sexta-feira, 22 de fevereiro de 2013

AVISO PRÉVIO – DENÚNCIA – FORMALIDADES



Proc. Nº 690/10.6TTFUN.L1-4     TRLisboa                 23 Jan 2013

I – A exigência de forma escrita previsto no artigo 400.º, número 1, do Código do Trabalho respeita ao aviso prévio e não à denúncia propriamente dita.
II – Os efeitos jurídicos da falta de formalização do aviso prévio traduzem-se nas restrições de carácter probatório constantes do artigo 364.º, número 2, 393.º, número 1, 351.º, 388.º e 390.º, todos do Código Civil, cabendo ao trabalhador a demonstração do momento em que denunciou verbalmente o contrato de trabalho, bem como no eventual funcionamento do regime constante do artigo 401.º, caso não logre tal prova, sem prejuízo, finalmente, das dificuldades de aplicação, em tais circunstâncias, do disposto no artigo 402.º, todos do Código do Trabalho de 2009


ACORDAM NESTE TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA:

I – RELATÓRIO

AA, desempregado, NIF (…) e com residência na Rua (…), Bloco C, Lote ..., R/C Esquerdo, ..., veio, em 10/12/2010, propor a presente ação declarativa de condenação com processo comum laboral, com pedido de citação urgente e prévia, nos termos do artigo 478.º do Código de Processo Civil por força do artigo 23.º do Código do Processo do Trabalho, contra BB SEGURANÇA PRIVADA, LDA., Pessoa Coletiva n.º (…), com sede ..., Edifício (…), …, n.º …, 2.º H, ..., pedindo, em síntese, que se declare ilícito o despedimento efetuado sem justa causa, devendo a Ré ser condenada a pagar as seguintes quantias:
a) De €1.300,84, a título de pagamento de retribuição de férias e proporcionais de férias e subsídio de férias;
b) De €5.014,96 a título de pagamento de trabalho suplementar prestado e não pago;
c) €2.500,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais;
d) De €2.542,15, a título de pagamento de indemnização em substituição de reintegração, ou em alternativa, não se considerando o despedimento ilícito, o montante devido pela caducidade do contrato, equivalente a dois dias de retribuição base e diuturnidades por cada mês de duração do contrato, no valor integral de €971,30;
e) Bem como as quantias relativas às retribuições que seriam devidas ao Autor, se prestasse normalmente a sua atividade para a Ré, desde 30 dias antes da propositura da ação e até a data da sentença, no valor mensal de €612,45.
*
Alega, em síntese o seguinte:
1) Que, celebrou um contrato de trabalho a termo incerto com a Ré, para exercer as funções de vigilante;
2) O termo daquele contrato ocorreria aquando da cessação do contrato de prestação de serviços existente entre a Ré e a sua cliente “CC, SA”;
3) A Ré comunicou-lhe a cessação do contrato de trabalho sem que se tenha verificado a causa para a cessação prevista naquele contrato;
4) A Ré não lhe pagou as horas prestadas de trabalho suplementar, bem como indemnização por despedimento ilícito, férias não gozadas, proporcionais de férias e subsídio de férias; o despedimento causou-lhe grande desgosto, trauma e preocupação.
*
Foi agendada data para a realização da Audiência de partes, tendo a Ré sido previamente citada por carta registada com Aviso de Receção, como resulta de fls. 49.
Mostrando-se inviável a conciliação das partes, foi a Ré notificada para, no prazo e sob a cominação legal contestar (fls. 45 e 46), o que a Ré fez, em tempo devido, e nos seguintes termos, conforme ressalta de fls. 47 e seguintes, onde, em síntese, alegou, que o contrato de trabalho que vinculava o Autor à Ré cessou em 23.12.2009, tendo em conta que o Autor não aceitou continuar ao seu serviço, tendo-lhe pago todas as quantias que lhe eram devidas.
Conclui pela improcedência da ação e requer a condenação do Autor no pagamento de multa e indemnização, por litigância de má-fé.
*
Respondeu o Autor, a fls. 68 e seguintes, ao pedido da sua condenação como litigante de má-fé, tendo impugnado o mesmo formalmente e materialmente e defendido a sua improcedência.   
*
Foi proferido despacho saneador, no qual se dispensou a realização de Audiência Preliminar, admitiu-se a resposta do Autor, considerou-se regularizada a instância, não se tendo fixado a matéria de facto assente e elaborado a base instrutória, atenta a simplicidade da causa, vindo finalmente a admitir-se os róis de testemunhas das partes, juntos a fls. 12 e 61 (fls. 73 a 75).
Procedeu-se à realização da Audiência de Discussão e Julgamento com observância do legal formalismo, tendo a prova aí produzida sido objeto de registo-áudio (fls. 186 a 189, 217 a 221 e 235 e 236).
Foi proferida, a fls. 237 a 240, Decisão sobre a Matéria de Facto, que não foi objeto de reclamação, dado nenhuma das partes se achar presente (cf. Ata de fls. 241).      
*
Foi proferida, a fls. 242 e seguintes e com data de 19/12/2011, sentença cuja parte dispositiva se transcreve:
“Nestes termos e com tais fundamentos, decide-se julgar a presente ação improcedente, por não provada e, consequentemente, absolvo a Ré dos pedidos.
Custas a cargo do autor.
Notifique e Registe.

  Inconformado com a sentença, veio o Autor, a fls. 260, interpor recurso para este Tribunal da Relação, que foi admitido a fls. 314 dos autos, como de Apelação, a subir de imediato e nos próprios autos, sendo o efeito meramente devolutivo decorrente do artigo 83.º, número 1, do Código do Processo do Trabalho.  
*
O Apelante apresentou as doutas alegações de fls. 261 e seguintes, onde formulou as seguintes conclusões:
(…)

  A Ré contra-alegou nos moldes constantes de fls. 296 e seguintes, tendo formulado as seguintes conclusões:
(…)
*
O ilustre magistrado do Ministério Público deu parecer no sentido da improcedência do recurso de Apelação (fls. 321  e 321 verso), não tendo as partes se pronunciado acerca do mesmo, dentro do prazo legal, apesar de notificadas para o efeito.
*
Tendo os autos ido aos vistos, cumpre apreciar e decidir.
             
II - FUNDAMENTOS DE FACTO
 
Os factos considerados provados são os seguintes:

1. - O Autor e a Ré outorgaram contrato de trabalho a termo incerto, datado de 18-09-2008, comprometendo-se o Autor em exercer funções na categoria profissional de Vigilante, sob autoridade e direção da Ré, mediante a retribuição mensal de líquida de 612,45 €, acrescido de subsídio de alimentação, conforme documento junto a fls. 13 a 15, cujo teor se dá aqui por reproduzido.
2. - Foi estipulado o período de trabalho de 40 horas semanais bem como que o local de trabalho seria nas instalações da empresa “CC, S.A”.
3. - Durante os meses de Outubro de 2008 a Fevereiro de 2009 o Autor foi destacado para o ..., para as instalações da “CC” ali existentes.
4. - A 11 de Novembro de 2009 a Ré, comunicou ao Autor a cessação de contrato de trabalho por caducidade, a qual produziria efeitos a partir de 23-12-2009, assim como a colocação ao seu dispor das quantias em falta por créditos laborais, conforme documento junto a fls. 17 (doc. 3 da p.i) e cujo conteúdo se dá aqui por integralmente reproduzido.
5. - Tal comunicação foi enviada aos restantes trabalhadores que exerciam funções nas instalações da “CC”, cliente da Ré.
6. - Para fundamentar a não renovação do contrato com o Autor a Ré invocou a cessação do contrato de prestação de serviços que outorgou com a empresa “CC S.A.”, o qual cessaria a 23-12-2009.
7. - Porém em 14/12/2009, a cliente da Ré – CC S.A.- manifestou a intenção de renovar o respetivo contrato de prestação de serviços por um período de mais 6 meses, tendo a Ré aceite a “prorrogação” do aludido contrato.
8. - Como havia já comunicado aos trabalhadores afetos àquele posto, inclusive ao Autor, a cessação dos respetivos contratos por caducidade com efeitos a partir de 23/12/2009, a Ré apressou-se a comunicar-lhes aquela circunstância, questionando-os se pretendiam manter os seus contratos de trabalho com a Ré, sendo que todos, com exceção do Autor, confirmaram a sua disponibilidade para se manterem vinculados à empresa, dando sem efeito o aviso prévio de caducidade.
9. - O Autor mostrou-se indisponível para continuar ao serviço da Ré até ao final do contrato de prestação de serviços com a CC.
10. - O Autor recebeu a 17.12.2009 a comunicação escrita da Ré[1] junta aos autos a fls. 19 (Doc. n.º 4 da p.i), cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. - A Ré insistiu diversas vezes junto do Autor para que se dirigisse à empresa para lhe serem entregues os montantes devidos pela cessação ao contrato e para, bem assim, lhe ser entregue o certificado de trabalho e a Declaração de Situação de Desemprego, e também para entrega do fardamento que lhe havia sido entregue no início da relação laboral.
12. - O Autor, por via da sua mandatária, remeteu à Ré os documentos de fls. 20 a 33 (docs. 5 e 6 da p.i), cujo teor se dá aqui por reproduzido.
13. - Em Abril de 2010 foi entregue ao Autor o respetivo recibo de vencimento e correspetivo pagamento, declaração de situação de desemprego, tendo sido entregue à Ré o fardamento que estava na posse do Autor.
14. - A Ré emitiu a favor do Autor e entregou-lhe o cheque junto com o Doc. 14 (fls. 109), no montante de € 996,93.
15. - O Autor gozou férias desde 12-07-2009 até 17-08-2009, tendo recebido o correspetivo montante relativo às ditas férias e o relativo ao subsídio de férias.

Factos não Provados:
(…)


III – OS FACTOS E O DIREITO
 
É pelas conclusões do recurso que se delimita o seu âmbito de cognição, nos termos do disposto nos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3, ambos do Código de Processo Civil, salvo questões do conhecimento oficioso (artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil).
Assim, as questões a que cumpre dar resposta no presente recurso são as seguintes:
- Reapreciação da matéria de facto;
- Denúncia do contrato por parte do Autor
- Despedimento ilícito.

A – REGIME ADJECTIVO E SUBSTANTIVO APLICÁVEIS

Importa, antes de mais, definir o regime processual aplicável aos presentes autos, atendendo à circunstância da presente ação ter dado entrada em tribunal em 10/12/2010, ou seja, depois da entrada em vigor das alterações introduzidas no Código do Processo do Trabalho pelo Decreto-Lei n.º 295/2009, de 13/10, que segundo o seu artigo 6.º, só se aplicam às ações que se iniciem após a sua entrada em vigor, tendo tal acontecido, de acordo com o artigo 9.º do mesmo diploma legal, em 1/01/2010.
Esta ação, para efeitos de aplicação supletiva do regime adjetivo comum, foi instaurada depois da entrada em vigor (que ocorreu no dia 1/1/2008) das alterações introduzidas no Código de Processo Civil pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24/08, e que só se aplicaram aos processos instaurados a partir de 01/1/2008 (artigos 12.º e 11.º do aludido diploma legal) bem como da produção de efeitos das mais recentes alterações trazidas a público pelo Decreto-Lei n.º 226/2008, de 20/11 e parcialmente em vigor desde 31/03/2009, com algumas exceções que não tem relevância na economia dos presentes autos (artigos 22.º e 23.º desse texto legal), mas esse regime, centrado, essencialmente, na ação executiva, pouca ou nenhuma relevância tem, de qualquer maneira, para a economia deste processo judicial.        
Será, portanto, de acordo com o regime legal decorrente do atual Código do Processo do Trabalho e da reforma do processo civil de 2007 e dos diplomas entretanto publicados e com produção de efeitos até ao dia da instauração dos presentes autos, que iremos apreciar as diversas questões suscitadas neste recurso de apelação.
Também se irá considerar, em termos de custas devidas no processo, o Regulamento das Custas Processuais - aprovado pelo Decreto-Lei n.º 34/2008, de 26/02, retificado pela Declaração de Retificação n.º 22/2008, de 24 de Abril e alterado pelas Lei n.º 43/2008, de 27-08, Decreto-Lei n.º 181/2008, de 28-08, Lei n.º 64-A/2008, de 31-12, Lei n.º 3-B/2010, de 28 de Abril, Decreto-Lei n.º 52/2011, de 13 de Abril com início de vigência a 13 de Maio de 2011 e Lei n.º 7/2012, de 13 Fevereiro, retificada pela Declaração de Retificação n.º 16/2012, de 26 de Março -, que entrou em vigor no dia 20 de Abril de 2009 e se aplica a processos instaurados após essa data.  
Importa, finalmente, atentar na circunstância dos factos que se discutem no quadro destes autos terem conhecido a sua génese na vigência do Código do Trabalho de 2003 e o seu termo no âmbito do Código do Trabalho de 2009 (que entrou em vigor em 17/02/2009), sendo, portanto, o regime destes derivados que aqui irá ser chamado à colação, conforme os factos em análise, atentas as normas de direito transitório e de sucessão de leis aplicáveis.   

B – IMPUGNAÇÃO DA DECISÃO SOBRE A MATÉRIA DE FACTO
(…)


C – QUESTÕES DE DIREITO DA APELAÇÃO

Chegados aqui e tendo mantida intocada a Factualidade dada como Provada e não Provada pelo Tribunal do Trabalho do Funchal, entremos no julgamento das duas questões jurídicas suscitadas neste recurso de Apelação.   

D – DENÚNCIA DO CONTRATO POR PARTE DO AUTOR

O Apelante, no que concerne a esta primeira problemática, alega os seguintes nas suas conclusões:
«IX – Decorre do art.º 400.º do Código do trabalho que “O trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação escrita enviada ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias...
X – Conforme resulta da legislação laboral, a relação contratual entre empregador e trabalhador deve ser sempre sujeita à forma escrita.
XI – Resulta igualmente da legislação laboral que a denúncia também deve revestir a forma escrita.
XII – No caso concreto, a denúncia do contrato de trabalho pelo Autor resultou provada pelo depoimento da testemunha DD, o qual já foi posto em crise pelos argumentos supra enunciados. (…)
XVII – Entende a Apelante que a sentença ora recorrida viola as disposições p. e p. a art.º 400.º do Código do Trabalho, bem como o disposto a art.º 655.º, n.º 1 do Código de Processo Civil.»
O tribunal qualificou a atitude do Autor como de denúncia do contrato de trabalho a termo incerto firmado entre as partes, nos termos e para os efeitos dos artigos 400.º e seguintes do Código do Trabalho, tendo, como segundo nível de argumentação jurídica, a verificação de uma situação de abuso de direito, nos termos e para os efeitos do artigo 334.º do Código Civil.
Importa não esquecer que nos achamos face a um contrato de trabalho a termo incerto, sujeito a regras próprias de denúncia por parte de empregador mas sem qualquer especialidade relativamente ao trabalhador, conforme ressalta do artigo 345.º do Código do Trabalho de 2009 (ao contrário do que acontece para o contrato de trabalho a termo certo), o que nos remete, efetivamente, para o regime geral da denúncia do contrato de trabalho (os referidos artigos 400.º a 403.º), com particular incidência para os números 1, 3 e 4 do artigo 400.º.
Os números 1, 3 e 4 do Código do artigo 400.º do Trabalho de 2009, quando interpretados conjugadamente, permitiam ao Autor denunciar o contrato independentemente de justa causa, mediante comunicação ao empregador, por escrito, com a antecedência mínima de 30 dias.
Constata-se que, manifestamente, não foi esse o caso, pois não só o Apelante não fez qualquer comunicação escrita - só verbal - como não respeitou o prazo de 30 dias legalmente imposto.
Se quanto ao desrespeito do prazo de aviso prévio, o artigo 401.º do Código do Trabalho responsabilize o trabalhador faltoso, mediante o pagamento de uma indemnização ao empregador (o que indica que a denúncia produz efeitos imediatos, independentemente da não observância do dito prazo), já quanto à não comunicação por escrito se podem suscitar dúvidas, que, contudo, sob pena de se estar a premiar o infrator, também não pode ter como consequência a não produção de feitos jurídicos próprios da mesma.
Escusado será referir que o empregador não poderá forçar o trabalhador, num caso de denúncia meramente verbal, a passá-la a escrito, sendo um contrassenso jurídico retirar-lhe eficácia jurídica, pelo simples facto de não ter sido devidamente formalizada por quem o devia fazer e beneficia de tal declaração.
Se, como Pedro Romano Martinez, em “Direito do Trabalho”, página 972 (citado por João Leal Amado, obra e local referidos na Nota 17), afirma, «a exigência de forma tem em vista a proteção do declarante, pois não foi estabelecida para garantia da entidade patronal», sendo, por outro lado e de acordo com a doutrina citada, a denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador, uma das principais manifestações d o princípio constitucional da liberdade de trabalho e profissão, compreende-se as dúvidas e hesitações doutrinais nesta matéria. 
A nossa doutrina e jurisprudência parecem ser mais ou menos unânimes na qualificação que fazem dessa exigência de forma escrita como uma “formalidade ad probationem” e não “ad substantiam[2] [3], mas julgamos que tal qualificação, muito embora afasta a nulidade da denúncia meramente verbal, arrasta consigo problemas que, embora de natureza probatória, não são fáceis de ultrapassar.
Importa não esquecer que a falta das formalidades “ad probationem” só pode ser suprida pela via determinada na segunda parte do número 2 do artigo 364.º do Código Civil: “...pode ser substituído por confissão expressa, judicial ou extrajudicial, contando que, neste último caso, a confissão conste de documento de igual ou superior valor probatório”, o que exclui a possibilidade da sua prova por testemunhas, presunção judicial, exame pericial ou inspeção judicial – cf., respetivamente, os artigos 393.º, número 1, 351.º, 388.º e 390.º do Código Civil.
Ora, a ser assim, caso a entidade empregadora não logre obter do trabalhador tal confissão judicial ou extrajudicial, tal quererá dizer que não poderá demonstrar em juízo a referida denúncia informal e irregular? E o trabalhador poderá acobertar-se debaixo de tal cenário adjetivo e dele retirar consequências jurídicas indevidas, v. g., as derivadas do despedimento ilícito, a não ser que a entidade patronal logre invocar e demonstrar os factos constitutivos da exceção do abuso de direito?
Não podendo ter sido esta a solução procurada pelo legislador, quando determinou a forma escrita para a denúncia (cfr. artigo 9.º, número 3, do Código Civil), importa recordar aqui a divisão que se desenhou ao nível da nossa doutrina, defendendo a maioria, segundo cremos, que tal exigência formal respeita apenas ao prazo de aviso prévio[4], ao passo que outros, como o Dr. Pedro Furtado Martins, a direcionam igualmente à própria denúncia.[5]
Apesar do Dr. Pedro Furtado Martins ir ao encontro da restante doutrina no que toca aos efeitos jurídicos da denúncia não formalizada[6] e sem ignorarmos a norma do artigo 402.º (revogação da denúncia), que parece querer estender a forma escrita à própria denúncia, julgamos, ainda assim e depois de ponderar os diversos elementos interpretativos – por vezes contraditórios e/ou infelizes –, que ressaltam do regime respeitante à denúncia do contrato de trabalho pelo trabalhador, que a interpretação mais adequada e conforme a tal regime é a que restringe a exigência de forma escrita ao aviso prévio e não à denúncia propriamente dita.
Importa recordar que o artigo 403.º do Código do Trabalho de 2009 consagra um tipo de denúncia que dispensa qualquer declaração expressa do trabalhador quer por via escrita como verbal, para operar juridicamente (basta o empregado deixar de comparecer ao trabalho, sem nunca mais dar notícias, por um período mínimo de 10 dias úteis seguidos).
O próprio artigo 401.º, ainda que referente ao desrespeito do prazo de aviso prévio, pode ser invocado em reforço de tal tese, por conferir eficácia jurídica a uma denúncia imediata, ainda que sujeita às consequências legais de índole indemnizatória que derivam de tal atitude inesperada e irregular.
O já mencionado princípio constitucional da liberdade de trabalho e profissão parece igualmente apoiar tal interpretação, por não ser facilmente conciliável com tais restrições de índole formal, quer no plano substantivo, como adjetivo, à livre denúncia do contrato de trabalho por parte do trabalhador (cfr., acerca dessa tensão entre as duas realidades, João Leal Amado, obra citada, páginas 447 e seguintes).
Os efeitos jurídicos da falta de formalização do aviso prévio reconduzem-se às restrições de carácter probatório já acima referenciados, sendo certo que cabe ao trabalhador a demonstração do momento em que denunciou verbalmente o contrato de trabalho, bem como ao eventual funcionamento do regime constante do artigo 401.º, caso não logre tal prova, sem prejuízo, finalmente, das dificuldades de aplicação, em tais circunstâncias, do disposto no artigo 402.º, todos do Código do Trabalho de 2009.        
Sendo assim, tem de confirmar-se a sentença impugnada, que, no que toca a esta questão da denúncia, entendeu e bem que o Autor, ao não se mostrar disponível para continuar a trabalhar para a Ré, denunciou, ainda que verbalmente, o vínculo laboral existentes entre ambos.
Tal decisão judicial sustentou ainda que, mesmo que não se concordasse com tal conclusão e com argumentação jurídica que a suportava, haveria que fazer funcionar o instituto do abuso de direito, na modalidade de venire contra factum proprium, por o trabalhador, depois de ter recusado continuar a laborar para a recorrida para além do dia 23/12/2009, deixando, dessa forma, operar a cessação do contrato de trabalho a termo incerto, provocada pela denúncia da Ré de 9/11/2009, veio depois instaurar os presentes autos, onde alegou o seu despedimento ilícito e peticionou as prestações previstas nos artigos 389.º a 393.º do Código do Trabalho de 2009, por a causa para a relação laboral de carácter temporário que havia mantido com a Apelada se ter prolongado por mais 6 meses, sem que ele se tivesse mantido a laborar para a mesma.
Tal raciocínio jurídico merece igualmente a nossa concordância, pois a conduta material do Apelante, face aos factos dados como provados, é claramente abusiva, nos termos do artigo 334.º do Código Civil, por exceder manifestamente os limites impostos pela boa-fé e pelo fim social do direito exercido.         
Sendo assim, pelos fundamentos expostos, tem esta parte da Apelação do Autor de ser igualmente julgada improcedente.           
            
E – DESPEDIMENTO ILÍCITO

No que respeita à ocorrência de um despedimento ilícito, afirma o recorrente, nas suas conclusões, o seguinte:
«XVIII – Assim, e uma vez que não resulta de todo demonstrado ou provado que existiu denúncia do contrato pelo Autor, bem como não resulta provado que a Ré comunicou ao Autor a intenção de o mesmo manter-se ao serviço desta, o despedimento operado pela Ré é ilícito, pelo que deverá a mesma ser condenada no pagamento de 2.542,15€ a título de pagamento de indemnização em substituição de reintegração, acrescido pelo pagamento das retribuições que seriam devidas ao Autor se prestasse normalmente a sua atividade para a Ré, desde 30 dias antes da propositura da ação e até à data da sentença, no valor mensal de 612,45€.”
Perante o que ficou provado e não provado, não se pode falar em qualquer cessação ilícita do contrato de trabalho a termo incerto por parte da Ré, sendo certo que, nos termos das regras do ónus da prova já antes referenciadas, não só o trabalhador não logrou demonstrar os factos constitutivos do seu direito, como a entidade empregadora conseguiu a fazer a prova da denúncia do dito contrato por parte daquele (ou, pelo menos, do comportamento abusivo do mesmo, nos moldes acima expostos).
Tal cenário implica naturalmente a improcedência da Apelação nesta outra vertente jurídica.        

F – TRABALHO NOTURNO E SUPLEMENTAR

Vem, finalmente, o Autor, suscitar esta última questão, conforme as seguintes conclusões do seu recurso:
“XIX – Conforme resulta dos documentos n.ºs 5 e 6 juntos com a Petição Inicial, a Ré foi notificada por carta e por fax, para proceder ao pagamento de 5.014,96€ devidos pelas horas extraordinárias de trabalho suplementar e trabalho noturno prestado nos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2008 e Janeiro e Fevereiro de 2009.
XX – A Ré negou a receção desses documentos conforme resulta do depoimento da testemunha L..., pese embora posteriormente tenha entrado em contradição e admitido que os rececionou.
XXI – A Ré, na pessoa da testemunha, DD, que era quem tratava de todas as tarefas administrativas da sociedade sabia desde longa data que o Autor peticionava este montante e que o mesmo estava devidamente justificado.
XXII – Apenas em sede de processo judicial é que se lembrou que tinha tomado conhecimento dos mesmos, mas não reconhecia os mesmos como documentos da empresa.
XXIII – Da sentença ora recorrida, foi entendido que o Autor não logrou provar o valor peticionado, por ausência de prova.
XXIV – Contudo, entende o Apelante que essa prova foi efetivamente produzida, bem como ficou demonstrado que a Ré tinha tomado conhecimento do conteúdo dos documentos nºs 5 e 6 da Petição Inicial, contudo, e apesar de ter sido interpelada nunca pôs em crise o seu conteúdo, nem os respetivos montantes.
XXV – Assim, entende o Apelante que a sentença ora recorrida violou as disposições p. e p. no art.º 515.º do Código de Processo Civil.
XXVI – Atentos os Argumentos ora enunciados, entende o Apelante que a sentença ora recorrida seja substituída por outra, na qual a Apelada seja condenada no pagamento de 5.014,96€ devidos pelas horas extraordinárias de trabalho suplementar e trabalho noturno prestado nos meses de Outubro, Novembro, Dezembro de 2008 e Janeiro e Fevereiro de 2009.”
Face à factualidade dada como provada e não provada, também esta pretensão do recorrente tem de soçobrar, pois o mesmo, à imagem, do que se deixou dito para o despedimento ilícito, não conseguiu demonstrar (aliás, como vimos anteriormente, a falta colocou-se logo ao nível da alegação da matéria de facto pertinente e suficiente à integração da correspondente causa de pedir) que tinha, efetivamente, realizado trabalho noturno e suplementar não remunerado pela Ré.
Logo, esta última parte do recurso de Apelação do trabalhador tem igualmente de ser julgado improcedente.
  
IV – DECISÃO

Por todo o exposto, nos termos dos artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 712.º e 713.º do Código de Processo Civil, acorda-se na 4.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa, em julgar improcedente o presente recurso de apelação interposto por AA, com a confirmação da sentença recorrida.
*
Custas do presente recurso a cargo do Apelante - artigo 446.º, número 1 do Código de Processo Civil.

Registe e notifique.

Lisboa, 23 de Janeiro de 2013     

José Eduardo Sapateiro
Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
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[1] Por lapso escreveu-se “da Autora”
[2] Cfr., neste sentido, o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 15/09/2010, processo n.º 293/07.2TTSNT.L1.S1, relator: Vasques Dinis, publicado em www.dgsi.pt e na CJSTJ, 2010, Tomo III; páginas 251 a 254
«IV – Nos termos do artigo 384.º, do Código do Trabalho de 2003, o contrato de trabalho pode cessar por caducidade, revogação, resolução ou denúncia – por sua vez, o artigo 447.º, do mesmo diploma legal, estabelece que o trabalhador pode denunciar o contrato independentemente de justa causa mediante comunicação escrita enviada ao empregador, com a antecedência mínima de 30 ou 60 dias, conforme tenha, respetivamente, até dois anos ou mais de dois anos de antiguidade.
V – Todavia, a comunicação escrita a que alude o artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho, é uma formalidade ad probationem, não produzindo a sua falta a invalidade da denúncia, justificando-se a exigência da sua forma escrita para prova de que foi respeitado o prazo de antecedência mínima referido no artigo 447.º, n.º 1, do Código do Trabalho.
VI – Com efeito, no caso da cessação do contrato de trabalho por iniciativa e vontade unilateral do trabalhador, prevalece o princípio da denúncia livre ou da liberdade de desvinculação: o trabalhador não pode ser forçado a continuar a prestar trabalho contra a sua vontade, independentemente do modo como tal vontade se tenha manifestado.
VII – Assim, a declaração verbal da denúncia por parte da trabalhadora – nos termos exarados em III – tem como efeito válido a extinção do contrato, sendo extemporânea, face ao disposto no artigo 449.º, n.º 1, do Código do Trabalho, a declaração, por si produzida em 20 de Julho de 2006, de que havia mudado de ideias.» 
[3] Cf., quanto à distinção entre esse tipo de formalidades (“ad substantiam”) e aquelas qualificadas como “ad probationem”, Pires de Lima e Antunes Varela, Código Civil Anotado, 3.ª Edição Revista e Atualizada, 1982, páginas 321 e 322, em anotação ao artigo 364.º do Código Civil.
[4] Maria do Rosário Palma Ramalho, em “Direito do Trabalho - Parte II - Situações Laborais Individuais”, Volume II, Almedina, Julho de 2006, página 922, Nota 520 afirma isso mesmo, citando igualmente a esse respeito, o Acórdão do Tribunal da Relação de Lisboa de 28/01/2004, publicado em CJ, 2004, Tomo I, páginas 149 e seguintes: «Em bom rigor, é o aviso prévio da denúncia que se sujeita à exigência da forma escrita e não a própria denúncia…».
Também Abílio Neto, em “Novo Código do Trabalho e Legislação Complementar Anotados”, 2.ª Edição, Setembro de2010, EDIFORUM, página 956, Nota 2, vai nesse mesmo sentido.
João Leal Amado, em “Contrato de Trabalho”, 2.ª Edição, Janeiro de 2010, publicação conjunta de Wolters Kluwer e Coimbra Editora, Nota 624 da página 451, sem tomar posição expressa sobre a controvérsia doutrinal existente, refere que Albino Mendes Batista, no seu texto “A cessação do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador no Código do Trabalho”, publicado em Estudos sobre o Código do Trabalho”, páginas 54 a 56, sustenta a mesma posição da Professora Palma Ramalho.       
[5] Pedro Furtado Martins (citado, aliás, pela Professora Palma Ramalho, obra e local citados na Nota anterior) em “Cessação do Contrato de Trabalho”, 3.ª Edição revista e atualizada, Julho de 20102, Principia, páginas 546 e 547, sustenta o seguinte, a esse propósito, infletindo assim na sua posição anterior: «IV. A denúncia deve ser declarada «mediante comunicação ao em­pregador, por escrito», com a antecedência atrás referida (artigo 400.º, n.º 1). Em ocasiões anteriores, sustentamos que a exigência de forma escrita não se referia à denúncia em si mesma, mas ao aviso prévio que o trabalhador tem do conceder'. Revemos esta posição, por hoje nos parecer mais cor­reto e conforme aos dados normativos referenciar a exigência de forma à declaração de denúncia em si mesma. Contudo, à inobservância de forma não se aplica a regra geral do artigo 220.º que comina a nulidade da declaração, uma vez que a denúncia continua a ser válida e eficaz, produzindo a cessação da relação contratual. Verifica-se assim a exceção que a regra do C6digo Civil prevê, admitindo sanção diversa da nulidade. O que significa, em suma, que a forma escrita da denúncia não é condição de validade e da eficácia da declaração extintiva, mas apenas da sua regularidade.
É certo que a legislação laboral não se refere diretamente à falta de forma da denúncia. Regula apenas a hipótese em que o trabalhador não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio, associando ao incumprimento o dever de indemnizar o empregador (artigo 401.º). E, em rigor, são coisas diferentes a declaração de denúncia (que pode ou não ser formalizada por escrito) e a comunicação dessa declaração ao empre­gador, que deve ser efetuada com certa antecedência. Por isso poder-se-ia pensar que a denúncia não formalizada por escrito seria nula, nos termos gerais, mantendo-se o contrato de trabalho vigente, ainda que contra a vontade do próprio trabalhador em fazê-lo cessar. Temos por certo que esta hipotética leitura não é correta. Ela seria diretamente contraditada pelo regime que a lei estabelece, quer para a ausência de aviso prévio quer, em especial, para os casos de abandono do trabalho (cft. artigo 403.º e infra. n.º 5.4). A única solução que assegura a coerência do regime legal - ou, se se preferir, aquela que decorre desse regime, considerado na sua globalidade - é admitir a validade e a eficácia da denúncia não devidamente formalizada, tal como sucede nos casos de abandono do trabalho, em que a denúncia nem sequer chega a ser comunicada por qualquer modo, escrito ou verbal) ao empregador».  
[6] Muito embora nos pareça que o referido autor, ao chamar à colação o regime do artigo 220.º do Código Civil e qualificar aparentemente a forma escrita da denúncia como mera formalidade “ad probationem”, não clarifica depois qual é a sanção especial prevista na última parte daquela disposição legal, para tal omissão. (cfr. Pires de Lima e Antunes Varela, obra citada na Nota 16, em anotação ao artigo 220.º do Código Civil)

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