terça-feira, 4 de dezembro de 2012

CEDÊNCIA OCASIONAL DE TRABALHADORES



Proc. Nº 127/08.0TTLRS.L1-4                 TRLisboa              12.09.2012

I. Na cedência ocasional, a sua demonstração depende, essencialmente, da alegação e prova de factos que demonstrem a existência de uma cedência de trabalhadores, recaindo o ónus dessa alegação e prova sobre os autores na medida em que vieram invocar direitos que decorrem da alegada cedência ilícita da prestação da sua actividade, nomeadamente, o direito de opção previsto no art. 329º do Código do Trabalho.
II. O que caracteriza a cedência ocasional é a transferência do trabalhador do quadro de pessoal próprio de uma empresa, à qual está ligado por um contrato de trabalho, para uma outra empresa que o utiliza, beneficiando da prestação da sua actividade, para o efeito exercendo sobre ele os poderes de autoridade e direcção e fiscalização próprios da entidade empregadora artº.s 324 e 327 do CT/20
III. Ora, da matéria de facto apurada não é possível concluir, como pretendem os autores, que estavam integrados na estrutura organizativa da ré. Pelo contrário, da conjugação de todos os factos apurados resulta que o contrato celebrado entre a R. e a EE tinha uma efectiva execução e através dele a segunda assegurava à primeira, com trabalhadores seus, os serviços de movimentação de cargas, nomeadamente de vidro, em contrapartida recebendo um pagamento.
IV. Deste modo, não se considerando demonstrada a existência de uma situação de cedência ocasional, não se pode colocar a questão de aferir se a mesma era ilícita por não se verificarem as condições da cedência de trabalhadores previstas no art.º324, do Código do Trabalho.
V. E, consequentemente, não se pode reconhecer como fundado o alegado direito dos autores exerceram, nos termos previstos no nº 1, do art. 329º do Código do Trabalho, a opção pela integração na Ré

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação de Lisboa

AA e BB vieram propor acção emergente de contrato individual de trabalho, com processo comum, contra,:
CC, SA, pedindo que julgada a acção procedente seja declarada existência de contrato de trabalho sem termo resolutivo com a R, bem como a ilicitude dos seus despedimentos, em consequência a ser a R. condenada a reintegrá-los ao seu serviço ou, caso por ela venham a optar, a pagar-lhes a indemnização prevista no nº 1 do art. 439º, do Código do Trabalho.
Pedem, ainda, que a R. seja condenada a pagar-lhes as retribuições que deixaram de auferir desde a data do despedimento até ao trânsito em julgado da sentença ou acórdão que vier a pôr termo à presente acção, acrescidas de juros contados desde o respectivo vencimento.

Para o efeito alegaram que celebraram com a DD – Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Lda. respectivamente, em 2 de Setembro de 1999 e 2 de Janeiro de 2002, contratos de trabalho a termo incerto, a que se seguiram novos contratos de trabalho a tempo incerto celebrados com esta mesma sociedade. Posteriormente, o A. AA, em 1 de Janeiro de 2002 e o A. BB, em 1 de Janeiro de 2004, celebraram com “EE, Lda.”, contratos de trabalho a termo incerto. Desde o início da execução dos primeiros contratos, sempre prestaram o seu trabalho nas instalações da R., sem qualquer interrupção. As funções que vieram a executar na R., movimentação de cargas com um empilhador – transporte de vidro – anteriormente eram asseguradas por trabalhadores desta e corresponde a necessidade permanente daquela.
No âmbito do contrato com a EE, exerciam aquelas mesmas funções de transportar vidro de acordo com as especificações que lhes eram transmitidas pelo Encarregado ou pelo Operador, todos trabalhadores da R. Os AA. não manifestaram as suas vontades em serem cedidos. A R. não se encontra coligada, em relação societária de participações recíprocas, de domínio ou de grupo, nem mantém estruturas organizativas comuns com a “EE”.
Os AA. remeteram à R., em 25 de Julho de 2007, carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe que, ao abrigo do disposto no nº1, do art. 329º do Código do Trabalho, optavam pela integração na R.
Na mesma data, remetera cópia daquela carta à “EE, Lda.”.
A R. respondeu por carta de 2 de Agosto de 2007, negando-lhes o direito de optarem por serem integrados nos seus quadros de pessoal.
Os AA. foram impedidos de entrar nas instalações da R., o A. AA em 27 de Setembro de 2007 e o A. BB em 9 de Novembro de 2007.
Acresce que, mesmo antes do exercício do direito de opção, se terá de considerar os A. como trabalhadores sem termo resolutivo da R., por lhe terem prestado trabalho mediante a celebração de contratos de trabalho temporário celebrados com a DD, em que a aposição do termo resolutivo foi justificada pela necessidade de a R. “fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo”, o qual é falso.
Finalmente, o impedimento à entrada dos AA. nas instalações da R., configura um autêntico despedimento inequivocamente ilícito porque não precedido de procedimento disciplinar.

A R. veio contestar as acções, em sede de defesa por impugnação, contrapondo que na pendência da relação de trabalho estabelecida entre os AA. e a EE, foi esta quem sempre exerceu o respectivo poder de direcção. Sempre foi a EE quem indicou aos AA. a actividade que deviam desenvolver, como devia ser prestada e o local da respectiva prestação. Tal ocorria, através de um responsável da R., superior hierárquico dos AA., o qual se encontrava presente nas suas instalações. Foi a EE quem sempre remunerou os AA.
Na prossecução do seu objecto social, a R celebrou com a EE um contrato de prestação de serviços, tendo esta ficado encarregue da movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas, movimentação de produto terminado para expedição para o armazém e outras actividades de movimentação nas suas instalações em vários sectores da empresa (inclusivamente de água).
Os AA. estiveram afectos, enquanto trabalhadores da EE, Lda., à realização dos serviços de movimentação de vidro base, que nada tem a ver com a actividade efectivamente realizada pela R. (transformação física do vidro em pára-brisas, laterais, óculos, entre outros).
A actividade realizada pelos A. é totalmente independente da actividade efectivamente desenvolvida pela R., não tendo qualquer relação com a mesma.
A R. decidiu externalizar em Janeiro de 2002 para uma empresa terceira a actividade de movimentação de cargas, a qual é acessória ao seu negócio, apesar de importante para o seu desenvolvimento, mas que não constitui o seu “core business”.
Era e sempre foi e continua a ser a EE quem organiza os turnos dos seus trabalhadores tendo como referência os regimes de trabalho anuais da R com o objectivo de cumprir com os serviços contratados;
Em nenhum momento os AA tiveram qualquer superior hierárquico que fosse trabalhador da R.; em nenhum momento os AA., receberam ordens de funcionários da R.
Para além da existência de trabalhadores que desempenhavam as suas funções, a EE igualmente apresentava um trabalhador, responsável pela coordenação, o qual tinha como funções a fiscalização dos demais trabalhadores, sob a sua responsabilidade, bem como responsabilidades inerentes à direcção técnica, funcional e hierárquica dos mesmos, nomeadamente dos AA.. A comunicação das faltas ao trabalho sempre foi feita àquele superior hierárquico, que depois transmitia à EE, na pessoa responsável pelos seus Recursos Humanos.
Cabia igualmente à EE o exercício do poder disciplinar, era ela que efectuava os competentes descontos de Segurança Social e a respectiva retenção na fonte, bem assim quem procedia ao pagamento do seguro de acidentes de trabalho.
A R. o que paga, e o que tem pago, são os serviços que, em cada momento, encomendou à EE.
A EE, Lda., assegurava a formação aos seus colaboradores ou trabalhadores, nomeadamente nos aspectos gerais relacionados com as tarefas de movimentação de produto, através, nomeadamente, de funcionários próprios por si encarregues de o fazer e por intermédio de empresas terceiras.
Foi ainda EE quem liquidou aos AA. os valores devidos pela cessação dos seus contratos de trabalho.
Foi negado aos AA. o acesso às instalações da R. porquanto a EE enviou uma comunicação àquela a participar que aqueles não eram mais seus trabalhadores.
O alegado relativamente à DD é irrelevante, dado que os AA pediram a demissão enquanto trabalhadores da mesma, tendo recebido desta os valores a que tinham direito em consequência da demissão solicitada. Para além disso, decorreu mais de um ano sobre a cessação dos contratos de trabalho tendo caducado os direitos que invocam.
Conclui, pugnando pela caducidade dos direitos decorrentes dos contratos celebrados com a empresa DD – Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Lda, bem assim pela improcedência do demais, com a sua absolvição dos pedidos formulados pelos AA..

Após a realização da audiência de julgamento foi proferido sentença que decidiu nos seguintes termos: - Julgar a acção não provada e, logo, improcedente, em consequência absolvendo a R. dos pedidos deduzidos pelos AA.

Os autores, inconformados, interpuseram recurso, tendo, nas extensas alegações, suscitado as seguintes questões:
a) Situação jurídico-laboral dos Recorrentes face à Recorrida em decorrência da prestação de trabalho ao abrigo de contratos de trabalho temporário;
b) Caracterização da prestação de trabalho dos AA. no período subsequente ao termo dos contratos de trabalho temporário;
c) Caracterização da figura de cedência de trabalhadores após reapreciação da matéria de facto; no caso da procedência da alteração da matéria de facto – d) apreciar a declaração da ilicitude do seu despedimento.

Nas contra-alegações a ré pugna pela confirmação do decidido.
O Exm.º Procurador-geral – adjunto deu parecer a fls. 518.
Colhidos os vistos legais.

Cumpre apreciar e decidir as questões suscitadas no recurso interposto e acima enunciadas.

II. Fundamentos de factos
Foram considerados provados os seguintes factos:
A. O A. AA celebrou com “DD – Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Lda., em 2 de Setembro de 1999, um contrato de trabalho a termo incerto (doc. 1) , no qual como motivação para a sua celebração a necessidade que a “DD” tinha “em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-obra celebrados até ao momento”.
B. Em 20.12.2000 e 24 de Agosto de 2001, novos contratos de trabalho a termo incerto foram celebrados entre o A. AA e a DD, (Doc. nº 2 e 3), mencionando como justificação: “O presente contrato de utilização temporária é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a SGGP, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo”.
C. Em 1 de Janeiro de 2002, o A. AA celebrou com “EE, Lda.”, um contrato de trabalho a termo incerto em cuja cláusula terceira se consigna o seguinte: “O presente contrato tem início em 01/01/02 e é celebrado a termo incerto, pelo tempo necessário à conclusão das obras, em carteira pelo 1º contraente, neste caso em particular SSGP (..).
D. Desde o início da execução do contrato celebrado com a DD, em 2 de Setembro de 1999 até Setembro de 2007, sempre o A. AA prestou trabalho exercendo funções de movimentação de cargas – vidro - com um empilhador, executando-as nas instalações da R..
E. A R. é uma das empresas resultantes de cisão da “FF, S.A.”, tendo sucedido nos direitos e obrigações daquela no que ao fabrico de vidro respeita.
F. O A. AA remeteu à R., em 25 de Julho de 2007, carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe que, ao abrigo do disposto no nº 1, do artº 329º do Código do Trabalho, optava pela integração na R.(Doc. nº 8.).
G. Na mesma data, o A. AA remeteu cópia daquela carta à “EE, Lda.” (Doc. nº 9).
H. A R. respondeu por carta de 2 de Agosto de 2007, negando ao A. AA o direito de optar por ser integrado nos seus quadros de pessoal (Doc. nº 10).
I. O A. AA manteve a prestação de trabalho de movimentação de cargas – vidro – com empilhador, até ao dia 28 de Setembro de 2007.
J. No dia 28 de Setembro de 2007, o A. AA foi impedido de entrar nas instalações da R., tendo constatado que o seu cartão magnético de acesso se encontrava bloqueado.
K. Na portaria o A. AA foi informado que, de acordo com instruções da Direcção de Recursos da R., o A. não estava autorizado a aceder às instalações.
L. O A. AA voltou a comparecer nos seguintes dias 9, 10 e 11 de Setembro tendo, sempre, sido vedada a sua entrada.
M. Em 28 de Setembro de 2007, o A. AA auferia a remuneração mensal de turno de € 259,07, de subsídio diário de refeição de € 5,80.
N. O A. BB celebrou com “DD – Cedência Temporária, Selecção e Formação de Trabalhadores, Lda., em 2 de Janeiro de 2002, um contrato de trabalho a termo incerto, mencionando como motivação para a sua celebração a necessidade que a “DD” tinha “em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporário, tendo em conta os contratos de Cedência de Mão-de-obra celebrados até ao momento”(doc.1).
O. Em 28 de Agosto de 2002, novo contrato a termo incerto foi celebrado, mencionando como justificação a “necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a SSGP, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo”(doc.2).
P. Em 9 de Setembro de 2003, novo contrato foi celebrado, mantendo-se como justificação para a sua celebração “a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporários, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo (Doc. nº 3).
Q. Em 1 de Janeiro de 2004, o A. BB celebrou com “EE, Lda.”, um contrato de trabalho a termo incerto em cuja cláusula segunda se consigna o seguinte: “O presente contrato tem início em 01/01/04 e é celebrado a termo incerto, pelo tempo necessário à conclusão das obras, em carteira pelo 1º contraente, neste caso em particular SSGP …” (Doc. nº 4).
R. O A. BB, desde 2 de Janeiro de 2002, até 9 de Novembro de 2007, prestou a actividade de movimentação de cargas com empilhador nas instalações da R..
S. O A. BB remeteu à R., em 25 de Julho de 2007, carta registada com aviso de recepção, comunicando-lhe que, ao abrigo do disposto no nº 1, do art. 329º do Código do Trabalho, optava pela integração na R. (Doc. nº 11).
T. Na mesma data, o A BB remeteu cópia daquela carta à “EE, Lda.” (Doc. nº 12).
U. A R. respondeu por carta de 2 de Agosto de 2007, negando ao A. BB o direito de optar por ser integrado nos seus quadros de pessoal (Doc. nº 13).
V. No dia 9 de Novembro de 2007, o A. BB foi impedido de entrar nas instalações da R., tendo sido informado que, de acordo com instruções da Direcção de Recursos Humanos da R., o A. não estava autorizado a aceder às instalações.
W. O A. BB voltou a comparecer nos seguintes dias 10 e 11 de Novembro tendo, sempre, sido vedada a sua entrada.
X. Em Novembro de 2008, o A. BB auferia a remuneração mensal base de € 748,00, acrescida de subsídio mensal de turno de € 259,07, de subsídio diário de refeição de € 5,80.
Y. A sociedade EE, Lda., tem o seguinte objecto social: “Construções metálicas e tubagens, electromecânica, mecânica, manutenção industrial, electromecânica e instrumentação, telecomunicações e sistemas de automação e engenharia e projectos industriais”.
Z. Entre a R. e a EE foi celebrado um contrato denominado de prestação de serviços, nos termos do qual acordaram competir à EE assegurar nas instalações da R. a movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas, movimentação de produto terminado para expedição para o armazém e outras actividades de movimentação nas suas instalações em vários sectores da empresa (doc.4).
AA. O A. AA, com efeitos para 31 Dezembro de 2001, acordou terminar o seu contrato de trabalho ao serviço da empresa DD (doc. 1), tendo recebido desta os valores por efeito da cessação do contrato.
AB. O A. BB, com efeitos para 22 de Dezembro de 2003, pediu a sua demissão enquanto trabalhador de DD (cf. doc. 1), tendo recebido desta valores por efeito da cessação do contrato.
AC. Antes de Setembro de 1999, as funções de movimentação de cargas – transporte de vidro – com um empilhador eram executadas por trabalhadores da Ré.
AD. A R. dedica-se em exclusivo à actividade de transformação e comercialização de vidro para o sector automóvel, o que implica a compra e recepção de “vidro nu”e a transformação no processo de produção (linhas de fabrico) tendo em vista produzir o produto definitivo (pára-brisas, vidro lateral, óculos e outros), para veículos automóveis.
AE. De acordo com coordenadas do grupo CC, designadamente com regras aplicáveis a todas as “empresas CC” na Europa e Mundo, a actividade destas sociedades deve limitar-se à transformação e comercialização de vidro automóvel.
AF. A partir de 2002 a R. iniciou um processo, através da consulta e recepção de propostas apresentadas por empresas externas, com vista a contratar a execução das actividades de movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas e movimentação de produto terminado para expedição para o armazém e outras actividades complementares de movimentação.
AG. Para tanto contactou a EE, Lda., a qual forneceu uma proposta de uma prestação de serviços para a referida actividade.
AH. Na sequência de tal indicação vieram a ser encomendados pela R. à EE, Lda., ao abrigo do contrato de prestação de serviços referido em VV, a partir de Janeiro de 2002, diferentes serviços de movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas, movimentação de produto terminado para expedição para armazém e outros de movimentação.
AI. Os serviços de movimentação sempre foram encomendados, caso a caso, identificando-se o tipo de serviço pretendido (cargas a movimentar, acondicionar ou expedir, etc.) e identificando-se a quantidade de unidades sobre as quais o serviço iria incidir.
AJ. Existe uma previsão anual de movimentação de cargas que suporta o preço contratualmente acordado, sendo que as encomendas podem ser realizadas diariamente ou com a periodicidade dependente do número e tipo de encomendas efectuadas pelos clientes finais.
AK. Relativamente a cada serviço de movimentação de cargas, a R. participa à EE, Lda., ou aos seus coordenadores presentes, qual ou quais os prazos dentro dos quais necessita que cada serviço encomendado seja concluído, acordando as partes previamente o prazo para a sua prestação.
AL. Os equipamentos e meios de movimentação de cargas que são utilizados pelos trabalhadores de EE nas instalações da R. são propriedade daquela empresa.
AM. O equipamento individual de trabalho dos trabalhadores da EE, como sejam, fato de trabalho, calçado de segurança, luvas, TShirts, camisas, calças e outro equipamento de protecção individual foi disponibilizado pela EE, Lda.
AN. Os trabalhadores da EE, Lda., são previamente identificados por esta à R., detêm cartões magnéticos atribuídos àquela empresa que lhes permitem o acesso às instalações da R. (diferentes das dos trabalhadores da R.), de forma a que os serviços de portaria desta possam proceder ao controlo das entradas e saídas.
AO. Sempre que um dos trabalhadores de EE perde um cartão magnético de acesso às instalações do R. tal facto tem que ser imediatamente participado a EE, que depois solicita a emissão de novo cartão.
AP. Mediante solicitação da EE, a R. disponibiliza instalações próprias para que aquela possa garantir a formação dos seus trabalhadores.
AQ. Era EE, Lda. quem liquidava a Segurança Social dos AA., pagava o seu vencimento, processava as suas declarações de IRS, e entregou o modelo para efeitos de desemprego na data da cessação do seu contrato de trabalho.
AR. Foi a EE quem liquidou aos AA. AA e BB a retribuição devida bem assim os valores devidos pela cessação dos seus contratos de trabalho, respectivamente, em Setembro de 2007, Junho de 2008, Novembro de 2007 e Janeiro de 2008.
AS. Os horários de trabalho dos AA, para o exercício da actividade de movimentação de cargas, eram elaborados pela EE.

II. Impugnação da matéria de facto
Os autores/recorrentes, a fls. 15 do recurso interposto, impugnaram a matéria de facto – alegando que os factos 2 a 7 e 18 a 25 da base instrutória, relativos ao poder de direcção da ré sobre os autores, após o início dos contratos celebrados com a EE, (em 1 de Janeiro de 200 com o autor AA e 1 de Janeiro de 2004 com o autor BB), a que o tribunal respondeu como não provados, e deviam ter sido considerados provados.
Porém, das respectivas alegações, não resultam fundamentos suficientes para pôr em causa as respostas dadas pelo tribunal recorrido que, a fls. 235 a 245, apresentou uma motivação cuidada da decisão da matéria de facto, tendo analisado criticamente as provas produzidas e especificados os fundamentos decisivos para a determinação da sua convicção.
Importa sublinhar que, no nosso ordenamento jurídico vigora, o princípio da liberdade de julgamento ou da prova livre (art.º655 do CPC), segundo o qual o tribunal aprecia livremente as provas, sem qualquer grau de hierarquização, nem preocupação quanto à natureza de qualquer delas, e fixa a matéria de facto em sintonia com a convicção que tenha firmado acerca de cada facto controvertido. No tocante ao julgamento da matéria de facto refere o Tribunal. Constitucional, de 3.10.2001, in Acórdãos do Tribunal Constitucional, vol. 51°., págs. 206 e ss. – “ A garantida do duplo grau de jurisdição não subverte, nem pode subverter, o princípio da livre apreciação das provas", e não se pode perder de vista que na formação da convicção do julgador" entram, necessariamente, elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação da prova" e factores que não são "racionalmente demonstráveis", de tal modo que a função do Tribunal de 2ª instância deverá circunscrever-se a "apurar da razoabilidade da convicção probatória do 1º grau dessa mesma jurisdição face aos elementos que agora lhe são apresentados nos autos.
A questão é saber a convicção vertida nas respostas cabe, razoavelmente, nesses elementos? Esses elementos suportam ou não essa convicção? O Tribunal de segunda jurisdição não vai à procura de uma nova convicção (que lhe está de todo em todo vedada exactamente pela falta desses elementos intraduzíveis na gravação da prova), mas à procura de saber se a convicção do tribunal a quo tem suporte razoável naquilo que a gravação da prova (com os mais elementos existentes nos autos) pode exibi perante si". É este também o sentir da jurisprudência do STJ que refere: “a análise da prova gravada não importa a assunção de uma nova convicção probatória, mas tão só a averiguação da razoabilidade da convicção atingida pela instância recorrida (Ac. STJ, de 13.03.2002, Rev. n°.58/03, 7ª Secção, Sumários, Março/2003, www.stj.pt);
Afigura-se-nos que os fundamentos das alegações apresentadas pelos autores não permitem pôr em causa a razoabilidade da convicção formulada pela 1ª instância, pelo que este tribunal não tem qualquer justificação para poder alterar a decisão sobre matéria de facto que assenta numa convicção que nos parece adequadamente justificada, sem que a impugnação deduzida a tenha conseguido pôr em causa, pois funda-se, apenas, numa interpretação diversa de partes de alguns depoimentos das testemunhas que menciona.
Improcedem pois os fundamentos da pretendida alteração da matéria de facto.

III. Fundamentos de direito
Importa assim apreciar a situação jurídico-laboral dos autores no sentido de saber se devem ser considerados trabalhadores da ré, por terem exercido essa opção, invocando como fundamento uma alegada cedência ocasional de trabalhadores entre a Ré e a empresa “EE”, cedência essa ilícita, por não se verificarem as condições de licitude da cedência de trabalhadores previstas no art. 324º do CT/2003.
Os autores defendem ainda, que mesmo antes de terem exercido o direito de opção, devem ser considerados trabalhadores da R., por lhe terem prestado trabalho mediante a celebração de contratos de trabalho temporário em que a aposição do termo resolutivo foi justificada com motivo falso.
Cedência ocasional ilícita
Os autores alegam que a cedência ocasional ilícita teve início com a celebração dos contratos de trabalho com a EE, (o A. AA em Janeiro de 2004 e o A. BB em Janeiro de 2004) situação que perdurou até 25 de Julho de 2007, quando optaram pela integração na R., exercendo o direito previsto no art.º329 do CT/ 2003.
A cedência de pessoal é considerada pela lei em duas modalidades: a do trabalho temporário como objecto de uma actividade empresarial e a cedência de trabalhadores por uma empresa a outra. As duas modalidades são distintas, desde logo porque na cedência ocasional de trabalhadores a actividade do empregador não se reconduz, exclusiva ou principalmente, à cedência de trabalhadores, enquanto tal ocorre com as empresas de trabalho temporário.
A propósito da cedência ocasional, importa salientar que a sua demonstração depende, essencialmente, da alegação e prova de factos que demonstrem a existência de uma cedência de trabalhadores, em concreto os autores e que, no caso, a mesma ocorreu de forma ilícita, recaindo o ónus dessa alegação e prova sobre os autores na medida em que vieram invocar direitos que decorrem da alegada cedência ilícita da prestação da sua actividade, nomeadamente, o direito de opção previsto no art. 329º do Código do Trabalho. que dispõe: [1] O recurso ilícito à cedência ocasional de trabalhadores, bem como a inexistência ou irregularidade de documento que a titule, confere ao trabalhador cedido o direito de optar pela integração na empresa cessionária, em regime de contrato de trabalho sem termo resolutivo.
Assim sendo, são pressupostos da pretensão dos autores a verificação de uma cedência ocasional de trabalhadores que os abranja e a demonstração da ilicitude de tal cedência ( art.ºs 324 e 329 do CT /2003).
A ré contrapõe que os autores não obstante prestarem a sua actividade em instalações suas, não lhe estavam juridicamente subordinados, antes sendo trabalhadores da empresa EE, que foi contratada para lhe prestar serviços, o que se inscreveu num processo de externalização da actividade do armazém de produtos terminados.
Assim, assume importância a distinção entre cedência ocasional de trabalhadores e a situação de “outsourcing” ou externalização de determinadas actividades. Interessará à ré demonstrar que as funções que os autores desempenhavam se inseriram numa concreta contratualização daquele tipo de negócio jurídico, ou seja, de provar os factos que excluem ou impedem o direito invocado /art. 342.º n.º3 do CC.
Como se referiu na sentença recorrida, aos autores cabia alegar e demonstrar os factos necessários para se concluir que, apesar de terem celebrado contratos de trabalho com a EE, na realidade não existia uma verdadeira situação de prestação de serviços por parte desta empresa à R., em cujas instalações eles prestavam actividade, na medida em que esta última é que exercia efectivamente os poderes característicos do empregador, exercendo a autoridade, a direcção, fiscalização e conformação do sua prestação de trabalho.
Analisemos então os factos apurados:
- Resulta dos factos C e Q, que os AA AA e BB, respectivamente, em 1 de Janeiro de 2002 e 1 de Janeiro de 2004, e a EE, celebraram um acordo reduzido a escrito, mediante o qual aquela os admitiu ao seu serviço.
- Resulta, ainda, que ambos exerciam as funções de movimentação de cargas – vidro – com um empilhador, executando-as nas instalações da R. (factos D e R).
- Não resultou provado que os autores, desde então, desempenhassem essas funções “de acordo com as especificações que lhe (s) eram transmitidas pelo Encarregado Sr. GG ou pelo Operador, ambos trabalhadores da R”; ou que, “igualmente com o empilhador, e seguindo as instruções do Encarregado Sr.GG ou do Operador da R.”, abastecessem as “linhas de água”.
- Não resultou provado que fosse a ré que estabelecesse, organizasse e determinasse os turnos em que prestavam trabalho, quer quanto à respectiva composição, quer quanto à periodicidade. Nem que tivessem “como directo superior hierárquico o Encarregado Sr. GG, empregado da R”., o qual lhes dava ordens e instruções “quanto à concreta execução das suas funções e sendo a pessoa a quem (..) se dirigiam sempre que lhe surgiam dúvidas naquela execução. Nem tão pouco que fossem “incluídos em escalas de pessoal e turnos com outros trabalhadores da R. Sendo o controlo diário de presença (..) efectuado pela R. que, igualmente, autorizava a prestação de trabalho suplementar”.
- Finalmente, não se provou que era a ré quem lhes ministrava formação profissional “convocando-o(s) para os cursos que ela entendia adequados”, nem que a R. transmitia ordens escritas ao A. BB relativas à execução do trabalho.
Por outro lado, provou-se que foi sempre a EE quem assegurou o pagamento da remuneração devida aos AA. pela prestação do trabalho, desde que com eles celebrou os contratos acima referidos. Foi também a EE quem, nesse mesmo período, liquidou Segurança Social do A. e processava as declarações de IRS. E, finalmente, foi igualmente a EE quem lhes pagou os créditos relativos à cessação do contrato de trabalho.
Deste modo, não nos podem restar dúvidas que a EE sempre foi a entidade empregadora dos autores desde que com eles celebrou os respectivos contratos de trabalho.
Sendo certo que resultou ainda assente que a ré, a partir de 2002 iniciou um processo, através da consulta e recepção de propostas apresentadas por empresas externas, com vista a contratar a execução das actividades de movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas e movimentação de produto terminado para expedição para o armazém e outras actividades complementares de movimentação. A EE foi contactada, apresentou uma proposta e veio a celebrar com a R. “um contrato denominado de prestação de serviços, nos termos do qual acordaram competir à EE assegurar nas instalações da R. a movimentação de vidro base, movimentação de produto entre as linhas, movimentação de produto terminado para expedição para o armazém e outras actividades de movimentação nas suas instalações em vários sectores da empresa – factos AF a AH
No âmbito desse contrato, aqueles serviços eram encomendados pela R. à EE, Lda., caso a caso, identificando-se o tipo de serviço pretendido (cargas a movimentar, acondicionar ou expedir, etc.) e identificando-se a quantidade de unidades sobre as quais o serviço iria incidir, de acordo com uma previsão anual.
- Os equipamentos e meios de movimentação de cargas utilizados pelos trabalhadores de EE nas instalações da R. são propriedade daquela empresa. O equipamento individual de trabalho dos trabalhadores da EE, como sejam, fato de trabalho, calçado de segurança, luvas, T Shirts, camisas, calças e outro equipamento de protecção individual foi disponibilizado pela EE, Lda. E, os horários de trabalho dos AA, para o exercício da actividade de movimentação de cargas, eram elaborados pela EE- factos Al a AS
O que caracteriza a cedência ocasional é a transferência do trabalhador do quadro de pessoal próprio de uma empresa, à qual está ligado por um contrato de trabalho, para uma outra empresa que o utiliza, beneficiando da prestação da sua actividade, para o efeito exercendo sobre ele os poderes de autoridade e direcção e fiscalização próprios da entidade empregadora artº.s 324 e 327 do CT/2003.
Ora, da matéria de facto apurada não é possível concluir, como pretendem os autores, que estavam integrados na estrutura organizativa da R., sendo a prestação da actividade conformada por esta, quer através da elaboração de horários, da distribuição de tarefas, dando-lhes ordens, verificando a assiduidade, dando-lhes formação, fornecendo os meios de trabalho, ou seja, exercendo sobre eles os poderes de direcção, autoridade e fiscalização, próprios da entidade empregadora.
Pelo contrário, da conjugação de todos os factos apurados resulta que o contrato celebrado entre a R. e a EE tinha uma efectiva execução e através dele a segunda assegurava à primeira, com trabalhadores seus, os serviços de movimentação de cargas, nomeadamente de vidro, em contrapartida recebendo um pagamento.
Assim sendo, não se considerando demonstrada a existência de uma situação de cedência ocasional, não se pode colocar a questão de aferir se a mesma era ilícita por não se verificarem as condições da cedência de trabalhadores previstas no art.º324, do Código do Trabalho. E, consequentemente, tal como se concluiu na sentença recorrida, não se pode reconhecer como fundado o alegado direito dos autores exerceram, nos termos previstos no nº 1, do art. 329º do Código do Trabalho, a opção pela integração na Ré.
Mas, os autores defendem ainda que mesmo antes de exercerem o direito de opção, fundado na situação de cedência ocasional ilícita, já eram trabalhadores sem termo resolutivo da ré, dado terem prestado o seu trabalho àquela mediante a celebração de sucessivos contratos de trabalho temporário em que a justificação para a aposição do termo resolutivo era falsa, por tal devendo considerar-se que o trabalho era prestado ao utilizador com base em contrato de trabalho sem termo, celebrado entre o utilizador e o trabalhador (nº 4, do art. 11º, do DL 358/89, de 17.10, na redacção da Lei nº 146/99, de 1.9).
Como acima referiu, o trabalho temporário é considerado pela lei como uma das modalidades da cedência de trabalhadores. O regime relativo ao trabalho temporário constava do Decreto-lei n.º 358/89,de 17 de Outubro, com as alterações introduzidas pelas Leis n.º 39/96, de 31 de Agosto, e 146/99, de 1 de Setembro, contendo um conjunto de regras restritivas, com o propósito de restringir a possibilidade de recurso a este tipo de contrato.
Com efeito, «(..) o contrato de utilização de trabalho temporário só era permitido ser celebrado nas situações enunciadas no art.º 9 do Decreto-Lei nº 358/89; e no caso do trabalhador continuar ao serviço da empresa cessionária decorridos dez dias após a cessação do contrato de utilização, sem que tenha ocorrido celebração de outro contrato que tal legitimasse, era considerado que o trabalho passava a ser prestado ao utilizador com base em contrato sem termo, firmado entre este e o trabalhador (art. 10º);
Da factualidade apurada, – factos A e B – resulta que o autor AA celebrou com a empresa DD, Lda. (empresa de trabalho temporário) três contratos, o primeiro deles em 2 de Setembro de 1999, e os seguintes, respectivamente, em 20.12.2000 e 24 de Agosto de 2001. O primeiro tinha como justificação a necessidade “em fazer face ao aumento de trabalho que se prevê temporária, tendo em conta os contratos de cedência de mão-de-obra celebrados até ao momento”; e o segundo, «(..) é celebrado a termo incerto e tem como fundamento a necessidade de cumprir com o contrato de utilização celebrado com a SGGP, constando neste como justificação a necessidade que tem de fazer face a acréscimos de trabalho, que prevê temporário, devido a novas encomendas para o mercado interno e externo».
No que respeita ao A. BB, foram celebrados dois contratos, um em 2 de Janeiro de 2002 e o outro em 28 de Agosto de 2002, nos quais constam, respectivamente, aquelas justificações. Foi abrigo desses contratos que os autores prestaram a sua actividade nas instalações da ré, até celebrarem os contratos com a EE.
Ora, como até resulta da própria posição sustentada pelos autores, dela não resulta que até à propositura da presente acção, os autores tenham alguma vez questionado a regularidade e a legalidade daqueles contratos de trabalho celebrados com a DD.
Por outro lado, resultou provado que o autor AA, com efeitos para 31 Dezembro de 2001, acordou terminar o seu contrato de trabalho o serviço da empresa DD, tendo recebido desta os valores por efeito da cessação do contrato. O autor Pacheco, com efeitos para 22 de Dezembro de 2003, pediu a sua demissão enquanto trabalhador de DD, tendo igualmente recebido desta valores por efeito da cessação do contrato- factos AA e AB
Ora, cessados os respectivos contratos de trabalho, num caso por acordo e noutro por iniciativa do trabalhador, deixou de existir o eventual fundamento que qualquer um deles tivesse para pôr em causa a validade da relação laboral com a DD, nomeadamente, para pretenderem ser considerados trabalhadores da Ré, enquanto empresa utilizadora.
Esse direito, apenas, poderia ser invocado pelos AA. na vigência dos referidos contratos ou desde que o último tivesse cessado por iniciativa da DD, neste caso, no prazo de um ano a que se refere o art. 435.º n.º 2, do CT 2003, então vigente, com fundamento em despedimento ilícito, o que não sucedeu
Não podem pois proceder os fundamentos do recurso interposto pelos autores no sentido de serem considerados trabalhadores da Ré

IV. Decisão
Face ao exposto, julga-se improcedente o recurso interposto e confirma-se a sentença recorrida
Custas pelos autores

Lisboa, 12 de Setembro de 2012

Paula Sá Fernandes
Filomena de Carvalho
Isabel Tapadinhas

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