sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

REVELIA – EFEITOS - CRÉDITO LABORAL – GERENTE - RESPONSABILIDADE SOLIDÁRIA



Proc. Nº 1706/11.4TTLSB.L1-4     TRLisboa     5 Dez 2012

I. A revelia operante implica a confissão dos factos articulados pelo autor, mas a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno, cabendo ao tribunal “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido ( n.º1 do art.º 57.º do CT).
II. A falta de impugnação de factos alegados pelo Autor, poderá levar a que se considerem provados os essenciais e suficientes para o conhecimento de mérito, nesse caso podendo o juiz concluir que lhe é possível conhecer imediatamente do mérito da causa (n.º1, do art.º 61.º).
III. Porém, do mesmo modo que ocorre em caso de revelia operante, tal não significa que a decisão sobre os pedidos seja inevitavelmente no sentido da sua procedência. Conhecer do mérito da causa significa que o tribunal irá determinar e aplicar o direito aos factos, podendo vir a concluir quer pela procedência total, quer pela parcial, quer ainda pela improcedência.
IV. A responsabilidade solidária estabelecida no art.º 335.º do CT, independentemente do crédito a que respeite, depende sempre e necessariamente de uma actuação culposa do “gerente, administrador ou director”, que será o resultado da prática de determinados factos concretos e precisos.
V. Assim, caso queira o trabalhador exercer o direito a pedir a condenação solidária do “gerente, administrar ou director” no pagamento de créditos abrangidos pelo art.º 335.º, aqueles factos que consubstanciam uma actuação culposa são constitutivos do direito e, logo, de acordo com as regras gerais sobre o ónus de prova (art.º 342.º n.º1 do CC), recai sobre o trabalhador o encargo de os alegar e deles fazer prova.
VI. O n.º5 do artigo 394.º, do Código do Trabalho, estabelece uma presunção legal de culpa, mas relativamente ao empregador, como logo se vê atenta a parte final do n.º2, que se refere aos “(..) seguintes comportamentos do empregador”.
VII. Tendo a A. celebrado o contrato de trabalho com uma sociedade comercial, é esta o seu empregador, e não os gerentes, não sendo aquela presunção invocável relativamente a estes

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 No Tribunal do Trabalho de Lisboa, AA intentou a presente acção declarativa emergente de contrato individual de trabalho, que veio a ser distribuída ao 1.º Juízo, 2.º Secção, contra, BB, Lda, e CC e DD, estes na qualidade de gerentes da 1ª Ré, pedindo que julgada a acção procedente e, “por via dela declarada a justa causa de despedimento da A.”, sejam os RR solidariamente condenados a pagarem-lhe as importâncias que liquida, no total de € 7 958,12.
(…)
Regularmente citados, apenas contestaram a acção os RR. CC e DD, arguindo serem parte ilegítima.
E, para o caso de assim não ser entendido, embora admitindo terem sido gerentes da R, sustentam que a petição não contém qualquer facto que permita concluir por uma qualquer relação entre a Autora e eles próprios, nada lhes vindo referido para além da qualidade de gerente do R. CC em relação à primeira Ré e a sua intervenção nessa qualidade. Não tendo cometido qualquer acto ou omissão que tivesse contribuído para a situação de ruptura financeira que determinou a impossibilidade de cumprir pontual e escrupulosamente com as suas obrigações em relação aos seus trabalhadores.
Concluem, que não se encontra quaisquer factos alegados pela A, que para os efeitos dos artigos 334.º e 335.º, seja susceptível de preencher a respectiva previsão, pugnando pela absolvição do pedido contra si deduzido.
A Autora exerceu o direito de resposta à defesa por excepção, pronunciando-se pela improcedência da excepção de ilegitimidade.
I.2 Concluídos os articulados foi proferido despacho saneador.
Decidindo a excepção de ilegitimidade, o Tribunal a quo julgou os RR. partes legítimas.
E, de seguida, nesta mesma fase processual, conheceu do mérito da causa, apreciando duas questões distintas:
- a respeitante aos efeitos da “situação de insolvência da 1ª Ré” , vindo a concluir que a “acção perdeu toda e qualquer utilidade na parte que à Ré BB, Lda. respeita”;
- a respeitante à responsabilidade solidária dos Réus CC e DD, tendo concluído que “(..) porque nada lhes vem directamente imputado, as pretensões contra eles deduzidas irão improceder - sendo certo que competia à Autora, por aplicação do artigo 342º, nº 1, do CC, o ónus de trazer aos autos os factos que permitissem concluir, se provados, pela verificação efectiva das circunstâncias justificadoras da responsabilidade solidária. E isso a Autora não fez”.
E, com base nessas conclusões, decidiu o seguinte:
“1. Declaro a inutilidade superveniente da lide relativamente à Ré BB, Lda. e, em conformidade, a respectiva extinção da instância na parte que a esta Ré respeita.
2. Julgo a acção improcedente na parte relativa aos Réus CC e DD e, em conformidade, absolvo estes Réus de todos os pedidos que contra si vinham formulados”.
I.3 Inconformado com as referidas decisões, a A. apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios. Com as alegações apresentou as respectivas conclusões delas constando o seguinte:
(…)
I.4. Não foram apresentadas contra alegações.
I.5 O Digno Magistrado do Ministério Público emitiu parecer nos termos do art.º 87.º3, do CPT, não discordando quanto à fundamentação da nulidade arguida pela recorrente, mas pronunciando-se no sentido da improcedência do recurso na parte que põe em causa a decisão com base nos efeitos da insolvência, isto é, julgando a instância extinta por inutilidade superveniente da lide quanto à R. sociedade comercial.
I.5 Foram colhidos os vistos legais.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), as questões colocadas pela recorrente para apreciação, conferindo-lhes a necessária sequência lógica de apreciação, são as seguintes:
i) A de saber se há erro de julgamento na decisão relativa à 1.º R., que por efeito da falta de contestação deveria logo ter sido condenada, nos termos do art.º 57.º do CPT, bem assim como os 2.º e 3.º RR., mas aqui por violação do n.º2, do art.º 61.º, por não terem alegado factos impeditivos, modificativos ou extintivos que contrariassem a falta de pagamento das retribuições.
ii) A de saber se a decisão que julga a acção improcedente contra os RR. CC e DD, absolvendo-os dos pedidos, é nula por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
iii) Ou, se é nula por violação do princípio do contraditório (n.º3, do art.º3, do CPC), por não ter sido precedida da realização da audiência de discussão e julgamento.
iv) Ou, se há erro de julgamento, ao ter sido decidido pela absolvição dos 2.ºe 3.º RR., do pedido de condenação solidária.

II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 Em conformidade com a sequência que se conferiu às questões para apreciação, perfila-se em primeiro lugar a de saber se a decisão recorrida, na parte em que julgou a instância extinta por inutilidade superveniente da lide relativamente à 1.ª R., julgando quanto a ela a instância extinta, enferma de erro de julgamento, por violação do art.º 57.º do CPT.
E, do mesmo passo, por violação do disposto no art.º 61.º n.º 2 do mesmo diploma, por estes não terem contraposto factos impeditivos, modificativos ou extintivos, que contrariassem a falta de pagamento das retribuições alegada pela A.
As normas processuais cuja violação é invocada, nomeadamente, o n.º1 do art.º 57.º e o n.º2, do art.º 61, ambos do CPT, referem-se a situações processuais perfeitamente distintas.
A primeira estabelece os efeitos da revelia, por falta de contestação do Réu.
Enquanto a segunda nada tem a ver com a revelia, antes pressupondo o contrário, já que o estabelecido no n.º2, isto é, a possibilidade do juiz poder julgar logo procedente alguma excepção dilatória ou nulidade que lhe cumpra conhecer, ou decidir do mérito da causa, “Se o processo já contiver os elementos necessários e a simplicidade da causa o permitir (..)”, reporta-se ao n.º 1, que se inicia dizendo “Findos os articulados (..)”.
No que respeita à alegada violação do n.º 1 do art.º 57.º, na perspectiva da recorrente, dado que a 1.ª Ré não contestou, deveria logo ter sido condenada no pedido.
Equivale isto a dizer que, na perspectiva da A., não deveria o Tribunal a quo ter entrado na apreciação dos efeitos da declaração de insolvência, mas antes, e simplesmente, procedido à condenação da R. no pedido.
O art.º 57.º do CPT, com a epígrafe “Efeitos da revelia”, dispõe no seu n.º1, o seguinte:
- “Se o réu não contestar, tendo sido ou devendo considerar-se regularmente citado na sua própria pessoa, ou tendo juntado procuração a mandatário judicial no prazo da contestação, consideram-se confessados os factos articulados pelo autor e é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
O que ai se estabelece corresponde ao n.º 1 e parte final do n.º2, do art.º 484.º CPC.
Diz-se que há revelia quando o R. omite qualquer conduta reactiva, isto é, como dizem as normas em causa, se o réu não contestar.
A falta de oposição conduz à confissão dos factos articulados pelo autor, como expressa a norma, mas a sua interpretação não pode ser meramente literal, devendo entender-se, assim, desde que esses factos admitam confissão e nos termos em que ela seja admissível, atento o disposto nos artigos 352.º a 361.º do CC e art.º 554.º do CPC.
A revelia é operante, quando implica a confissão dos factos articulados pelo autor. Isto significa que o R. reconhece ou admite todos os factos alegados pelo autor na petição inicial.
Mas a lei estabelece uma cominação semi-plena e não um efeito cominatório pleno. Isto é, não há “(..) uma incontornável e fatal condenação imediata no pedido como consequência da revelia operante (..)” [Cfr. J.P. Remédio Marques, Acção Declarativa à Luz do Código Revisto, 3.ª edição, Coimbra Editora, 2011, pp. 502].
Com efeito, a parte final do n.º1 do art.º 57.º CPC, que corresponde à parte final do n.º2, do art.º 484.º do CPC, estabelece que “(..) é logo proferida sentença a julgar a causa conforme for de direito”.
Assim, o tribunal irá “julgar a causa conforme for de direito”, o que significa que os factos reconhecidos por falta de contestação tanto podem determinar a procedência da acção, total ou parcial, como podem conduzir à absolvição do Réu da instância (com base na verificação de excepções dilatórias de que o tribunal tenha conhecimento oficioso) ou do pedido.
Por conseguinte, estando demonstrado nos autos, através de certidão judicial, que fora declarada a situação de insolvência da 1.ª R , bem assim que fora também decidido o encerramento do processo por insuficiência da massa insolvente, não poderia o Tribunal deixar de apreciar a questão de saber quais os efeitos dai decorrentes relativamente à lide, no respeitante à R., mesmo que perfilhasse entendimento diverso do que sustentou.
Era uma questão que se colocava como prejudicial relativamente à apreciação de mérito.
Assim, bem andou o Tribunal a quo ao apreciar e decidir essa questão, não tendo o mínimo fundamento a alegada violação do art.º 57.º 1 do CPT.
Atenta a argumentação em que se sustenta a decisão, sustentando o entendimento de que se estava perante inutilidade superveniente da lide relativamente à R. sociedade comercial empregadora da A., o Tribunal a quo teria necessariamente que retirar as consequências processuais, como o fez, julgando a instância extinta relativamente a esta R.
Quanto a esta questão, importa assinalar que a A. não põe em causa o mérito da fundamentação que conduziu a tal decisão, estando por isso fora do objecto do recurso qualquer apreciação a esse propósito.
Prosseguindo.
Apreciemos agora a questão colocada quanto ao art.º n.º2, do art.º 61 do CPT.
Como decorre do art.º 490.º n.º1, do CPC, aplicável ex vi art.º 1.º n.º2, al. a), do CPT, sobre o R. recai o ónus de impugnação especificada: ao contestar deve pronunciar-se sobre os factos articulados pelo autor, tomando posição definida, isto é, deve tomar uma posição clara, frontal e concludente sobre os factos alegados pelo Autor.
Se o Réu não cumprir esse ónus (n.º2, do mesmo artigo), consideram-se admitidos por acordo os factos alegados pelo autor, excepto se estiverem em manifesta oposição com a defesa considerada no seu conjunto; ou se o facto alegado pelo A. não admitir confissão (art.º 354.º do CC); ou, ainda, se só puderem ser provados por documento escrito.
Assim, em consequência da falta de impugnação de factos alegados pelo Autor, poderá acontecer que os factos a considerar provados se revelem, nesse caso concreto, os essenciais e suficientes para o conhecimento de mérito. Se assim for, poderá o juiz concluir que lhe é possível conhecer imediatamente do mérito da causa, por entender que o processo contém já os elementos necessários e a simplicidade da causa o permite (n.º1, do art.º 61.º).
E, nesse caso, não havendo outros factos essenciais à apreciação do mérito que sejam controvertidos, passa-se imediatamente para a sentença, à qual serão levados os os factos articulados pelo autor que foram considerados provados por falta de contestação do réu.
Porém, do mesmo modo que ocorre em caso de revelia operante, tal não significa que a decisão sobre os pedidos seja inevitavelmente no sentido da sua procedência. Conhecer do mérito da causa significa que o tribunal irá determinar e aplicar o direito aos factos, podendo vir a concluir quer pela procedência total, quer pela parcial, quer ainda pela improcedência.
Dito de outro modo, o Tribunal julgará a causa conforme for de direito.
Assim, não tem fundamento a conclusão final da A., indicando que foi violado o n.º2, do art.º 61.º do CPT, sustentando que se o Tribunal “(..) tivesse que decidir do mérito da causa, ao abrigo do n.º 2 do artigo 61 do CPT, in fine, a única decisão que poderia e deveria ter tomado face aos factos constantes nos autos, era a condenação de todos os RR. Recorridos”, parecendo inculcar a ideia que o sentido desta decisão seria uma consequência necessária da falta de contestação pelos RR. de factos por si alegados.
Caso não seja essa a base daquela conclusão final, mas antes tiver subjacente que aquela decisão que se impunha porque os RR, “jamais alegaram factos impeditivos, modificativos ou extintivos que contrariassem a falta de pagamento das retribuições dos meses de Outubro (parcial), Novembro, Dezembro de 2010 e Janeiro de 2011, proporcionais de subsídio de férias e de Natal de 2010, retribuição das férias vencidas em 2011 e não gozadas e respectivo subsídio, proporcionais de férias, subsídio de férias e do subsídio de natal pela resolução do contrato e respectiva indemnização, então o que está a ser posto em causa é um eventual erro de julgamento, sendo certo que tal não constitui qualquer violação ao disposto no art.º 61.º n.º2, do CPT, nem importa a nulidade da decisão, mas sim a sua revogação.
Logo, a questão vista nessa perspectiva, terá o seu momento próprio de apreciação após apreciação das nulidades arguidas, uma vez que a apreciação destas é prejudicial.
II.2 - A questão seguinte é a de saber se a decisão que julga a acção improcedente contra os RR. CC e DD, absolvendo-os dos pedidos, é nula por falta de fundamentação de facto e de direito, nos termos do disposto na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
O artigo 158.º n.º1, do CPC, invocado, sob a epígrafe “Dever de fundamentar a decisão”, dispõe no seu n.º1, que “As decisões proferidas sobre qualquer pedido controvertido ou sobre alguma dúvida suscitada no processo são sempre fundamentadas”.
Decorrendo depois, do art.º 668.º, no n.º1 al. b), 1, que a sentença é nula quando “não especifique os fundamentos de facto e de direito que justifiquem a decisão”.
A propósito do sentido e alcance desta norma, provinda do CPC de 1939 e mantendo o mesmo conteúdo, o Professor Alberto dos Reis, elucidava “Há que distinguir cuidadosamente a falta absoluta de motivação da motivação deficiente, medíocre ou errada. O que a lei considera nulidade é a falta absoluta de motivação; a insuficiência ou mediocridade da motivação é espécie diferente, afeta o valor doutrinal da sentença, sujeita-a ao risco de ser revogada ou alterada em recurso, mas não produz nulidade. Por falta absoluta de motivação deve entender-se a ausência total de fundamentos de direito e de facto” [Código de Processo Civil Anotado, Vol. V, Coimbra Editora, Reimpressão, 1984, pp. 140].
Esse mesmo entendimento vem sendo acolhido, unânime e pacificamente, pela doutrina e jurisprudência.
Assim, na mesma linha e apoiando-se em Acórdão no Supremo Tribunal de Justiça, de 5-1-1984 (BMJ 333, 398] o Professor Antunes Varela escreve o seguinte:
- “Para que a sentença careça de fundamentação, não basta que a justificação da decisão seja deficiente, incompleta, não convincente; é preciso que haja falta absoluta, embora esta se possa referir só aos fundamentos de facto ou só aos fundamentos de direito.
(..)
Para que haja falta de fundamentação, como causa de nulidade da sentença, trona-se necessário que o juiz não concretize os factos que considera provados e coloca na decisão.
Relativamente aos fundamentos de direito, dois pontos importa salientar.
Por um lado, o julgador não tem que analisar todas as questões jurídicas que cada uma das partes invoque em abono das suas posições, embora lhe incumba resolver todas as questões suscitadas pelas partes; a fundamentação da sentença contenta-se com a indicação das razões jurídicas que servem de apoio à solução adoptada pelo julgador.
Por outro lado, não é indispensável, conquanto seja de toda a conveniência, que na sentença se especifiquem as disposições legais que fundamentam a decisão: essencial é que se mencionem os princípios, as regras, as normas em que a sentença se apoia” [Manual de Processo Civil, 2.ª Edição, Coimbra Editora, 1985, pp. 667 a 669].
O mesmo autor esclarece, ainda, que a necessidade de fundamentação da sentença assenta em duas ordens de razões. A primeira, tem em vista a persuasão das partes sobre a legalidade da solução encontrada, procurando convencer a parte vencida através da argumentação. A segunda, prende-se directamente com a recorribilidade das decisões: “(..) para que a parte lesada com a decisão que considera injusta a possa impugnar com verdadeiro conhecimento de causa, torna-se de elementar conveniência saber quais os fundamentos de direito em que o julgador se baseou” [Op. cit., ibidem].
Revertendo ao caso, nesta parte a decisão recorrida tem o teor seguinte:
Da responsabilidade dos Réus CC e DD
A Autora intentou ainda a presente acção contra CC e DD, estes na qualidade de gerentes da 1ª Ré ao tempo em que a relação laboral vingou, pedindo a condenação solidária de todos em razão dessa qualidade.
Entenderam os dois RR. que, sendo alheios à relação, a solução que se impunha
seria a sua absolvição da instância por ilegitimidade ou, assim se não entendendo, do pedido. A primeira solução preconizada encontra-se decidida. Apreciemos a segunda.
Refere o artigo 335º do Cód. do Trabalho que respondem solidariamente pelos créditos emergentes do contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencidos há mais de 3 meses:
− Os sócios – desde que se encontrem em alguma das situações previstas no artigo 83º do CSC e se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º, 79º e 83º do mesmo Código e nos moldes aí estabelecidos;
− Os gerentes, administradores ou directores, desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78º e 79º do CSC e nos moldes aí estabelecidos.
Sabemos, no caso, que o 2º Réu é sócio gerente da 1ª Ré, tendo também a 3ª
Ré desempenhado esse cargo, antes da renúncia feita.
Porém, se atentarmos no teor dos mencionados artigos, não vemos que a factualidade trazida nos autos permita estender a responsabilidade a tais Réus.
Artigo 83.º
Responsabilidade solidária do sócio
(..)
[Transcreve o artigo integralmente]
Artigo 78.º
Responsabilidade para com os credores sociais
(..)
[Transcreve o artigo integralmente]
Artigo 79.º
Responsabilidade para com os sócios e terceiros
(..)
[Transcreve o artigo integralmente]
Ora, no que aos Réus respeita, a Autora pouco mais refere para além das suas qualidades de sócios e de gerentes, querendo extrair da falta de pagamento das retribuições (que, ao se viu, terá tido na sua origem uma situação de insolvência com património não superior a €5.000,00, o que aliás terá determinado o encerramento dos autos falimentares) uma responsabilidade automática destes Réus, conclusão que a lei não retira e que por isso lhe não consente.
Porque assim, e porque nada lhes vem directamente imputado, as pretensões contra eles deduzidas irão improceder - sendo certo que competia à Autora, por aplicação do artigo 342º, nº 1, do CC, o ónus de trazer aos autos os factos que permitissem concluir, se provados, pela verificação efectiva das circunstâncias justificadoras da responsabilidade solidária). E isso a Autora não fez.…..».
Sustenta a recorrente que a sentença não contém qualquer relação dos factos provados e dos factos não provados, estando-se perante uma decisão da matéria de facto omissa.
É verdade que não se encontra essa enunciação separada dos factos. Mas tal não significa necessariamente que haja falta de fundamentação de facto.
A questão que se coloca não é saber se a técnica adoptada na elaboração da sentença, nomeadamente quanto à fundamentação de facto, é ou não a mais adequada, mas antes se dela resulta suficientemente claro qual a base factual considerada para se aplicar o direito e chegar à decisão.
A esse propósito identificam-se na sentença as passagens seguintes:
- “(..) não vemos que a factualidade trazida nos autos permita estender a responsabilidade a tais Réus.
- Ora, no que aos Réus respeita, a Autora pouco mais refere para além das suas qualidades de sócios e de gerentes, querendo extrair da falta de pagamento das retribuições (..) uma responsabilidade automática destes Réus,
Como não pode deixar de constatar, não há na decisão qualquer referência expressa “à factualidade trazida nos autos”; nem ao que consiste, em concreto, o que “ pouco mais” refere a A., “para além das suas qualidades de sócios e de gerentes” .
Assim sendo, independentemente de ser ou não acertada, a conclusão que a seguir é extraída não se mostra devidamente sustentada numa indicação de factos, por mínima que seja. Basta ver que a menos que se recorra aos articulados, não se logra formular um juízo crítico sobre a decisão, isto é, percebe-se qual o direito aplicado e porque razão se entendeu decidiu no sentido da improcedência do pedido, mas não existem elementos de facto que permitam indagar se efectivamente foram, ou não, alegados os factos necessários.
Na verdade, ao invés de fazer a apreciação exclusivamente pela negativa, deveria a decisão ter começado por enunciar o que considerava provado, para a partir daí ficar sustentada aquela conclusão quanto à insuficiência da factualidade alegada pela A. e, então, extrair as consequências face ao direito aplicável.
Concluindo, neste ponto é devido reconhecer-se razão à A.
Consequentemente, declara-se nula a sentença, por violação do disposto no na alínea b) do n.º 1 do artigo 668.º do CPC.
II.3 Como se sabe, na apelação a regra é a da irrelevância da nulidade. Isto é, ainda que julgada procedente a arguição e declarada nula a sentença, cabe ao tribunal da Relação conhecer do objecto do recurso (art.º 715.º n.º1, do CPC).
A A. arguiu, ainda, a nulidade da sentença por violação do princípio do contraditório (n.º3, do art.º3, do CPC), por não ter sido precedida da realização da audiência de discussão e julgamento, ao considerar que não foram alegados os factos necessários pela A., inviabilizando a Autora de provar os factos que alegou (artigo 342.º n.º 1 do CC), nomeadamente nos artigos 18.º, 19.º, 20.º, 21.º, 22.º, 23.º, 24.º, 26.º,29.º, 30.º, 31.º, 33.º; e, os RR. de fazerem prova dos factos que alegaram, conforme lhes cabia (art.º 342.º 2), dado haver inversão do ónus de prova, para afastarem a presunção de culpa do artigo 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
Uma vez que a sentença já foi declarada nula está naturalmente prejudicada a apreciação desta nulidade arguida.
Não obstante, como adiante se verá melhor, subsiste a necessidade de atender à argumentação em que radicou a arguição da mesma, mas agora num outro plano, mais precisamente, para indagar se é possível decidir a causa no que aos 2.º e 3.º RR respeita, por serem bastantes os elementos disponíveis, ou se pelo contrário há necessidade de produção de prova sobre factos alegados que sejam relevantes para a decisão e se mostrem controvertidos.
Essa indagação passa, assim, pela consideração dos factos alegados pela autora na petição inicial, em confronto com a posição assumida pelos 2.º e 3.º RR. na contestação, relativamente aos mesmos.
Mas para além disso, deverá ter-se na devida conta que, podendo o trabalhador fazer cessar o contrato de trabalho imediatamente sempre que se verifique uma situação de justa causa, a comunicação da resolução deve ser feita por escrito com indicação sucinta dos factos que a justificam (art.º 395.º 1 do CT), sendo a partir dessa indicação que se afere da procedência dos motivos alegados para a resolução (n.º3, do art.º 398.º, do CT).
Com efeito, é o que decorre da parte final daquela norma, onde se lê que “(..) apenas são atendíveis para a justificar os factos constantes da comunicação referida no n.º1 do artigo 395.º”.
Ora, conforme decorre do pedido formulado pela A., através da acção esta pretende que seja “declarada a justa causa de despedimento” que invocou perante a R. empregadora.
A este propósito, importa deixar claro que embora o artigo 398.º CT se refira à acção de impugnação da resolução intentada pelo empregador, o princípio contido na norma do n.º3 aplica-se igualmente aos casos em que o trabalhador propõe a acção para ver reconhecida a licitude da resolução do contrato com invocação de justa causa e obter a declaração dos direitos daí decorrentes.
III.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
(…)

III.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Antes de se proceder á fixação dos factos, deixou-se dito que seria necessário ponderar a possibilidade de conhecimento imediato de mérito, no que respeita aos 2.º e 3.º RR.
Pois bem, salvo melhor opinião, cremos estar manifestamente evidenciado que tal não só é possível, como até é inevitável, já que não há sequer qualquer facto controvertido dependente de prova.
A derradeira questão que se coloca para apreciação por este tribunal de recurso, consiste, então, em saber se face ao elenco factual a considerar é de concluir que os 2.º e 3.º RR. são responsáveis solidariamente, isto é, nos mesmos e precisos termos que a 1.º R., pelo pagamento das quantias em divida e pedidas pela A.
Defende esta que os ditos RR. são culposamente e solidariamente responsáveis, conforme estatui os artigos 334.º e 335.º do Código do Trabalho, sustentando que sobre eles recaía o ónus de prova de factos para excluir a sua culpa, “(..) por ocorrer inversão do ónus prova, por presunção legal, por força do não pagamento das retribuições vencidas e não liquidadas à Autora que se prolongaram por mais de 60 dias, não restando à A., outra alternativa, senão, comunicar a resolução do contrato de trabalho com a Primeira Ré, segundo o disposto no artigo 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho. Circunstância, que constitui os RR. em conduta culposa por falta culposa de pagamento pontual da retribuição (artigo 394.º, n.º 1 e 2 – al. a)”.
Vejamos então.
No que aqui interessa, dispõe o art.º 335º CT, no seu n.º2, que “O gerente (..) responde nos termos do artigo anterior, desde que se verifiquem os pressupostos do artigo 78.º e artigo 79.º do Código das Sociedades Comerciais e pelo modo nele estabelecido”.
Feita a articulação como o art.º 334.º, para onde é feita a remissão, resulta, então, que verificados os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do CSC, o gerente responde solidariamente “por crédito emergente de contrato de trabalho, ou da sua violação ou cessação, vencido há mais de três meses”.
É, pois, inequívoco que a responsabilidade solidária do gerente pelo ressarcimento de crédito emergente de qualquer uma daquelas situações, só existe desde que se verifiquem os pressupostos dos artigos 78.º e 79.º do CSC.
O primeiro deles, sob a epígrafe, “Responsabilidade para com os credores sociais”, dispõe no seu n.º1, o seguinte:
- “Os gerentes ou administradores respondem para com os credores da sociedade quando, pela inobservância culposa das disposições legais ou contratuais destinadas à protecção destes, o património social se torne insuficiente para a satisfação dos respectivos créditos”.
Por seu turno, o segundo, sob a epígrafe “Responsabilidade para com os sócios e terceiros”, também no n.º1, estabelece o seguinte:
- “Os gerentes ou administradores respondem também, nos termos gerais, para com os sócios e terceiros pelos danos que directamente lhes causarem no exercício das suas funções”.
A questão sobre que nos debruçamos não exige uma análise detalhada destas normas do CSC. Para o que aqui basta apenas deixar duas notas essenciais: i) numa e noutra norma estão em causa situações bem distintas da responsabilidade dos gerentes, isto é, a primeira tem a ver com a insuficiência do património da sociedade para satisfazer os respectivos créditos, enquanto a segunda se reporta aos casos em que sejam diretamente causados danos aos sócios ou terceiros; quer uma quer outra partilham um aspecto comum, ou seja, a responsabilidade do gerente depende de uma actuação culposa.
Dito isto, facilmente se compreende que a responsabilidade solidária estabelecida no art.º 335.º do CT, independentemente do crédito a que respeite, depende sempre e necessariamente de uma actuação culposa do “gerente, administrador ou director”, que será o resultado da prática de determinados factos concretos e precisos.
Assim, caso queira o trabalhador exercer o direito a pedir a condenação solidária do “gerente, administrar ou director” no pagamento de créditos abrangidos pelo art.º 335.º, aqueles factos que consubstanciam uma actuação culposa são constitutivos do direito e, logo, de acordo com as regras gerais sobre o ónus de prova (art.º 342.º n.º1 do CC), recai sobre o trabalhador o encargo de os alegar e deles fazer prova.
Ora, a mera leitura dos factos acima enunciados evidencia logo que esse ónus não foi minimamente cumprido pela A.. Porventura, até, porque na realidade não existiam.
Seja como for, o que releva é a inexistência de factos alegados que, feita a devida prova, fossem susceptíveis de permitir concluir por uma actuação culposa dos 2.º e 3.º RR, enquanto gerentes da sociedade empregadora, em consequência da qual tivesse resultado a impossibilidade de pagamento dos créditos laborais reclamados pela A, desde logo por tal actuação er dado causa à situação de insolvência da 1.ª R.
De resto, pelo menos nesta fase de recurso, a A. não o ignora. É precisamente por isso que, procurando contornar esse obstáculo, vem defender uma pretensa inversão do ónus de prova, sustentada no artigo 394.º, n.º 5 do Código do Trabalho.
Dispõe o art.º 394.º do CT, o seguinte:
(1) “Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
(2) Constituem justa causa de resolução pelo trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos pelo trabalhador:
a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição.
(..)
(3) Constituem ainda justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador:
(..)
c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição.
(5) Considera-se culposa a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta, até ao termo daquele prazo”.
Este artigo corresponde, com alterações, ao art.º 441.º CT 2003. E, com assinala Pedro Furtado Martins, a distinção entre o incumprimento culposo [n.º2, al. a)] e não culposo [n.º3, al.c)], já constava daquela disposição “(..) mas foi agora complementada com a consagração de um critério de distinção: determina-se que existirá culpa do empregador quando a falta de pagamento pontual da retribuição se prolongar por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento até ao termo desse período (art.º 394.º5).
São várias as dúvidas que o novo preceito suscita. A mais relevante é saber se a exigência de que a falta de pagamento se prolongue por 60 dias constitui um pressuposto indispensável para qualificar o comportamento do empregador como culposo ou apenas uma presunção de culpa. Como já foi proposto, pensamos que se trata de uma presunção júris et de júris, portanto não afastável por prova em contrário (..)” [A CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO PELO TRABALHADOR, 3.ª Edição, Principia, Cascais, 2012, pp. 536/537] .
É justamente este o entendimento que temos para essa dúvida. De resto, esse é o entendimento senão pacífico, pelo menos dominante na jurisprudência dos tribunais superiores [Cfr. Acórdãos do Tribunal da Relação de Lisboa, de 02-03-2011, proc.º 178/09.8TTALM.L1-4, Ferreira Marques; de 2-11-2011, proc.º n.º 124/09.9TTSNT.L1-4 , José Eduardo Sapateiro].
Porém, pese embora entendermos que o n.º5, do art.º 394.º consagra uma presunção de culpa, não vimos como é que dai pode resultar qualquer contributo para a tese da A..
Com efeito, decorre claramente da norma que essa presunção é estabelecida em relação ao empregador. Basta atentar na parte final do n.º2, onde diz “os seguintes comportamentos do empregador”.
Ora, os empregadores da A. não eram os gerente da sociedade comercial, ou seja, os 2.º e 3.º RR. Com quem a A celebrou o contrato de trabalho foi com a 1.º R, sociedade comercial, esta é que é a entidade empregadora.
Não se vê, pois, como pode a A. pretender estender aos 2.º e 3.º a presunção de culpa do n.º5, do art.º 394.º, quando a lei não o estabelece em parte alguma e só da lei podia resultar.
Por conseguinte, resta concluir que o pedido de condenação solidária dos 2.º e 3.º RR. não pode ser atendido, devendo estes dele serem absolvidos.
***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, as custas serão suportadas pela recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.

III. DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar o recurso de apelação, nos termos seguintes:
I - Improcedente, na parte que incide sobre a decisão do tribunal a quo, julgando a instância extinta por inutilidade superveniente da lide relativamente à Ré BB, Lda;
- Procedente, na parte que incide sobre a decisão que absolve os RR CC e DD do pedido, declarando nula a sentença (nessa parte), por violação do disposto no art.º 668.º n.º1 b), do CPC.
II- Consequentemente, nos termos do disposto no art.º 715.º n.º1, do CPC, conhecendo do objecto da apelação, decide-se julgar a acção improcedente, por não provada, absolvendo-se aqueles RR. do pedido de condenação solidária contra eles deduzido pela A.
Custas pela recorrente.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2012

Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus Nóbrega

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