sexta-feira, 1 de fevereiro de 2013

SUSPENSÃO DO DESPEDIMENTO



Proc. Nº 1718/11.8TTLSB.L1-4     TRLisboa     28 de Setembro de 2011

Requerida a suspensão de despedimento individual, sem que tivesse sido, previamente ou no próprio requerimento da providência, requerida a impugnação da regularidade e da licitude do despedimento, deve o requerente ser convidado a aperfeiçoar o requerimento sanando tal deficiência, só devendo ser julgado extinto o procedimento se ele não acolher esse convite

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

            A, (…), instaurou em 10/5/2011 contra B, S.A., (…), o presente procedimento cautelar de suspensão de despedimento, no qual pede a condenação da requerida a “reintegrar o requerente nos seus quadros em razão da pretensão de despedimento ser irregular e ilícita nos termos da lei e, em especial, por caducidade do poder de aplicar sanção disciplinar”.
            Apresentados os autos ao Sr. Juiz com a informação de que, consultado o ficheiro da distribuição, se verificou que o requerente não apresentara, até àquela data (16/5/2011), o formulário a que se refere o art. 98ºC do CPT, foi proferido o seguinte despacho “Não tendo sido requerida a impugnação judicial da regularidade e ilicitude do despedimento no requerimento inicial, julgamos extinto este procedimento cautelar ao abrigo do disposto no art. 34º nº 4 do CPT”.
O requerente, não conformado, apelou deste despacho, formulando conclusões que, em rigor, não constituem  verdadeiras conclusões no sentido que lhes é dado pelo art. 685º-A nº 1 e 2 CPC, ou seja, a síntese dos fundamentos por que se pede a alteração ou anulação da decisão, onde se indiquem as normas jurídicas violadas, o sentido com que, no entender do recorrente, as normas que constituem o fundamento jurídico da decisão deviam ter sido interpretadas e aplicadas e, invocando-se erro na determinação da norma aplicável, a norma jurídica que, no entendimento do recorrente, devia ter sido aplicada. Desde logo, não são síntese nenhuma, pois as conclusões são mais extensas do que a própria alegação e nelas se deduzem argumentos que não constam das alegações. São sequência e desenvolvimento do corpo das alegações.
No essencial, o que decorre das conclusões do recurso é:
- há que fazer, uma interpretação  conjugada do disposto no art. 34º nº 4 e 98º-C nº 2 do CPT, que não se cinja ao elemento literal, mas atenda também aos elementos racional ou teleológico e histórico, e assim sendo, a ratio do preceito ínsito no art. 34º nº 4 é a mera economia processual: evitar a duplicação de procedimentos no que concerne à apresentação do formulário.
- Não é concebível requerer a suspensão do despedimento sem impugnar a sua regularidade e / ou ilicitude (até porque o procedimento cautelar caduca se a acção de impugnação de despedimento não for proposta (art. 40º-A al. b) CPT).
- No requerimento da providência cautelar o requerente alegou nos pontos que melhor precisa que “ocorrera a prescrição do poder disciplinar”, que “em 24/2/2011 prestou testemunho em sede disciplinar o Dr… e a partir dessa data não houve outra diligência probatória”, “Em 8/4/2011 a requerida deliberou proceder de imediato ao despedimento do requerente e este somente recebeu essa comunicação em 5/5/2011”, “A regularidade e licitude do despedimento que a requerida quer levar a cabo é ilegal porquanto…” terminando com o pedido seguinte
“...se digne condenar a requerida a reintegra o requerente nos seus quadros em razão da pretensão de despedimento ser irregular e ilícita nos termos da lei e, em especial, por caducidade do poder de aplicar sanção disciplinar condenando, por fim a requerida em custas e procuradoria”.
- O nº 4 do art. 34º do CPT não prescreve nenhuma formalidade especial para requerimento da impugnação judicial da regularidade ou ilicitude do despedimento, pelo que  poderá ser feita por qualquer meio, desde que conste do requerimento inicial da providência.
- Deve assim entender-se que as palavras usadas no pedido e na respectiva fundamentação devem equivaler (a um bonus pater famílias) ao requerimento de impugnação judicial da regularidade ou ilicitude do despedimento, pelo que se mostra cumprido o ónus imposto ao trabalhador no referido art. 34º nº 4.
- Em suma, o Tribunal recorrido violou por erro de interpretação e de aplicação o disposto nos art. 34º nº 4 e 98º-C nº 2 do CPT.
- Deve pois revogar-se o despacho recorrido, substituindo-o por outro que determine o prosseguimento dos autos.
A recorrida contra-alegou sustentando que a decisão recorrida não violou nenhum normativo legal, designadamente os indicados pelo recorrente.
 Alega que o recorrente apresentou em 24/5/2011 formulário de oposição ao despedimento, tendo já tido lugar, em 14/6/2011, a audiência de partes no âmbito do processo nº 1918/11.0TTLSB.L1, no qual a ora recorrida já apresentou a motivação do despedimento, estando marcada a audiência de julgamento para o dia 11/11/2011, conforme documentos que junta.
Subidos os autos a este tribunal, o M.P. apôs-lhes o respectivo visto, não tendo emitido parecer.

A questão a apreciar é apenas a de saber se o despacho recorrido fez correcta aplicação do disposto pelo art. 34º nº 4 do CPT.

Atenta a simplicidade dos factos relevantes, que constam com clareza do relatório antecedente, dispensamo-nos de os elencar, dando-os por reproduzidos.

Apreciação
Entre as alterações introduzidas no CPT pela revisão operada através do DL 295/2009, de 13/10, conta-se como particularmente significativa a criação, para dar exequibilidade ao disposto no art. 387º do CT de 2009, de uma nova acção declarativa de condenação, com processo especial, para impugnação da regularidade e da licitude do despedimento individual, que tem a particularidade de se iniciar através de um requerimento constituído por um simples formulário, a apresentar (por via electrónica ou em papel), pelo trabalhador, no prazo de 60 dias subsequentes à comunicação, por escrito do despedimento (art. 98º-B a 98ºM), cabendo ao empregador, após uma audiência de partes, apresentar articulado a motivar o despedimento, que o trabalhador pode contestar deduzindo, em reconvenção, os créditos emergentes da cessação ou outros emergentes do contrato. Uma das particularidades deste novo processo é a sua natureza urgente.
No capítulo relativo aos procedimentos cautelares procedeu-se à fusão dos procedimentos especificados de suspensão de despedimento (art. 34º a 40ºA), desaparecendo assim as diferenças na tramitação da suspensão de despedimento individual (disciplinar) e a suspensão de despedimento colectivo, bem como a dúvida, que sempre se suscitava e gerou orientações jurisprudenciais contraditórias, sobre a forma adequada à suspensão do despedimento individual não disciplinar (por extinção do posto de trabalho ou por inadaptação).
O significativo encurtamento do prazo para a propositura da acção de impugnação do despedimento individual (que passou de um ano para sessenta dias) e, por outro lado, a atribuição a essa acção de natureza urgente tenderão a fazer baixar consideravelmente o número de pedidos de suspensão de despedimento, mas continua a poder ser requerida a suspensão nos casos de despedimento individual comunicados por escrito.
Para essas situações dispõe o art. 34º nº 4 do CPT
“A impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento deve ser requerida no requerimento inicial, caso não tenha ainda sido apresentado o formulário referido no art. 98ºC, sob pena de extinção do procedimento disciplinar.”
Por sua vez o art. 98º-C dispõe no nº 2 “Caso tenha sido apresentada providência cautelar de suspensão preventiva do despedimento nos termos previstos no art. 34 e seguintes, o requerimento inicial do procedimento cautelar do qual conste que o trabalhador requer a impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento dispensa a apresentação do formulário referido no número anterior”.
Decorre com toda a clareza destes dois preceitos que, em caso de despedimento individual, comunicado por escrito, havendo requerimento de suspensão do despedimento (o que necessariamente terá de acontecer no prazo de cinco dias úteis a contar da recepção da comunicação – cfr. art. 386º CT), a acção principal, caso não tenha já sido desencadeada[1]  - terá de o ser no próprio requerimento de suspensão. O trabalhador terá, pois, de requerer a impugnação judicial da regularidade e da licitude do despedimento no próprio requerimento de suspensão, sob pena de extinção do procedimento cautelar. O legislador pretende, pois, que a acção principal, nos casos a que é aplicável o processo especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, não seja proposta depois do procedimento cautelar.
Alega o recorrente que o art. 34º nº 4 não prescreve nenhuma formalidade especial para o requerimento de impugnação da regularidade e da ilicitude do despedimento e que, uma vez que várias vezes referiu no seu requerimento que considerava a despedimento ilícito e irregular e que não é concebível requerer a suspensão sem impugnar a irregularidade ou ilicitude do despedimento, se deve entender que deu cumprimento ao preceito.
Não tem razão. É inequívoco que a lei exige que, em caso de requerimento de suspensão de despedimento, seja (se porventura o não foi antes), requerido também expressa e simultaneamente a impugnação da regularidade e da licitude do despedimento, sendo, nesse caso, dispensada a apresentação do formulário. Trata-se, pois, de um requisito formal específico que não pode deixar de ser satisfeito. E, no caso, é evidente que não o foi, dado tal requerimento não ter sido formulado.
É bem verdade que o recorrente alegou em vários passos do seu requerimento que considera o despedimento irregular e ilícito, como tem de o fazer quem quer que requeira a suspensão do respectivo despedimento, já que lhe cabe invocar como fundamento de tal pretensão os motivos que a justifiquem e que configurem probabilidade séria de ilicitude, pelo que, ainda que não requeira expressamente a impugnação da regularidade e licitude do despedimento, sempre terá de invocar essa irregularidade ou ilicitude. Mas, salvo o devido respeito, essa invocação não basta para que se considere preenchido o disposto no art. 34º nº 4, uma vez que a lei é clara em exigir que haja  requerimento expresso.
Porém, não obstante o requerente não ter formulado expressamente tal requerimento não cremos que seja a mais correcta a orientação adoptada pelo Sr. Juiz recorrido, de declarar de imediato a extinção do procedimento cautelar. Entendemos, com Abrantes Geraldes[2] que “a omissão de tal pedido complementar traduz um articulado irregular, devendo ser submetido a um despacho de aperfeiçoamento, nos termos do art. 54º nº 1 do CPT. O efeito extintivo do procedimento deverá ser reservado para os casos em que o requerente não acolha o convite que lhe seja dirigido.” É que, segundo o mesmo autor “A aludida extinção não corresponde a um efeito típico do indeferimento liminar, que nos termos do art. 234º-A do CPC está reservado para casos de manifesta improcedência ou de verificação de excepções dilatórias insupríveis, o que não ocorre naquela situação, que encontra mais semelhanças com o regime de extinção dos procedimentos cautelares previsto no art. 389º nº 1 CPC. Por isso mesmo, não existe uma imposição quanto ao decretamento de indeferimento liminar imediato com esse fundamento.”
É que, compreendendo-se o propósito do legislador de procurar dar maior “celeridade, eficácia e funcionalidade a um processo que acompanhe as novas realidades das relações de trabalho, em nome da rapidez de resposta que a conflitualidade laboral exige, em benefício da segurança jurídica, dos trabalhadores, dos empregadores e da economia em geral”[3], para o que, sem dúvida, contribui não só a propositura simultânea da acção principal e do procedimento cautelar,  como a  conjugação das diligências previstas nos art. 36º e 98º- I do CPT, poupando-se assim tempo e esforços, às partes e ao tribunal e obtendo-se efectiva economia processual, com vista a alcançar mais rapidamente o objectivo que é a resolução do litígio, já não se compreende, todavia, que esse interesse imponha e justifique que seja coarctado a um trabalhador despedido, que considera o seu despedimento irregular ou ilícito, o direito de ver apreciado o pedido de suspensão do despedimento, apenas porque deixou de formular expressamente no requerimento de suspensão o requerimento de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento, quando é manifesto que só por mero lapso omitiu esse requerimento.
O despacho recorrido foi, pois, em nosso entender, precipitado, devendo previamente ter sido convidado o requerente a corrigir o requerimento, em prazo a fixar, de forma a nele requerer, simultaneamente a acção de impugnação da regularidade e da licitude do despedimento, apenas se devendo julgar extinto o procedimento cautelar se o requerente não acolhesse o convite.
Entendemos assim, embora por razões não coincidente inteiramente com as invocadas pelo recorrente, que o despacho recorrido deve ser revogado, ordenando-se o prosseguimento dos termos do procedimento cautelar, todavia, sem o convite ao aperfeiçoamento, porquanto este perdeu, entretanto, oportunidade, ficando prejudicado, uma vez que o recorrente desencadeou, após o despacho recorrido, a acção especial de impugnação da regularidade e licitude do despedimento, através de formulário. Não há pois fundamento que justifique a declaração de extinção do procedimento, que deve, por conseguinte, prosseguir os respectivos termos.

Decisão
Pelo exposto, acordam os juízes deste Tribunal da Relação em dar provimento ao recurso, revogando o despacho recorrido e ordenar o prosseguimento dos autos.
Custas pela recorrida.

Lisboa, 28 de Setembro de 2011

Maria João Romba
Paula Sá Fernandes
José Feteira
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[1] O que, temos de o reconhecer, será muito pouco provável.
[2]
Suspensão de Despedimento e Outros Procedimentos Cautelares no Processo do Trabalho, Almedina. 2010, pag. 39
[3]
Como se refere na exposição de motivos da proposta de lei nº 284/X (4ª) – DAR IIª Série, de 16/5/2009

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