89 a 92 e as referências da jurisprudência citados por todos os Autores] têm entendido que a situação de isenção do horário de trabalho, prevista nos Art.ºs 13.º e 14.º, ambos do Decreto-Lei n.º 409/71, de 27 de Setembro, com o seu regime próprio de prestações, é reversível, estando na disponibilidade do empregador a sua manutenção, só não sendo assim quando as partes o tenham clausulado no contrato individual de trabalho. Isto é, a vontade do trabalhador, no sentido da manutenção do regime da isenção, só é relevante se e quando tal regime tenha sido inserido no contrato respectivo; neste caso, a retirada do regime, por iniciativa do empregador, carece sempre da concordância do trabalhador. Mas, fora destas situações, o regime é reversível, embora o empregador fique constituído na obrigação de pagar a retribuição especial devida pela prestação de trabalho suplementar, quando ele ocorrer, como aconteceu na hipótese vertente”.
A este respeito defende Francisco Liberal Fernandes, ob. cit., pag. 73, que embora “os efeitos a que a lei associa à isenção do horário de trabalho constituam direitos e expectativas do trabalhador, a respectiva concessão não confere qualquer direito à respectiva manutenção. Só não será assim se o regime de isenção integrar o conteúdo do contrato individual de trabalho; neste caso, a respectiva supressão constitui uma modificação substancial da relação laboral, pelo que o trabalhador goza do direito a rescindi-la unilateralmente, com justa causa (arts. 34º e s. da LDesp).".
Como referem Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e Nunes de Carvalho, in Comentário às Leis do Trabalho, Lex, pags. 214-215, “uma vez terminado o regime de isenção, o trabalhador perderá o direito à retribuição especial que lhe era inerente, sem que essa perda possa ser considerada como uma baixa de retribuição (…). A única excepção geralmente admitida à reversibilidade da isenção respeita aos casos em que esse regime tenha sido expressamente convencionado no contrato de trabalho, caso em que se exige a concordância do trabalhador para o seu termo”.
Por outro lado, decidiu-se no Ac. desta Relação de 25/10/2000, proc. 0077674, disponível em www.dgsi.pt que resultando o regime de isenção de horário de trabalho do próprio contrato de trabalho e não duma fixação unilateral do mesmo determinada pela entidade patronal, só um novo acerto de vontades das duas partes poderá pôr-lhe termo. Nestes casos - e sejam quais forem as razões invocadas para uma tal alteração do contrato - a entidade patronal não pode unilateralmente fazer cessar o regime de isenção de horário praticado pelo trabalhador, nem pode retirar o correspondente suplemento retributivo. Nas demais situações, a isenção de horário de trabalho é, por natureza, uma situação reversível, podendo cessar por iniciativa unilateral da entidade patronal.
O subsídio de isenção de horário é uma retribuição específica, contrapartida de uma situação funcional reversível, que não está abrangida pela garantia da irredutibilidade da retribuição. Como é generalizadamente reconhecido pela doutrina e pela jurisprudência, a irredutibilidade da retribuição não é impeditiva da supressão de certas atribuições patrimoniais conexas com determinadas condições específicas do modo de prestação de trabalho, quando essas condições específicas sejam também elas suprimidas. É o que acontece com inúmeras prestações que são contrapartida de situações laborais reversíveis, e que, se bem que frequentemente, pelo carácter regular e periódico com que são pagas, possam ser qualificadas como complementos retributivos, só são devidas enquanto a situação específica de que são contrapartida se verificar (a menos que, por terem sido contratualmente estabelecidas, não haja acordo das partes quanto à eliminação da parcela retributiva correspondente a essa especificidade). É o caso, por exemplo de subsídios de turno, de isenção de horário de trabalho, de risco, de transporte de valores, etc…”- cfr. Ac. desta Relação de 9/4/2008 (Relatora Des. Maria João Romba), in www,dgsi.pt.
Segundo o ensinamento do Prof. Menezes Cordeiro, in Manual de Direito do Trabalho, 1991, a pag. 735, “a regra da irredutibilidade não incide sobre toda a remuneração global, mas apenas sobre um particular núcleo: a retribuição estrita ...” e ao referir os vectores a que obedece a determinação desse núcleo, estabelecidos no artigo 82º da LCT refere expressamente “ficam afastadas as parcelas correspondentes ao maior trabalho” (entre as quais, a pag. 727, expressamente inclui o subsídio de isenção de horário) “ou, em geral, a situações funcionais reversíveis....”.
Ora, no caso concreto, verificou-se a integração da retribuição especial por isenção de horário de trabalho no contrato individual de trabalho da Autora.
Com efeito, fazendo parte esse subsídio do "pacote" retributivo atribuído aos cambistas, conforme carreira interna desta categoria, quando, em Setembro de 2000, o Réu comunicou à Autora que, por motivos de reestruturação da instituição, iria deixar de exercer a função de cambista, sendo integrada na área do banco designada Núcleo de Controlo e Qualidade de Clientes. o Dr. D, que pertencia – e pertence – à Direcção de Recursos Humanos do banco Réu e que efectuou tal comunicação pessoalmente, garantiu, quer à Autora, quer a outros colegas cambistas na mesma situação, que, com essa mudança, nada seria alterado em termos das condições remuneratórias que detinham.
Ou seja, resulta clara e inequivocamente dessa comunicação que foi vontade do Réu manter todas a prestações que vinha pagando à Autora, incluindo o subsídio de isenção de horário de trabalho, que, assim, passou a fazer parte integrante do seu contrato individual de trabalho, como parcela da retribuição.
Pelo que subscrevemos o afirmado na sentença, quando se refere que:
“É bem patente que a manutenção do pacote retributivo que a A vinha percebendo terá sido decisivo na formação da vontade da A em aceder à mudança de funções. E que a garantia dada pelo responsável da R vincula esta, nomeadamente na obrigatoriedade de manter as mesmas condições remuneratórias, maxime no que ao subsídio de IHT diz respeito, parece-nos óbvio”.
E que “ressalta manifestamente a intenção do Banco em não tocar na retribuição da A, em qualquer das suas componentes que seja”.
Assim, ao retirar-lhe tal subsídio, violou o Réu o princípio da irredutibilidade da retribuição, conforme se decidiu em 1ª instância.
Termos em que improcedem as conclusões do recurso.
x
Decisão:
Nesta conformidade, acorda-se em negar provimento à apelação, mantendo-se a sentença recorrida.
Custas pelo apelante.

Lisboa, 21 de Setembro de 2011

Ramalho Pinto
Isabel Tapadinhas
Natalino Bolas

Sem comentários:

Enviar um comentário