quarta-feira, 27 de novembro de 2013

ACIDENTE DE TRABALHO – REQUISITOS – PRESUNÇÃO - ÓNUS DA PROVA



Proc. Nº 291/11.1TTVFX.L1-4    TRLisboa      23 Out 2013

I – Nos termos do art. 8.º da Lei 98/2009 de 4 de Setembro, considera-se acidente de trabalho aquele que se verifique no local e tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
    II - O conceito de acidente de trabalho encontra-se em permanente actualização, questionando-se o que se deve entender por facto, evento, ou acontecimento externo, causador da lesão.
     III – Aceita-se, actualmente, que nem o acontecimento exterior, directo e visível nem a violência, são critérios indispensáveis à caracterização do acidente.
     IV – É, pois, de considerar preenchido o conceito de acidente de trabalho, se se provou que no trajecto normalmente utilizado e durante o período tempo habitualmente gasto pela trabalhadora entre a sua residência ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho, a trabalhadora sofreu uma tontura, tendo caído no pavimento, aí se estatelando, em consequência do que fracturou a tacícula radial do cotovelo direito, o que lhe determinou incapacidade temporária absoluta no período de 15.01.2011 a 04.07.2011, data em que teve alta, portadora de limitações na mobilidade do membro direito, particularmente na flexão e na extensão do cotovelo.

Acordam do Tribunal da Relação de Lisboa:
      Relatório
     AA iniciou a fase contenciosa da presente acção declarativa com processo especial emergente de acidente de trabalho contra BB – Companhia de Seguros, SA (actualmente e após fusão designada CC – Companhia de Seguros, SA) pedindo a sua condenação desta pagamento de € 2465,82, a título de despesas com tratamentos, consultas, exames complementares de diagnóstico, aquisição de medicamentos e demais transportes, 2924,02, a título de indemnização por incapacidade temporária, o capital de remição correspondente à pensão anual e vitalícia de € 627,35 a partir de 05.07.2011, € 4,00 por conta de despesas de transporte ao Tribunal e ainda, no que vier a despender em futuras deslocações ao Tribunal, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, até efectivo e integral pagamento.
      Para fundamentar a sua pretensão, alegou, em síntese, que:
- exerce funções de Auxiliar da Acção Médica sob a autoridade, direcção e fiscalização da DD, ACE, desde 26.04.2007, em horários rotativos fixados entre as 08h00 e as 14h00 e as 14h00 e as 21h00, mediante o pagamento, à data de 14.01.2011, da retribuição base mensal de € 529,70 e € 136,40 de subsídio de refeição;
- no dia 14.01.2011, residia ocasionalmente na casa da mãe por estarem a decorrer obras na sua casa, localizada na Rua (…), na Bobadela, o que a obrigava a fazer, através de transportes públicos, o percurso desde aquele local até à sede da entidade patronal, sita na Avenida (…), n.º 3, Edifício (…), piso 2, em Carnaxide;
- nesse dia 14.01.2011, após sair do autocarro que a transportava daquela residência para o local de trabalho, a fim de iniciar funções no turno das 14h00 às 21h00, atravessou a via de trânsito na Gare do Oriente, em Lisboa, após o que caiu, estatelando-se no chão, em consequência do que sofreu fractura da tacícula radial direita, o que a obrigou a ser assistida pelo serviço de urgência do Hospital CUF Descobertas, e após, pelos serviços clínicos da ré, onde realizou tratamento cirúrgico (OTS com parafusos) e de medicina física e reabilitação, determinante de incapacidade temporária absoluta de 15.01.2011 a 04.07.2011 e, a partir do dia seguinte à alta, 05.07.2011, de uma incapacidade permanente parcial de 10,1290%;
- por não registar melhoras no seu estado de saúde, recorreu a um médico do Hospital CUF Descobertas, que a submeteu a uma capsulectomia anterior do cotovelo direito por via externa, o que melhorou as amplitudes articulares do braço, embora sem êxito total posto ainda não conseguir realizar a sua extensão/flexão completa;
- despendeu € 2139,01 na cirurgia, € 107,97 em tratamentos, consultas e exames complementares de diagnóstico, € 6,75 em taxas moderadoras, € 17,88 em medicamentos e € 194,21 em transportes, do que a ré não a reembolsou.
   Contestou a ré, confirmando a transferência da responsabilidade infortunística mediante a apólice n.º AT00000000, pela retribuição anual de € 8916,20, negando, contudo, que sobre si impenda qualquer obrigação de indemnizar porquanto a autora terá caído em consequência directa e necessária de tontura que terá sofrido quando atravessava a via de trânsito, o que afasta a caracterização do acidente como de trabalho.
     Instruída e julgada a causa, foi proferida sentença, cujo dispositivo se transcreve:
     Pelo exposto, o Tribunal julga a acção parcialmente procedente e, em consequência, decide:
1. Condenar «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA» a pagar a «AA» o capital o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 458,74, devido desde 05/07/2011, acrescido da quantia devida por conta de juros de mora vencidos e vincendos, à taxa de 4% ao ano, desde aquela data até integral e efectivo pagamento.
2. Condenar «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA.» a pagar a «AA» a quantia de € 2.924,03 a título de indemnização por incapacidade temporária absoluta para o trabalho, acrescida de juros de mora, à taxa de 4%, desde o vencimento de cada uma das parcelas – findo o mês correspondente – até integral e efectivo pagamento.
3. Condenar «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA» a pagar a «AA» a quantia de € 2.924,03 por conta de despesas em exames de diagnóstico, taxas moderadores e assistência médica e medicamentosa.
4. Condenar «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA.» a pagar a «AA» a quantia de € 193,71 a título de despesas com transportes.
5. Absolver «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA» do demais peticionado por «AA».
6. Condenar «BB – COMPANHIA DE SEGUROS, SA». a pagar as custas processuais, na proporção do decaimento.
7. Fixar à acção o valor de € 11.441,05.
8. Por estar em causa lapso de escrita, a fls. 193 dos autos, no facto elencado na matéria de facto assente sob a alínea J), aponha “G” onde consta o primeiro “H”.
     Inconformada com a decisão da mesma interpôs a ré recurso, tendo sintetizado a sua alegação nas seguintes conclusões:
(…)
      Colhidos os vistos legais cumpre apreciar e decidir.
     Como se sabe, os tribunais de recurso só podem apreciar as questões suscitadas pelas partes e decididas pelos tribunais inferiores, salvo se importar conhecê-las oficiosamente – tantum devolutum quantum appelatum (Alberto dos Reis “Código do Processo Civil Anotado” vol. V, pág. 310 e Ac. do STJ de 12.12.95, CJ/STJ Ano III, T. III, pág. 156).
      As questões colocadas no recurso delimitado pelas respectivas conclusões (com trânsito em julgado das questões nela não contidas) – arts. 684.º, nº 3 e 685-A.º, nº 1 do Cód. Proc. Civil, na versão aprovada pelo Decreto-Lei nº 303/2007, de 24 de Agosto, versão a que pertencem as disposições que viermos a citar sem outra menção – são as seguintes:
1.ª – impugnação da matéria de facto que vem fixada da 1.ª instância;
2.ª – caracterização do acidente dos autos, como acidente de trabalho.
      Fundamentação de facto
      A 1.ª instância considerou provados os seguintes factos:
1. A Sinistrada exerce as funções inerentes à categoria profissional de Auxiliar de Acção Médica, sob a autoridade, direcção e fiscalização da «DD, ACE», desde 26/04/2007.
2. Cumpre, para o efeito, o seguinte horário de trabalho: das 08h00 às 14h00 e das 14h00 às 21h00, em turnos rotativos.
3. No dia 14/01/2011 auferia, por conta daquele trabalho, a retribuição anual de € 8.916,20, sendo € 529,70x14 a título de retribuição base e € 136,40x11 a título de subsídio de alimentação.
4. A Sinistrada habita, há cerca de 17 anos, na Rua (...), Lote 41, 2º Esquerdo, São João dos Montes, conjuntamente com o marido e a filha de ambos, EE.
5. A EE sofre de asma.
6. No período de 03/01/2011 a 06/02/2011, a Sinistrada realizou obras de conservação na habitação supra identificada em 4), designadamente, o envernizamento do pavimento.
7. Consequentemente, durante aquele período temporal, a Sinistrada, o marido e a filha de ambos, residiram na casa da mãe da primeira, situada na Rua (...), n.º (...), Cave Direita, Bobadela.
8. Durante o período temporal supra descrito em 6), a Sinistrada deslocou-se para o trabalho nos transportes públicos que faziam o percurso entre a Rua (...), n.º (...), Cave Direita, Bobadela, e a sede da «DD, ACE», sita na Avenida (...), n.º 3, Edifício (...), III, Piso 2, Carnaxide.
9. No dia 14/01/2011, o horário de trabalho da Sinistrada era das 14h00 às 21h00.
10. Para o efeito, a Sinistrada deslocou-se da residência supra identificada em 7) para a sede da Entidade Patronal, nos transportes públicos referidos em 8).
11. Quando eram cerca de 13h15m, a Sinistrada, após sair do autocarro que a transportou até à Gare do Oriente, Lisboa, atravessou a via de trânsito.
12. Porém, quando fazia a travessia da via de trânsito, caiu no pavimento, aí se estatelando.
13. O descrito em 12) ocorreu em virtude da Sinistrada ter sofrido uma tontura.
14. Em consequência directa e necessária daquela queda, a Sinistrada sofreu traumatismo no cotovelo direito, fracturando a tacícula radial.
15. Tal implicou que fosse assistida, tendo-o sido pelo Serviço de Urgência do Hospital Cuf Descobertas, após o que passou a ser seguida pelos serviços clínicos da «Império Bonança – Companhia de Seguros, SA.», onde realizou tratamento cirúrgico – OTS com parafusos – e ainda, tratamentos de medicina física e de reabilitação.
16. A Sinistrada esteve com incapacidade temporária absoluta de 15/01/2011 a 04/07/2011.
17. Em consequência directa e necessária do supra referido em 14) e da cirurgia a que supra se alude em 15), a Sinistrada ficou com uma cicatriz, de características operatórias, na metade externa da face posterior do cotovelo, em posição vertical, com 6,5 cm de comprimento, e ainda, com dificuldades em fazer a extensão/flexão completa, sendo à data de 29/07/2011, a flexão até 130º, a extensão até 45º, a supinação até 60º e a pronação até 80º.
18. Após o supra descrito em 15), a Sinistrada recorreu a um médico do Hospital Cuf Descobertas, o que fez por ainda ter dores.
19. No dia 31/05/2011, a Sinistrada foi submetida a uma capsulectomia anterior do cotovelo direito por via externa.
20. A Sinistrada ficou internada 3 dias, a realizar sessões bi-diárias de fisioterapia com analgesia por cateter interescalénico.
21. A capsulectomia melhorou as amplitudes articulares no pós operatório imediato, conseguindo a Sinistrada efectuar a flexão do cotovelo direito a 130º, a extensão a 15º, a supinação a 70º e a pronação a 80º.
22. A Sinistrada foi observada no Hospital Cuf Descobertas no dia 29/06/2011.
23. A Sinistrada despendeu a quantia de € 107,97 em tratamentos e exames complementares de diagnóstico, € 2.139,01 na capsulectomia, € 6,75 em taxas moderadoras, € 17,88 em medicamentos.
24. A Sinistrada despendeu a quantia de € 193,71 em transportes.
25. A Sinistrada teve alta clínica no dia 04/07/2011.
26. O Betaserc é um medicamento da classe dos antivertiginosos destinado a combater tonturas e desequilíbrios.
27. A Sinistrada nasceu no dia 29/06/1959.
28. No dia 14/01/2011, a «DD, ACE» tinha transferida a responsabilidade infortunística para a «BB – Companhia de Seguros, SA.», mediante a apólice n.º 00000000, em função da retribuição anual de € 8.916,20.
29. A Sinistrada mostra-se afectada de uma incapacidade permanente parcial de 7,35%, desde 05/07/2011.
      Fundamentação de direito
      Antes de nos debruçarmos sobre o objecto do recurso, há que decidir sobre a admissibilidade da junção do documento com que a recorrente fez acompanhar as suas alegações – Processo Clínico da autora solicitado ao Hospital dos Lusíadas - e com o qual pretende demonstrar que no dia 14.01.2011, a autora estava a tomar o medicamente denominado “Betaserc”.
     É, naturalmente, excepcional a faculdade de apresentar documentos com a alegação, pois a instrução do processo faz-se na primeira instância, onde devem ser produzidos os meios de prova designadamente a documental.
      Sobre esta questão da junção de documentos conjuntamente com as alegações de recurso de apelação, pode ler-se a dado passo da anotação de Antunes Varela (RLJ, Ano 115,º, pág. 95 e segs.):
      A junção de documentos com as alegações da apelação, afora os casos da impossibilidade de junção anterior ou de prova de factos posteriores ao encerramento da discussão de 1ª instância, é possível quando o documento só se tenha tornado necessário em virtude do julgamento proferido em 1ª instância. E o documento torna-se necessário só por virtude desse julgamento (e não desde a formulação do pedido ou da dedução da defesa) quando a decisão se tenha baseado em meio probatório inesperadamente junto por iniciativa do tribunal ou em preceito jurídico com cuja aplicação as partes justificadamente não tivessem contado.
      Todos sabem, com efeito, que nem o Juiz nem o Colectivo se podem utilizar de factos não alegados pelas partes (salvo o disposto nos artºs 514º e 665º do CPC). Mas que podem, em contrapartida, realizar todas as diligências probatórias que considerem necessárias à averiguação da verdade sobre os factos alegados (artºs 264º nº 3, 535º, 612º etc.) e que nem o juiz nem o tribunal se têm de cingir, na decisão da causa, às alegações das partes no tocante à indagação, interpretação ou aplicação das regras de direito (artº 664º - 1ª parte).
      A decisão de 1ª instância pode por isso criar pela primeira vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação os litigantes justificadamente não contavam. Só nessas circunstâncias a junção do documento às alegações da apelação se pode legitimar à luz do disposto na parte final do nº 1 do artº 706º do CPC.
      Como esclarecidamente se refere no Ac. do STJ de 12.01.94, BMJ nº 433 pág. 467, o legislador, na última parte do art. 706.º do Cód. Proc. Civil – actual art. 693.º-B -, ao permitir às partes juntar documentos às alegações no caso de a junção apenas se tornar necessária em virtude do julgamento proferido na 1ª instância quis cingir-se aos casos em que, pela fundamentação da sentença, ou pelo objecto da condenação, se tornou necessário provar factos com cuja relevância a parte não poderia razoavelmente contar antes de a decisão ser proferida, significando o advérbio “apenas”, inserto no segmento normativo em causa, que a junção só é possível se a necessidade era imprevisível antes de proferida a decisão em 1ª instância.
      Assim, a junção de documentos às alegações da apelação só poderá ter lugar se a decisão da 1ª instância criar pela 1ª vez a necessidade de junção de determinado documento, quer quando se baseie em meio probatório não oferecido pelas partes, quer quando se funde em regra de direito com cuja aplicação ou interpretação as partes não contavam.
       O que manifestamente não é o caso dos autos.

     Deste modo, o documento ex-novo junto aos autos com o recurso não se tornou, pois, necessário em virtude do julgamento da 1ª instância, não se integrando ademais, em qualquer das excepções contempladas nos arts. 524.º e 693.º-B  do Cód. Proc. Civil, cuja parte final se reporta a recursos interpostos de decisões de natureza processual, interlocutórias, ou pós finais, em ordem a poder ser admitido e tomado em consideração no julgamento nesta instância.
     Conclui-se, assim, pela inadmissibilidade da junção do documento apresentado pela recorrente, pelo que, a final, se ordenará o seu desentranhamento.
     Uma vez que só a recorrente deu causa ao incidente, as respectivas custas ficarão, por força do disposto no nº1 do art. 446.º do Cód. Proc. Civil, a seu cargo exclusivo.
      Decidida esta questão incidental, vejamos agora as questões que se colocam.
      Quanto à 1.ª questão:
     Foi negativa a resposta dada ao quesito 21.º em que se perguntava se no dia 14.01.2011, a sinistrada estava a tomar o medicamente denominado “Betaserc”.
     No entender da recorrente, porém, tal resposta deve ser positiva pois no seguimento da participação de acidente dirigida à ré, autora foi assistida e acompanhada pelos serviços clínicos da ré, encontrando-se expressamente referido na aludida documentação clínica que à data do acidente, a autora padecia de “S. VERTIGINOSO” (“Síndrome Vertiginoso”), encontrando-se a ser medicada (cfr. “Terapeut. Anteriores em Curso”) com BRUFEN em SOS e BETASERC.
     Como a recorrente muito bem reconhece, nenhuma das testemunhas inquiridas confirmou a matéria em causa.
     A documentação que a recorrente refere não suporta, ainda que por presunção judicial – arts. 349.º e 351.º do Cód. Civil –, a pretensão da recorrente sob pena de a ilação exceder os limites com que a lógica e as regras da experiência devem balizá-la: o facto de a autora à data do acidente estar a ser medicada com Betaserc não significa, necessariamente, que, no dia do acidente, a autora estivesse a tomar o medicamento em causa.
     Improcedem, pois, quanto a esta questão, as conclusões do recurso.
      Quanto à 2.ª questão:
     O acidente dos autos ocorreu no dia 14 de Janeiro de 2011, pelo que o regime jurídico substantivo a atender é o que decorre da Lei nº 98/2009, de 4 de Setembro (NLAT), a que pertencem as disposições que viermos a citar sem indicação de origem, que, regulamentando o regime de reparação de acidentes de trabalho e de doenças profissionais, entrou em vigor em 01.01.2010 – arts. 187.º, nº 1 e 188.º.
     Reproduzindo textualmente quer o nº 1 do art. 6.º da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, quer o nº 1 do art. 6.º do Decreto-Lei nº 143/99, de 30 de Abril, o art. 8.º, nº 1 dá-nos a definição genérica de acidente de trabalho, dispondo que é acidente de trabalho aquele que se verifique no local e no tempo do trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulte redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
      O nº 2 do art. 8.º retoma conceitos que já constavam dos nºs 3 e 4 da Lei nº 100/97, de 13 de Setembro, sem alteração digna de relevo, aí se lendo o seguinte:
      2. Para efeitos do presente capítulo, entende-se por:
      a) «Local de trabalho» todo o lugar em que o trabalhador se encontra ou deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, directa ou indirectamente, sujeito ao controlo do empregador.
      b) «Tempo de trabalho» além do período normal de trabalho» o que precede o seu início, em actos de preparação ou com ele relacionados, e o que se lhe segue, em actos também com ele relacionados, e ainda as interrupções normais ou forçosas do trabalho.
      O seu art. 9.º alarga a noção a outras situações, aí se lendo, na parte que ora interessa:
      1. Considera-se também acidente de trabalho o ocorrido:
      a) No trajecto de ida para o local de trabalho ou de regresso deste, nos termos referidos no número seguinte;
      (...)
      2. A alínea a) do número anterior compreende o acidente de trabalho que se verifique nos trajectos normalmente utilizados e durante o período de tempo habitualmente gasto pelo trabalhador:
      (...)
     b) Entre a sua residência habitual ou ocasional e as instalações que constituem o seu local de trabalho;
      (...)
     Pode, assim, como quadro genérico, continuar a dizer-se, tal como acontecia já, face à Base V da anterior Lei dos Acidentes de Trabalho - Lei nº 2127, de 3 de Agosto de 1965 -, que a caracterização de um acidente de trabalho pressupõe a verificação de três elementos ou requisitos:
a) um elemento espacial – em regra, o local de trabalho;
b) um elemento temporal – em regra, correspondente ao tempo de trabalho;
c) um elemento causal – nexo de causa e efeito entre o evento e a lesão por um lado, e entre estas situações e a redução da capacidade de trabalho ou de ganho ou a morte.
      Para Tomás de Resende em comentário à Base V da Lei 2127 (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, pág.16), os elementos mencionados em a) e b) encontram-se, por sua vez, definidos no nº 3, da Base e o referido em c) exprime uma relação de causalidade, directa ou indirecta, entre o acidente e as suas indicadas consequências, não propriamente uma relação de causalidade entre o trabalho e o acidente, que está, aliás ínsita na enunciação legal dos elementos referidos em a) e b).
     Em sentido idêntico se pronunciou Melo Franco (“Acidentes de Trabalho”, Separata do BMJ, 1979, pág. 62).
      Apesar da lei ser indicativa dos elementos caracterizadores de acidente de trabalho, não fornece, todavia, uma noção básica de “acidente”, pelo que têm sido a doutrina e a jurisprudência a burilar tal conceito.
      Assim Cruz de Carvalho, citando Cunha Gonçalves, dizia que acidente é o acontecimento ou evento súbito, inesperado e de origem externa (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Legislação Anotada”, Petrony, 1980, pág. 26).
      Também Vítor Ribeiro (“Acidentes de Trabalho, Reflexões e Notas Práticas”, Rei dos Livros, 1984, pág. 207) referia que [a] doutrina e a jurisprudência, confrontadas com situações frequentes em que não é fácil distinguir se uma certa lesão ou doença constatadas são consequência de acidente ou se, pelo contrário, resultam de um processo qualquer de deterioração da saúde, súbito ou progressivo, mas alheio a qualquer acontecimento exterior ao doente, procuraram fixar uma noção de acidente no sentido naturalístico. Este será o acontecimento ou evento súbito, violento, inesperado e de ordem exterior ao próprio lesado.
      Estas noções parecem apontar no sentido de que para haver acidente terá de ocorrer uma causa externa à vítima que seja violenta e visivelmente provocadora de determinada lesão.
      O conceito de acidente, porém, encontra-se em permanente actualização; questiona-se, por via disso, o que deve entender-se por causa exterior ao acidente; se a origem da lesão tem que resultar de uma acção directa sobre o corpo humano ou se basta uma acção indirecta; se ela tem de ser clara e visível, evidente ou se pode actuar insidiosamente; se deve ser de percepção imediata; se tem de actuar de forma violenta, através de choque, golpe ou qualquer outro contacto ou se pode insinuar-se sem violência.
      Vítor Ribeiro (ob. cit. pág. 208), avisadamente já realçava que para se desencadear a aplicação do referido conceito é necessário que algo aconteça no plano das coisas sensíveis. Algo que seja, enfim, uma condição, uma causa próxima e dinâmica da produção do dano indemnizável.
     Assim, hoje não é considerado como critério necessário à caracterização de acidente que essa causa externa se consubstancie, quer em violência quer até num acontecimento exterior manifesto ou visível.
     Como refere Carlos Alegre (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, Regime Jurídico Anotado”, 2.ª edição, pág. 36), nem o acontecimento exterior directo e visível, nem a violência são, hoje, critérios indispensáveis à caracterização do acidente. A sua verificação é extremamente variável e relativa, em muitas circunstâncias. Além disso, a causa exterior da lesão tende a confundir-se com a causa do acidente de trabalho, num salto lógico, nem sempre evidente. Por exemplo, a telha que atingiu o trabalhador (causa exterior da lesão), por ter desabado o telhado, em resultado da força do sopro de uma explosão (causa exterior do acidente).
     A violência não constitui, pois, a não ser como critério subsidiário, uma característica essencial do acidente de trabalho.
     Como tem sido assinalado, pela nossa jurisprudência, a responsabilidade objectiva emergente de acidentes de trabalho baseia-se no risco que é inerente ao exercício de qualquer e toda a actividade profissional, recaindo sobre os empregadores, que com ela beneficiam, a obrigação de reparar os danos correspondentes. Deste modo, a menção a um acontecimento externo visa apenas excluir do âmbito dos acidentes de trabalho as situações em que a lesão que provocou a incapacidade ou morte não se relaciona com a actividade desenvolvida sob a autoridade de outrem, ou seja, os casos em que o dano decorre de uma realidade que apenas diz respeito ao trabalhador (causa endógena), que nada tem que ver com a actividade desenvolvida (Acs. desta Relação 10.11.2010, proc. 383/04.3TTGMR.L1, de 19.10.2011, proc. 128/8.9TBHRT.L1 e de 12.10.2011, proc. 282/09.2TTSNT.L1, www.dgsi.pt).
     Acresce que para que o acidente se qualifique como de trabalho, entre outros elementos caracterizadores, é necessário que exista, como referia Vítor Ribeiro ob. cit., pág. 207), nexo causal relevante entre a relação de trabalho e o dano. E melhor especificando, noutro passo: razão por que esse “nexo causal” entre a relação de trabalho e a morte ou a incapacidade (...), deve, ele também, considerar-se como elemento integrador essencial do conceito legal de “acidente de trabalho”.
      O nexo de causalidade que deve existir entre o acidente e o trabalho é, pois, um dos elementos caracterizadores do acidente de trabalho, que não resulta expressamente da lei, mas que se contém no seu espírito.
      Como ensinava Cruz de Carvalho (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2ª ed., págs. 28 e 55), para a relevância de tal elemento já a Câmara Corporativa havia chamado a atenção, ao dar parecer sobre o projecto da proposta de Lei (depois Lei 2127), propondo se introduzisse no texto referência expressa a tal elemento, considerando-se como acidente de trabalho todo o evento que se verifique, no tempo e em consequência do trabalho.
     À fórmula proposta pela Câmara Corporativa veio a apresentar-se uma outra, que se limitava a excluir da protecção legal os acontecimentos inteiramente estranhos à prestação de trabalho, alterando-se o texto inicial para todo o evento que se verifique no local e no tempo de trabalho, salvo quando a este inteiramente estranho.
      Porém, no texto definitivo aprovado pela Assembleia Nacional não ficou a constar qualquer referência expressa àquele elemento caracterizador do acidente de trabalho. Ao que parece, por se considerar inútil. Mas sem razão, pois se deixou, mais uma vez, para a doutrina e para a jurisprudência, buscar, através de árduas construções teóricas, aquilo que, de modo claro e intuitivo, poderia resultar da lei.
     Tal como sucede na lei Belga (Lei de 10 de Abril de 1971, sobre acidentes de trabalho), para qual, acidente de trabalho é todo o acidente que sobrevém a um trabalhador durante e por causa da execução do contrato e que produz uma lesão. Ou na lei Espanhola (Decreto de 22.6.56) para a qual o mesmo acidente é toda a lesão corporal que o trabalhador sofra na ocasião ou por consequência do trabalho que execute por conta alheia (Vítor Ribeiro, ob. cit. págs. 197 e 201).
     Que o nexo de causalidade entre o acidente e o trabalho é imprescindível para a caracterização do acidente é conclusão que a jurisprudência tem subscrito com inteira uniformidade, justificando a exigência daquele nexo de causalidade nos seguintes termos: funda-se a responsabilidade por acidentes de trabalho no risco da autoridade e no proveito económico que a entidade patronal tira da actividade pela qual é tornada responsável, e visando essa responsabilidade cobrir o risco do trabalho, necessariamente que lhe tem de imputar a existência de uma relação entre o acidente e o trabalho.
      Ou seja, o acidente de trabalho pressupõe a ocorrência de um evento (nessa previsão geral, que é a que aqui está em causa, no local e durante o tempo de trabalho) e a verificação de uma cadeia de factos interligados por um nexo causal. Assim, a lesão corporal, perturbação funcional ou doença hão-de resultar desse evento; e a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho devem ser causadas pela lesão corporal, perturbação funcional ou doença.
      Como regra, os requisitos ou pressupostos de um acidente de trabalho hão-de ser alegados e provados por quem reclama a respectiva reparação, por se tratar de factos constitutivos do direito invocado - art. 342.º, nº 1 do Cód. Civil.
     Contudo, há aspectos em que a lei facilita a tarefa do sinistrado ou seus beneficiários, criando presunções a seu favor.
      É assim que o art. 10.º dispõe:
      1. A lesão constatada no local e tempo de trabalho ou nas circunstâncias previstas no artigo anterior presume-se consequência de acidente de trabalho.
      2. Se a lesão não tiver manifestação imediatamente a seguir ao acidente, compete ao sinistrado ou aos beneficiários legais provar que foi consequência deste.
      O sentido útil da presunção estabelecida no transcrito nº 1 é o de libertar o sinistrado ou os seus beneficiários da prova do nexo de causalidade entre o evento (acidente) e as lesões, não os libertando do ónus de provar a verificação do próprio evento (acidente) causador das lesões.
     Tal presunção assenta a sua razão de ser na constatação imediata ou temporalmente próxima, de manifestações ou sinais aparentes entre o acidente e a lesão (perturbação ou doença), que justificam, na visão da lei e por razões de índole prática, baseadas na normalidade das coisas e da experiência da vida, o benefício atribuído ao sinistrado (ou aos seus beneficiários), a nível de prova, dispensando-os da demonstração directa do efectivo nexo causal entre o acidente.
      Trata-se de uma presunção juris tantum, ou seja, ilidível.
      Feitas estas considerações introdutórias, vejamos o caso dos autos.
      As partes estão de acordo, o que não merece qualquer reparo, que a autora no tempo e local de trabalho – extensão constante do art. 9.º, nºs 1, alínea a) e 2, alínea b) -, sofreu uma tontura, tendo caído no pavimento, aí se estatelando, em consequência do que fracturou a tacícula radial do cotovelo direito, o que lhe determinou incapacidade temporária absoluta no período de 15.01.2011 a 04.07.2011, data em que teve alta, portadora de limitações na mobilidade do membro direito, particularmente na flexão e na extensão do cotovelo.
     Ora, fazendo aplicação dos princípios acima expostos aos factos provados e relativos ao evento que deu origem à presente acção, somos levados a concluir, tal como a 1.ª instância, que estamos, no caso vertente, perante um verdadeiro acidente de trabalho.
      Discordando deste entendimento, continua a ré a defender que o evento sofrido pela autora não pode caracterizar-se como acidente de trabalho porquanto o evento em apreço nos autos, que despoletou a queda e consequentes lesões sofridas pela autora, teve origem na patologia de que a autora padecia – síndrome vertiginoso.
      Não acompanhamos a tese da recorrente, que, de resto, não encontra qualquer suporte na materialidade fáctica apurada.
     Efectivamente, contrariamente ao que pretende, a ré não logrou, como lhe cabia, provar factos que ilidam a presunção, contida no art. 10.º, nº 1, sendo que esta só cede com a prova do contrário, não bastando criar no espírito do julgador a dúvida sobre a existência do facto presumido.
      Com efeito tinha a ré que alegar e provar – o que não fez, sendo irrelevante todo o esforço desenvolvido nas alegações de recurso – que o evento que despoletou a queda e consequentes lesões sofridas pela autora, teve origem na patologia de que a autora padecia, ou seja, no alegado síndrome vertiginoso.
      No sentido acabado de expor podem ver-se o Acs. do STJ de 07.05.2008 (CJ/STJ Ano XVI, T. II, pág. 272) e de 30.06.2011 (proc. 383/04.3TTGMR.S1, www.dgsi.pt).
     Saliente-se que ainda que se tivesse provado que a autora sofre síndrome vertiginoso – o que, repete-se, não se provou - tal facto não afasta, por si só, a tutela reparadora infortunística, como resulta do nº 1 do art. 11.º que dispõe que [a] predisposição patológica do sinistrado num acidente não exclui o direito à reparação integral, salvo quando tiver sido ocultada.
      Abordando o preceito, escreve Carlos Alegre - (“Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais”, 2.ª edição, pág. 69), no que agora interessa:
(...), o número 1 trata a situação de o sinistrado, que po força de uma sua predisposição patológica vier a sofrer sequelas do acidente que não ocorreriam se não fosse aquela predisposição.
     A predisposição patológica não é, em si, doença ou patogenia: é antes uma causa patente ou oculta que prepara o organismo para, num prazo mais ou menos longo e segundo graus de vária intensidade, poder vir a sofrer determinadas doenças. O acidente de trabalho funciona, nesta situação, como agente ou causa próxima desencadeadora da doença ou lesão.
      Por isso, a predisposição patológica não exclui o direito à reparação integral.
     Como já se disse, a exigência da eclosão de um evento de natureza exterior ao sinistrado, enquanto pressuposto da sua caracterização como acidente de trabalho não constitui elemento essencial, indispensável ou estático.
      A causa do evento pode advir de facto exterior ao sinistrado ou do seu organismo. O que releva é que integre o risco específico da actividade laboral ou o risco genérico agravado.
      No caso em apreço, a causa do evento foi a tontura e, a causa da lesão, a queda. Foi a queda que traumatizou o cotovelo direito mediante a fractura da tacícula radial, traumatismo que veio a causar, após realização de tratamentos e cirurgia, limitações de mobilidade no braço direito da autora, particularmente na flexão extensão do cotovelo, de forma permanente.
     Todavia, tal sucedeu quando a autora se deslocava de casa para o trabalho e, portanto, já sob a autoridade patronal. E - repete-se – no decurso da acção, a ré nunca invocou que a tontura tenha decorrido de qualquer patologia de que a autora fosse portadora, o que só veio a fazer, nesta instância.
      Donde, também não se apurou a causa da tontura, ou seja, a razão porque a autora, naquelas circunstâncias de tempo e lugar, sofreu a tontura.
     E assim, tem de presumir-se o nexo de causalidade entre o evento súbito e a lesão sofrida.
      Improcedem, pois, in totum, as conclusões do recurso.
      Decisão
      Pelo exposto, acorda-se em:
- não admitir a junção do documento com que a recorrente fez acompanhar as alegações de recurso, pelo que se ordena o seu desentranhamento e a sua entrega à recorrente, condenando esta nas custas do incidente;
- julgar a apelação improcedente, confirmando a sentença recorrida.
      Custas pela recorrente.
      Lisboa, 23 de Outubro de 2013

      Isabel Tapadinhas
      Leopoldo Soares
      José Eduardo Sapateiro

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