quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

CONDOMÍNIO - CONTRATO DE TRABALHO - CASA DE PORTEIRO - RETRIBUIÇÃO MISTA - CESSAÇÃO



Proc. Nº 3959/09.9TBOER.L2-7                  4  Dezembro 2012     TRLisboa


I-É do conhecimento comum que a grande maioria dos contratos para o exercício da profissão de Porteiro inclui, para além da parte remuneratória, a concessão de um espaço para habitação, espaço esse que é propriedade comum dos condóminos, e assim inscrito na própria propriedade horizontal do prédio, destinado à habitação do porteiro.
II-A utilização desse espaço [casa da porteira] está, como decorre linearmente do próprio exercício da profissão, ligado à efectiva prestação daquele serviço.
III- Como complemento da própria remuneração em dinheiro, o valor de utilização de tal espaço tinha de ser discriminado, por forma a permitir a individualização de cada um destes quantitativos e encontrar o montante global auferido pelo exercício das funções de porteira, discriminação essa imperativa até para efeitos de subsídios, contribuições e prestações por doença.
IV-E é esta indissociabilidade entre a remuneração e o alojamento, na economia do contrato de porteira, que permite afirmar que, cessando o exercício desta prestação de trabalho, cessa também, automaticamente, o alojamento do espaço cedido como complemento daquela actividade.
V-Durante o período de baixa da R., muito embora não houvesse lugar à prestação dos serviços de porteira, decorrente da própria situação de doença, não deixou de haver lugar à obrigação desta proceder ao pagamento da quantia devida pelo alojamento, obrigação essa que apenas cessou com a própria cessação do contrato de trabalho, que aqui teve lugar pelo limite de idade da própria R.

Acordam na 7.ª Secção do Tribunal da Relação de Lisboa

I. RELATÓRIO

O Condomínio do prédio constituído em propriedade horizontal, sito na …, em O…, intentou acção declarativa de condenação, com processo ordinário, contra M., pedindo a sua condenação a reconhecer o A. como legítimo dono, possuidor e administrador do local da casa de porteira daquele prédio urbano, condenando-a a entregar-lhe o referido local destinado a porteira, livre e devoluto de pessoas e bens, bem como no pagamento de uma indemnização pela ocupação indevida dessa casa, desde, pelo menos, Fevereiro de 2004 até à sua entrega efectiva, no valor correspondente a uma renda mensal em vigor, na área do prédio, a liquidar em execução de sentença.

Para o efeito, alegou, em súmula, que em 31 de Julho de 1976 celebrou com a Ré um contrato de trabalho pelo qual esta passou a exercer as funções de porteira do prédio, funções que exerceu até Fevereiro de 2004.

A Ré, porém, entrou em baixa médica em 27 desse mesmo Fevereiro deixando, a partir de então, de comparecer e de residir no local destinado à porteira.

Por diversas vezes, sendo a última delas em 09 de Março de 2006, o A. comunicou à Ré que esta teria de desocupar a casa destinada à porteira, sem que a mesma o tenha feito.

Defende, assim, que tendo o contrato de trabalho caducado, caducou também o inerente direito de habitação da porteira, devendo a Ré entregar-lhe a casa destinada a essa actividade, livre e devoluta, para além de proceder ao pagamento da indemnização acima peticionada.

Tendo a Ré sido citada sem que fosse apresentada contestação e por entender que o processo continha já todos os elementos de facto para que pudesse ser proferida decisão de fundo, o Tribunal de 1.ª Instância decidiu a acção julgando-a procedente e condenando a Ré no pedido.

Inconformada com o decidido, por entender que se encontrava ainda em tempo de poder apresentar contestação, face ao pedido de apoio judiciário formulado, recorreu para o Supremo Tribunal de Justiça, que manteve a decisão do Tribunal de 1.ª Instância.

Desta decisão veio ainda a Ré pedir revista excepcional para o Supremo Tribunal de Justiça que, considerando procedente a sua pretensão, revogou o despacho recorrido e determinou a sua substituição por outro que ordenasse a notificação da Ré, já então representada por patrono, para contestar a acção.

Cumprido o determinado, a Ré apresentou contestação em que, reconhecendo embora o direito de propriedade do A., opõe-se à entrega do local destinado à casa da porteira uma vez que defende a existência, em relação àquele espaço, de um contrato de arrendamento.

Alegou ainda que sempre procedeu ao pagamento da respectiva renda correspondente àquele espaço e que, a partir do momento em que o A. se recusou a receber a renda, passou a fazer o respectivo depósito liberatório na Caixa G..

Impugnando os factos alegados pelo A., conclui pela sua absolvição do pedido.

O A. replicou, mantendo a posição assumida na petição inicial e pedindo ainda a condenação da Ré como litigante de má fé.

A Ré treplicou pedindo, no essencial, a sua absolvição do pedido de litigância de má fé.

A Ré apresentou, contra o ora A., providência cautelar para restituição provisória da posse relativa ao espaço designado como casa da porteira, que veio a ser indeferida por decisão de 19 de Julho de 2011, que transitou em julgado.

Após a prolação do despacho saneador, e por entender que o processo continha já todos os elementos de facto para que pudesse ser proferida decisão de fundo, foi proferida sentença que julgou a acção procedente, condenando a Ré no pedido.

Inconformada com o assim decidido, a Ré interpôs recurso de Apelação no âmbito do qual formulou as seguintes conclusões:

1. 0 Tribunal a quo ao conceder provimento à acção de reivindicação proposta fez errada aplicação do direito: em concreto do artigo 1311º do Código Civil

2. Pois, entre as partes existe um contrato de arrendamento.

3. Dentro do primeiro dos períodos definidos na Douta sentença recorrida, 31.07.1976 a Fevereiro de 2004, bem andou o Tribunal a quo ao considerar que existia um contrato de trabalho entre as partes.

4. Sucede porém que, e no que diz respeito à retribuição, mal andou o Tribunal a quo ao considerar que tal retribuição consistia parte em dinheiro e parte em "alojamento", ou seja, ao considerar existir uma retribuição mista.

5. Pois, o valor do alojamento era efectivamente deduzido do valor retributivo pago em dinheiro à ré.

6. Aliás, na própria sentença ora recorrida, tal é admitido ao dizer-se que "...valor esse que era deduzido ao valor do salário da Ré recebido em quantia monetária"

7. Ora, se o valor do alojamento fazia parte da retribuição da Ré, nunca a sentença recorrida poderia "assumir" que tal valor lhe era descontado da retribuição entregue em valor pecuniário.

8. Pois, se o valor do "alojamento" fazia parte da retribuição da Ré, e se a retribuição da Ré seria qualificada como " mista", nunca tal valor seria a descontar da retribuição entregue em dinheiro à Ré mas sim a acrescer.

9. Na análise do 20 período temporal definido na sentença, no que
respeita à interpretação e subsunção jurídica do documento n.o 3, o Tribunal a quo fez errada avaliação jurídica.

10. Na interpretação e enquadramento jurídico que o Tribunal a quo fez do caso em apreço, a Ré tinha uma retribuição mista.

11. Admitindo, sem conceder, que até Fevereiro de 2004 existiria entre as partes um contrato de trabalho cuja retribuição pelo trabalho prestado seria mista,

12. A partir dessa data, e desde o momento que o A. aceitou da ré o pagamento mensal do valor relativo a "alojamento",

13. Que se estabeleceu entre as partes um contrato de arrendamento.

14. Pois, tal valor nada mais é que a renda que a Ré pagou ao A pelo uso e fruição do locado.

15. As cartas registadas com aviso de recepção que foram enviadas pela à Ré, e que o Tribunal a quo utiliza como forma de reforçar a sua tese da inexistência de qualquer renda,

16. Não têm esse desiderato, na medida em que, pelo facto do A receber da Ré, mensalmente, um valor monetário pelo uso e fruição da casa da porteira,

17. “Fez cair por terra" o poder atribuído pela Lei a todos os proprietários de poder reivindicar a sua propriedade.

18. Pelo que, quando o Tribunal a quo refere "...Ou seja, por um lado,
a demonstração de que a Ré já não exercia as funções de porteira desde final de Fevereiro de 2004 e, por outro, que o Autor deixou aRé permanecer até final de Fevereiro de 2006, com base no facto de aquela só nesse mês atingir a idade de 70 anos."

19. Tal afirmação do Tribunal "a quo" faz errada interpretação,

20. Na medida em que, não se tratou de uma "permissão" da A.

21. Pois, a Ré pagou renda para poder usufruir do locado.

22. No que concerne à apreciação pelo Tribunal a quo no que ao 3º período temporal por si definido, mal andou o Tribunal a quo ao considerar ser devida pela R à A o pagamento de uma renda desde Março de 2006 até Junho de 2011.

23. Uma vez que, desde Janeiro de 2006 que a Ré deposita mensalmente a renda em conta aberta em nome da R.
24. Pelo que não deveria o Tribunal a quo ter condenado a R no pagamento de qualquer indemnização à A.

Conclui, assim, pela procedência do recurso com a consequente a consequente absolvição da Ré do pedido

Em contra alegações o Apelado defende a manutenção da sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Colhidos os vistos legais, cumpre apreciar e decidir.


II. FACTOS PROVADOS

1. Por contrato de trabalho, com data de 31.7.1976, foi a Ré contratada para exercer as funções de porteira do prédio urbano sito na …, Freguesia e Concelho de O., descrito na Conservatória do Registo Predial de O. sob o n° … e inscrito na matriz respectiva sob o art°….

2. Em regime de tempo integral - 45 horas semanais - e mediante a retribuição mensal total então acordada de 5.200$00.

3. O horário do trabalho oa Ré era o seguinte: de 2.ª a 6.ª, entrada às 8h00 e saída às 18h00; intervalo para o almoço das 12h às 14h00; ao Sábado, entrada às 8h00 e saída às 13h00 e aos Domingos, descanso.

4. A referida retribuição mensal de 5.200$00 era paga uma parte em dinheiro e outra em espécie, do seguinte modo:

Dinheiro - 4.600$00 e
Alojamento - 600$00.

5. A Ré exerceu as suas funções como porteira até Fevereiro de 2004, sendo nessa altura o seu vencimento ilíquido de €356,60 e o valor do alojamento de € 50,72.

6. O seu último horário de trabalho estabelecido em 6.5.2003, e com descanso aos Sábados e Domingos, é o constante de fls. 13, aqui dado por reproduzido.

7. A Ré reformou-se por velhice aos 65 anos de idade, em 3.12.2002.

8. Continuando até ao mês de Fevereiro de 2004, a exercer as funções de porteira e a ser paga pelas mesmas.

9. A Ré entrou de baixa médica em 27 de Fevereiro de 2004, tendo a sua última baixa médica sido comunicada ao administrador pelo doc. 7, junto de fls 16, cuja data de início da incapacidade é de 25.12.2005 e a data do seu termino em 23.1.2006.

10. O último valor de alojamento, reportado a Dezembro de 2005, recebido pelo Condomínio, que pelo mesmo emitiu recibo, é o de doc. 3, junto de fls 12.

11. Sendo que a partir dessa data e perante a recusa do Autor em os receber, a Ré passou a depositar à ordem do Autor, os valores documentados de fls 278 a 342, reportados ao período de 8.2.2006 a 5.5.2011, no valor individual cada de € 50,72.

12. O autor dirigiu à Ré a carta datada de 27.12.2005 e de 9.3.2006, registadas com aviso de recepção, comunicando-lhe que: "uma vez que perfaz em 8.2.2006 setenta anos de idade, relembramos que terá de desocupar a habitação de porteira. Concedemos contudo mais quinze dias para a desocupação, limpeza da casa e entrega das respectivas chaves. Mais, desde 27 de Fevereiro de 2004 que V. Exa está de baixa, não reside na habitação, nem exerce as funções de porteira. Agradecemos a imediata entrega das chaves da casa de porteira, indevidamente em seu poder, uma vez que se torna necessário, com urgência, ter acesso aos contadores de electricidade, não só para substituição dos elevadores, como para a manutenção das luzes da escada".
13. Porém, a Ré não cumpriu com o teor do solicitado.

14. Não entregando as chaves da casa de porteira até ao dia 24.6.2011.

15. Porquanto em 24.6.2011 a fechadura foi mudada pelo Autor, nos termos constantes do procedimento cautelar apenso.

16. A Ré depositou, à ordem dos presentes autos, e a favor do Autor, as quantias mensais, individuais, de € 50,72 cada, juntas de fls. 278 a 342, referentes ao período que decorreu entre 8.2.2006 até 5.5.2011.

Por se tratarem de factos com interesse para a boa decisão da causa, constarem de documentos juntos aos autos, quer na acção principal, quer no procedimento cautelar, de que ambas as partes têm conhecimento e que não foram objecto de impugnação, passa-se a fazer o respectivo aditamento:

17. Na sequência de pedido de intervenção da PSP de Oeiras, formulado pela ora Apelante, em 27 de Junho de 2011, esta autoridade policial elaboração um relatório, acompanhado de fotografias que foram nesse mesmo dia tiradas ao local destinado à casa da porteira, em que o descreve nos seguintes termos:

“(…) Fazendo uma pequena descrição daquilo que foi verificado no interior da residência, informa-se que todos os compartimentos tinham sacos plásticos na sua largura, cumprimento e altura, chegando mesmo a atingir o tecto, limitando, quase até à nulidade, o espaço de locomoção naqueles locais (…)”.

18. Após a realização de uma Vistoria à casa da porteira mencionada nos autos, pela Técnica …. – …. O., da Administração Regional de Saúde de L. e V., I.P., em que a Ré também esteve presente, foi elaborado o respectivo relatório, datado de 01 de Julho e 2011, em que, para além do mais, se refere:

“(…) Na visita realizada verificou-se grande dificuldade em circular no interior da casa, tendo sido impossível aceder ao interior de alguns compartimentos dado o volume de materiais acumulados. A casa possui 2 divisões (1 quarto e 1 sala), 1 instalação sanitária e a cozinha, não sendo possível aceder à cozinha, pois, segundo nos foi relatado pela filha, está cheia de materiais e, pelo que foi possível observar, a porta está barricada por inúmeros objectos, materiais vários, sacos, entre outros. No que toca à sala e ao quarto, para aceder ao seu interior, foi necessário remover inúmeros sacos e outros materiais, para a zona de acesso à instalação sanitária. Estas duas divisões encontram-se repletas de materiais, do pavimento ao tecto, obstruindo inclusive as janelas. No quarto, a única parte livre é uma parte da cama de casal, cerca de metade, e tudo o mais em seu redor se encontra pejado de sacos amontoados até ao tecto. Na instalação sanitária o cheiro é nauseabundo, sendo que a sanita apresenta-se partida, dificultando (ou impossibilitando mesmo) a sua utilização. Por todo o lado encontram-se pilhas de sacos, materiais, objectos, equipamentos. De notar existir neste espaço um fogão, tipo "campingáz", tendo a DG referido que, como não conseguiam utilizar a cozinha, cozinhavam naquele local.

Perante o cenário descrito, e comprovado pelas fotografias que se anexam a este relatório, poder-se-á afirmar que, a fracção, não apresenta condições de salubridade, dada a quantidade de resíduos e de materiais acumulados no seu interior, pelo que não estão reunidas condições mínimas de habitabilidade. Assim, para além de estarem criadas condições que poderão promover a ocorrência de acidentes, não sendo de desvalorizar o risco de incêndio, sob o ponto de vista da salubridade, a situação actual promove o aparecimento e desenvolvimento de pragas, como baratas, ratos, pulgas, assim como de outros agentes vectores de doenças”.



III. FUNDAMENTAÇÃO

O conhecimento das questões colocadas pela Apelante, por parte deste Tribunal de recurso, encontra-se delimitado pelas conclusões de recurso pela mesma apresentadas, salvo quanto àquelas que são de conhecimento oficioso.

Assim, neste recurso, cumpre apreciar apenas uma questão, sendo as demais consequência desta, a saber:

- o contrato de trabalho celebrado pelas partes, em 31 de Julho de 1976, previa uma única retribuição, que era mista, no caso, parte em dinheiro e parte em alojamento?

A esta questão deu o Tribunal de 1.ª Instância resposta positiva e com a qual se concorda.

Com efeito, estando ambas as partes de acordo quanto à existência do contrato de trabalho, bem como ao teor daquele mesmo contrato em que expressamente se referia que a retribuição mensal da ora Apelante era de Pte. 5.200$00, sendo paga uma parte em dinheiro e outra em espécie, e do seguinte modo: Dinheiro – Pte. 4.600$00; e Alojamento – Pte. 600$00 (Ponto 4 dos Factos Provados), mal compreendemos a posição que a Apelante pretende sustentar de que havia um contrato de arrendamento como que subjacente àquele contrato de trabalho.

É do conhecimento comum que a grande maioria dos contratos para o exercício da profissão de Porteiro inclui, para além da parte remuneratória, a concessão de um espaço para habitação, espaço esse que é propriedade comum dos condóminos, e assim inscrito na própria propriedade horizontal do prédio, destinado à habitação do porteiro.

A utilização desse espaço [casa da porteira] estava, como decorre linearmente do próprio exercício da profissão, ligado à efectiva prestação daquele serviço. Como complemento da própria remuneração em dinheiro, o valor de utilização de tal espaço tinha de ser discriminado, como o foi, por forma a permitir a individualização de cada um destes quantitativos e encontrar o montante global auferido pelo exercício das funções de porteira que, no caso, ascendia a Pte. 5.200$00, conforme acima já se referiu, discriminação essa imperativa até para efeitos de subsídios, contribuições e prestações por doença.

Não se tratava, assim, como o pretende afirmar a Apelante, de descontar o valor do alojamento ao montante do vencimento por si auferindo, dando-lhe uma autonomia própria, mas sim, de somar o quantitativo entregue em dinheiro à porteira, pelo efectivo desempenho das suas funções, àquele que decorria da utilização de um espaço da casa da porteira, elemento integrante deste tipo especial de contrato de trabalho.

E é esta indissociabilidade entre a remuneração e o alojamento, na economia do contrato de porteira, que permite afirmar que cessando o exercício desta prestação de trabalho, cessa também, automaticamente, o alojamento do espaço cedido como complemento daquela actividade.

Certo é que a Ré entrou de baixa em 27 de Fevereiro de 2004 [altura em que já se encontrava reformada por velhice, o que ocorreu em 03 de Dezembro de 2002], baixa essa que perdurou até 23 de Janeiro de 2006.

Durante o período de baixa a Apelante procedeu á entrega ao Apelado da quantia mensal de € 50,72 respeitante ao alojamento. Cessada a baixa o Apelado recusou o recebimento desse quantitativo.

Pretende ainda a Apelante que o recebimento daquela quantia, durante o período de baixa, constitui uma renda e, como tal, esse facto impediria o Apelado de reivindicar o local destinado á casa da porteira, tanto mais que desde tal recusa passou a depositar aquela quantia na Caixa Geral de depósitos, enquanto depósito liberatório.

Salvo o devido respeito, a questão é a mesma já acima analisada e a que acresce um outro ponto a ser considerado: por cartas registadas com a/r, datadas de 27 de Dezembro de 2005 e 09 de Março de 2006, o Apelado tinha já dado conhecimento à Apelante que, perfazendo esta a idade de setenta anos em 08 de Fevereiro de 2006, teria de desocupar a casa até essa data, concedendo-lhe ainda mais quinze dias para o fazer, o que esta não fez.

Ora, durante o período de baixa da Apelante, muito embora não houvesse lugar à prestação dos serviços de porteira, decorrente da própria situação de doença, não deixou de haver lugar à obrigação desta proceder ao pagamento da quantia devida pelo alojamento, obrigação essa que, como já acima se salientou, apenas cessou com a própria cessação do contrato de trabalho, que aqui teve lugar pelo limite de idade da própria Apelante. Esta, assim, até à idade de setenta anos, continuando a vigorar o contrato de trabalho celebrado com o Apelado, e ocupando o espaço destinado à casa da porteira, tinha a obrigação de proceder ao pagamento daquele quantitativo respeitante a esse alojamento.

Cessado o contrato de trabalho como porteira, impunha-se à Apelante proceder à entrega do alojamento correspondente à casa da porteira ao Apelado, livre e devoluto de pessoas e bens.

No período posterior à data em que a Apelante completou setenta anos de idade – 08 de Fevereiro de 2006 -, e tendo em consideração o estado deplorável em que deixou o espaço destinado á casa da porteira, apenas recuperado em 24 de Junho de 2011, por iniciativa do Apelado, apenas podemos dizer que, só pela existência daquela situação de facto [as fotografias tiradas pela PSP e o relatório do Técnico de Saúde Ambiental são elucidativos da insustentável manutenção da situação de insalubridade e desocupação da casa há já muito tempo], e ainda que tivesse havido um qualquer contrato de arrendamento (que não houve), o simples facto de existir a situação acima descrita seria, por si só, suficiente para determinar o respectivo despejo.

A sentença proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância é clara, faz uma correcta interpretação e integração das normas jurídicas aplicáveis, nada lhe sendo de censurar devendo, nesta conformidade, ser mantida.


IV. DECISÃO

Face ao exposto, julga-se improcedente a Apelação, mantendo-se a decisão proferida pelo Tribunal de 1.ª Instância.

Custas pela Apelante.

Lisboa, 04 de Dezembro de 2012

Dina Maria Monteiro
Luís Espírito Santo
José Gouveia Barros

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