terça-feira, 1 de outubro de 2013

CONTRATO DE TRABALHO - JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO - NÃO PAGAMENTO DA RETRIBUIÇÃO - IMPUTAÇÃO DO CUMPRIMENTO



Proc. Nº 265/11.2TTFUN.L1-4               TRLisboa     19 Jun 2013

I - O empregador é obrigado a emitir documento comprovativo do pagamento da retribuição ao trabalhador (art. 276º nº 3 do CT), podendo exigir-lhe documento de quitação (art. 787º CC).
II - Numa acção emergente de contrato de trabalho em que o A. invoca falta de pagamento de salários e a R. alega ter procedido ao pagamento através de depósitos bancários na conta da A. e, outras vezes, em numerário, não faz sentido que esta procure inverter o ónus de prova do pagamento, que sobre ela recai, requerendo, ao abrigo do art. 528º do CPC, que a trabalhadora junte comprovativos dos depósitos efectuados na respectiva conta. III - Ainda que a trabalhadora tenha sido notificada como requerido e não junte tais documentos, não se dá inversão do ónus da prova, por não se vislumbrar motivo que justifique que a própria R. (alegada depositante) não disponha de tais documentos, e, caso visasse dessa modo provar depósitos efectuados pela A. na sequência do pagamento em numerário, isso nem sequer ter sido alegado.
IV - Embora não tenha sido feita prova dos meses de retribuição a que se reportavam os pagamentos efectuados, uma vez que se trata de dívidas da mesma espécie (retribuições), ao mesmo credor, na falta de acordo das partes sobre a qual das dívidas imputar os pagamentos realizados, o primeiro critério é o da designação do devedor (art. 783º nº 1), desde que, tratando-se de dívida ainda não vencida, caso o prazo tenha sido estabelecido em benefício do credor, não haja oposição deste, assim como, se a dívida indicada for de montante superior, não haja igualmente oposição do credor ao pagamento parcial

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA intentou a presente acção emergente de contrato individual de trabalho com processo comum contra BB-(…), pedindo que a mesma fosse julgada procedente por provada e, em consequência fosse:
a) declarada a justa causa de resolução do contrato por parte do trabalhador;
b) a R. condenada  a pagar à Autora uma compensação por violação do direito a férias, calculada nos termos do art. 246º, nº 1 do Código do Trabalho, Lei nº 7/2009, de 12 de Fevereiro que se traduz no valor de €1.734,03;
c) a R. condenada a pagar à A. uma indemnização, calculada nos termos do nº 1 do artigo 396º do supra mencionado diploma legal, que se cifra em €1.734,03 na data da propositura, acrescida de juros legais desde a data da citação até integral pagamento;
d) a R. condenada a pagar ao A. a quantia de €7.490,16, referente a prestações pecuniárias já vencidas, bem como as vincendas até à data do trânsito em julgado da sentença, a liquidar em execução desta, tudo acrescido de juros à taxa legal, até integral pagamento, sendo a quantia já vencida desde a data da citação e as prestações vincendas desde a data em que se forem  vencendo.
Alegou para tanto e em síntese que celebrou com a Ré um contrato de trabalho pelo prazo de um ano, no dia 2.03.2009, o qual entrou em vigor nessa data, passando a exercer funções de empregada de mesa de 1ª. Auferia o vencimento mensal de € 554,28. Às relações entre as partes aplica-se o Contrato Colectivo de Trabalho Para o Sector Similares de Hotelaria, outorgada entre a Associação (…) - Câmara de Comércio e Indústria da (…) e a FESAHT. Em 30 de Julho de 2010, a A. comunicou à R. a cessação do contrato de trabalho celebrado, com efeitos a partir da recepção da carta, por falta de pagamento pontual das retribuições. Não foram pagas as retribuições dos meses de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro e Dezembro de 2009, Abril, Maio e Junho de 2010, assim como o subsídio de férias e Natal de 2009 e o subsídio de Natal proporcional à duração do trabalho prestado de 2010. Durante a vigência do contrato de trabalho, a A. não gozou férias, nem recebeu o respectivo subsídio.
A Ré contestou, sustentando, em síntese, que a A. abandonou o seu posto de trabalho no dia 26 de Junho de 2010, sem pré-aviso, pelo que, em reconvenção, pede a condenação da mesma a pagar-lhe, de acordo com o art. 401º do CT/2009, a indemnização de € 1108,56.
Concluiu pela improcedência da acção e procedência da reconvenção.
Foi proferido despacho saneador com selecção dos factos assentes e da base instrutória.
Realizou-se audiência de julgamento, a que se seguiu a prolação da sentença que:
1- Julgou a acção parcialmente procedente e, em consequência:
a) Declarou a justa causa de resolução do contrato por parte da Autora/ trabalhadora;
b) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €1.734,03 (mil, setecentos e trinta e quatro euros e três cêntimos), a título de indemnização por antiguidade;
c) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €3.056,52 (três mil, cinquenta e seis euros e cinquenta e dois cêntimos), a título de retribuições em dívida;
d) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €481,70 (quatrocentos e oitenta e um euros e setenta cêntimos), a título de subsídios de férias e Natal do ano de 2009;
e) Condenou a Ré a pagar à Autora a quantia de €337,17 (trezentos e trinta e sete euros e dezassete cêntimos), a título de proporcional do subsídio de Natal do ano de 2010.
f) Condenou ainda a Ré a pagar juros de mora à taxa legal em vigor sobre as quantias acima referidas desde a citação até integral pagamento.
2. Julgou improcedente a acção, com a consequente absolvição da Ré do pedido de pagamento à Autora de uma compensação por violação do direito a férias.
2. Julgou improcedente por não provado o pedido reconvencional, com a consequente absolvição da Autora do pedido.
            A R. apelou, formulando nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
            (…)
            A A. não contra-alegou.
            Subidos os autos a este tribunal, o M.P. emitiu o parecer de fls. 206, favorável à confirmação da sentença.

            Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões alegatórias do recorrente, decorre das conclusões antecedentes que as questões que vêm suscitadas são, por um lado, a de saber se o tribunal recorrido errou na apreciação da prova e, consequentemente deve ser alterada a matéria de facto nos pontos impugnados; por outro lado, se errou igualmente na aplicação do direito, no que se refere à justa causa de resolução do contrato pela trabalhadora.

Discutida a causa resultaram provados os seguintes factos:
1. A A. foi admitida a trabalhar, sob a autoridade e direcção da ré, em 2 de Março de 2009.
2. Celebrou um contrato de trabalho em 2 de Março de 2009, o qual entrou em vigor nessa mesma data.
3. A A. foi contratada para exercer as funções correspondentes à categoria profissional de empregada de mesa de 1ª.
4. O contrato foi celebrado pelo prazo de seis meses.
5. Auferia o vencimento mensal de € 554,28.
6. A A. tinha um período normal de trabalho de 40 horas semanais, as quais eram distribuídas da seguinte forma: das 11h00 às 15h00 e das 18h00 às 22h00.
7. Em 30 de Julho de 2010, a Autora comunicou à Ré a cessação do contrato de trabalho entre ambas celebrado, com efeitos a partir da recepção da carta, a qual ocorreu nessa mesma data, invocando como fundamento a falta de pagamento da totalidade do vencimento de Agosto, Setembro, Outubro, Novembro, Dezembro, subsídio de férias (não gozadas) e subsídio de Natal de 2009, Abril, Maio e Junho de 2010, bem como as diferenças de ordenado referentes a Março, Abril, Maio, Junho e Julho de 2009, Janeiro, Fevereiro e Março de 2010.
8. No dia 31 de Agosto de 2009, a Ré efectuou depósito em numerário na conta bancária da Autora no valor de €245,72.
9. No dia 21 de Setembro de 2009 foi efectuado pela Ré, depósito em numerário, na conta bancária da Autora no valor de €245,72.
10. No dia 30 do mesmo mês foi novamente depositado em numerário na conta bancária da Autora, o valor de €493,91.
11. No dia 27 de Abril de 2010 a Ré efectuou um depósito bancário na conta da A. no valor de €300,00.
12. No dia 10 de Maio de 2010 a Ré transferiu a quantia de €554,50 para a conta bancária da Autora.
13. No dia 9 de Junho de 2010 foi depositado, em numerário na conta bancária da Autora a quantia de €300,00.

          Apreciação
          (…)

          Da questão de direito
          Mesmo improcedendo a impugnação da matéria de facto, a recorrente vem pôr em causa a apreciação jurídica efectuada na sentença, considerando que interpretou e aplicou mal o regime consagrado nos art. 394º nºs 1, 2 al. a) e 3 e  395º nºs 1 e 2 do CT/2009, pois não se mostra preenchido quer o requisito do decurso de 60 dias sobre a mora no pagamento de cada retribuição, quer o requisito de a resolução ter lugar no prazo de 30 dias subsequentes ao termo daquele outro prazo de 60 dias, como hoje claramente resulta do código.
            Sustenta ainda que, por não ter dado como provados os meses a que diziam respeito os pagamentos efectuados, não podia o Sr. Juiz fazer a necessária análise e aplicação do direito aos factos, apesar de a Ré ter alegado na sua contestação que a Autora/Trabalhadora não resolveu o seu contrato de trabalho com respeito pelos prazos estipulados nos referidos artigos. E acrescenta que tão pouco era legítimo ao Tribunal a quo imputar os pagamentos ao montante global alegadamente em dívida, ou a períodos anteriores àqueles em que os pagamentos foram feitos, até porque a própria Autora não o fez na sua petição inicial (tendo assumido que as retribuições de Janeiro, Fevereiro e Março de 2010 estavam em dívida, mas tendo peticionado valores referentes a meses anteriores e posteriores a esse).
Com efeito o Sr. Juiz, visto que não se provaram os meses a que se reportavam os pagamentos efectuados, considerou que se deveria imputar o valor pago (€ 2.139,85), ao total de retribuições reclamado (€5.196,37), assim chegando ao valor em dívida, € 3.056,52, donde concluiu que assistiu à A. justa causa subjectiva para resolver o contrato.
Para apreciar esta questão há que atentar no preceituado pelos art. 783º e 784º do CC, sobre imputação de cumprimento. Embora não tenha sido feita prova dos meses de retribuição a que se reportavam os pagamentos efectuados, uma vez que se trata de dívidas da mesma espécie (retribuições), ao mesmo credor, na falta de acordo das partes sobre a qual das dívidas imputar os pagamentos realizados, o primeiro critério é o da designação do devedor (art. 783º nº 1), desde que, tratando-se de dívida ainda não vencida, caso o prazo tenha sido estabelecido em benefício do credor, não haja oposição deste, assim como, se a dívida indicada for de montante superior, não haja igualmente oposição do credor ao pagamento parcial[1].
Uma vez que a recorrente procedeu a essa imputação na contestação e apesar de num caso (o depósito de € 245,72 em 21/9/2009) imputar tal pagamento a dívida ainda não vencida (“por conta do subsídio de Natal”), não se mostra que tivesse havido oposição da A. à imputação nesses termos, o mesmo sucedendo relativamente aos demais casos (excepto o depósito de € 554,50 em 10/5/2010, que é imputado ao pagamento da retribuição de Abril de 2010) relativamente aos quais a R. imputa os pagamentos a dívidas de valor superior, tratando-se pois de pagamentos parciais, mas que não consta ter tal imputação merecido oposição da A..
Assim, sendo de aceitar a imputação efectuada pelo devedor, em conformidade com o disposto pelo art. 783º do CC, temos de considerar que o depósito referido no ponto 8 constitui pagamento parcial da retribuição de Agosto de 2009, o referido no ponto 9 refere-se a adiantamento parcial do subsídio de Natal de 2009, o referido no ponto 10 diz respeito a retribuição do mês de Setembro de 2009, o referido no ponto 11, constitui pagamento parcial do salário do mês de Abril/2010, sendo igualmente para pagamento do salário do mês de Abril/2010 o depósito efectuado em 10/5/2010, a que se refere o ponto 12 e, por último, o depósito referido no ponto 13 destinava-se a pagamento parcial da retribuição do mês de Maio/2010.
Ora, admitida a imputação de cumprimento nos termos referidos, em conformidade com o disposto pelo art. 783º do CC, verifica-se que assiste razão à recorrente quanto à caducidade do direito de resolver o contrato de trabalho com fundamento na falta de pagamento da retribuição, uma vez que não foi observado o prazo definido no art. 395º nº 1 do CT, que, como explicitamente dispõe o nº 2 do mesmo artigo, nos casos a que se refere o nº 5 do artigo antecedente (a falta de pagamento pontual da retribuição que se prolongue por período de 60 dias, ou quando o empregador, a pedido do trabalhador, declare por escrito a previsão de não pagamento da retribuição em falta até ao termo daquele prazo) o prazo para a resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador.
Ora, relativamente à data em que foi resolvido o contrato (30/7/2010) verifica-se que estava em dívida: parte da retribuição de Maio/2010 (da qual fora pago apenas € 300) e a totalidade da retribuição de Junho/2010, mas sobre as respectivas datas de vencimento não havia decorrido ainda o prazo de 60 dias, nem a R. tinha emitido declaração de previsão de não pagamento nesse prazo. A retribuição de Abril de 2010 mostrava-se totalmente paga. Havia efectivamente retribuições em dívida, totais ou parciais, do período anterior a Abril de 2010, mas, relativamente a essas, o período de 30 dias subsequente ao de 60 após o respectivo vencimento, que era aquele em que a resolução com justa causa podia ter lugar, já se tinha esgotado, fazendo caducar, consequentemente, o direito de resolver o contrato com justa causa.  
A resolução produz efeitos, “mas inutilizam-se as vantagens da qualificação de justa causa”[2].
No domínio da lei anterior considerávamos que, tratando-se de uma situação continuada  e sucessiva de atraso no pagamento dos salários, cuja gravidade para o trabalhador aumentava com o decurso do tempo, a contagem do prazo de caducidade do direito de resolver o contrato não se iniciava enquanto as retribuições estivessem em dívida, mas, face ao disposto actualmente pelo nº 2 do art. 395º do CT aprovado pela L. 7/2009, de 12/2, afigura-se-nos não ter esse entendimento suporte na lei.
Em face do exposto, não acompanhamos a decisão recorrida quanto  condenação da R. em indemnização por antiguidade, uma vez que não há que apreciar a justa causa por a resolução não ter sido tempestiva, havendo por conseguinte que revogar as al. a) e b) do ponto 1 do dispositivo, mantendo incólumes as demais alíneas desse ponto.
Em consequência da inutilização das vantagens da qualificação de justa causa na resolução do contrato de trabalho, impõe-se alterar igualmente a apreciação do pedido reconvencional.
A R. deduziu contra a A. pedido de indemnização de € 1.108,56 nos termos do art. 401º do CT.
Dispõe o art. 399º do CT “Não se provando a justa causa de resolução do contrato, o empregador tem direito a indemnização dos prejuízos causados, não inferior ao montante calculado nos termos do art. 401º.”
E o art. 401º por sua vez estabelece “O trabalhador que não cumpra, total ou parcialmente, o prazo de aviso prévio estabelecido no art. anterior, deve pagar ao empregador uma indemnização de valor igual à retribuição base e diuturnidades correspondentes ao período em falta, sem prejuízo de indemnização por danos causados pela inobservância do prazo de aviso prévio ou de obrigação assumida em pacto de permanência.”
Atenta antiguidade do contrato, o prazo de aviso prévio era no caso de 30 dias (art. 400º CT).
A R. não alegou nem provou outros danos, pelo que tem direito a indemnização de € 578,01 (valor da retribuição devida ao empregado de mesa de 1ª, em empresas do grupo III, de acordo com a tabela do CCT publicada no JORAM III Série de 4/1/2010), pelo que o pedido reconvencional procede apenas nessa medida.

            Decisão
Em face do que ficou exposto acorda-se em julgar parcialmente procedente o recurso, alterando a sentença nos seguintes termos:
- são revogadas as al. a) e b) do nº 1 do dispositivo.
- o nº 2 passa a ter a seguinte redacção: julgar parcialmente procedente o pedido reconvencional, condenando a A. a pagar à R. a quantia de € 578,01 e absolvendo-a do restante.
Custas, nas duas instâncias, por ambas as partes na proporção do decaimento.
            Lisboa, 19 de Junho de 2013

            Maria João Romba

            Filomena Manso de Carvalho

            Duro Mateus Cardoso


[1]
Vide, Antunes Varela, das Obrigações em Geral, Almedina, II vol., 7ª ed., pag. 56  e seg.: Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Almedina, 7ª ed., pag. 916 e seg.
[2]
Cfr. Pedro Furtado Martins, Cessação do Contrato de Trabalho, Principia, 3ª ed., pag. 530/531

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