quinta-feira, 2 de julho de 2015

ACÇÃO DE IMPUGNAÇÃO DA REGULARIDADE E LICITUDE DO DESPEDIMENTO - JUSTA CAUSA DE DESPEDIMENTO - FALTAS POR DOENÇA - JUSTIFICAÇÃO DA FALTA - CULPA - SANÇÃO DISCIPLINAR – PROPORCIONALIDADE



 Proc. Nº 5222/12.9TTLSB.L1-4   TRLisboa    10  Set  2014

I- O comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho II- A não comunicação da falta justificável é um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, constituindo infracção menos grave, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal III- Mesmo no caso da 2.ª parte da al. g) do n.º 2 do art.º 351.º, Cód. do Trabalho, deve-se aferir a possibilidade da manutenção da relação laboral pois o desvio relativamente ao princípio consagrado no nº 1, o mesmo restringe-se à desnecessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves IV- Face aos arts. 342º e 799º do CC, sobre o empregador recai o ónus de provar que as faltas ocorreram e sobre o trabalhador impende o ónus de provar que comunicou as faltas ao empregador e, sendo caso disso, que apresentou a respectiva justificação V- Os preceitos legais relativos às faltas e respectivo sancionamento, como todos os preceitos legais, dirigem-se ao comum das pessoas, seus destinatários, pressupondo, naturalmente, capacidade comum de entendimento e posse das normais faculdades volitivas. Na ausência deste condicionalismo ter-se-á de considerar que a culpa do trabalhador, no caso de falta de estrito cumprimento dos imperativos legais, estará mitigada VI- Um quadro clínico de doença psiquiátrica depressão (neurostenia), caraterizada por supressão total do sono, isolamento e incapacidade para as actividades é compatível com o comportamento descuidado evidenciado ao não fazer as comunicações e entregas de atestados médicos tempestivamente, atenuando significativamente a culpa do trabalhador VII- A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

I- AA, intentou no Tribunal do Trabalho de Lisboa a presente acção declarativa, com processo especial, de impugnação judicial da regularidade e licitude do despedimento, CONTRA,

            CAIXA ECONÓMICA MONTEPIO GERAL.
II- A empregadora/ré foi citada e realizou-se Audiência de Partes em que teve lugar infrutífera tentativa de conciliação.
III- A ré, requerendo declaração da licitude do despedimento, motivou o mesmo, dizendo, em síntese, que:
- Existe justa causa de despedimento devido a faltas não justificadas ao trabalho nos termos do disposto no artº 351º nº 1 e alínea g) do nº 2;
- O autor/trabalhador começou a faltar ao serviço a partir de 26.12.2011 sem que apresentasse, atempadamente, qualquer justificativo para tal ausência, não cumprindo minimamente aquilo que a lei prevê, nomeadamente, no art. 253º do Código do Trabalho nos seus números 1 e 2, nem cumprindo o preceituado na clausula 84ª do ACT/SB;
- Esteve, assim, o autor em situação de faltas injustificadas de 26 de Dezembro de 2011 a 18 de Julho de 2012, ou seja, 205 dias de faltas injustificadas, já que não tendo o autor cumprido o obrigações impostas, nomeadamente, naquela cláusula 84ª, fez com que torne as faltas injustificadas.
IV- O Autor CONTESTOU e RECONVEIO, alegando, em síntese, que:
- Não existe justa causa para despedimento;
- O autor sempre comunicou a situação de doença à ré/empregadora tendo todas as faltas sido justificadas pelos atestados que estão juntos aos autos;
- As faltas não poderão ser consideradas injustificadas tendo em conta que o autor/trabalhador as justificou, assim que conseguiu;
- A ré/empregadora face à doença psiquiátrica de que o autor/trabalhador padece não demonstrou que o mesmo poderia ter agido de outra forma;
PEDIU que:
- Se declare a ilicitude despedimento;
- Se reintegre o autor ou se condene a pagar a indemnização de antiguidade conforme opção a tomar;
- Se condene a ré a pagar-lhe:
            - todas as quantias remuneratórias mensais que deixou de auferir em consequência do despedimento, até à decisão final;
            - créditos vencidos e não pagos no valor de € 11.685,53;
            - juros à taxa legal.
RESPONDEU a ré, dizendo, em resumo, que:
- As faltas referidas na petição inicial são injustificadas;
- Não deve ao autor a quantia de € 10.236,19 do montante pedido.
V- Foi proferido despacho saneador e dispensou-se a realização da Audiência Preliminar, Factos Assentes e Base Instrutória.

O processo seguiu os seus termos e, a final, foi proferida sentença em que se julgou pela forma seguinte: “A) Julgo procedente a oposição apresentada pelo trabalhador ao despedimento e declaro o mesmo ilícito;
B) Condeno a empregadora a reintegrá-lo no seu posto de trabalho, sem prejuízo da sua categoria e antiguidade.
C) Condeno a empregadora a pagar ao trabalhador o correspondente ao valor das retribuições intercalares, que deixou de auferir desde 28.11.2012 até ao trânsito em julgado da presente sentença, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% a contar do trânsito em julgado, descontadas as quantias que porventura tenha recebido nos termos dos 390º, 2, alíneas a) e c) do CT.
D) Condeno a empregadora a pagar ao trabalhador a quantia de € 9.727,80 a título de remunerações não pagas, acrescida de juros de mora à taxa legal de 4% contando-se desde os respectivos vencimentos (dado que se trata de obrigações de prazo certo).
Registe e notifique.
Custas a cargo da ré/empregadora “.
Inconformada com a sentença proferida, a autora dela recorreu (fols. 195 a 213), apresentando as seguintes conclusões:
(…)
O autor contra alegou (fols. 219 a 224), defendendo a improcedência do recurso.
            Correram os Vistos legais (…)
           VI- A matéria de facto considerada provada em 1ª instância, é a seguinte:
1- O Autor foi admitido por contrato de trabalho celebrado em 1 de Junho de 1998 na Caixa Económica Montepio Geral, exercendo as funções de administrativo.
2- Auferia uma retribuição base mensal de € 1.096,24 (mil e noventa e seis euros e vinte e quatro cêntimos).
3- Recebia mensalmente a quantia de € 122,40 correspondente a diuturnidades; € 230,70 de complemento de vencimento; e € 9,03 diário de subsídio de almoço.
4- O autor/trabalhador apresenta no ano de 2011 um registo de elevado absentismo, conforme fls. 6 e 7 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
5- As faltas dadas pelo autor/trabalhador de 26 de Dezembro de 2011 a 24 de Janeiro de 2012 vieram a ser justificadas através de três atestados médicos, conforme fls. 8, 9 e 10 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
6- O autor/trabalhador apresentou à ré/empregadora os seguintes atestados médicos: datado de 26 de Janeiro de 2012 dizendo que estaria doente de 23 a 30 de Janeiro; datado de 2 de Fevereiro de 2012 dizendo que estaria doente de 31 de Janeiro a 6 de Fevereiro; datado de 10 de Fevereiro de 2012 dizendo que estava doente de 7 de Fevereiro e que se previa estar durante um período previsível de 14 dias; datado de 24 de Fevereiro de 2012 dizendo que esteve doente de 22 a 24 de Fevereiro; datado de 2 de Março de 2012 dizendo que se encontrava doente desde 25 de Fevereiro e até 12 de Março; datado de 16 de Março de 2012 dizendo que estava doente de 13 a 16 de Fevereiro; datado de 23 de Março de 2012 dizendo que estava doente desde 17 de Março por um período previsível de 18 dias; datado de 16 de Abril de 2012 dizendo que estaria doente de 10 de Abril de 2012, pelo período previsível de 14 dias, ou seja, até 23 de Abril de 2012; datado de 30 de Abril de 2012 dizendo que estaria doente de 24 de Abril, de 2012, pelo período previsível de 17 dias, ou seja, até 10 de Maio de 2012; datado de 18 de Maio de 2012 dizendo que estava doente de 11 de Maio de 2012, pelo período previsível de 17, ou seja, até 27 de Maio de 2012; datado de 28 de Maio de 2012 dizendo que estaria doente de 28 de Maio de 2012, pelo período previsível de 13 dias, ou seja, até 10 de Junho de 2012; datado de 15 de Junho de 2012 dizendo que se encontrava doente desde 11 de Junho de 2012, pelo período previsível de 15 dias, ou seja, até 25 de Junho de 2012; datado de 3 de Julho de 2012 dizendo que estava doente de 26 de Junho de 2012, pelo período previsível de 18 dias, ou seja, até 14 de Julho de 2012, conforme fls. 15, 16, 20, 21, 22, 23, 24, 60, 62, 64, 66, 68, e 70 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
7- O despedimento do Autor/trabalhador foi precedido de processo disciplinar que se mostra junta aos autos.
8- Em 4 de Abril de 2012, foi deliberado pelo Conselho de Administração da Caixa Económica Montepio Geral, instaurar procedimento disciplinar contra AA, conforme fls. 1 a 3 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
9- Elaborada a Nota de Culpa de fls. 32 a 37 do Processo Disciplinar, pretendeu-se notificar a mesma, por carta datada de 3 de Maio de 2012, registada com aviso de recepção (a fls. 38 do processo disciplinar) ao ora autor/trabalhador para a morada conhecida na Direcção de Recursos Humanos da Ré.
10- Tal notificação não foi recebida, nem reclamada pelo A, tendo tal carta sido devolvida à Ré, encontrando-se nos autos a fls. 43 do processo disciplinar.
11- A ré/empregadora fez o aditamento à nota de culpa de fls. 77 a 83 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
12- No dia 18 de Julho de 2012, o A. apresentou-se no Balcão Odivelas para retomar o trabalho.
13- Na data em que se apresentou no Balcão Odivelas, o seu Gerente comunicou ao A. que se deveria apresentar na Direcção de Recursos Humanos.
14- Nessa data, por carta da DRH (a fls. 74 do processo disciplinar), que lhe foi apresentada, foi, então, o autor/trabalhador, notificado, pessoalmente, naquela DRH, da instauração do processo disciplinar acompanhado da primitiva Nota de Culpa e de cópia da carta de 3 de Maio, em correio registado c/AR, a qual não havia recebido.
15- Aquando do recebimento presencial da citada Nota de Culpa, o autor/trabalhador informou a Ré (a fls. 76 do processo disciplinar) de que as futuras notificações deveriam ser enviadas para a Rua (…), nº 1 2º Esq., Amadora, morada esta que disse ser de seus Pais.
16- Face a esta informação, o Aditamento à Nota de Culpa de fls. 77 a 83 foi já foi remetido, por carta registada com aviso de recepção, para esta morada, em 19 de Julho de 2012, carta essa recebida pelo A., a 25 do mesmo mês.
17- Tendo sido o autor/trabalhador, quer na Nota de Culpa, recebida pessoalmente a 18 de Julho de 2012, quer no Aditamento à Nota de Culpa recebido, via postal registado, em 25 de Julho de 2012, notificado de que deveria apresentar a sua defesa no prazo de 15 dias úteis.
18- O autor/trabalhador apresentou em 14 de Agosto de 2012 a sua defesa conforme fls. 91 a 93 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
19- A comissão de trabalhadores do Montepio Geral/Caixa Económica Montepio Geral emitiu o parecer de fls. 127 a 129 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
20- Foi proferido relatório final elaborado pelo instrutor, junto a fls. 107 a 125 do processo disciplinar e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
21- Em 7 de Novembro de 2012, a Ré/empregadora comunicou ao Autor/trabalhador o seu despedimento com justa causa, pelos motivos constantes do relatório final do processo disciplinar, conforme documentos junto a fls. 135 a 136 do Processo Disciplinar.
22- O autor/trabalhador apresentou-se ao serviço nos dias 5 e 9 de Abril de 2012 (cf. fls. 131 do processo disciplinar cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido).
23- O autor/trabalhador não justificou as faltas dadas nos dias 4, 6 e 10 de Abril de 2012 e nos dias 16 e 17 de Julho de 2012, num total de 5 faltas interpoladas.
24- Desde 2011 que o autor/trabalhador apresenta um quadro clínico de doença psiquiátrica depressão (neurostenia), caraterizada, conforme declarações médicas de fls. 106 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido, por supressão total do sono, isolamento e incapacidade para as actividades.
25- O autor/trabalhador não recebeu as remunerações de 26 de Dezembro a 04 de Abril e de 10 de Abril a 17 de Julho de 2012, perfazendo o montante toral de € 9.727,80 (nove mil e setecentos e vinte e sete euros e oitenta cêntimos).
VII- Nos termos dos arts. 635º-4, 637º-2, 639º-1-2, 608º-2 e 663º-2, todos do CPC/2013, o âmbito do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação; os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes, salvo se importar conhecê-las oficiosamente.

         Tratando-se de recurso a interpor para a Relação, como este pode ter por fundamento só razões de facto ou só razões de direito, ou simultaneamente razões de facto e de direito, assim as conclusões incidirão apenas sobre a matéria de facto ou de direito ou sobre ambas (v. Fernando Amâncio Ferreira, "Manual dos Recursos em Processo Civil", 3ª ed., pag. 148).
Atento o teor das conclusões das alegações apresentadas pela apelante, a as questões que fundamentalmente se colocam no presente recurso são as seguintes:
A 1ª, se a ré impugnou a matéria de facto considerada provada e se, em caso afirmativo, a mesma pode ser alterada.
A 2ª, se a factualidade apurada permite concluir pela existência de justa causa para o despedimento.

VIII- Decidindo.
Quanto à 1ª questão.
(…)
Quanto à 2ª questão.
Veio a apelante invocar a invalidade de diversos atestados médicos bem, como, aparentemente, a competência médica do Dr. BB para emitir os mesmos.
Verifica-se que a questão relativa à invalidade dos atestados médicos é questão nova apenas colocada neste recurso para a Relação, não suscitada anteriormente pela ré nos autos e que não pode agora ser conhecida.

As alegações e conclusões de recurso para a 2ª instância não servem para se tentar a introdução questões novas que oportunamente não se colocaram. Não se pode estar a censurar uma sentença de 1ª instância estribando-se em matérias que a mesma não pôde ter em conta na altura da sua elaboração, mais a mais quando tal ausência é imputável, precisamente, a quem agora recorre da sentença.
Quanto à questão da competência médica não só também é questão nova como até é contraditória com o anteriormente alegado pela ré no seu articulado de motivação do despedimento. De facto, no art. 42º da motivação, a fols. 53 a ré escreveu (e não poderemos duvidar da bondade técnica do médico emissor dos atestados).
E sendo questões novas, não se toma conhecimento das mesmas.
Vejamos agora se o despedimento proferido pela ré foi lícito, considerando-se as faltas dadas pela autora.
Considera a autora que os factos provados preencheram o conceito jurídico de justa causa. 
Por força de princípio constitucional, nenhum trabalhador pode ser despedido sem justa, conceito estes que constam do art. 351-1 do CT/2009, que regula a disciplina da cessação do contrato de trabalho, por iniciativa do empregador.
O nosso sistema jurídico-laboral confere ao empregador o poder de aplicar sanções de natureza disciplinar visando sanar situações de violação de deveres contratuais que se concretizam nas infracções disciplinares; esse poder resulta da posição jurídica de supremacia do empregador sobre o trabalhador.
O sistema em referência prevê dois tipos de sanções que se reflectem no desenvolvimento da relação laboral: as de natureza conservatória e a que tem em vista a ruptura do vinculo laboral, ou seja, a sanção do despedimento. As primeiras aplicam-se a situações de crise do vínculo laboral que não impliquem necessariamente uma desvinculação, uma ruptura da relação laboral; a segunda apenas deve aplicar-se quando não seja possível restabelecer a harmonia e coesão daquela mesma relação atenta a gravidade dos factos e as suas consequências.
De acordo com o art. 351º-1 do CT, constitui justa causa de despedimento "o comportamento culposo do trabalhador que, pela sua gravidade e consequências, torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho".
O nº 3 do mesmo artigo esclarece que para a apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao carácter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes.
Já o nº 2, exemplifica comportamentos do trabalhador que constituirão justa causa.
A existência de justa causa de despedimento supõe a verificação cumulativa de três requisitos: a) um de natureza subjectiva, traduzido num comportamento culposo do trabalhador, b) outro de natureza objectiva, consubstanciado na impossibilidade de subsistência da relação de trabalho; c) finalmente, a ocorrência de nexo de causalidade entre aquele comportamento e esta impossibilidade.
Para que exista justa causa de despedimento torna-se, pois, necessário que haja um comportamento culposo do trabalhador. Haverá uma infracção disciplinar, pressupondo uma acção ou omissão imputável ao trabalhador a título de culpa, violadora dos deveres a que o trabalhador, como tal, está sujeito, isto é, dos deveres emergentes do vínculo contratual.
Por outro lado, o comportamento culposo do trabalhador apenas constituirá justa causa de despedimento quando determine a impossibilidade prática de subsistência da relação de trabalho - não se tratando de uma impossibilidade física ou legal, encontramo-nos, necessariamente, no campo da inexigibilidade, só havendo justa causa de despedimento, quando, em concreto, seja inexigível ao empregador o respeito pelas garantias de estabilidade do vínculo.
O autor foi despedido com fundamento em que, entre Dezembro de 2011e Julho de 2012 faltou injustificadamente 205 dias.
Entre as causas de despedimento que constituem "justa causa", indica a lei, designadamente: "faltas não justificadas ao trabalho que determinem directamente prejuízos ou riscos graves para a empresa ou cujo número atinja, em cada ano civil, cinco seguidas ou dez interpoladas, independentemente de qualquer prejuízo ou risco"- art. 351º-2-g) do CT.
Esta disposição encontra-se ligada ao preceituado no art. 128º-1-b) do CT que determina que o trabalhador deve comparecer ao serviço com assiduidade e pontualidade.
O art. 248º-1 do CT define que é "...falta a ausência do trabalhador do local em que devia desempenhar durante o período normal de trabalho diário".
O artigo 249º do CT distingue dois tipos de falta, as justificadas e as injustificadas. Esta norma prevê, ainda, um elenco taxativo de justificações atendíveis, considerando injustificadas as não elencadas.
Mas a lei estabelece ainda um regime de comunicação das faltas nos artigos 253º e 254º do CT, impondo a obrigatoriedade da comunicação das faltas justificadas por parte do trabalhador, com 5 dias de antecedência, no caso das faltas previsíveis, e “logo que possível”, no caso das imprevisíveis.
Por força do disposto no n.º 5, do preceito em análise, o incumprimento do dever de comunicação torna as faltas injustificadas.
Existem assim três tipos de infracções relacionadas com o dever de assiduidade: a) a falta injustificável; b) a não comunicação tempestiva da falta justificável ou do motivo justificativo; c) a não comprovação ou justificação com verdade.
A falta injustificável e a não comprovação ou justificação com verdade constituem infracções de gravidade mais intensa, sendo a não comunicação da falta justificável um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, menos graves, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal.
Como se tem decidido nesta Relação de Lisboa, mesmo no caso da 2.ª parte da al. g) do n.º 2 do art.º 351.º, Cód. do Trabalho, deve-se aferir a possibilidade da manutenção da relação laboral (cfr. Ac. da Relação de Lisboa, de 3 de Março de 2010, 71/09.4TTPDL.L1-4 (Relator Desemb. Seara Paixão), e Ac. de 17 de Março de 2010, processo n.º 1684/06.1TTLSB.L1-4 (Relatora Desemb. Isabel Tapadinhas), ambos disponíveis em www.dgsi.pt/jtrl. Embora se possa dizer que existe aqui “um certo desvio relativamente ao princípio geral consagrado no n.º 1 (Prof. Júlio Gomes, Direito do Trabalho, vol. I, Coimbra Editora, Coimbra, 2007, p. 958), o certo é que tal desvio se restringe à desnecessidade de provar que as faltas tiveram consequências graves.
Aliás, já era este o entendimento existente antes da codificação laboral, em que se considerava que entre a al. g) do nº 2 do art. 9º do Dec.-Lei nº 64-A/89 de 27/2 e o nº 1 do mesmo artigo existia uma relação em que a verificação dos elementos referidos no nº 1 era um pressuposto da aplicação de cada uma das normas do nº 2 do mesmo artigo, pelo que a verificação de cinco faltas seguidas "não determina, só por si e objectivamente o despedimento do trabalhador. Torna-se necessário que a gravidade do comportamento pela sua reiteração, consequências, motivação, torne imediata e praticamente impossível a sua subsistência de relação de trabalho"- Carlos Alberto L. Morais Antunes e Amadeu Francisco Ribeiro Guerra, "Despedimento e Outras Formas de Cessação do Contrato e Trabalho", pag. 112.
Face aos arts. 342º e 799º do CC, sobre o empregador recai o ónus de provar que as faltas ocorreram e sobre o trabalhador impende o ónus de provar que comunicou as faltas ao empregador e, sendo caso disso, que apresentou a respectiva justificação.
Tirando as faltas que na sentença recorrida se consideraram injustificadas (facto nº 23), as demais, foram todas objecto de justificação médica (factos nºs 5, 6).
O desacordo da apelante relativamente à sentença recorrida versa fundamentalmente na não comunicação atempada de várias ausências e na não entrega atempada de vários atestados médicos, face ao disposto nos arts. 253º-1 e 254º-2 do CT, o que integraria faltas injustificadas nos termos do art. 253º-3 do CT.
Na sentença recorrida entendeu-se que nessas situações, as faltas teriam de se considerar justificadas na medida em que o autor padecia de doença do foro psiquiátrico.
Não acompanhamos, nesta parte a sentença recorrida.
De facto, nas situações em que a comunicação não foi atempada não pode deixar-se de considerar que as respectivas ausências são injustificadas, como determina o art. 253º-5 do CT.
Coisa diversa é se face à factualidade provada essas faltas e ausências injustificadas o comportamento do autor constitui justa causa de despedimento porque determinante da impossibilidade prática de subsistência da relação laboral.
E desde já se diz que não integra o conceito de justa causa de despedimento.
Vejamos porquê.
Importa desde logo sublinhar que os preceitos legais relativos às faltas e respectivo sancionamento, como todos os preceitos legais, dirigem-se ao comum das pessoas, seus destinatários, pressupondo, naturalmente, capacidade comum de entendimento e posse das normais faculdades volitivas.
Na ausência deste condicionalismo ter-se-á de considerar que a culpa do trabalhador, no caso de falta de estrito cumprimento dos imperativos legais, estará mitigada.
Ora está provado que o autor, desde 2011, apresenta um quadro clínico de doença psiquiátrica depressão (neurostenia), caraterizada, conforme declarações médicas de fls. 106, por supressão total do sono, isolamento e incapacidade para as actividades (facto nº 24), o que é compatível com o comportamento descuidado que o autor evidenciou ao não fazer as comunicações e entregas de atestados médicos tempestivamente, atenuando significativamente a culpa do autor.
Por outro lado, como acima já se referiu, a não comunicação da falta justificável é um tipo de incumprimento do dever de comunicar a falta e de a justificar, constituindo infracções menos graves, apesar de constituir uma violação do dever do trabalhador de colaborar no processo de controlo do dever de assiduidade pela entidade patronal.
No caso concreto, o autor, tirando as 5 faltas já referidas (facto nº 23), sempre justificou/comunicou as faltas, muitas vezes com atraso, é certo, mas também sob a influência de um estado clínico que, se a tal não propiciou, pelo menos diminuiu a culpa respectiva.
Os comportamentos do autor, face a toda a factualidade envolvente, apesar de censuráveis, não se revestiram, em concreto, de gravidade tal que tornasse imediatamente impossível e inexigível a manutenção do contrato de trabalho existente entre a ré e o autor, existindo toda uma série de alternativas punitivas previstas nas als. a) a e) do art. 328º do CT, mais adequadas ao condicionalismo da factualidade apurada.
O elemento não taxativo das sanções disciplinares encontra-se descrito no art. 328º do CT: repreensão, repreensão registada, sanção pecuniária, perda de dias de férias, suspensão de trabalho com perda de retribuição e de antiguidade e despedimento sem qualquer indemnização ou compensação, por ordem crescente e gravidade.
"A sanção disciplinar deve ser proporcional à gravidade da infracção e à culpabilidade do infractor, não podendo aplicar-se mais de uma pela mesma infracção", estabelece o art. 330º-1 do CT/2003.
A ré classifica os comportamentos do autor como muito graves. Mas é possível conceber um conjunto de outros comportamentos com muito maior gravidade que o autor poderia ter tido e para os quais, aí sim, se justificaria um despedimento com justa causa, como, por exemplo faltar sem nada comunicar ou justificar.
Seguramente que, no máximo, uma repreensão registada ou uma sanção pecuniária, estaria mais de acordo com a gravidade do sucedido, com a antiguidade do autor (facto nº 1) e com a ausência de apuramento de antecedentes disciplinares, e seria adequada a repor a ordem, a normalidade e a tranquilidade na relação laboral, ao mesmo tempo que, servindo de exemplo para os demais trabalhadores, advertia em concreto e solenemente o trabalhador para quaisquer outros futuros e imprudentes comportamentos.
Sendo indiscutível que o exercício do poder disciplinar está sujeito a um controlo judicial “a posteriori”, este tem de respeitar a natureza discricionária do poder disciplinar e o facto de estarmos perante um poder de gestão do empregador que serve os fins da organização empresarial, não podendo o Tribunal determinar uma alteração da sanção aplicada.
"Sendo o poder disciplinar um «poder de gestão», dificilmente o juiz estará em condições (se é que lhe é lícito) de analisar qual a sanção substitutiva adequada à gravidade da infracção, quando a apreciação da gravidade da infracção -e, consequentemente, a escolha da sanção a aplicar e a determinação da sua medida supõe um juízo valorativo do empregador, juízo esse que apenas se pode fundamentar em critérios da própria entidade patronal, uma vez que são condicionados pelos interesses da organização cuja gestão lhe compete em exclusivo"- Mário Pinto, Pedro Furtado Martins e António Nunes de Carvalho, Comentário às Leis do Trabalho, Vol. I, pag. 146, ed. Lex, 1994.
O Tribunal não deve "intrometer-se na zona proibida de escolher uma sanção adequada por ser zona reservada à entidade patronal como detentora do poder disciplinar...parecendo ser reservado ao Tribunal averiguar se determinada medida disciplinar é justa e legal, por assim se esgotar o poder de fiscalização ou de sindicalidade, sem haver necessidade de o próprio Tribunal indicar uma medida punitiva diferente..."- Ac. Rel. Évora de 6/10/88, Col. 1988, T. 4, pag. 273.
Tratando-se de factualidade que, por si só, não reveste de gravidade nem tem consequências que tornam imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho, inquinando-a definitivamente, do explanado, é de concluir, como se fez na sentença recorrida, pela inexistência de justa causa para o despedimento por este motivo, mostrando-se a sanção de despedimento desadequada aos factos apurados em julgamento quanto ao trabalhador.
Deste modo, a apelação improcede totalmente.
IX- Pelo exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar a apelação totalmente improcedente, confirmando, em consequência, a sentença recorrida, embora com fundamentação parcialmente diversa.
            Custas em ambas as instâncias, a cargo da ré.
Lisboa, 10/09/2014
Duro Mateus Cardoso
Isabel Tapadinhas
Leopoldo Soare

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