sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

ACIDENTE DE TRABALHO - DESCARACTERIZAÇÃO DE ACIDENTE - FALTA GRAVE E INDESCULPÁVEL - CULPA DA ENTIDADE PATRONAL - NEXO DE CAUSALIDADE



Proc. Nº 686/10.8TTLRS.L1-4                     TRLisboa                    19 Dez 2012

I. A causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1, a conjugar com o n.º2, do artigo 14.º, da Lei n.º 98/2009, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por acção, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adopção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condição de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado”.
II. Sendo um dos requisitos exigidos, a voluntariamente na violação das regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, ficam excluídos da descaracterização os actos ou omissões que resultem as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco.
III. Sabendo-se apenas que quando ocorreu a queda o sinistrado tinha o cinto de segurança colocado, mas não o tinha preso à linha de vida, não existem factos de onde se possa concluir que actuou voluntária e conscientemente, desprezando as instruções de segurança dadas pela entidade empregadora.
IV. Para que tenha aplicação o n.º1 do art.º 18.º da Lei 98/2009, com a consequente responsabilidade agravada do empregador pelas consequências do acidente de trabalho, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, é também necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
V. Tendo a empregadora definido os procedimentos de segurança a serem utilizados na realização dos trabalhos, não lhe era exigível que contasse também com a eventualidade de os mesmos não serem observados por qualquer um dos trabalhadores, quer voluntária quer involuntariamente. O que aqui releva é a ponderação sobre a adequação dos meios de segurança que foram definidos para terem obstado ao acidente, desde que tivessem sido cumpridos pelos trabalhadores.
VI. Por isso mesmo, não há um nexo causal entre a queda do sinistrado e o facto de não estar instalado um meio de protecção colectivo contra quedas, ou seja, a uma rede. O empregador disponibilizou um outro meio de segurança ao trabalhador, o arnês de segurança para ser preso à linha de vida instalada, que, embora individual, era igualmente adequado e suficiente para evitar o resultado que se verificou.

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I.RELATÓRIO
I.1 Na Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra - Juízo do Trabalho, AA, viúva, e BB, menor, nascido a 5/11/2002, este representado por sua mãe, com o patrocínio oficioso do Ministério Público, propuseram ação declarativa de condenação, com processo especial emergente de acidente de trabalho, contra COMPANHIA DE SEGUROS CC, S.A., e DD – METALOMECÂNICA GERAL, LDA, pedindo a condenação das Rés, na proporção das respetivas responsabilidades, no seguinte:
i) À viúva, uma pensão anual e vitalícia que será de € 2.774,64 (sendo 2.310,00 a cargo da seguradora e € 464,64 a cargo da entidade empregadora), até atingir a idade da reforma; e de 3.699,52 (sendo de € 3.080,00 a cargo da seguradora e € 619,52 a cargo da entidade patronal), a partir da idade da reforma ou em caso de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
ii) Ao filho, a pensão anual e temporária de € 1.849,79, sendo € 1.540,00 a cargo da Seguradora e € 309,76 a cargo da entidade empregadora, até à data em que atinja os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade, quando afetado de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
iii) A ambos os AA., na proporção de metade a cada um, e a título de subsídio por morte, a quantia de € 5.533,70.
Para sustentarem os pedidos alegam, no essencial, que o sinistrado, EE, era trabalhador da 2ª R. por cuja conta e sob cujas ordens e direção exercia a profissão de ajudante de serralheiro, auferindo uma retribuição base de 550,00x14 e um subsídio de alimentação de 6,40 x22x11.
No dia 29-6- 2010, cerca das 15H30, quando se encontrava no desempenho das suas tarefas, o sinistrado sofreu um acidente de trabalho, que consistiu numa queda de uma altura de cerca de 5 metros, ocorrida quando se encontrava no topo da cobertura de uma oficina, em fibrocimento, juntamente com outros trabalhadores da 1ª Ré, procedendo à substituição dessa cobertura por uma nova, em poliuretano, quando se quebrou a placa de fibrocimento sobre o qual se encontrava. Em consequência das lesões sofridas na queda veio a ocorrer a sua morte.
No momento o sinistrado tinha colocado o cinto de segurança, não tendo sido apurado qual o motivo porque não se encontrava preso à linha de vida.
A 2ª Ré tinha transferido a sua responsabilidade emergente de acidentes de trabalho para a aqui 1ª Ré mas apenas pela retribuição base.
Regularmente citadas, as Rés contestaram.
A Ré seguradora, aceitando o acidente como acidente de trabalho e o nexo de causalidade entre este e as lesões sofridas, bem como a existência do contrato de seguro com referencia à retribuição de 550,00x14.
Porém, defendendo-se por excepção, veio alegar que o sinistrado apesar de ter colocado um arnês de segurança, não se encontrava preso à linha de vida, quando não existia qualquer outro meio de protecção contra o risco de queda, vindo a cair para o interior do edifício, sendo uma pessoa informada e experiente neste tipo de trabalhos, bem sabendo que eram frágeis as telhas de cobertura, não podendo desconhecer o risco de queda e sabendo não existir outro meio de segurança.
Conclui, sustentando que se deve considerar descaracterizado o acidente de trabalho por violação das regras de segurança por parte do Sinistrado, dado ter actuado sem causa justificativa e por a sua atitude roçar a temeridade.
Excepcionou, ainda, a violação das regras de segurança por parte da entidade empregadora, dado não estarem instalados, quando deviam ter sido utilizados, pelo menos, guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo, em obediência ao previsto no Dec. 41 821, de 11.08.1958, e 11.º da Portaria n.º 101/96, de 3 de Abril. Deveria, ainda terem sido montados andaimes para salvaguardar o risco de queda.
Alega que os meios de segurança colectiva devem ser privilegiados relativamente aos meios de protecção individual, sendo estes complementares (art.º 36.º2, do DL 50/2005, de 25 de Fevereiro), tendo a R. empregadora subestimado o risco de queda em altura e, assim, contribuído para a ocorrência do acidente.
Para além disso, a Empregadora também não proporcionou ao sinistrado formação profissional.
Assim, a não se entender que o acidente ocorreu por responsabilidade do sinistrado, será então responsável a R. Empregadora.
A empregadora apresentou contestação admitindo a responsabilidade pela reparação do acidente no que respeita ao subsídio de alimentação, por não ter transferida a responsabilidade infortunística quanto ao respectivo valor.
Põe em causa a posição assumida pela Seguradora, invocando que àquela cabe sempre satisfazer as prestações, podendo exercer direito de regresso, atento o preceituado no art.º 79º nº3 da LAT.
Para além disso, refutando a sua culpa, alegou a forma como foram preparados os trabalhos que estavam a ser realizados pelo Sinistrado e um seu colega, sustentando que o gerente da Ré e o técnico de segurança deram indicações sobre a execução dos trabalhos, nomeadamente, que todo o trabalho de substituição seria executado de e sobre a zona nova, sendo proibido pisar ou apoiar no telhado antigo. E, ainda, que foi imposto aos trabalhadores o uso de capacete e cintos de segurança presos a uma corda que estava fixada a um ponto resistente do imóvel, meios de segurança mais que suficientes e idóneos para a execução em segurança deste tipo de trabalho.
Defende que outros meios de segurança só devem ser utilizados quando tal for praticável e quando os trabalhadores não utilizam cintos de segurança.
I.2 Pelos AA. foi requerida a fixação de pensões provisórias, pelo que por despacho proferido a fls. 201 foi proferida a correspondente decisão, decretando-se as seguintes pensões provisórias:
- A favor da beneficiária viúva, a pensão anual o montante de € 2.774,64 (dois mil setecentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos), sendo € 2.310,00 (Dois mil trezentos e dez euros) a cargo da Seguradora e € 464,64 (Quatrocentos sessenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) a cargo do Empregadora;
-A favor do filho menor, a pensão anual no montante de € 1.849,79 ( mil oitocentos e quarenta e nove euros e setenta e nove cêntimos), sendo € 1.540,00 ( mil quinhentos e quarenta euros) a cargo da Seguradora e € 309,76 (trezentos e nove euros e setenta e seis cêntimos) a cargo da Empregadora
Foi proferido despacho saneador, fixada a matéria assente e a base instrutória, despacho esse que não foi objeto de reclamação.
Procedeu-se a julgamento com observância das formalidade legais e à fixação da matéria de facto.
Subsequentemente foi proferida sentença, julgando “ (..) procedente a presente acção e consequentemente” condenando as Rés, nos termos seguintes:
-«A) a pagar à Autora viúva uma pensão anual e vitalícia que será de € 2.774,64 (dois mil setecentos e setenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) -sendo € 2.310,00 (dois mil trezentos e dez euros) a cargo da seguradora e € 464,64 (quatrocentos e sessenta e quatro euros e sessenta e quatro cêntimos) a cargo da entidade empregadora-, até atingir a idade da reforma; e de 3.699,52 (três mil seiscentos e noventa e nove euros e cinquenta e nove cêntimos - sendo de € 3.080,00 ( três mil e oitenta euros) a cargo da seguradora e € 619,52( seiscentos e dezanove euros e cinquenta e dois cêntimos) a cargo da entidade patronal-, a partir da idade da reforma ou em caso de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
Atento o valor da pensão fixada mesma é obrigatoriamente remível.
B –A pagar ao Autor filho, a pensão anual e temporária de € 1.849,79 ( mil oitocentos e quarenta e nove cêntimos) , sendo € 1.540,00 (mil quinhentos e quarenta) a cargo da Seguradora e € 309,76 (trezentos e nove euros e setenta e seis cêntimos) a cargo da entidade empregadora, até à data em que atinja os 18, 22 ou 25 anos, enquanto frequentar, respetivamente, o ensino secundário ou equiparado ou o ensino superior, ou sem limite de idade, quando afetado de deficiência ou doença crónica que afete sensivelmente a sua capacidade para o trabalho;
Às pensões ora fixadas são deduzidas as pensões provisórias entretanto pagas aos Autores.
C- Vai ainda a Ré Seguradora condenada a pagar a ambos os Autores na proporção de metade a cada um, e a título de subsídio por morte, a quantia de € 5.533,70 (cinco mil quinhentos e trinta e três euros e setenta cêntimos)».
I.3 Inconformado com essa decisão, a Ré Seguradora apresentou recurso de apelação, o qual foi admitido com o modo de subida e efeito próprios.

Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas alegações, delas constando o seguinte:
(…)
I.4 Pelos recorridos AA, sempre com o patrocínio do Ministério Público, foram apresentadas contra-alegações, finalizadas com as conclusões seguintes:
(…)
I.6 Foram colhidos os vistos legais.
I.6 Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 685.º-A e 684.º n.º 3 e artigo 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil), a questão que se coloca para apreciação é a de saber se a decisão recorrida, ao ter julgado a acção procedente contra a seguradora, enferma de erro de julgamento, em razão do seguinte:
i) Por não ter considerado descaraterizado o acidente de trabalho, pelo facto do sinistrado não ter o arnês de segurança preso à linha de vida, agindo sem causa justificativa, em violação dessa condição de segurança que lhe fora estabelecida pela entidade empregadora, nos termos previstos na alínea a) do n.º 1 e n.º2, do artº 14º da LAT [cfr. conclusões 1.ª a 10.ª e 24.ª];
ii) Ou, por não ter considerado que o acidente de trabalho ocorreu devido à violação das regras de segurança pela entidade empregadora, sendo esta a responsável pelo pagamento das prestações agravadas, nos termos dos artºs 18º e 79º da LAT.[Conclusões 11.º a 24.º].

FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
Os factos considerados assentes na decisão recorrida - que aqui não foram objecto de impugnação- são os seguintes:
(…)

II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
O acidente dos autos ocorreu no dia 29-6- 2010, pelo que o regime jurídico atendível é o que emerge da Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro [Regulamenta o regime de reparação de acidente de trabalho e de doenças profissionais, incluindo a reabilitação e reintegração profissionais, nos termos do art.º 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], que também se usa designar por NLAT (nova lei de acidentes de trabalho), entrada em vigor no dia 1 de Janeiro de 2010, conforme resulta do seu art.º 188.º.
II.2.1 A recorrente insurge-se contra a decisão de 1.ª instância, em primeiro lugar, por não ter considerado descaraterizado o acidente de trabalho, pelo facto do sinistrado não ter o arnês de segurança preso à linha de vida, agindo sem causa justificativa, em violação dessa condição de segurança que lhe fora estabelecida pela entidade empregadora, nos termos previstos na alínea a) n.º1, e n.º2, do artº 14º da NLAT [cfr. conclusões 1.ª a 10.ª e 24.ª].
O art.º 2.º da NLAT consagra o direito do trabalhador e dos seus familiares à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho, nos termos mela previstos.
Segundo o conceito dado pelo n.º1 do art.º 8.º, da mesma lei, “É acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte”.
Casos há, porém, em que apesar de ter ocorrido um acidente de trabalho, a lei exclui o direito à reparação. Para tanto é necessário que se verifique uma causa excludente daquele direito, nos termos previstos taxativamente na lei, que conduz à denominada “Descaraterização do acidente”. Na actual lei ocupa-se desses casos o art.º 14.º, estabelecendo o seguinte:
[1] O empregador não tem de reparar os danos decorrentes do acidente que:
a) For dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei;
b) Provier exclusivamente de negligência grosseira do sinistrado;
c) Resultar da privação permanente ou acidental do uso da razão do sinistrado, nos termos do Código Civil, salvo se tal privação derivar da própria prestação do trabalho, for independente da vontade do sinistrado ou se o empregador ou o seu representante, conhecendo o estado do sinistrado, consentir na prestação.
[2] Para efeitos do disposto na alínea a) do número anterior, considera-se que existe causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pelo empregador da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la.
[3] Entende-se por negligência grosseira o comportamento temerário em alto e relevante grau, que não se consubstancie em acto ou omissão resultante da habitualidade ao perigo do trabalho executado, da confiança na experiência profissional ou dos usos da profissão.
A apreciação que aqui cabe fazer, tal qual foi delimitada pela recorrente, consiste exclusivamente em saber se o comportamento do Autor pode determinar a “descaracterização” do acidente com fundamento na segunda parte da alínea a), do n.º1, a ler conjugadamente com o n.º2.
Como primeiro passo cabe determinar o sentido e alcance do ai disposto. E, nesse desiderato, mostra-se pertinente, senão mesmo indispensável, atentar nas correspondentes normas que nos anteriores regimes jurídicos de acidentes de trabalho, nomeadamente, a Lei nº 2127, de 8 de Agosto de 1965, e a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, antecederam as aqui em causa.
Assim, na Lei n.º 2127, a Base VI, com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui interessa, dispunha o seguinte:
[1] Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pela vítima ou provier de seu acto ou omissão, se ela tiver violado, sem causa justificativa, as condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal”.
A propósito da parte final dessa norma, Cruz de Carvalho, na sua incontornável obra de anotação à Lei n.º 2127, referindo estarem aí previstos “(..) os casos de violação injustificada das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal – que o podem ser, quer em regulamento de empresa ou de serviço, quer em ordem especial”, defendeu que para se verificar essa hipótese “(..) não exige a lei, que a violação das condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal seja propositada, intencional - por isso que fala em acto ou omissão –mas exige que tenha sido sem causa justificativa. Assim, não estão ali compreendidos não só os actos involuntários, como até os cometidos com violação daquelas condições de segurança, por espírito de abnegação e sentimento de caridade ou impulso meramente instintivo ou altruísta de salvar outrem, ou o intuito de beneficiar o patrão, ou ainda os devidos a imprudência ou imprevidência resultante do longo hábito ao contacto diário com o perigo. E, após elucidar sobre a necessidade de demonstração de um nexo de causalidade entre o acto ou omissão violador das condições de segurança e o acidente, concluiu o seguinte:
- “Para que se verifique a hipótese prevista na 2.ª parte da alínea a), é necessária a prova cumulativa (que compete à entidade patronal): 1.º) da existência de condições de segurança estabelecidas pela entidade patronal; 2.º) da existência de acto ou omissão da vítima que os viola; 3.º) que tal acto seja voluntário, embora não intencional, e sem causa que o justifique; 4.º) que o acidente tenha sido consequência desse acto ou omissão”.
[Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada, 2.ª Edição, Livraria Petrony, Lisboa, 1983, pp. 50/51].
Como se sabe, àquela lei sucedeu a Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, na qual as causas excludentes do direito à reparação do acidente de trabalho encontram-se no art.º 7.º, igualmente com a epígrafe “Descaracterização do acidente”, no que aqui releva, dispondo o seguinte:
[1]”Não dá direito a reparação o acidente:
a) Que for dolosamente provocado pelo sinistrado ou provier de seu acto ou omissão, que importe violação, sem causa justificativa, das condições de segurança estabelecidas pela entidade empregadora ou previstas na lei;”
Por seu turno, o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99 (correspondente ao n.º2, do actual art.º 14.º), ao regulamentar o preceito transcrito, estipula como segue:
Para efeitos do disposto no artigo 7º da Lei, considera-se existir causa justificativa da violação das condições de segurança se o acidente de trabalho resultar de incumprimento de norma legal ou estabelecida pela entidade empregadora da qual o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento ou, tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la”.
Confrontando essas normas, vê-se que na evolução da Lei n.º2127, para a lei 107/97, as únicas inovações consistiram em acrescentar – na alínea a) - que a violação das condições de segurança pode incidir quer sobre as estabelecidas pela entidade empregadora (na terminologia anterior, entidade patronal), quer em relação às “previstas na lei”; e, para além disso, que foi acrescida uma norma procurando clarificar quando se deve entender “existir causa justificativa da violação das condições de segurança” (o art.º 8º n.º 1 do D.L. n.º 143/99). Por último, constata-se que daquela última lei para a actual não resultou qualquer inovação, apenas havendo alterações de redação e terminologia (empregador, em vez de entidade empregadora), para além da inclusão do n.º 2, no art.º 14.º, em resultado da opção legislativa pela inclusão de normas regulamentadoras na própria lei, deixando de existir um diploma regulamentador autónomo.
Feita esta constatação, é seguro afirmar-se que mantêm inteira validade e actualidade os entendimentos doutrinários e jurisprudenciais suscitados pela interpretação e aplicação desta causa excludente do direito à reparação, desde a mais longínqua Lei 2127, passando pela mais recente, mas também já revogada, Lei n.º 100/97.
Na esteira do que já era entendido na Lei n.º 2127, acima expresso pelas palavras de Cruz de Carvalho, há um entendimento pacífico da jurisprudência dos tribunais superiores, respaldada também na doutrina, no que respeita à causa excludente do direito à reparação, a que se reporta a al. a), do art.º 7.º da lei n.º 100/97. Elucida-o o recente Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça, de 15 de Dezembro de 2012, onde a propósito se pode ler o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente.
Em suma: a lei não fez depender tal descaracterização do acidente do grau de culpa do sinistrado, antes optou por considerar que a simples violação, sem causa justificativa, das condições de segurança é razão suficiente para a operar.
Como salienta PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), neste caso, «o legislador exige somente que a violação careça de “causa justificativa”, pelo que está fora de questão o requisito da negligência grosseira da vítima; a exigência dessa culpa grave encontra-se na alínea seguinte do mesmo preceito. A diferença de formulação constante das alíneas a) e b) do n.º 1 do artigo 7.º da LAT (correspondentes às mesmas alíneas do n.º 1 do artigo 290.º do Código do Trabalho) tem de acarretar uma interpretação distinta. Por outro lado, há motivos para que o legislador tenha estabelecido regras diversas. Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras.»
E, mais adiante, conclui, «[s]e o trabalhador, conhecendo as condições de segurança vigentes na empresa, as viola conscientemente e, por força disso, sofre um acidente de trabalho, não é de exigir a negligência grosseira do sinistrado nessa violação para excluir a responsabilidade do empregador. Contudo, a responsabilidade não será excluída se o trabalhador, atendendo ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento das condições de segurança ou se não tinha capacidade de as entender (artigo 8.º, n.º 1, do Decreto-Lei n.º 143/99).»
Note-se que, na mesma linha fundamental de entendimento, o sobredito acórdão de 17 de Maio de 2007, referindo-se à segunda situação prevista na alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, afirma que «[s]e a lei se basta, na espécie, com o pressuposto assinalado — ausência de causa justificativa — é porque recai sobre o trabalhador um especial dever de observar […] as condições de segurança que lhe são impostas», dever especial que «é tanto mais evidente quanto é certo que a lei só justifica a omissão quando seja de concluir que o trabalhador, face ao seu grau de instrução ou de acesso à informação, dificilmente teria conhecimento da norma impositiva ou tendo-o, lhe fosse manifestamente difícil entendê-la — artigo 8.º, n.º 1, supra citado».
[Proferido no processo 827/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol; no mesmo sentido, vejam-se, ainda os Acórdãos do STJ seguintes: 17-05-2007, Proc.º 07S053, Sousa Grandão;22-11-2007, Proc.º 07S3657, Pinto Hespahol; 19-12-2007, Proc.º 07S3381, Bravo Serra; 25-03-2009, Proc.º 09S0227, Pinto Hespanhol; 3-06-2009, Proc.º 1321/05.1TBAGH.S1, Bravo Serra; 9-12-2010, Proc.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, Mário Pereira;18-05-2011, Proc.º 1368/05.8TTVNG-C1.S1, Pinto Hespanhol; 3-10-2012, Proc.º 54/03.8TBPSR.E1, Gonçalves Rocha; 28-11-2012, Proc.º 181(07.2TVFIG.C1.S1, Pinto Hespanhol, todos eles disponíveis em http://www.dgsi.pt/jstj]
Atentemos, então nos factos que resultaram provados, começando por os organizar de modo a melhor se compreender o contexto e as circunstâncias envolventes do acidente.
O acidente de trabalho ocorreu quando o falecido trabalhador se encontrava “no topo da cobertura da oficina, de fibrocimento, juntamente com outros trabalhadores da 2ª R., e procedia à substituição da mesma cobertura por uma nova, de poliuretano” [factos 6 e 7].
A cobertura da oficina “situava-se a uma altura entre quatro e cinco metros do solo [facto 23].
E, “(..)era formada por telhas onduladas de fibrocimento, já antigas e desgastadas (..), assentes sobre uma estrutura de vigas dispostas e apoiadas sobre as paredes laterais do edifício [factos 19 e 20].
Essas telhas em fibrocimento “não são concebidas para suportar cargas nem o peso de pessoas a caminharem sobre elas [facto 21]; (..) eram facilmente quebráveis [factos 21 e 27]
Debaixo das referidas telhas de fibrocimento,” ou seja, no interior do edifício, nenhuma outra estrutura existia" [facto 22].
Não estando montada “Uma rede para amparar uma eventual queda (facto 36).
O trabalho que o sinistrado estava a executar “envolvia risco de queda para o interior do edifício. Devido ao desgaste do material em substituição” (factos 30 e 31).
No local “existia uma linha de vida; (..) fixada a um ponto resistente do imóvel [factos 39 e 45].
O gerente e o técnico de segurança da Ré “imediatamente antes do início da tarefa de substituição da cobertura explicaram aos trabalhadores como deveriam ser executados os trabalhos. Colocando-se a primeira fiada de chapas novas. Só depois de substituída a primeira fiada das chapas velhas é que o trabalho de substituição seria executado sobe a zona nova” [factos 40, 41 e 42].
Foi explicado aos trabalhadores “que não se devia pisar o telhado antigo”; e, “O técnico de seguranças impôs aos trabalhadores que efetuavam a troca das telas, o uso de arnês de segurança” [factos 43 e 44].
No que respeita ao sinistrado, “(..) era uma pessoa informada e experiente neste tipo de trabalhos. Bem sabendo como eram frágeis as telhas da cobertura do edifício. (..) sabia que debaixo da cobertura do edifício, não havia uma plataforma para amparar numa eventual queda [factos 33, 34 e 35].
É neste quadro que ocorre a queda, descrita pela factualidade apurada nos termos seguintes:
- “A dada altura ocorreu a fractura da placa de fibrocimento sobre a qual o sinistrado se encontrava, tendo este caído desamparado no solo [facto 8].
- “A queda do Sinistrado ocorreu porque as telhas cederam ao seu peso” [facto 28]
- “No momento da queda o sinistrado tinha colocado o arnês de segurança” [facto 9].
- “Tal arnês o não se encontrava preso à linha de vida” e “(..) não se mostrava danificado [factos 10 e 29].
Desde elenco de factos retira-se, como defende a recorrente, que efectivamente a 2.ª R, através de ordens verbais, estabeleceu determinadas regras de segurança para a execução dos trabalhos de substituição das telhas de fibrocimento, nomeadamente que não deviam pisar o telhado antigo, objecto da remoção, devendo iniciar os trabalhos com a substituição da primeira fiada por telhas novas e só depois é que o restante trabalho seria executado sobre a zona nova, impondo aos trabalhadores, ainda, que usassem o arnês de segurança, sendo certo que estava montada uma linha de vida à qual deveria ser preso o dito arnês.
Ora, verifica-se que quando ocorre a queda do sinistrado do topo da cobertura para o interior do edifício, aquele, apesar de estar equipado com o cinto de segurança, não o tinha preso à linha de vida, contrariamente às instruções dadas pela entidade empregadora.
Sendo de crer, já que o arnês não se encontrava danificado, e na ausência de qualquer outro facto que ponha em causa a função daquele meio de segurança, que caso o sinistrado o tivesse devidamente preso à linha de vida, que a sua queda teria siso sustada, evitando-se o embate no solo, com as consequências fatais que dela resultaram. Na verdade, é de elementar noção que aquele tipo de equipamento só cumpre a sua função desde que seja devidamente utilizado, o que pressupõe, desde logo, que esteja preso a um ponto fixo ou a uma linha de vida.
Certo é, também, que para além de ter recebido aquelas instruções, o sinistrado era uma pessoa informada e experiente nesse tipo de trabalhos, sabia que as telhas eram frágeis e que não havia outro meio de protecção, não podendo também ignorar que estava a cerca de 5 metros de altura, o que vale por dizer que tinha noção do risco de queda e que se tal ocorresse seria certamente fatal, só podendo obviar a esse risco desde que cumprisse o que lhe fora determinado, desde logo, usando devidamente o equipamento de segurança individual.
Porém, será que este conjunto de factos é suficiente para concluir pelo preenchimento da previsão da al. a), do art.º 14.º, com a consequente descaracterização do acidente de trabalho?
Isto é, para se concluir que, existindo normas de segurança emanadas da sua empregadora, cuja compreensão estava claramente ao alcance do sinistrado, este as desrespeitou voluntariamente e sem justificação, em consequência deixando de beneficiar da protecção que evitaria a sua queda desamparada para o interior do edifício, com aquelas consequências?
Cremos que não.
Com efeito, na linha do entendimento que acima apontámos, subscrito quer pela doutrina quer pela jurisprudência, entre os requisitos de verificação cumulativa para que se preencha a previsão da al.a), do n.º1, do art.º 14.º, contam-se a prática do acto ou omissão, voluntária e conscientemente.
Elucidando sobre a aplicação em concreto desses requisitos, ainda que face à Lei 100/97, mas como se disse, com inteira aplicação à actual, afirmou-se no Acórdão do Supremo Tribunal de 23/6/04 [publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Edições Colectânea de Jurisprudência, pp. 77/78] que a descaracterização com fundamento na segunda parte da alínea a) do artigo 7º da Lei n.º 100/97, exige que sejam voluntariamente violadas as regras de segurança, quer legais quer estabelecidas pela entidade patronal, o que exclui as chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distração, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco. Como se constata pela leitura da respectiva argumentação, ai foi entendido, como fundamento para não se entender descaracterizado o acidente de trabalho, não evidenciarem os factos provados que o sinistrado “(..) intencionalmente tivesse violado, por omissão, as regras de segurança estabelecidas pela entidade patronal, designadamente a não utilização de cinto de segurança (…)”.
Na esteira desse aresto, citando-o, encontra-se também o Acórdão da Relação de Coimbra, de 26 de Abril de 2006 [também publicado em Acidentes de Trabalho, Jurisprudência 2000-2007, Edições Colectânea de Jurisprudência, pp. 120/126] onde também se convoca Carlos Alegre [Acidentes de Trabalho, Lisboa, 1996., pp. 91], que igualmente defende esse entendimento.
Reafirmando esse mesmo entendimento, pronunciou-se o Supremo Tribunal de Justiça em aresto mais recente, de 19 de Dezembro de 2007 (acima indicado), em cujo sumário se consignou que “A descaracterização do acidente de trabalho, com fundamento na alínea a) do art. 7.º da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) que se trate de uma conduta do acidentado, seja ela por acção, seja por omissão; (ii) que essa conduta seja representativa de uma vontade do mesmo iluminada pela intencionalidade ou dolo na adopção dela; (iii) que inexistam causas justificativas, do ponto de vista do acidentado, para a violação das condição de segurança; (iv) que existam, impostas legalmente ou por estabelecimento da entidade empregadora, condições de segurança que foram postergadas pela conduta do acidentado”, encontrando-se explicação mais ampla, para além do mais, no extracto seguinte:
-“Na verdade, como tem sido defendido pela doutrina e pela jurisprudência, do âmbito da alínea a) do nº 1 do mencionado artº 7º estão excluídas as “chamadas culpas leves, desde a inadvertência, à imperícia, à distracção, esquecimento ou outras atitudes que se prendem com os actos involuntários, resultantes ou não da habituação ao risco” (utilizaram-se as palavras de Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª edição, 61).
Assim, mesmo que porventura se entendesse que houve uma certa temeridade por parte do autor em se deslocar na estrutura metálica da cobertura do posto de abastecimento de combustível (estrutura essa na qual, note-se, já estavam montadas as chapas metálicas e chapas de luminosidade, estas feitas em policarbonato) sem estar munido de cinto de segurança, o que é certo é que não se demonstrou o mínimo elemento de onde se possa retirar que a sua actuação foi iluminada pelo intento de desrespeito de quaisquer regras de segurança, sendo de sublinhar que o ónus dessa demonstração impendia sobre a ora impugnante, já que a «descaracterização» do acidente redundava na não possibilidade de a mesma ser responsabilizada pelo pagamento das quantias peticionadas (cfr. nº 2 do artº 342º do Código Civil)».
[Proferido no Processo 07S3381, Bravo Serra, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
A Recorrente, no corpo das suas alegações, invoca o ensinamento de PEDRO ROMANO MARTINEZ (Direito do Trabalho, 3.ª edição, Almedina, Coimbra, 2006, pp. 851-852), referindo-o como “citado no douto Acórdão do STJ (827/06.0TTVNG.P1.S1)”, depois fazendo uma citação, mas que se constata corresponder precisamente a um extracto do aludido acórdão e não do citado autor ou da sua lavra, para concluir, que “contrariamente ao decidido pelo tribunal a quo, o sinistrado violou, sem causa justificativa, as condições de segurança existentes, pelo que o acidente de trabalho sempre terá de ser descaracterizado”.
Na verdade, no aludido acórdão, que é precisamente aquele que nesta apreciação invocámos em primeiro lugar, invoca-se a posição defendida por aquele ilustre Professor, dizendo-se “Na alínea a) só se exige a falta de causa justificativa, porque atende-se à violação das condições de segurança específicas daquela empresa; por isso, basta que o trabalhador conscientemente viole essas regras», para evidenciar a diferença desta causa excludente da responsabilidade relativamente à prevista na alínea b), do art.º 7.º da Lei 100/97, que, como se sabe, refere-se a outra causa excludente, mais precisamente, quando o sinistrado viola regras de segurança actua com negligência grosseira. E, se procedermos à sua leitura atenta, ou mesmo bastando o extracto que acima se transcreveu, cremos poder afirmar-se com inteira segurança, que o aludido aresto não se distancia do entendimento a que nos vimos referindo, antes o reafirmando, nomeadamente quanto à necessidade de uma actividade voluntária de desobediência do trabalhador, sem causa justificativa, como requisito sem o qual não há lugar à descaraterização do acidente de trabalho. Basta ver que imediatamente antes de nele se invocar o ensinamento do Professor Pedro Romano Martinez, escreveu-se o seguinte:
- «Assim, a causa excludente do direito à reparação do acidente a que se alude na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 7.º, tal como se afirmou no acórdão deste Supremo Tribunal, de 17 de Maio de 2007 (Revista n.º 53/2007, da 4.ª Secção), exige a verificação cumulativa dos seguintes requisitos: (i) existência de condições de segurança estabelecidas pelo empregador ou previstas na lei; (ii) acto ou omissão do sinistrado que importe a violação dessas condições de segurança; (iii) voluntariedade desse comportamento, ainda que não intencional, e sem causa justificativa; (iv) nexo causal entre o acto ou omissão do sinistrado e o acidente».
[Proc.º 872/06.0TTVNG.P1.S1, Pinto Hespanhol, disponível em http://www.dgsi.pt/jstj].
Revertendo ao caso, é manifesto que não existem factos suficientes para responder a uma série de questões indispensáveis para se compreender todas as circunstâncias que envolveram o acidente, nomeadamente, sendo essa a questão fulcral, porque razão não tinha o sinistrado o arnês de segurança preso à linha de vida. Há um acto voluntário, ou não?
Veja-se, por exemplo, que não se sabe se quando ocorreu o acidente os trabalhos estavam no início, meio ou fim; se estavam a decorrer ou tinham sido interrompidos; se o sinistrado chegou a prender o cinto à linha de vida ou não; se o prendeu, quando o desprendeu e porque razão, etc.
O que vale por dizer, que nada nos diz que o sinistrado actuou voluntária e conscientemente, desprezando as instruções de segurança dadas pela entidade empregadora. Na verdade, como se argumentou na sentença, perante o que apenas está provado, pode construir-se uma multiplicidade de hipóteses.
E, por isso mesmo, jamais se poderá afirmar que o sinistrado actuou voluntariamente e excluir, por exemplo, que tenha tido uma desatenção; ou que nesse momento se tivesse desprendido da linha de vida para sair da cobertura do telhado ou para ir buscar uma ferramenta; ou que fosse justamente ligar-se à linha de vida: ou que se tivesse desligado por uma necessidade de movimentação e depois se tivesse esquecido de voltar a prender o cinto de segurança à linha de vida, etc.
Ora, o certo é que impendia sobre a recorrente o ónus de alegar e provar os factos conducentes à descaracterização do acidente de trabalho, por serem impeditivos do direito à reparação que a lei confere ao sinistrado (artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil).
Por conseguinte, como não cumpriu esse ónus, resta concluir que, no caso concreto, inexiste fundamento que conduza à descaracterização do acidente de trabalho que vitimou o sinistrado, nomeadamente o previsto na segunda parte da alínea a) do n.º 1 do artigo 14.º da Lei n.º 98/2009, pelo que improcede esta linha de argumentação da recorrente.
II.2.2 Numa segunda linha de argumentação, insurge-se agora a recorrente contra a sentença, por não ter considerado que o acidente de trabalho ocorreu devido à violação das regras de segurança pela entidade empregadora, sendo esta a responsável pelo pagamento das prestações agravadas, nos termos dos artºs 18º e 79º da LAT.
Invoca, ainda, que foram violados os artigos 281º, nº 7 do Código do Trabalho, 44.º e 45.º do Decreto n.º 41 821, de 11/08/1958, 11.º da Portaria n.º 101/96 e 36.º e 37.º do Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro.
Vejamos então.
O artigo 18.º da Lei 98/2009, com a epígrafe “Actuação culposa do empregador”, no seu n.º1, dispõe o seguinte:
-“Quando o acidente tiver sido provocado pelo empregador, seu representante ou entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra, ou resultar de falta de observação, por aqueles, das regras sobre segurança e saúde no trabalho, a responsabilidade individual ou solidária pela indemnização abrange a totalidade dos prejuízos, patrimoniais e não patrimoniais, sofridos pelo trabalhador e seus familiares, nos termos gerais”.
Na Lei n.º 100/97, correspondia-lhe precisamente o n.º1 do art.º18.º, cujo teor é o seguinte:
- “Quando o acidente tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho, as prestações fixar-se-ão segundo as regras seguintes:
(..).”
Como se vê, as inovações introduzidas pelo actual n.º1 do art.º 18.º da Lei n.º 98/2009, limitam-se à inclusão da “entidade por aquele contratada e por empresa utilizadora de mão-de-obra”, na previsão da norma.
Por conseguinte, também aqui tem inteira validade a jurisprudência, também ela pacífica, produzida a propósito da norma no âmbito da Lei 100/97, sustentando, como melhor se explica no recente Acórdão do STJ de 28-11-2012, o seguinte:
«(..) a violação por parte da entidade empregadora ou do seu representante das mencionadas regras passou a constituir um caso de culpa efectiva e não um caso de culpa meramente presumida, como sucedia no regime anterior.
E compreende-se que assim seja, uma vez que a culpa, na sua forma de mera culpa ou negligência, se traduz na omissão da diligência, dos deveres de cuidado que um bom pai de família teria observado, em face das circunstâncias do caso, a fim de evitar o facto antijurídico que provocou o dano (art. 487.º, n.º 2, do C.C).»
Assim, para efeito de aplicação dos artigos 18.º, n.º 1, e 37.º, n.º 2, da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, cabe aos beneficiários do direito à reparação por acidente de trabalho, bem como às seguradoras que pretendam ver desonerada a sua responsabilidade infortunística, o ónus de alegar e provar os factos que revelem que o acidente ocorreu por culpa do empregador ou que o mesmo resultou da inobservância por parte daquele de regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho.
Todavia, não basta que se verifique um comportamento culposo da entidade empregadora ou a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por banda da mesma entidade, para responsabilizar esta, de forma agravada, pelas consequências do acidente, tornando-se, ainda, necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
Na verdade, como é jurisprudência pacífica, o ónus de alegar e provar os factos que agravam a responsabilidade do empregador compete a quem dela tirar proveito, no caso, ao sinistrado, nos termos do artigo 342.º, n.º 2, do Código Civil.
[Processo n.º 181/07.2TUFIG.C1.S1, PINTO HESPANHOL; e, no mesmo sentido, ainda os Acórdãos do STJ seguintes: 21-06-2007, Proc.º 07S534, Bravo Serra; 19-12-2007, Proc.º 07S3381, Bravo Serrra; 3-06-2009, Proc.º 1321/05.1TBRAGH, Bravo Serra; 01-07-2009, Proc.º 823/06.7TTAVR.C1.S1, Mário Pereira; 14-04-2010, Proc.º 35/05.7TBSRQ.L1.S1, Pinto Hespanhol; 11.11.2010, Proc.º 3411/06.4TTLSB.L1.S!, Sousa Grandão; e, 09-11-2010, Proc.º 838/06.5TTMTS.P1.S1, Mário Pereira; todos disponíveis em http://www.dgsi.pt/jst].
Sendo certo que subscrevemos este entendimento global, o conjunto de linhas orientadoras que dele resulta estará necessariamente presente na apreciação que se segue.
O art.º 281.º do CT 2009, estabelece, como a própria epígrafe imediatamente elucida, “Princípios gerais em matéria de segurança e saúde no trabalho”, dele resultando, no que aqui agora releva, que o trabalhador tem direito a prestar trabalho em condições de segurança (n.º1), recaindo sobre o empregador o dever de assegurar aquelas condições em todos os aspectos relacionados com o trabalho, “aplicando as medidas necessárias tendo em conta princípios gerais de prevenção” [n.º2], para o efeito devendo “mobilizar os meios necessários, nomeadamente nos domínios da prevenção técnica, da formação (..)” [n.º3].
Como se sabe, para além destes princípios gerais, existe depois uma multiplicidade de legislação avulsa, regulando matérias de segurança e saúde no trabalho, nuns casos com um âmbito de aplicação geral, noutros atendendo à especificidade da actividade da empregadora, ou então dos trabalhos a realizar, ou ainda atendendo ao tipo de riscos para segurança e saúde no trabalho.
Antes de nos debruçarmos sobre os normativos convocados pela recorrente, importa deixar alinhados os factos relevantes da factualidade provada.
Assim:
A cobertura da oficina “situava-se a uma altura entre quatro e cinco metros do solo [facto 23].
E, “(..)era formada por telhas onduladas de fibrocimento, já antigas e desgastadas (..), assentes sobre uma estrutura de vigas dispostas e apoiadas sobre as paredes laterais do edifício [factos 19 e 20].
Essas telhas em fibrocimento “não são concebidas para suportar cargas nem o peso de pessoas a caminharem sobre elas; (..) eram facilmente quebráveis [factos 21 e 27]
Debaixo das referidas telhas de fibrocimento,” ou seja, no interior do edifício, nenhuma outra estrutura existia" [facto 22].
Não estando montada “Uma rede para amparar uma eventual queda (facto 36).
O trabalho que o sinistrado estava a executar “envolvia risco de queda para o interior do edifício. Devido ao desgaste do material em substituição” (factos 30 e 31).
No local “existia uma linha de vida; (..) fixada a um ponto resistente do imóvel [factos 39 e 45].
O gerente e o técnico de segurança da Ré “imediatamente antes do início da tarefa de substituição da cobertura explicaram aos trabalhadores como deveriam ser executados os trabalhos. Colocando-se a primeira fiada de chapas novas. Só depois de substituída a primeira fiada das chapas velhas é que o trabalho de substituição seria executado sobe a zona nova” [factos 40, 41 e 42].
Foi explicado aos trabalhadores “que não se devia pisar o telhado antigo”; e, “O técnico de seguranças impôs aos trabalhadores que efetuavam a troca das telas, o uso de arnês de segurança” [factos 43 e 44].
As novas placas a colocar “mediam cerca de um metro de largura por seis de comprimento [24].
A cobertura da oficina “era formada por duas águas. Ambas com uma inclinação inferior a dez por cento [factos 25 e 26].
Os trabalhos a decorrer obrigavam à movimentação dos trabalhadores sobre a cobertura [facto33].
No local do acidente havia espaço para montagem ou deslocação de um andaime [facto 37].
Era possível criar pontos fixos para prender uma rede sob a cobertura [facto 38]
No local existia uma linha de vida [facto 39].
Começa a Recorrente por convocar o Decreto n.º 41 821, de 11/08/1958, diploma regulamentador das normas de segurança no trabalho da construção civil, para se atender aos artigos 44 .º e 45.º, ambos referentes a “Obras em Telhados”.
No artigo 44º, dispõe-se o seguinte:
No trabalho em cima de telhados que ofereçam perigo pela inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas, tomar-se-ão medidas especiais de segurança, tais como a utilização de guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo.
§ 1º As plataformas terão a largura mínima de 0,40 m e serão suportadas com toda a segurança.
As escadas de telhador e as tábuas de rojo serão fixadas solidamente.
§ 2º Se as soluções indicadas no corpo do artigo não forem praticáveis, os operários utilizarão cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção.
E, no artigo 45º:
- «Nos telhados de fraca resistência e nos envidraçados usar-se-á das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis».
Confrontando as duas normas vê-se que têm âmbitos de aplicação distintos.
Na primeira caso pretende-se prevenir o risco de queda, em razão da “inclinação, natureza ou estado da sua superfície, ou por efeito de condições atmosféricas”, impondo-se então que sejam adoptadas “medidas especiais de segurança” , indicando a lei exemplificativamente, como meios que respondem a essa “medidas especiais de segurança”, os “guarda-corpos, plataformas de trabalho, escadas de telhador e tábuas de rojo”.
O que vale por dizer, que não basta que decorram trabalhos sobre um telhado para que seja sempre necessário recorrer a medidas especiais, nomeadamente as indicadas na lei. Essa necessidade impõe-se em razão de determinadas características do telhado – ali apontadas - ou das condições atmosféricas, que possam criar ou potenciar o risco de queda.
No segundo caso atenta-se numa outra realidade, isto é, à fragilidade do telhado, conforme resulta da expressão “fraca resistência” e da referência aos “telhados envidraçados”.
Ora, salvo melhor opinião, o caso em apreço não se enquadra na previsão do primeiro dos normativos, já que nem o telhado tinha inclinação relevante (era composto por duas águas, com inclinação inferior a 10%) e nada consta sobre condições relativas ao estado da superfície de onde pudesse decorrer o risco de escorregamento – sendo de notar que a fragilidade é tratada no artigo seguinte - ou que as condições atmosféricas fossem adversas.
Já pelo contrário, é de considerar que o disposto no art.º 45.º tem aqui aplicação, atendendo a que as telhas a substituir não eram “(..) concebidas para suportar cargas nem o peso de pessoas a caminharem sobre elas [facto 21]; e por serem facilmente quebráveis [facto 27], de tal modo que a execução dos trabalhos “envolvia risco de queda para o interior do edifício. Devido ao desgaste do material em substituição” (factos 30 e 31).
Assim sendo, nos termos do normativo em causa, atendendo à fragilidade do material a substituir, cabia usar “das prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis”. Não especificando a lei quaisquer meios especiais, como fez no anterior normativo, parece não ser de excluir que, no caso concreto, possa ser bastante o uso de cinto de segurança e linha de vida, associado ao método de trabalho que foi definido pela entidade empregadora, isto é, só depois de substituída a primeira fiada das chapas velhas (as fragéis), prosseguir o trabalho de substituição sobre a zona nova, não devendo os trabalhadores pisar o telhado antigo. Só assim não será se outro dispositivo legal exigir o uso de outro meio de protecção contra quedas, nomeadamente, colectivo.
Note-se que nenhum facto nos elucida sobre a resistência das telhas novas, não se podendo por isso rejeitar que fossem capazes de suportar o peso dos trabalhadores.
Segue-se o art.º 11.º da Portaria n.º 101/96, diploma que define as regras gerais relativas a prescrições mínimas de segurança e saúde no trabalho, a aplicar nos estaleiros temporários ou móveis, como é o caso atento o disposto no art.º 2 nº 2 º , al. c) do diploma que regulamenta, isto é, o Decreto-Lei n.º 273/2003, de 29 de Outubro.
Podemos, assim, concluir que o diploma em causa tem aqui aplicação e, logo, cumpre atender ao invocado art.º 11.º, com a epígrafe “Quedas em altura” onde se lê:
[1] Sempre que haja risco de quedas em altura, devem ser tomadas medidas de protecção colectiva adequadas e eficazes ou, na impossibilidade destas, de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
[2] Quando, por razões técnicas, as medidas de protecção colectiva forem inviáveis ou ineficazes, devem ser adoptadas medidas complementares de protecção individual, de acordo com a legislação aplicável.
Daqui decorre (n.º1), que sempre que haja risco de quedas em altura, em primeiro lugar devem ser privilegiados os meios de protecção colectiva, e só na impossibilidade destes se considerarão bastantes os meios de protecção individual. Aqueles meios de protecção colectiva devem ser adequados e eficazes. E, em qualquer dos casos, deve ser atendido o disposto na legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil.
Como antes se deixou dito, tendo em conta a altura a que decorriam os trabalhos e o facto de consistir na substituição de telhas que já vimos serem frágeis, é de concluir, para efeitos deste diploma, que no caso havia risco de quedas em altura, tendo aquele normativo aqui aplicação.
O que vale por dizer, que deveriam ter sido privilegiados meios de segurança colectiva adequados e eficazes, atendendo à “ legislação aplicável, nomeadamente o Regulamento de Segurança no Trabalho da Construção Civil”.
Ora, quanto a este último diploma, já vimos que aplicando-se aqui o art.º 45.º, dele resulta que devem ser utilizadas as prevenções necessárias para que os trabalhos decorram sem perigo e os operários não se apoiem inadvertidamente sobre pontos frágeis, mas sem indicação ou imposição de um meio específico.
Vejamos, então, o que resulta do Decreto-lei n.º 50/2005, de 28 de Fevereiro, diploma que dita as prescrições mínimas de segurança e de saúde para a utilização pelos trabalhadores de equipamentos de trabalho, em cujo preâmbulo consta referência expressa à execução de trabalhos em altura, mencionando-se que “expõe os trabalhadores a riscos elevados, particularmente quedas, frequentemente com consequências graves para os sinistrados e que representam uma percentagem elevada de acidentes de trabalho. As escadas, os andaimes e as cordas constituem os equipamentos habitualmente utilizados na execução de trabalhos temporários em altura”.
A recorrente invoca os artigos 36.º e 37.º , cujo conteúdo, na parte que aqui pode relevar, é o seguinte:
[artigo 36.º- Disposições gerais sobre trabalhos temporários em altura]
[1] Na situação em que não seja possível executar os trabalhos temporários em altura a partir de uma superfície adequada, com segurança e condições ergonómicas apropriadas, deve ser utilizado equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras.
[2] Na utilização de equipamento destinado a trabalhos temporários em altura, o empregador deve dar prioridade a medidas de protecção colectiva em relação a medidas de protecção individual.
(..)»
(Artigo 37.º - Medidas de protecção colectiva)
[1] As medidas de protecção colectiva destinadas a limitar os riscos a que os trabalhadores que executam trabalhos temporários em altura estão sujeitos devem atender ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar.
[2] Sempre que a avaliação de riscos considere necessário, devem ser instalados dispositivos de protecção contra quedas, com configuração e resistência que permitam evitar ou suster quedas em altura.
(..)»
Como se pode constatar, não há aqui qualquer imposição de um determinado meio de segurança específico. O que se determina é a utilização do “equipamento mais apropriado para assegurar condições de trabalho seguras” [n.º1, do artigo 36.º]; afirmando-se agora inequivocamente o dever de ser dada primazia aos meios de protecção colectiva, que de certo modo já decorria do art.º 11.º do Decreto-lei n.º 155/95, de 1 de Julho (n.º2, do art.º 36.º); atendendo “ao tipo e características dos equipamentos de trabalho a utilizar” (n.º 1 do art.º 37.º); e, impondo-se, ainda, o dever dos meios de segurança terem a “configuração e resistência” que, sempre que a avaliação do risco considere necessária, “permitam evitar ou suster quedas em altura”.
Em conclusão, da conjugação das normas a que nos vimos referindo, resulta que no caso concreto cabia ao empregador ter instalado um meio de protecção colectiva para protecção do risco de queda em altura, adequado e eficaz, mas optando por aquele que se mostrasse mais apropriado atendendo aos instrumentos a utilizar, salvaguardando que a sua configuração e resistência permitia evitar ou suster quedas em altura.
Nessa avaliação global do risco, no caso concreto teria, pois, que ponderar a necessidade dos trabalhadores se movimentarem sobre a cobertura para executarem os trabalhos (facto 33), o que logo exclui a adequação dos andaimes sob a cobertura, como meio de protecção colectiva, a que alude a recorrente. Os andaimes só seriam adequados se a substituição das telhas velhas fosse feita por debaixo da cobertura, não sendo esse o caso. De resto, note-se, os andaimes não se destinam a sustar a queda, mas antes a permitir a permanência e mobilidade dos trabalhadores sobre essa estrutura, com um menor risco de queda.
Cabendo, ainda, assinalar, que no caso não está em causa analisar a movimentação do trabalhador como o risco de queda para o exterior do edifício.
No entanto, já uma rede de protecção contra quedas montada sob a cobertura do telhado seria um meio de protecção colectivo adequado e possível de instalar, na medida em que “era possível criar pontos fixos para prender uma rede sob a cobertura” [facto 38] e que, pelas suas caraterísticas, permitiria sustar uma queda de qualquer trabalhador, desde que este caísse para o interior do edifício.
Assim, sendo certo que não foi montado esse meio de segurança colectivo, apesar de ser devido, adequado e possível, terá que se concluir que o empregador não respeitou o dever que, naquelas circunstâncias concretas, lhe era imposto por aqueles normativos.
Não obstante, como previamente se tomou posição, não basta que se verifique a inobservância das regras sobre segurança, higiene e saúde no trabalho por parte entidade empregadora, para automaticamente responsabilizar esta, de forma agravada, pelas consequências do acidente.
Para que tal aconteça, isto é, para que tenha aplicação o n.º1 do art.º 18.º da Lei 98/2009, é também necessária a prova do nexo de causalidade entre essa conduta ou inobservância e a produção do acidente.
Ora, esse pressuposto não se verifica no caso concreto. Se é certo que não existia aquele meio de protecção colectiva, também não o é menos que o sinistrado estava equipado com um meio de segurança individual reconhecidamente adequado a evitar a queda em altura e o embate no solo. Aliás, note-se, a própria recorrente o reconheceu quando se bateu pela descaracterização do acidente de trabalho.
Na verdade, o arnês de segurança com fixação a uma linha de vida é um equipamento de protecção individual contra quedas em altura, tal como o aponta a lei, não só no § 2º do art.º 44.º, do Decreto n.º 41 821, de onde resulta que se outro meio não for possível (que não é aqui o caso), será suficiente a utilização de “cintos de segurança providos de cordas que lhes permitam prender-se a um ponto resistente da construção”, mas também a Portaria n.º 988/93, de 6 de Outubro, em cujo anexo II, surge, como equipamento individual de protecção contra quedas, o cinto de segurança, descrito como “dispositivo de preensão do corpo”.
Justamente por isso, se o sinistrado estivesse equipado com tal meio de protecção teria sido evitável a queda com as consequências que sabemos. E, não se esgrima que tal não evitou o acidente e que se estivesse colocada a rede de protecção a queda teria sido evitada.
É certo, mas em face da matéria de facto assente, o que se pode dizer é que se o sinistrado estivesse com o cinto de segurança preso à linha de vida que estava instalada, o resultado que se verificou teria sido evitado, já que aquele meio seria suficiente para lhe sustar a queda até ao solo.
Como se afirma no Acórdão desta Relação, de 11 de Junho de 2003, “Às entidades patronais não é exigido o acompanhamento permanente de todos os trabalhadores na realização das suas tarefas, o que se tornaria de todo inviável” [CJ 2003, III. P.156].
Numa outra perspectiva, como se afirma no Acórdão do STJ de 31-10-20075, a eclosão do acidente não pode ser o ponto de partida para se ajuizar da necessidade de implementar uma determinada medida de segurança e, consequentemente, para emitir um juízo de censura relativamente à conduta adoptada pela entidade empregadora. A eventual culpa da entidade empregadora há-de ser aferida em função do circunstancialismo que se verificava antes do acidente, isto é, face às circunstâncias que ela conhecia ou tinha obrigação de conhecer antes do acidente ter ocorrido [Processo n.º 07S1517, Sousa Peixoto].
Dito por outras palavras, tendo a empregadora definido os procedimentos de segurança a serem utilizados na realização dos trabalhos, não lhe era exigível que contasse também com a eventualidade de os mesmos não serem observados por qualquer um dos trabalhadores, quer voluntária quer involuntariamente. O que aqui releva é a ponderação sobre a adequação dos meios de segurança que foram definidos para terem obstado ao acidente, desde que tivessem sido cumpridos pelos trabalhadores.
Por isso mesmo, não há um nexo causal entre a queda do sinistrado e o facto de não estar instalado um meio de protecção colectivo contra quedas, ou seja, a uma rede. O empregador disponibilizou um outro meio de segurança ao trabalhador, o arnês de segurança para ser preso à linha de vida instalada, meio que, embora individual, era igualmente adequado e suficiente a evitar o resultado que se verificou.
Para que se preenchesse o nexo de causalidade entre essa conduta do empregador, optando por aquele meio de segurança individual ao invés do meio de protecção colectiva, era necessário que se demonstrasse que o acidente sempre ocorreria mesmo que o sinistrado estivesse devidamente ligado com o arnês de segurança à linha de vida.
Finalmente, resta referir que a recorrente invocou ainda que a empregadora não deu qualquer formação ao sinistrado, apenas lhe tendo dado instruções no início dos trabalhos (concl. 12)
Como é bom de ver, ainda que esteja demonstrado esse facto, pelas razões que se acabam de expor, no caso concreto e para os efeitos invocados, o mesmo não tem a pretendida relevância. É que nada sugere, entenda-se, de nenhum facto decorre, que a atitude do sinistrado, ao não utilizar o cinto de segurança, tivesse algo a ver com a falta de formação. De resto, as instruções que lhe foram dadas, tal como aos demais trabalhadores, foram claras, suficientes e sem oferecer qualquer dificuldade de decifração para qualquer pessoa de mediana diligência e capacidade de compreensão, não se podendo esquecer que está devidamente provado que o sinistrado era experiente naquele tipo de trabalhos.
Concluindo, também esta linha de argumentação da recorrente improcede, não merecendo por isso qualquer censura a sentença recorrida.
***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas recai sobre a recorrente que, atento o decaimento, a elas deu causa.


III.DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso de apelação, mantendo a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 19 de Dezembro de 2012

Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina de Jesus Nóbrega

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