terça-feira, 1 de outubro de 2013

ACIDENTE DE TRABALHO – PENSÃO – REMIÇÃO - TRABALHADOR ESTRANGEIRO - PRINCÍPIO DA IGUALDADE



 Proc. Nº 2103/03.0TTLSB.L1-4                   TRLisboa                                26 Jun 2013


I - Não existe violação do princípio da igualdade quando, a um sinistrado do trabalho afectado de IPATH e 5% de IPP decorrentes de acidente de trabalho sofrido em 2001 que requereu a remição da totalidade da pensão, se recusa aplicar o disposto no nº 3 do art. 75º da L. 98/2009, de 4/9, ainda que o mesmo tenha declarado pretender deixar definitivamente o país.
II - Além de o regime desta lei 98/2009 (que constitui a mais recente LAT), não ser aplicável no caso, em conformidade com o princípio geral da não retroactividade da lei, mesmo que porventura o sinistrado tivesse obtido o acordo da entidade responsável quanto à remição da totalidade da pensão (o que, por sinal, também não sucede), o facto de ser cidadão nacional, é fundamento bastante para que não possa ser autorizada a remição da totalidade da pensão.
III - Sendo todo o cidadão português, mesmo que se encontre ou resida no estrangeiro, merecedor da protecção do Estado para o exercício dos direitos (art. 14º CRP), isso justifica a proibição da remição da totalidade de pensão de acidente de trabalho por situações de elevada incapacidade, que tem como desiderato a protecção dos cidadãos afectados de tal elevada incapacidade de situações em que, no futuro mais ou menos longínquo, se vejam totalmente destituídos de qualquer rendimento substitutivo do trabalho, que lhes permita fazer face às necessidades de subsistência.
IV - Havendo, pois, fundamento material bastante para a diferenciação de tratamento, não tem cabimento falar, no caso, em violação do princípio da igualdade

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

          Nos presentes autos emergentes de acidente de trabalho, em que é A. o sinistrado AA e R. a “BB, Cª de Seguros, S.A.”  foi esta, pelo acórdão deste tribunal de fls. 580 e seg., condenada, além do mais, a pagar ao A., pela IPATH e IPP de 5% que o afecta em resultado do acidente dos autos,  uma pensão anual e vitalícia  no montante de € 11.321,55 com efeitos desde 3/4/2001, a qual tem vindo a ser actualizada.
          Requerida pelo A. a remição integral da pensão (fls. 623), foi, pelo despacho de fls. 733 autorizada a remição parcial, no montante máximo de € 4.322,77, que foi entregue em 6/7/2012 (cfr. fls. 750).
          Em 17/9/2012 o sinistrado, alegando pretender abandonar definitivamente Portugal e ir trabalhar e residir para o estrangeiro, para um país comunitário, veio requerer, ao abrigo do disposto pelo art. 75º nº 3 da L. 98/2009, de 4/9 - dado, em seu entender, não haver razões para que esteja vedada a cidadãos nacionais a aplicação de tal norma, o que configura discriminação ilegítima - a notificação da R. para se pronunciar sobre se aceita a remição integral da pensão e, em caso afirmativo, seja a mesma decretada.
A R., notificada, nada disse, mas o M.P. promoveu que se indeferisse a pretensão do sinistrado, o que mereceu o acordo do Sr. Juiz no despacho de fls. 767, que, na parte relevante passamos a transcrever:
“(…) Como bem refere a Dª Magistrada do Mº Público, atento o disposto no nº 1 do art. 187° da mencionada Lei nº 98/2009, tal normativo não é aplicável ao acidente a que se reportam estes autos.
Na verdade, em face do disposto no mencionado preceito, a nova lei dos acidentes de trabalho só é aplicável aos acidentes ocorridos após a sua entrada em vigor.
Ora, como decorre do art. 188º da mesma Lei, esta só entrou em vigor a 01/01/2010 e, como resulta dos autos, o acidente de que foi vitima o autor ocorreu a 29/03/2001.
Assim, não poderá ser atendida a pretensão do autor, sendo que, salvo melhor opinião, o referido art. 187º, nº 1, da Lei nº 98/2009 de 04/09, não padece de inconstitucionalidade, designadamente por violação do princípio da igualdade.
Nestes termos, indefiro à remição da pensão, nos termos requeridos pelo autor, nada mais havendo a acrescentar ao decidido no despacho de fls. 733, supra referido”
            O sinistrado inconformado, interpôs recurso, deduzindo nas respectivas alegações as seguintes conclusões:
(…)
            A recorrida contra-alegou, concluindo por sua vez:
(…)

            Cumpre apreciar e decidir
            Como decorre das conclusões alegatórias do recorrente, o objecto do recurso consiste apenas na questão de saber se “o entendimento do artigo 187º da Lei 98/2009, secundado pelo despacho recorrido, que recusa a aplicação da faculdade prevista no n.º 3 do artigo 75º da Lei 98/2009, porquanto o acidente em causa é anterior à entrada em vigor da dita Lei, viola o princípio constitucional da igualdade (art. 13º)”.
            A matéria de facto relevante resulta com clareza do relatório, pelo que nos dispensamos de a repetir dando-a por reproduzida.
            Adiante-se desde já a total falta de razão do recorrente: Não faz sentido, salvo o devido respeito, invocar violação do princípio constitucional da igualdade na interpretação dada pela decisão recorrida à norma do art. 187º da lei dos acidentes de trabalho e doenças profissionais aprovada pela L. 98/2009, de 4/9, que determina que o disposto no respectivo capítulo II (ou seja, aquele que disciplina precisamente os acidentes de trabalho, no qual se insere o art. 75º, sobre condições de remição) se aplica apenas a acidentes de trabalho ocorridos após a entrada em vigor desta lei.
O sentido que o tribunal recorrido deu à referida norma é o que resulta do seu teor literal e do espírito, não só da própria lei, como do sistema, já que um dos princípios basilares do nosso sistema jurídico é justamente a não retroactivade das leis, ou seja, que estas, em regra, apenas dispõem para o futuro (art. 12º do CC),
Trata-se afinal de uma norma que confere segurança jurídica e tutela a confiança no sistema.
Ainda que eventualmente e em abstracto, razões de ordem material pudessem porventura exigir que se procedesse à aplicação retroactiva de algumas normas da lei nova, não cremos que seja o que sucede no caso vertente, no que respeita à aplicação do disposto pelo art. 75º nº 3 da L. 98/2009, como o recorrente pretende, porquanto a situação do recorrente (para além de o acidente ter ocorrido em 2001, portanto muito tempo antes da entrada em vigor desta lei, o que apenas sucedeu em 1/1/2010) também não preenche a previsão do mencionado art. 75º nº 3, mais precisamente, que o sinistrado seja trabalhador estrangeiro e, por outro lado, que haja acordo entre o sinistrado e o responsável quanto à remição total do capital de remição (apesar de a pensão não ser obrigatoriamente remível).
Assim, não se encontrando reunidos os pressupostos para a aplicação do preceituado no citado art. 75º nº 3 da L. 98/2009, visto o recorrente não se encontrar na situação ali prevista, não pode, em rigor, considerar-se violado o princípio constitucional da igualdade.
Além do mais, há razões válidas que justificam a diferença de tratamento entre a situação do ora recorrente (mesmo que manifeste intenção de abandonar definitivamente o país) e a hipótese legal do mencionado art. 75º nº 3. O ser cidadão português (e, portanto merecedor da protecção do Estado Português, mesmo quando se encontre ou viva no estrangeiro – art. 14º da Constituição) é motivo bastante para fundamentar a diferença de tratamento em causa. A questão não diz respeito apenas à situação no imediato e no curto prazo, dado que o impedimento legal à remição total de pensões por situações de elevada incapacidade tem a ver sobretudo com a protecção do sinistrado no futuro, portanto sobretudo no médio e longo prazo. O legislador quis proteger os cidadãos afectados de incapacidade em elevado grau resultantes de acidentes de trabalho de situações em que, no futuro mais ou menos longínquo, se vejam totalmente destituídos de qualquer rendimento substitutivo do trabalho e que lhes permita fazer face às necessidades de subsistência. É esse desiderato que subjaz ao impedimento legal à remição total dessas pensões. Relativamente aos cidadãos estrangeiros o Estado Português assume esse desiderato enquanto os mesmos forem residentes no seu território (art. 15º da Constituição). Não assim relativamente aos cidadãos nacionais em que o dever de protecção permanece mesmo quando residam no estrangeiro.
Havendo, pois, fundamento material bastante para a diferenciação de tratamento, não tem cabimento falar em violação do princípio da igualdade.
            Em suma, não procedem os fundamentos do recurso, que por isso deve improceder.

            Decisão
            Em face do exposto acorda-se em julgar improcedente o recurso, confirmando a decisão recorrida.
            Custas pelo recorrente.
            Lisboa, 26 de Junho de 2013

            Maria João Romba

            Paula Sá Fernandes

            Filomena de Carvalho

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