quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

ACIDENTE DE VIAÇÃO - ACIDENTE DE TRABALHO - PERDA DA CAPACIDADE DE GANHO - IPP



Proc. Nº 5753/08.5TBCSC.L1-2    TRLisboa                          5 Dez 2013

I-Se a actividade do Autor se distribuía entre a venda de produtos e bens, actividade para a qual, verdadeiramente, não há horário de trabalho e a actividade de trabalhador independente de construção civil, essa com horário, da mesma forma que para o cálculo do rendimento líquido diário não há que descontar férias e feriados, também não existe razão para a descontar para o cálculo da indemnização pelas incapacidades temporárias que, caso o acidente fosse de trabalho, teriam de ser imperativamente contabilizados.
II-A fixação e uma indemnização pelo dano futuro da perda de capacidade de ganho resultante da atribuição de uma IPP ao lesado não está dependente de uma efectiva perda salarial ou de rendimento patrimonial.
III- Provando-se que na altura do acidente o condutor do veículo seguro na Ré o conduzia sob o efeito de álcool de 1,79 grs/lt sangue, que o Autor, na altura do acidente de 41 anos, permaneceu acamado ou em casa por período não concretamente apurado, mas não inferior a 5 meses, não podendo, numa primeira fase executar tarefas da vida quotidiana, como fazer a sua higiene pessoal, alimentar-se sozinho, necessitando do auxílio de terceira pessoa para executar tarefas simples, teve dores que ainda hoje se agravam com as mudanças do tempo, o seu estado de saúde acarretou e acarreta aflição, angústia e inquietação, sentiu incómodo e a diminuição da sua capacidade de utilização do corpo pela lesão irreversível dos 2 dedos, o sinistro provocou-lhe medo e a prostração mental um estado de tristeza e acabrunhamento que não são próprios da sua idade é equitativo reparar esses danos em 18.000,00EUR 

Acordam os juízes na 2.ª secção Cível do Tribunal da Relação de Lisboa

I – RELATÓRIO

APELANTE/RÉ: “A”, S.A. (representada pelo ilustre advogado …, com escritório em Lisboa, conforme instrumento de procuração de 1/10/03junta por cópia a  fls.83/84).
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APELADO/AUTOR: “B” (Representado em juízo, juntamente com outra, pela ilustre advogada …, com escritório em S. Pedro do Estoril, conforme instrumento de 10/07/08 junto por cópia a fls.75  dos autos)
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Com os sinais dos autos.
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I.1. O Autor propôs contra a Ré acção declarativa de condenação sob a forma ordinária a que deu o valor de 134.803,00EUR, pedindo a condenação da Ré a pagar-lhe a quantia de 113.803,00EUR a título de indemnização por danos patrimoniais e 21.000,00EUR a título de compensação por danos não patrimoniais, a que acrescem os juros de mora sobre montante líquido em que a Ré venha a ser condenada, à taxa legal, em suma dizendo:
· No dia 19/08/03 pelas 19h05m, na Estrada Nacional 6-7 ao Km 2,4 na freguesia de S. Domingos de Rana, concelho de cascais, “C” conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 00-00-OS, no seu próprio interesse e direcção efectiva, encontrando-se o veículo de matrícula OB-00-00, ligeiro de passageiros estacionada fora da faixa de rodagem, na berma (faixa de emergência) da mesma Estrada, avariado e à espera de reboque, devidamente sinalizado, estando o condutor deste último, ora Autor, de pé, em frente do veículo a colocar água no radiador do mesmo (art.ºs 1ª 5)
· No momento em que o condutor do OS saía da rotunda, efectuou uma ultrapassagem das viaturas que aí circulavam pela berma ou via de emergência e, foi embater com a frente do seu veículo na traseira do veículo OB, aí estacionado, o qual, devido à força do embate foi projectado contra o Autor que se encontrava de pé na parte exterior da viatura em frente da mesma, Autor que foi projectado no ar, caiu, depois ao solo, em virtude do que sofreu lesões, foi algaliado, fez exames e análises, com 190 dias de ITA para o trabalho, 35 dias de ITP de 20% e sequelas definitivas a atrofia muscular no antebraço e mão esquerdos e paresia dos 3.º e 4.º dedos da mão esquerda, com IPP, nunca inferior a 10,7% (art.ºs6 a 816 a 25).
· O condutor do OS conduzia em estado de embriaguês, com TAS de 1,79 grs/lt, pelo que correu Inquérito crime de que houve sentença que concluiu pelo crime do art.º 148/1 do C.P. e 35, n.ºs 1 e 2 do CEst (art.ºs 9 a 15, 26 a 28)
· A responsabilidade do condutor do OS fora transferida para a Ré mediante contrato de seguro, a Ré reconheceu a sua responsabilidade pelos danos e, designadamente, em 7/1/04 pagou ao Autor despesas com fisioterapia e transportes, e ainda a quantia de 1.000,00EUR da perda total do veículo OB mas não chagaram a acordo sobre o valor a pagar a título de remuneração mensal ao Autor pela ITA, ITP e IPP, nem sequer sobre o grau de incapacidade permanente parcial do Autor;
· o Autor é construtor civil especializado em acabamentos de alta qualidade, executa o trabalho usando as mãos, exercia a sua actividade como empresário em nome individual e trabalhador independente, o seu período normal de trabalho é de segunda a sábado, folga ao domingo e um mês de férias não remuneradas, por ano, em 1/4/04 declarou na DGCI que no ano de 2003 auferiu um rendimento líquido de venda de mercadorias e produtos de 17.747,00EUR e de 15.747,00EUR de prestação de serviços de construção civil, do que resulta, pela aplicação das taxas de 20% para mercadorias e produtos e 65% para prestação de serviços de construção um rendimento líquido declarado para 2003 de 13.664,93EUR, em 26/4/05 declarou junto da DGCI que durante o ano de 2004 auferiu rendimento líquido de venda de mercadorias e produtos de 42.434,60EUR e de 32.456,70EUR, o que aplicando as mesmas taxas dá 29.383,77EUR para 2004; como trabalhador independente não aufere subsídio de férias nem de Natal, não trabalha aos domingos, nem feriados, goza 26 dias úteis de férias por ano, se auferiu nos anos de 2003, 2004 43.0458,70EUR, durante 427 dias de trabalho efectivo, o seu rendimento médio diário foi de 101,00EUR/dia o que equivale a 2.626,00EUR/mês, pelo que os 190 dias de ITA correspondem a 19.190,00EUR, os 35 dias de ITP correspondem a 707,00EUR, num total de 19.897,00EUR a que há que deduzir os 5.000,00EUR já pagos pela Ré (art.ºs 35 a 51)
· O Autor, que à data do acidente tinha 41 anos, ficou com uma incapacidade parcial permanente de 10,7%, o que corresponde a uma perda de ganho diário de 10, 80EUR, mensal de 280,98EUR e anual de 3.090,80EUR, a qual multiplicada por 32 anos de vida do Autor representa uma perda de ganho nunca inferior a 98.905,64EUR; sofreu, ainda o Autor medo e susto intenso por causa do embate e queda, aflição, angústia, inquietação, teve de ser sujeito a exames médicos, internamento hospitalar, cirurgia, fisioterapia plástica e cirurgia dos dedos, permaneceu acamado durante 6 meses e meio, período durante o qual não pôde fazer a sua higiene pessoal, alimentar-se sozinho (art.ºs 52 a 69)
I.2. A Ré, citada, veio oferecer o merecimento dos autos quanto à dinâmica do acidente, desconhece os factos 17 a 25 e 35 a 68, sendo excessivos os montantes reclamados e o montante de IPP indicado.
I.3. Dispensada a audiência preliminar, proferido saneador tabelar, condensaram-se os factos assentes e os controvertidos na Base Instrutória; instruídos os autos inclusive com perícia médico-legal, de que veio o relatório a fls. 151/156, no valor de 204,00EUR, procedeu-se ao julgamento com observância da forma legal e gravação de depoimentos, tendo sido proferida decisão sobre a matéria de facto controvertida aos 28/5/2012 em sessão que contou com a presença dos ilustres advogados que nada reclamaram.
I.4. Inconformada com a sentença de 6/3/2013, que julgando a acção parcialmente procedente por provada condenou a seguradora a pagar ao Autor a quantia de 49.746,00EUR, acrescida de juros de mora legais desde a citação, dela apelou a Seguradora em cujas alegações conclui:
a)- As perdas salariais sofridas pelo A. em consequência dos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial por este sofrida importaram, atento o respectivo rendimento líquido diário (por dia útil) do mesmo em 9.809.15 euros;
b)- uma vez que está assente que a Ré adiantou ao A. a quantia de 5.000 euros para ressarcimento de tal dano, deve a ré ser condenada a indemnizar o A., a tal título, pelo montante de €4.809,15;
c)- ao assim não ter entendido, a douta decisão recorrida violou o disposto no artº 562 do Código Civil;
d)- ignorando-se qual o rendimento médio diário do A. nos anos anteriores ao do acidente, tendo ficado demonstrado que o rendimento médio diário do trabalho desenvolvido pelo A., no período do ano do acidente anterior à ocorrência deste, foi de 68E/dia, e tendo ficado demonstrado que tal rendimento médio diário passou, no ano de 2004 para €93,87, há que concluir que os esforços acrescidos de que o A. ficou a padecer, não se repercutiram na sua capacidade de ganho, pelo que o A. não tem direito a qualquer montante a título de indemnização por danos patrimoniais futuros, que efectivamente não demonstrou nos autos, bem antes pelo contrário, antes tais esforços tendo relevado como realmente relevaram para o cálculo do montante, aliás generoso, arbitrado ao A. para compensação dos seus danos de natureza não patrimonial.
e)- ao ter condenado a Ré ora recorrente, a tal título, na quantia de 28.000 euros, de todo indevida, a douta decisão recorrida violou o disposto no artº 564, nº 2 do Código Civil.
f)- ainda que assim se não entendesse, o que se admite como mera hipótese, e sem conceder, nunca tal indemnização deveria ser de montante superior a 20.000 euros g)- ao assim decidir a douta decisão sob recurso violou o disposto no artº 455, nº 3 do Código Civil.
h)- a douta decisão sob recurso deve ser substituída por outra que, dando provimento à presente apelação, faça a costumada JUSTIÇA!
I.5. Em contra-alegações e interpondo recurso que qualificou de subordinado conclui o Autor:
a) O rendimento líquido diário do Autor deve ser o rendimento apurado com base no rendimento médio auferido pelo Autor nos dois anos mais próximos do acidente, os anos de 2003 e 2004, e tal como foi considerado na sentença, a qual se deve manter nesta parte, é de 101,00 € por dia.
b) As lesões descritas na sentença determinaram para o autor 157 dias de incapacidade absoluta para o trabalho, ente os dias 19/08/2003 e 22/01/2004 (Artigo 6º da base instrutória) e determinaram ainda 70 dias de incapacidade parcial de 20% entre os dias 23/01/2004 e 01/04/2004 Artigo 7º da base instrutória, pelo que, devem ser esses os dias a considerar para efeito de pagamento ao autor dos dias em que esteve absoluta ou parcialmente incapaz para o trabalho e não apenas os dias úteis, como foi considerado na Sentença.
c) Os dias de incapacidade absoluta e parcial efetivamente sofridos pelo autor (157 + 70) não devem ser deduzidos dos domingos do dia de Natal e do Ano Novo, dedução que apenas pode e deverá ser considerada para efeitos do apuramento do valor diário da remuneração mas não já para efeitos de pagamento dos dias de incapacidade efetivamente sofridos, sob pena de a sentença violar o artº 562º do Código Civil.
d) As perdas salariais do A., em consequência dos períodos de incapacidade temporária absoluta e parcial por este, sofridas importaram, atento o respetivo rendimento líquido diário de 101,00 € do mesmo em 157 dias* 100% (101,00 €) = 15857,00 e 70 dias *20% (20,2) = 1401,4 o que perfaz 17258,4.
e) Uma vez que está assente que a Ré adiantou ao A. a quantia de 5.000 euros para ressarcimento de tal dano, deve a ré ser condenada a indemnizar o A., a tal título, pelo montante de €12.258,4.
f) Encontrando-se, pois, provado que o Autor está, de facto, de forma, permanente, limitado na execução do seu trabalho, considerando que o Autor auferiu em 2004 um rendimento anual ilíquido de €29.383,77, tinha 41 anos na data em que ocorreu o acidente, trabalhava por conta própria, sendo previsível que a sua vida activa se prolongue até aos 65 anos, a incapacidade parcial permanente de 4%, a taxa de juros média que se pode considerar como de 3%, a taxa de inflação média situada em 2%, entende-se adequado o montante fixado de € 28.000,00 na sentença é adequado e não 20.000,00 € como pretende a Ré.
g) Tendo em conta todos os factos provados quanto às lesões sofridas em consequência do acidente, a responsabilidade do lesante, a ausência de culpa do lesado e que a indemnização por danos não patrimoniais não deve ser fixada com valores miserabilistas, entende-se adequado o montante peticionado na ação de € 21.000,00, montante este atualizado à data da citação a título de danos não patrimoniais e não apenas os 12.000 já atribuídos pela sentença.
h) A douta decisão sob recurso deve, pois, ser substituída por outra que, não dê provimento à apelação do Recorrente e considere procedente o Recurso Subordinado do autor/recorrido, decidindo-se julgar a ação parcialmente procedente, por provada e, em consequência, condenar-se a Ré A “A” – Companhia de Seguros S.A., a pagar ao Autor “B” a quantia de € 61258,4 (sessenta e um mil duzentos e cinquenta e oito euros e quatro cêntimos), acrescida de juros legais contados desde citação até integral pagamento, no mais se absolvendo a Ré do pedido, assim se fazendo JUSTIÇA!
I.6. Recebido a apelação independente e a subordinada, foram os autos aos vistos dos Meritíssimos Juízes-adjuntos, que nada sugeriram; nada obsta ao conhecimento dos mesmos.
I.7. Questões a resolver:
I.7.1.No recurso independente da Seguradora
a)Saber se ocorre na sentença erro de julgamento ao desconsiderar no calculo de indemnização das ITP e ITA os Domingos em que o Autor não trabalhava, num total de 38 Domingos, devendo a indemnização, abatida dos 5.000,00EUR já adiantados pela Seguradora ser reduzida a 4.809,15EUR.
b) Saber se ocorre erro de interpretação e de aplicação do disposto no art.º 564/2 do CCiv ao fixar o valor de 28.000,00EUR pela perda de capacidade de ganho, que não ocorreu, por ser residual ou admitindo-se esse dano futuro saber se a indemnização fixada violou o disposto no art.º 566/3 do Cciv, devendo ser deduzida para 20.000,00EUR [ 4% de IPP x 68,00EUR x 313 dias de trabalho anual x 23,5 anos de esperança de vida activa = 20,000,6EUR]
I.7.2. No recurso subordinado da Ré
a) )Saber se ocorre na sentença erro de julgamento ao desconsiderar no cálculo de indemnização das ITP e ITA os Domingos, dia e Natal e Ano Novo em que o Autor não trabalhava, num total de 38 Domingos, devendo a indemnização, abatida dos 5.000,00EUR já adiantados pela Seguradora ser aumentada para 12.258,40EUR;
b) Saber se ocorre erro de interpretação e de aplicação do art.º 496 do Civ devendo ser compensados os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em 21.000,00EUR;

II- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

O Tribunal recorrido deu como provados os seguintes factos que não vêm impugnados nos termos da lei de processo:

Alínea A) dos factos assentes
No dia 19 de Agosto de 2003, pelas 19 horas e 5 minutos, na Estrada Nacional 6-7, ao km 2,4, na freguesia de São Domingos de Rana, concelho de Cascais, “C” conduzia o veículo automóvel ligeiro de passageiros, matrícula 00-00-OS, no seu próprio interesse e sob a sua direcção efectiva.
Alínea B) dos factos assentes
O veículo ligeiro de passageiros de matrícula OB-00-00encontrava-se estacionado, fora da faixa de rodagem, na berma (faixa de emergência) da mesma Estrada Nacional 6-7 ao km 2,4, porquanto se encontrava avariado e à espera de reboque.
Alínea C) dos factos assentes
O veículo OB-00-00 encontrava-se sinalizado com o triângulo e as luzes de emergência ligadas.
Alínea D) dos factos assentes
O condutor do veículo OB-00-00, ora A., encontrava-se de pé em frente do veículo a colocar água no radiador do mesmo.
Alínea E) dos factos assentes
No momento em que o condutor do veículo 00-00-OS saía da rotunda, efectuou uma manobra de ultrapassagem das viaturas que aí circulavam, pela berma ou via de emergência, e foi embater com a frente do seu veículo na traseira do veiculo OB-00-00, que aí se encontrava parado.
Alínea F) dos factos assentes
Devido à força do embate, o veículo do A., que se encontrava estacionado na berma, foi projectado contra o A., que se encontrava na parte exterior da viatura de pé em frente à mesma.
Alínea G) dos factos assentes
Como consequência directa e necessária do embate referido, o A. foi projectado no ar, caindo depois no solo no exacto local onde se encontrava a viatura, a qual, entretanto, fora projectada para o ar e para a frente.
Alínea H) dos factos assentes
O condutor “C” conduzia o veículo 00-00-OS apresentando uma TAS de 1,79 g/l sangue, tendo sido detido pela autoridade policial e corrido termos o NUIPC .../03.9GTCSC.
Alínea I) dos factos assentes
Nos termos da apólice nº ..., a responsabilidade civil do detentor do veículo OS foi transferida para a Ré.
Alínea J) dos factos assentes
A R. reconheceu a sua responsabilidade pelos danos e designadamente, em 07-01-2004, pagou ao A. despesas com fisioterapia e transportes, bem como a quantia de € 1 000,00, relativa à perda total do veículo OB, pertencente ao A., considerando-se este indemnizado relativamente aos danos do veículo.
Artigo 1º da base instrutória
Em consequência da queda, veio o A. a sofrer ferida no nariz, traumatismo do antebraço esquerdo, com ferida incisa e traumatismo do ombro;
Artigo 2º da base instrutória
Sofreu ainda hematoma do calcaneo do pé esquerdo;
Artigo 3º da base instrutória
E sofreu traumatismo do craneo com perda de consciência, tendo apresentado amnésia lacunar;
Artigo 4º da base instrutória
O A. teve de ser algaliado, fez raio X, TAC e análises;
Artigo 5º da base instrutória
Apresentou lesão nos 3º, 4º e 5º dedos da mão esquerda, tendo sido referenciado à consulta de cirurgia geral;
Artigo 6º da base instrutória
As lesões descritas determinaram para o autor 157 dias de incapacidade absoluta para o trabalho, ente os dias 19/08/2003 e 22/01/2004;
Artigo 7º da base instrutória
E determinaram ainda 70 dias de incapacidade parcial de 20% entre os dias 23/01/2004 e 01/04/2004;
Artigo 8º da base instrutória
O acidente provocou amiotrofia do antebraço esquerdo, força muscular diminuída a nível da mão esquerda, dificuldade de mobilização independente dos 3.º e 4.º dedos da mão esquerda e diminuição da sensibilidade nas extremidades distais dos mesmos dedos;
Artigo 9º da base instrutória
O que gera uma incapacidade permanente parcial 4%;
Artigo 10º da base instrutória
O Autor é construtor civil, efectuando a colocação de tijolos, azulejos e sancas, trabalho que executa usando as mãos, encontrando-se agora limitado na execução do trabalho;
Artigo 11º da base instrutória
A data do acidente, o A. exercia a sua actividade como empresário em nome individual e trabalhador independente;
Artigo 12º da base instrutória
O seu período normal de trabalho é de segunda-feira a sábado, com folga ao Domingo e um mês de férias não remuneradas, por ano;
Artigo 13º da base instrutória
Em 14 de Abril de 2004, o A. declarou junto da DGCI que, no ano de 2003, auferiu um rendimento ilíquido de € 17 747,00, relativo a vendas de mercadorias e produtos, e de € 15 747,00, relativo a prestação de serviços de construção civil, o que determina um rendimento líquido declarado de € 13. 664,93;
Artigo 14º da base instrutória
Em 26 de Abril de 2005, o Autor declarou junto da DGCI que, no ano de 2004, auferiu um rendimento ilíquido de € 41 434,60, relativo a vendas de mercadorias e produtos, e de € 32 456,70, relativo a prestação de serviços de construção civil, o que determina um rendimento líquido declarado de € 29. 383,77;
Artigo 15º da base instrutória
Em consequência directa do acidente, sofreu ainda o A. medo e susto intenso por causa do embate da viatura e da queda sofrida contra o solo;
Artigo 16º da base instrutória
Por causa do acidente e das lesões que lhe provocou, o A. necessitou de ser suturado, fazer exames complementares de diagnóstico e tratamentos com analgésicos;
Artigo 17º da base instrutória
Entre o dia 19/08/2003 e o dia 01/04/2004, o Autor foi sujeito a 63 sessões de tratamentos e fisioterapias devido às lesões provocadas pelo acidente;
Artigo 18º da base instrutória
Entre o dia 02-09-2003 e o dia 04-09-2004, o A. ficou internado por dois dias e foi submetido a cirurgia plástica;
Artigo 19º da base instrutória
O Autor foi sujeito a cirurgia dos 2.º e 3.º dedos da mão direita em 30 de Outubro de 2003, com anestesia geral;
Artigo 20º da base instrutória
Em consequência das lesões sofridas o Autor permaneceu acamado ou em casa por período não concretamente determinado, mas não inferior a 5 meses, não podendo, numa primeira fase, executar as tarefas da vida quotidiana, como fazer a sua higiene pessoal, alimentar-se sozinho, necessitando do auxilio de terceira pessoa para executar as tarefas mais simples, que antes executava sozinho;
Artigo 21º da base instrutória
As lesões provocaram dores ao Autor, que hoje ainda sente e que se agravam com as mudanças de tempo;
Artigo 22º da base instrutória
O estado de saúde do Autor acarretou e acarreta ainda aflição, angústia e inquietação;
Artigo 23º da base instrutória
O incomodo e a diminuição da sua capacidade de utilização do corpo pela lesão irreversível nos dois dedos, o medo e a prostração mental que o sinistro em si lhe provocou, deixaram o Autor num estado de tristeza e acabrunhamento que não são próprios da sua personalidade;
E ainda:
1.º)
O Autor nasceu em 19 de Setembro de 1961 – cf. doc. fls. 105 do processo físico;
2.º)
A Ré pagou ao Autor a quantia de €5.000,00 a título de indemnização pelos danos causados pelo acidente – facto 51.º da petição inicial confessado pelo Autor.

III- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

III.1. Conforme resulta do disposto nos art.ºs 660, n.º 2, 664, 684, n.º 3, 685-A, n.º 3, do CPC[1] são as conclusões do recurso que delimitam o seu objecto, salvas as questões cuja decisão esteja prejudicada pela solução dada a outras e as que sejam de conhecimento oficioso. É esse também o entendimento uniforme do nosso mais alto Tribunal (cfr. por todos o Acórdão do S.T.J. de 07/01/1993 in BMJ n.º 423, pág. 539.
III.2. Não havendo questões de conhecimento oficioso são as conclusões de recurso que delimitam o seu objecto tal como enunciadas em I.
III.3 As questões a) do recurso independente e subordinado incidem sobre a mesma questão de cálculo de indemnização das incapacidades temporárias absoluta e parcial pelo que serão analisadas em simultâneo. Saber se ocorre na sentença erro de julgamento ao desconsiderar no calculo de indemnização das ITP e ITA os Domingos em que o Autor não trabalhava, num total de 38 Domingos, devendo a indemnização, abatida dos 5.000,00EUR já adiantados pela Seguradora ser reduzida a 4.809,15EUR; saber se ocorre na sentença erro de julgamento ao desconsiderar no calculo de indemnização das ITP e ITA os Domingos, dia e Natal e Ano Novo em que o Autor não trabalhava, num total de 38 Domingos, devendo a indemnização, abatida dos 5.000,00EUR já adiantados pela Seguradora ser aumentada para 12.258,40EUR;
III.3.1 considerou a sentença recorrida a este respeito o seguinte e em suma:
· No caso dos autos a responsabilidade civil extracontratual decorrente de danos causados com a circulação do veículo ligeiro de passageiros com a matrícula 97-74-0S foi assumida pela Ré;
· A Ré ressarciu já o Autor de despesas de fisioterapia e transportes e 1.000,00EUR de perda total do veículo OB
· O Autor esteve de baixa 157 dias desde 19 de Agosto de 2003 a 22 de Janeiro de 2004 todos com incapacidade temporária absoluta para o trabalho e esteve com incapacidade temporária parcial de 20% desde 23/1/2004 até 1/4/2004; auferiu o Autor em 2003 um rendimento líquido anula de 13.664,93EUR e no ano de 2004 de 29.383,77, nesses 2 anos o rendimento total foi de €43.048,77EUR, mas como não trabalhava nem aos Domingos nem o período de férias de um mês era remunerado, por ser trabalhador independente, o Autor trabalhou 427 dias durante os anos de 2003 e 2004 e contabilizados os dias de trabalho e o montante auferido, encontramos o montante diário de 101,00EUR e atentos os dias em que o Autor esteve de baixa, há que multiplicar 100% do montante auferido por 134 dias ( e não 157, por se excluírem os Domingos) e 20% desse montante por 60 dias (por se excluírem os Domingos).
· Para efeitos indemnizatórios não poderemos contabilizar os Domingos o dia 25/12/2003, uma vez que a fazê-lo, estaríamos a causar um injusto enriquecimento do Autor, pelo que 134X101,00EUR=13.534,00EUR e 60X(101,00x0,20)=1.212,00EUR; deduzidos os 5.000,00EUR já pagos pela Seguradora temos 9.746,00EUR.
III.3.2. Discorda a Seguradora em suma dizendo:
· Dos 157 dias de 19/08/03 a 22/1/04, 24 foram Domingos, houve feriado dia de Natal e o de Ano Novo o que dá não 23 dias a descontar antes 26, período durante o qual não receberia remuneração por ser trabalhador por conta própria.
· Do que decorre do quesito 13 da B.I. o rendimento líquido diário do Autor no período do ano de 2003 em que trabalhou foi, sem contar os dias em que não trabalhou, de 68,00EUR/dia, daí que, pela ITA, o valor devesse ser de 8.908,00EUR (157-26x68,00EUR) e pela ITP, considerando o rendimento de 2004 anual e o rendimento líquido diário do trabalho de 93,87EUR, o valor devesse ser de 901,15EUR (48x93,87EURx0,20), pelo que descontando os 5.000,00EUR já por si pagos ao Autor o valor da indemnização pela Incapacidade temporária não poderia ser superior a 4.809,50EUR.
III.3.3. Por seu turno o Autor no recurso subordinado discorre:
· Para efeitos indemnizatórios deve, ao contrário do que se entendeu na decisão recorrida, levar-se em linha de conta todos os dias de incapacidade e não apenas os dias que seriam de trabalho efectivo para efeitos de apuramento da remuneração diária, pois uma coisa é considerar apenas os dias de trabalho efectivo para efeitos de apuramento da remuneração diária, outra coisa diferente é, uma vez apurada a remuneração diária, já com base nos dias de trabalho efectivo, continuar a onerar o Autor descontando, novamente, do total dos dias de incapacidade absoluta e parcial, os dias em que aquele não prestaria trabalho, o que no entender do Autor viola o disposto nos artigos 562 e 564/2 do Civ, pois se descontaram os dias de descanso do Autor no apuramento da média de remuneração e outra vez nos dias de incapacidade absoluta ou parcial para o trabalho, pelo que a indemnização da ITA deve ser de 15.857,00EUR(157X101,00EUR) e da ITP de 1.401,40EUR [70x(101x020)]
III.3.4. O Autor é construtor civil, efectuando a colocação de tijolos, azulejos e sancas; à data do acidente exercia a sua actividade como empresário em nome individual e trabalhador independente, trabalhando de segunda a sábado, folga ao Domingo; os rendimentos líquidos que o Autor apresentou para efeitos fiscais nos anos de 2003 resultaram não só da prestação de serviços como das vendas de mercadorias e produtos; as partes não questionam que se parta dos rendimentos auferidos nesses dois anos, o do acidente em 2003 e o do ano a seguir ao acidente em 2004, divergem desde logo no cálculo do rendimento líquido diário. A Mmª Juíza considerou a soma dos rendimentos líquidos auferidos pelo Autor nesses dois anos e que foi de 43.048,70 e dividiu por 427 dias úteis o que o Autor não questiona mas questiona a Ré no recurso principal entendendo que se deve considerar um rendimento para o ano de 2003 e outro para o ano de 2004. Ora, teria sido mais rigoroso se tivesse sido junta a declaração fiscal relativa ao ano anterior ao acidente, ou seja o ano de 2002 (ou até o anterior), admitindo que nesse ano o Autor não padeceu de qualquer acidente, tendo trabalhado o ano inteiro, ainda que folgando os Domingos, os dias de feriado e um mês de férias. Acontece que o que vem provado é que os rendimentos líquidos que o Autor apresentou para efeitos fiscais nos anos fiscais de 2003 e 2004 contabilizaram vendas de mercadorias e produtos numa proporção de quase meio por meio em relação à prestação de serviços e esta actividade não se pode verdadeiramente considerar como “período normal de trabalho”, uma vez que o Autor exercia a sua actividade também como empresário em nome individual, actividade essa em que se insere, seguramente, aquela venda de bens e produtos fiscalmente declarados. O empresário em nome individual não tem, rigorosamente, um período normal de trabalho, uma vez que nesse tipo de actividades não existe horário de trabalho, em regra os contactos comerciais processam-se como é sabido ou por telemóvel ou na Internet, a menos que exista um estabelecimento comercial com horário ao público o que não se demonstra. Nessa medida a venda de produtos e bens pode ser feita em qualquer altura da semana em qualquer altura do ano. Não havendo outros elementos que nos permitam considerar com maior rigor o rendimento que o Autor haveria de auferir em 2003 (e que não auferiu por causa do acidente) e que auferiria em 2004 (e que não auferiu por causa do acidente), supomos ser proporcional e adequado considerar a soma dos rendimentos líquidos nesses dois anos auferidos e calcular, depois, uma média diária, média essa que pode ser obtida do seguinte modo: 43.048,70EUR:2=21.524,35 (rendimento médio anual):12=1.763,69:30=59,78EUR(rendimento líquido médio diário). Essa média será adequada para o período de ITA de 2003. Já para as incapacidades de 2004 se deverá considerar o rendimento líquido diário de 80,28EUR (rendimento declarado de 29.383,77EUR:366 dias (foi ano bissexto).
III.3.5. O Autor era trabalhador independente e o acidente ocorreu em pleno Agosto de 2003, mas não há elementos de prova no sentido de que esse era o mês de férias não remuneradas do Autor (12 da B.I.), pelo que bem poderia o Autor estar a caminho de uma obra, não se sabe; caso isso ocorresse, caso o Autor (o que não sabemos), tivesse seguro contra acidentes de trabalho, então estaríamos estar face ao um acidente in itinere, também da responsabilidade da seguradora de trabalho. Se estivéssemos perante um acidente de trabalho teríamos de ter em consideração o seguinte: os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes dos acidentes de trabalho e doenças profissionais nos termos previstos na Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, e da respectiva legislação regulamentar, encontrando-se abrangidos pelo direito de reparação os trabalhadores por conta de outrem, considerando-se como tal os trabalhadores que estejam - vinculados por contrato de trabalho ou contrato legalmente equiparado - o que é também aplicável aos administradores, directores, gerentes ou equiparados, quando remunerados (artigo 2º da Lei n.º 100/97) -, e os trabalhadores independentes, considerando-se como tal os trabalhadores que exerçam uma actividade por conta própria, que devem efectuar um seguro que garanta as prestações previstas naquela Lei, nos termos que vierem a ser definidos em diploma próprio (artigo 3º).
III.3.6. A lei própria para que remete o artigo 3º da Lei dos Acidentes de Trabalho, no que concerne aos trabalhadores independentes, é a resultante do já mencionado Decreto-Lei n.º 159/99, de 11 de Maio, que prevê a obrigatoriedade do seguro para os trabalhadores independentes, de forma a que garanta, com as devidas adaptações, as prestações definidas na lei geral para os trabalhadores por conta de outrem e seus familiares (artigo 1º, n.º 1), e regula a situação de simultaneidade de regimes, estabelecendo que, nos casos em que o sinistrado em acidente de trabalho é simultaneamente trabalhador por conta de outrem e trabalhador independente, se presume, até prova em contrário, que o acidente ocorreu ao serviço da entidade empregadora (artigo 7º, n.º 1)
III.3.7. Por outro lado, o direito à reparação compreende prestações em espécie e prestações em dinheiro, englobando, neste último caso, indemnização por incapacidade ­ temporária absoluta ou parcial para o trabalho, indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução na capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente, e pensões aos familiares do sinistrado, em caso de morte (artigo 10º da Lei n.º 100/97). As prestações por incapacidade são atribuídas, como explicita o artigo 17º da mesma Lei, quando do acidente resultar redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado, e são calculadas tomando por base um determinado índice percentual da retribuição.
III.3.8. Os critérios relativos à retribuição a considerar encontram-se, por sua vez, estabelecidos no artigo 26º da referida Lei n.º 100/97, interessando reter o seguinte. As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial serão calculadas com base na retribuição diária, ou na 30ª parte da retribuição mensal ilíquida, auferida à data do acidente, quando esta represente retribuição normalmente recebida pelo sinistrado (n.º 1). Por retribuição mensal entende-se "tudo o que a lei considera como seu elemento integrante e todas as prestações recebidas mensalmente que revistam carácter de regularidade e não se destinem a compensar o sinistrado por custos aleatórios" (n.º 3), enquanto que a retribuição anual é "o produto de 12 vezes a retribuição mensal acrescida dos subsídios de Natal e de férias e outras remunerações anuais a que o sinistrado tenha direito com carácter de regularidade" (n.º 4). Se a retribuição correspondente ao dia do acidente não representar a retribuição normal, será esta calculada pela média tomada com base nos dias de trabalho e correspondente a retribuições auferidas pelo sinistrado no período de um ano anterior ao acidente. Na falta destes elementos, o cálculo far-se-á segundo o prudente arbítrio do juiz, tendo em atenção a natureza dos serviços prestados, a categoria profissional do sinistrado e os usos (n.º 5). Este mesmo princípio é aplicável ao trabalho não regular e aos trabalhadores a tempo parcial vinculados a mais de uma entidade empregadora (n.º 9).
III.3.9. Quanto a este último aspecto, o Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril, que regulamenta a Lei dos Acidentes de Trabalho, vem esclarecer, no seu artigo 44º, que o "cálculo das prestações dos trabalhadores a tempo parcial tem como base a retribuição que auferiam se trabalhassem a tempo inteiro".
Importa considerar, por fim, nesta primeira abordagem do regime legal, que o Decreto-Lei n.º 159/99 também providencia quanto à retribuição aplicável em caso de acidente de trabalho de trabalhador independente, ditando, no seu artigo 9º, n.º 1, o seguinte: "A remuneração anual a considerar, para efeito do cálculo dos prémios e das prestações em dinheiro, corresponderá, no mínimo, a 14 vezes a remuneração mínima mensal mais elevada, ou a qualquer outro valor, à escolha do trabalhador".O n.º 2, por seu turno dispõe: “Para qualquer valor superior à remuneração mínima indicada no número anterior, a empresa de seguros reserva-se o direito de exigir prova de rendimento.”O n.º 3: “Não tendo sido exigida prova no momento da subscrição ou alteração do contrato de seguro, será sempre considerado, para efeitos de indemnização, o valor garantido.”
III.3.10. Dispõe, sobre acidentes de trabalho o art.º 43 da L 143/99:
Artigo 43.o
Modo de fixação das pensões por incapacidade e indemnizações
1 — As pensões respeitantes a incapacidade permanente são fixadas em montante anual.
2 — As indemnizações por incapacidades temporárias são pagas em relação a todos os dias, incluindo os de descanso e feriados.
3—Nas incapacidades temporárias superiores a 15 dias é paga a parte proporcional correspondente aos subsídios
de férias e de Natal, determinada em função da percentagem da prestação prevista nas alíneas e) e f)
do n.o 1 do artigo 17.o da lei.
 No caso que nos ocupa, como vimos, não está demonstrado que o acidente se possa considerar, também como acidente de trabalho, tão-pouco existe prova acerca da existência de um seguro de acidentes de trabalho.
III.3.11. Ou seja, caso o acidente fosse caracterizado como acidente de trabalho, a indemnização por incapacidade temporária teria de ser paga em relação a todos os dias, incluindo os dias de descanso e feriados. O art.º 562 do CCiv, indicado pela Ré seguradora estatui a obrigação de reconstituir a situação que existira se não tivesse verificado o evento que obriga à reparação a cargo da pessoa que esteja obrigada a reparar o dano, em consagração do princípio da reposição natural que visa o dano real ou concreto, em contraposição ao chamado dano de cálculo ou dano abstracto ou seja o valor pecuniário causado ao lesado que deve ser reparado em dinheiro ou renda como estabelecido nos art.ºs 566 e 567 do Cciv. Em causa os lucros cessantes os benefícios que o Autor deixou de auferir em consequência da lesão (art.º 564 do Cciv). Seja como for, como acima dissemos, a actividade do Autor distribuía-se entre a venda de produtos e bens, actividade para a qual, verdadeiramente, não há horário de trabalho e a actividade de trabalhador independente de construção civil, essa com horário e, da mesma forma que para o cálculo do rendimento líquido diário não há que descontar férias e feriados, também não existe razão para a descontar para o cálculo da indemnização pelas incapacidades temporárias que, caso o acidente fosse de trabalho, teriam de ser imperativamente contabilizados. Assim sendo temos para a ITA 157 dias e para a ITP de 20%, 70 dias. A indemnização devida é, assim calculada:
ITA- 135x59,78+22X80,28EUR  = 8.070.30+1.766,10= 9.836,46
ITP- 70X (80,20x0,20)  = 1.123,92
Total = 10.960,38EUR
III.3.12. Abatendo a esse valor o montante de 5.000,00EUR já pago pela seguradora, é devido ao Autor a diferença ou seja 10.960,38EUR-5.000,00EUR= 5.960,38EUR relativa a indemnização pelas incapacidades temporárias sofridas pelo Autor.
III.4. Saber se ocorre erro de interpretação e de aplicação do disposto no art.º 564/2 do CCiv ao fixar o valor de 28.000,00EUR pela perda de capacidade de ganho, que não ocorreu, por ser residual ou admitindo-se esse dano futuro saber se a indemnização fixada violou o disposto no art.º 566/3 do Cciv, devendo ser deduzida para 20.000,00EUR [ 4% de IPP x 68,00EUR x 313 dias de trabalho anual x 23,5 anos de esperança de vida activa = 20,000,6EUR]
III.4.1. Entendeu-se na sentença recorrida em suma:
· Do acidente da responsabilidade exclusiva do condutor do veículo seguro na Ré resultou amiotrofia do antebraço esquerdo, força muscular diminuída a nível da mão esquerda, dificuldade de mobilização independente dos 3.º e 4.º dedos da mão esquerda e diminuição da sensibilidade nas extremidades distais dos mesmos dedos, lesões que afectam particularmente o Autor porquanto é construtor civil, efectua colocação de tijolos, azulejos e sancas actividade essa em que usa as mãos;
· A incapacidade parcial permanente situa-se nos 4%, o que significa que tendo o Autor condições para continuar a desempenhar as suas funções está limitado na execução do trabalho, há limitação para o exercício da actividade profissional do Autor.
· A jurisprudência do Supremo Tribunal de Justiça atribui cariz patrimonial ao dano biológico e esse entendimento coloca o acento tónico no esforço suplementar que uma limitação funcional implica, tornando mais penosa a vida da pessoa afectada, mesmo que não haja uma repercussão negativa no salário ou na actividade profissional concreta do lesado, o que integra um dano futuro previsível segundo o desenvolvimento natural da vida em cuja qualidade se repercute;
· No cálculo da indemnização pelo dano futuro há que encontrar um capital que, de rendimento, normalmente juros, proporcione ou que teórica ou efectivamente deixou de se auferir e se extinga no fim presumível da vida activa da pessoa visada, sem recurso a fórmulas matemáticas.
· Considerando que o Autor auferiu em 2004 um rendimento anual líquido de 29.383,77EUR, tinha 41 anos de idade à data do acidente, trabalhava por conta própria, ficou a padecer de uma IPP de 4%, considerando a taxa de juros média de 3%, taxa de inflação de 2% é adequado fixar a indemnização em 28.000,00EUR
III.4.2. Discorda a seguradora no recurso independente em suma dizendo:
· Considerando que o Autor, estando já curado, auferiu em 2004, um rendimento líquido de trabalho de €29.383,77, a IPP de 4% não se repercutiu na capacidade de ganho pois os números apontam para um crescimento do rendimento líquido diário de 50% , quanto muito um dano de natureza não patrimonial dano esse que foi já generosamente compensado.
· A admitir a indemnização desse dano como dano patrimoniais futuro ela deveria ter partido do período contado a partir de 1/4/04 até aos 65 anos ou seja 23 anos e 6 meses e a indemnização deveria corresponder à perda anual de €851,36EUR, num total de 20.000,00EUR (4%X€68X313 dias de trabalho anual X 23,5 anos de esperança de vida activa)
III.4.3. O Autor entende dever ser mantida a decisão.
III.4.4. Na fundamentação da necessidade de indemnização do dano biológico traduzido na incapacidade parcial permanente de 4% como dano patrimonial futuro e não como dano não patrimonial, cuja compensação a decisão recorrida também arbitra, mas suportada noutros factos (20 a 23), concorda-se em absoluto com o decidido na sentença recorrida para a qual se remete (art.º 713/5).
III.4.5. Concorda-se que na indemnização dos danos futuros, como é caso do n.º 2 do art.º 564 do Cciv, se deve atender àquelas circunstâncias que a jurisprudência do nosso mais alto Tribunal tem vindo a indicar, o valor deve ser assim equitativamente fixado, podendo as tabelas financeiras funcionar como mera indicação ou guia. No quadro de cálculo sob juízos de equidade devem ponderar-se, entre outros, factores tais como a idade da vítima e as suas condições de saúde ao tempo de decesso, o seu tempo provável de vida activa, a natureza do trabalho que realizava, o salário auferido, deduzidos os impostos e as contribuições para a segurança social, o dispêndio relativo a necessidades próprias, a depreciação da moeda, a evolução dos salários, as taxas de juros do mercado financeiro, a perenidade ou transitoriedade de emprego, a progressão na carreira profissional, o desenvolvimento tecnológico e os índices de produtividade. E, uma vez que a previsão assenta sobre danos verificáveis no futuro, relevam sobremaneira os critérios de verosimilhança, ou de probabilidade, de acordo com o que, no concreto, poderá vir a acontecer segundo o curso normal das coisas. Deve considerar-se que o lesado Autor vai receber essa soma de uma vez só, fazendo-a frutificar, auferindo juros, o que para evitar eventual enriquecimento sem causa, importa proceder a desconto, que, como escreve o Exm.º Cons.º Sousa Dinis , in , Dano Corporal em Acidente de Viação , in CJ ,  STJ , Ano IX ,  TI , 2001 , 5 , não pode alienar-se da condição ( crítica ) do país , do seu nível de vida ( com tendência a agravar-se quotidianamente ) e até da sensibilidade do juiz , percepcionando o mundo que o cerca.
III.4.6. Pensamos, ao contrário da recorrente seguradora que a reforma, os 65 anos (ou 66 de acordo com o próximo Orçamento de Estado), não pode ser considerado como termo da vida activa, nem verdadeiramente os 70 anos, porque as pessoas, salvo casos das doenças fatais, hoje, vivem muito para além quer dos 65 quer dos 70, e, com qualidade, ou seja, aptas a desenvolver uma actividade profissional, facto notório. Considerando:
· O valor de rendimento líquido diário, à data da alta em 2004 era de 81,6215EUR, a incapacidade de 0,04 representa uma diminuição de ganho previsível de 3,26EUR.
· A esperança média de vida à data da alta em 2004 que era de 78 anos (para as pessoas com mais de 65 era em 2011 de mais 18 anos), por isso de mais 35, o rendimento anual de 2004 de 29.383,77, o valor da incapacidade de 0,04, teríamos uma perda global de 41.137,78EUR que aplicada, hoje, à taxa de juro anula de 0,03 daria um juro anual de 1.234,41EUR e diário de 3, 38EUR, um pouco superior àquela perda diária de ganho. Teremos, no entanto de considerar que desses 41.137,78EUR de perda de ganho, como tem vindo a entender o Supremo, cerca de 1/3 seria utilizado em despesa própria do Autor, o que traduziria uma perda real de 27.425,19EUR
III.4.7.Donde poder concluir-se que o valor fixado em 28.000,00EUR para a perda de capacidade de ganho ser equitativo.
III.5. Saber se ocorre erro de interpretação e de aplicação do art.º 496 do Civ devendo ser compensados os danos não patrimoniais sofridos pelo Autor em 21.000,00EUR (recurso subordinado do Autor)
III.5.1. Entendeu-se na sentença recorrida, em suma:
· O Autor permaneceu acamado ou em casa por período não concretamente apurado, mas não inferior a 5 meses, não podendo, numa primeira fase executar tarefas da vida quotidiana, como fazer a sua higiene pessoal, alimentar-se sozinho, necessitando do auxílio de terceira pessoa para executar tarefas simples, teve dores que ainda hoje se gravam com as mudanças do tempo, o seu estado de saúde acarretou e acarreta aflição, angústia e inquietação, sentiu incómodo e a diminuição da sua capacidade de utilização do corpo pela lesão irreversível dos 2 dedos, o sinistro provocou-lhe medo e a prostração mental um estado de tristeza e acabrunhamento que não são próprios da sua idade.
· Atendendo a todos estes factores a compensação por esses danos é fixada em 12.000,00EUR actualizado à data da citação.
III.5.2. Discorda o Autor sublinhando que a culpa do condutor do veículo seguro na Ré é elevada já que conduzia com uma taxa de álcool de 1,70 grs/lt conforme alínea H) dos factos assentes, sem qualquer concurso de culpa do Autor, pelo que a compensação deve ser de 21.000,00EUR.
III.5.3. O juiz deve atender aos danos não patrimoniais que, pela sua gravidade, mereçam a tutela do direito- art.º 496, n.º 1 do CC.
III.5.4. A resposta está no art.º 496 (gravidade do dano que mereça a tutela do direito, fixação equitativa pelo tribunal tendo em atenção as circunstâncias do art.º 494) e no art.º 494 do CCiv, este último estabelecendo a possibilidade de limitação da indemnização quando, fundando-se a responsabilidade na mera culpa, o grau de culpabilidade do agente, a situação económica do lesado e as demais circunstâncias do caso o justifiquem.
III.5.5. Não há assim nem pré-fixação legal que fixe o valor, nem perícia médica a auxiliar na tarefa, mas existem parâmetros legais que permitem uma atenuação na subjectividade da atribuição.
III.5.6. O grau de culpa do agente permite descortinar na intenção do legislador, uma função sancionatória ou punitiva, apesar de não se negar a aplicação do art.º 496 do CCiv aos pressupostos de responsabilidade objectiva.[2] Um comportamento posterior do lesante ou do seu segurador pode levar ao aumento do montante dos danos não patrimoniais quando protelarem o cumprimento da obrigação ou discutirem a sua existência, injustificadamente, recorrendo a artifícios ou, contrariamente ao devido, pagarem apenas uma parte.[3]
III.5.7. A gravidade há-de ser vista não tanto em termos de excepcionalidade como em termos de intensidade ou de relativa profundidade, podendo considerar-se ser grave sempre que, em termos razoáveis, se possa revelar como inexigível em termos de resignação, mas com padrões objectivos.[4]
III.5.8. No que toca à condição económica do lesado já o STJ, numa decisão de 11/01/07, considerou ser inconstitucional o critério do art.º 494 por violação do princípio constitucional da igualdade e por isso alguma doutrina admite que só o caso de verdadeira desproporção lesado rico/lesante pobre e não já a inversa pode justificar a atenuação por razões económicas.[5] Tendemos a concordar e, sobretudo, tendo em vista o caso que nos ocupa, tratando-se como se trata no caso de uma seguradora (que se substitui ao condutor lesante), nenhuma conclusão relevante para o caso se pode tirar, na certeza de que o Autora era trabalhador independente.
III.5.9. A jurisprudência tem vindo a acrescentar outros guias de orientação que extravasam do caso concreto como a proporcionalidade, que tem a ver com a gravidade das lesões e dos bens e com a análise comprada da jurisprudência.
III.5.10. Tudo ponderado parece-nos assistir parcial razão ao recorrente Autor pelo que se fixa a compensação pelos danos morais em 18.000,00EUR.

IV- DECISÃO

Tudo visto acordam os juízes em julgar parcialmente procedentes o recurso independente da seguradora e o recurso subordinado do Autor, revogando parcialmente a decisão recorrida, em consequência julgam a acção parcialmente provada e procedente e em consequência:

a) fixam a indemnização a cargo da Ré a favor do Autor pelas incapacidades temporárias em 5.960,38EUR;
b) fixam a compensação pelos danos não patrimoniais a cargo da Ré a favor do Autor em 18.000,00EUR
c) reformulam o montante global de indemnização que é de 51.960,38EUR (cinquenta e um mil, novecentos e sessenta euros e trinta e oito cêntimos correspondentes a (5.960,38+28.000,00+18.000,00), acrescido de juros de mora legais a contar da citação.

Regime da Responsabilidade por Custas: As custas são da responsabilidade do Autor e do Réu na proporção do decaimento.

Lisboa, 5 de Dezembro de 2013

João Miguel Mourão Vaz Gomes
Jorge Manuel Leitão Leal
Ondina Carmo Alves
----------------------------------------------------------------------------------------
[1] Na redacção que foi dada ao Código do Processo Civil pelo DL 303/2007 de 24/08, entrado em vigor a 1/1/08,  atenta a circunstância de a acção ter sido instaurada em 22/07/2008 com distribuição ao 3.º Juízo Cível, do Juízos Tribunal de Família e de Menores e de Comarca de Cascais, e o disposto no art.º 11 e 12 do mencionado diploma; o art.º 5/1 da Lei 41/2013 de 26/7 estatuem que o novel Código de Processo Civil entrou em vigor no passado dia 1/09/2013 e que se aplica imediatamente a todas as acções pendentes, por isso, aparentemente, a esta acção e recurso, mas logo nos n.ºs 2 a 5 constam várias excepções, nenhuma delas aqui aplicável; em matéria de recursos o art.º 7/1 da Lei 41/2013 de 26/7 apenas contém uma disposição transitória referente a recursos interpostos de decisões proferidas a partir da entrada em vigor, em acções instauradas antes de 1/1/08 (que não é o caso dos autos e por isso, aparentemente o novel NCPC em matéria de recursos não se aplica à decisão recorrida dos autos proferida que foi em 06/03/2012, antes, de todo o modo, da entrada em vigor do NCPC), mandando aplicar o DL 303/07 de 24/08, com as alterações ora introduzidas, que o art.º 4 dessa Lei não revogou; ao Código referido, na redacção dada pelo DL 303/07, pertencerão as disposições legais que vierem a ser mencionadas sem indicação de origem.
[2]
Maria Manuel Veloso, obra citada pág. 540; Antunes Varela atribui-lhe uma natureza mista com fins reparatórios e punitivos e no mesmo sentido aprece também ir Mário Júlio de Almeida Costa, Direito das Obrigações, 10.ª edição, Almedina, pág. 604; P.M. Lourenço, em a função punitiva da responsabilidade civil, Coimbra editora, 2006, 251 e ss e A. Pinto Monteiro, Sobre a Reparação dos Danos Morais, Rev Port do Dano Corporal, 192, Ano 1.º, 1, 21.
[3]
Inocêncio Galvão Telles, Direito das Obrigações, 379 e 385, n.º 2.
[4]
Dário Martins de Almeida, Manual dos Acidentes de Viação, 3.ª edição, pág 130, Antunes Varela e Pires de Lima, Código Civil Anotado, vol..I, 3.ª edição, 1982, pág. 473, citados por Armando Braga, obra citada pág. 163.
[5]
Maria Manuel Veloso, obra citada pág. 542

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