quarta-feira, 2 de novembro de 2016

RESOLUÇÃO PELO TRABALHADOR - JUSTA CAUSA DE RESOLUÇÃO - VEÍCULO AUTOMÓVEL LIQUIDAÇÃO DE SENTENÇA



Proc. Nº 1256/13.4TTLSB.L1.S1     STJ    25-06-2015

1 – A justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador pressupõe, em geral, que da atuação imputada ao empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que se torne inexigível ao trabalhador a continuação da prestação da sua atividade.
2 – Na ponderação da inexigibilidade da manutenção da relação de trabalho deve atender-se ao grau de lesão dos interesses do trabalhador, ao caráter das relações entre as partes e às demais circunstâncias relevantes, tendo o quadro de gestão da empresa como elemento estruturante de todos esses fatores.
3 −  A atribuição de uma viatura automóvel ao trabalhador para uso total constitui uma vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele, até essa data, normalmente despendia com a sua própria viatura), tem natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias e deve-se considerar-se parte integrante da retribuição, nos termos do artigo 258.º do Código do Trabalho.
4 − O valor da retribuição em espécie correspondente à utilização permanente de veículo automóvel tem valor equivalente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura (no qual não se inclui o uso profissional);
 5 − Em face da insuficiência de elementos para determinar o montante indemnizatório, relativo ao valor de uso de veículo automóvel nada obsta a que se profira condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior a incidir apenas sobre apenas sobre aquele valor.
6 − A entidade empregadora que retira ao seu Diretor Geral a viatura que lhe atribuiu, para uso total, quando o contratou, que o desautoriza constantemente na presença dos seus subordinados, não permitindo que muitas das suas decisões sejam postas em prática e afirma publicamente que ele «é um palhaço que anda p’ra aí» e que «não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos» assume um comportamento que constitui justa causa de resolução do contrato, nos termos do artigo 394.º do Código do Trabalho

Acordam na Secção Social do Supremo Tribunal de Justiça:
I
AA instaurou ação declarativa, com processo comum, emergente de contrato individual de trabalho, contra BB, Ld.ª pedindo que esta seja condenada a pagar-lhe a quantia de € 52.215,96, sendo: a) € 483,44, a título de retribuição de 3 dias do mês de dezembro de 2012; b) € 18.531,86, a título de retribuição de 3 meses e 24 dias, de 4 de dezembro a 27 de março, em virtude de a ré não ter emitido a competente declaração para situação de desemprego, tendo a resolução sido fixada em 4 de dezembro de 2012; c) € 4.431,53, a título de subsídio de férias correspondente a 11/12 do ano de 2012 e que se venceriam em 1 de janeiro de 2013; d) € 4.431,53, a título de proporcional de férias não gozadas do ano de 2012; e) € 19.337,60, a título de indemnização pela resolução do contrato de trabalho que o ligou à ré, por sua iniciativa, e com justa causa; f) € 5.000,00, a título de indemnização por danos não patrimoniais.
Invocou como fundamento da sua pretensão, em síntese, que foi admitido ao serviço da ré em dezembro de 2008 e que, em dezembro de 2012, resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à Ré, em virtude desta ter posto em causa a sua honra e dignidade profissional e ter violado culposamente as suas garantias convencionais.
A ação foi contestada pela Ré que, para além do mais, deduziu pedido reconvencional sustentando que inexistindo justa causa de resolução do contrato de trabalho a rutura contratual é de qualificar como denúncia sem pré-aviso, pelo que deverá o autor ser condenado a pagar-lhe, a título de indemnização por falta de pré-aviso, a quantia de € 6.300,00.
Pediu, ainda, a condenação do Autor como litigante de má-fé, em multa e indemnização a seu favor.
A ação prosseguiu seus termos vindo a ser decidida por sentença de 28 de abril de 2014, que integra o seguinte dispositivo: «Por todo o exposto, decide este Tribunal julgar a presente ação parcialmente procedente e, em consequência: 1. Condenar a Ré a pagar ao autor a quantia de € 6.090,00, acrescida de juros ( …); 2. Absolver a ré do demais peticionado; 3. Condenar o autor a pagar à ré a quantia de € 6.300,00, acrescida de juros (…); 4. Não sancionar nenhuma das partes como litigante de má fé.
Custas por autor e ré, na proporção dos respetivos decaimentos.
(…).»
Inconformado com esta decisão dela apelou o Autor para o Tribunal da Relação de Lisboa, que veio a conhecer do recurso interposto por acórdão de 14 de janeiro de 2015, que integra o seguinte dispositivo:
«Em conformidade com os fundamentos expostos, concede-se parcial provimento ao recurso e, em consequência, decide-se: 1. Revogar a sentença recorrida, na parte impugnada; 2. Considerar que o recorrente resolveu com justa causa o contrato de trabalho que o vinculava à recorrida; 3. Condenar a recorrida a pagar ao recorrente uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de serviço e proporcionalmente pela fração de ano restante, devendo incluir-se nessa retribuição a prestação mensal de € 3.150,00, o valor mensal do seguro de saúde, o valor mensal do benefício económico que o autor retirava da utilização pessoal da viatura que lhe estava distribuída e o valor médio mensal das ajudas de custo, relegando-se a fixação dessa indemnização, para incidente de liquidação de sentença. 4. Absolver o recorrente do pedido reconvencional deduzido pela recorrida. 5. Condenar as partes nas custas do recurso, sendo 10% da responsabilidade do recorrente e 90% da responsabilidade da recorrida.»
Irresignada com esta decisão recorre a Ré de revista para este Supremo Tribunal, integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«A) De relevante nos presentes autos, importava apreciar e decidir:
a) Se no caso vertente verificou-se justa causa de resolução do contrato de trabalho do A.?
b) Se o A tem direito às quantias que peticionou?
c) Caso inexista justa causa de resolução, se a Ré tem direito à indemnização por denúncia do contrato com falta de pré-aviso?
d) E pode compensar esse crédito com os créditos invocados pelo A?
B) Para que um trabalhador possa resolver o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização, é necessário que a conduta da entidade empregadora configure um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
C) A jurisprudência e a doutrina dominante têm entendido que é à luz deste mesmo conceito legal de justa causa que deve ser examinado o comportamento da entidade empregadora invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato com direito a indemnização.
D) Portanto, não é um mero conflito entre as partes, ou mesmo uma qualquer ofensa de uma à outra, que pode consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização.
E) É necessário que esse conflito configure uma das situações legalmente integráveis no âmbito da justa causa de resolução e bem assim que ao trabalhador, dada a gravidade e consequências dessa situação, não seja exigível que continue vinculado à empresa por mais tempo.
F) Quer isto dizer que o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral.
G) No caso dos autos, quanto ao fundamento da retirada da viatura de serviço o Autor/Recorrido não alegou nem fez prova de qualquer facto relevante no sentido de qualificar o uso da viatura de serviço como retribuição.
H) Aliás, o Autor/Recorrido não alegou nem provou que tipo de utilização fazia do veículo em causa, nem tão pouco que prejuízos ou transtornos teve na sua vida pessoal e familiar pelo não uso da viatura de serviço.
I) E mesmo que tivesse ficado provado que a viatura de serviço fazia parte da retribuição, o que não sucedeu, nunca teria existido qualquer diminuição da retribuição uma vez que apesar de lhe ter sido subtraída a viatura, tal circunstância foi compensada pela atribuição de um subsídio de transporte. 
J) Acontece que o douto acórdão de que se recorre, veio entender que “A atribuição de uma viatura automóvel ao trabalhador para uso total, constitui uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele, até essa data, normalmente despendia com a sua própria viatura), tem natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias e deve considerar-se parle integrante da retribuição. ", e ainda que "O empregador não é obrigado a manter indefinidamente a concessão de um determinado tipo de retribuição e pode até alterar, unilateralmente, os elementos que integram a retribuição dos seus trabalhadores. O que não pode, em caso de alteração dos seus componentes, é reduzir o montante global da remuneração até aí auferido pelo trabalhador." - sublinhado nosso.
K) Não pode a ora Recorrente concordar com tal entendimento, na medida em que nada se apurou sobre que própria viatura seria essa ou sobre o valor da diminuição.
L) Se não se chegou a apurar qual o valor como é que se pode afirmar e concluir que houve uma diminuição?
M) Mais, se o Autor/Recorrido quando instaurou a presente ação alegou a existência de valores mensais de que beneficiava, tinha o ónus de demonstrar nos autos que valores eram esses, como o seguro de saúde ou o benefício económico retirado com a utilização pessoal da viatura. Isto porque esse prejuízo, supostamente, já existia e encontrava-se liquidado, podendo e devendo ser quantificado.
 N) Não o tendo feito não poderia o acórdão recorrido relegar a fixação da indemnização para incidente de liquidação de sentença.
O) Quanto à ofensa à honra ou dignidade do trabalhador, salvo melhor opinião, o Autor/Recorrido não provou que as expressões e desconsiderações apontadas tivessem tornado imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
P) Repare-se que é o próprio Autor/Recorrido quem afirmou na sua carta de resolução datada de 03-12-2012 e que manteve nos presentes autos, que: - "(...) desde há um ano atrás que, a entidade empregadora, reiteradamente viola as garantias convencionadas comigo, nomeadamente, começou desde logo por retirar-me o veículo automóvel que me tinha posto à disposição (...)"; - "(...) a minha tarefa sempre foi exercida de forma tortuosa (...)", - "Também por diversas vezes, mas ultimamente de forma mais reiterada e constante, o referido sócio gerente permitia-se a constantes desabafos (...)";
"Ultimamente, também foram constantes as desautorizações das decisões correntes tomadas por mim, assim como o constante ignorar das propostas estratégicas apresentadas (…)" .
- "No dia a dia têm sido constantes os comentários e atitudes pouco próprias de alguém que uns dias dizia que quer delegar a gestão e outros diz que não a podia confiar a ninguém e constantemente atropelava a hierarquia, desautorizando, alterando decisões, questionando atos de gestão corrente (...)";
- "Todas estas situações que são muitas e quase diárias (...)" - sublinhado nosso.
Q) O que significa que, não obstante o gerente da Ré/Recorrente poder ter uma personalidade vincada e, porque bem conhecedor da atividade comercial em causa, não concordar em algumas situações com a gestão desenvolvida pelo Autor/Recorrido, o certo é que este manteve-se durante largo período de tempo em funções.
R) O que só pode significar que, para si, no seu juízo interior, as expressões e desconsiderações apontadas não tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho.
S) É que, a exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto sobre o conhecimento dos factos que a justificam (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do Art. 395°, nº 1 do CT), não é por acaso. É a forma que o legislador encontrou de entender que, se o trabalhador tem conhecimento de factos justificativos de uma resolução e nada faz com brevidade, é porque os factos em causa não são suficientemente graves de molde a tornarem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral.
T) Sensibilidade de análise essa que, com o devido respeito, o acórdão recorrido não teve.
U) Do exposto resulta a improcedência de todos os fundamentos invocados pelo Autor/Recorrido para resolver o seu contrato de trabalho, logo a rutura por sua livre iniciativa só poderá qualificar-se como denúncia nos termos dos arts. 400.º e 401.º do CT.
V) Acresce ainda que não resultou provado que o comportamento do gerente da Ré/Recorrente tivesse causado qualquer tipo de dano ao Autor/Recorrido, pelo que o pedido de uma indemnização teria sempre de improceder.
X) Assim não entendeu o Tribunal a quo, condenando a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de serviço e proporcionalmente pela fração de ano restante, o que além do mais se afigura excessiva tendo em conta os limites mínimo e máximo fixados no Art. 396.°, nº 1 do CT.
W) Assim, violou o douto acórdão recorrido os Arts. 129.°, 245.°, 258.°, 264.°, 351.°, n.º 3, 394.°, 395.°, 396.°, 399.°, 400.°, 401.° do CT e os Arts. 342.°, n.º 1, 483.° e 496.° do CC.»
Termina pedindo que seja concedido «provimento ao recurso, [e] revoga[da] a decisão recorrida e mantendo a sentença de primeira instância».
O Autor respondeu ao recurso interposto integrando nas alegações apresentadas as seguintes conclusões:
«1.Não merece qualquer censura o douto Acórdão recorrido devendo-se manter a decisão aí constante.
2. Ao contrário do que é alegado pela Recorrente não houve uma incorreta aplicação do direito à matéria de facto dada como provada.
3. Quanto à quantia auferida pelo Recorrente, de acordo com o mencionado no documento n.º 3 junto com a petição inicial e ainda a matéria de facto dada como provada não restam quaisquer dúvidas que a remuneração do mesmo era composta por salário base de € 3.150,00 acrescido de ajudas de custo, seguro de saúde e subsídio de transporte, subsídio este que lhe foi atribuído quando a viatura que lhe tinha sida dada para utilização para uso total, lhe foi retirada.
4. Quer a Recorrente fazer crer a este Venerando Tribunal de recurso que ao lhe ser retirada a viatura atribuída, substituindo-a por um subsídio de transporte, não viu o Recorrido a sua retribuição diminuída,
5. Contudo, não é este o entendimento do Recorrido, nem do douto Acórdão recorrido, já que a utilidade do veículo automóvel para uso total deverá ser apreciada em sede de liquidação em execução de sentença, já que essa mesma utilidade não se esgota com o valor que eventualmente a Recorrente pagava pelo leasing automóvel do veículo atribuído ao Recorrido, tendo sido esse o valor com que se decidiu compensar o trabalhador.
6. No caso dos autos, não só se verificou que tal viatura era usada para fins pessoais pelo Apelante, como tal foi confirmado pela própria entidade empregadora no Doc.3 já mencionado, onde se declara viatura para uso total, sendo certo que a retribuição em espécie é permitida e até usual.
7. Mas vem ainda a Recorrente insurgir-se contra o douto Acórdão recorrido pugnando que no mesmo houve uma errada aplicação do direito aos factos, pois considera, que perante os factos considerados provados não tinha o Recorrido, argumentos para considerar que a relação laboral estava definitivamente comprometida, pelo que erradamente aplicou o Tribunal da Relação o direito aos factos.
8. Com o devido respeito, não assiste razão à Recorrente.
9. Pese embora possamos admitir que o previsto no art. 351.º n.º 3 do Código do Trabalho, se trate de matéria com certo grau de subjetividade, pois exige-se que na apreciação da justa causa, deve atender-se, no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses e ao caráter das relações entre as partes.
10. No caso dos autos está bem patente a justa causa para resolução do contrato de trabalho por parte do Recorrido, e vejamos, que,
11. não estamos perante a falta de pagamento pontual de retribuição do trabalhador, como a Recorrente vem extensamente referir-se através da cópia de Acórdãos sobre esta matéria nas suas alegações.
12. Estamos sim, perante a lesão de direitos do trabalhador, com uma extensão claramente diferente da lesão dos direitos patrimoniais, os quais, também foram violados pela Recorrente, mas,
 13.Trata-se essencialmente no presente pleito de valores cuja violação por parte da Recorrente, devido à sua gravidade comprometeram imediata e definitivamente a possibilidade de manutenção da relação laboral - estamos a referir-nos, como já melhor explicitado no passado ao direito à Dignidade, Honra e respeito por parte da entidade empregadora para com os seus trabalhadores.
14. De facto, vejamos, que, na matéria dada como provada e que ficou assente pelo douto Acórdão da Relação de Lisboa, provou-se que:
(…)
15. Ora, de acordo com os factos dados como provados, nomeadamente os que se deixaram sublinhados, e sem necessidade de grandes considerações parece-nos claro, que, o comportamento por parte da entidade empregadora, na pessoa do seu sócio gerente é integradora de factos culposos e suficientemente graves que integrem o conceito de justa causa de resolução do contrato de trabalho por parte do trabalhador, previsto no art. 394° do Código do Trabalho, desde logo nas suas alíneas b) e f).
16. Pois a verdade é que, ficou provado de acordo com os pontos números 11°. 12° e 13° que a Recorrente retirou ao Recorrido o veículo automóvel que lhe tinha atribuído aquando da celebração do contrato, assim como ficou provado também que tal veículo era para uso total do Recorrido, fazendo parte da sua retribuição,
17. sendo certo que, quando o mesmo lhe foi retirado, a Recorrente não o compensou financeiramente pela perda remuneratória que isso acarretou na esfera jurídica do Recorrido, mas tão somente através da atribuição de um subsídio de transporte.
18. Pelo que, parece-nos óbvio que perante tal factualidade dada como provada estão devidamente integrados os factos constantes da alínea b) do art. 394° do Código do Trabalho.
19. Por outro lado, ficou também provado que, a recorrente na pessoa do seu sócio gerente no dia 30.11.2012 se dirigiu ao Recorrido dizendo-lhe "você é um palhaço que anda para aí".
20. E que ultimamente o mesmo sócio e gerente da Recorrente na presença de subordinados do Recorrido, o desautorizava constantemente, não permitindo que muitas das suas decisões fossem postas em prática.
21. E também que o mesmo sócio gerente da Recorrente afirmava, despropositadamente, perante outros colaboradores da empresa que "não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos".
22. Ora, perante tal factualidade, não restarão quaisquer dúvidas de que, tais factos integram o previsto na alínea f) do supra mencionado art. 394.º Código do Trabalho.
23.Tais comportamentos, considerou o legislador que, pela sua gravidade poderiam efetivamente determinar uma causa concreta e objetiva de resolução do contrato de trabalho com justa causa por parte do trabalhador.
24. Mais, parece-nos claro que, tais factos inviabilizam e impossibilitam completamente a manutenção do vínculo laboral tornando-o imediata e praticamente impossível, na medida, em que, deixa de ser exigível ao trabalhador sujeitar-se à manutenção daquele contrato de trabalho perante tais recorrentes desconsiderações, tudo nos termos do n.º3 do art 351° do Código do Trabalho que dispõe: "Na apreciação da justa causa deve atender-se, no quadro de gestão da empresa, ao grau de tesão dos interesses do empregador - aqui trabalhador - ao caráter das relações entre as partes ou entre o trabalhador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam releva".
25. Ora, no caso em apreço, estamos perante uma ofensa à honra e dignidade do Recorrido que, no quadro de gestão da empresa é muito grave.
26, É que não podemos esquecer-nos que o Recorrido era o número dois da entidade empregadora, A seguir ao gerente era a pessoa com mais responsabilidade dentro da empresa, e assim era considerado pelos seus colegas, resultando isto mesmo da matéria dada como provada,
27. É também uma pessoa com elevado grau académico que sempre foi considerado em todas as empresas que trabalhou.
28. Pelo que, ao ser chamado de palhaço pelo gerente, de forma a que outros funcionários dentro da empresa pudessem ouvir, como ouviram, e ao ser alvo de expressões como:
Não lhe pago 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos, expressões proferidas também elas, à frente de outros funcionários, e ao ser numerosas vezes desautorizado pelo sócio gerente, duvidas não restaram de que o Recorrido sentiu-se lesado nos seus interesses, ofendido de forma grotesca na sua dignidade e honra.
29. Motivo pelo qual apresentou de imediato a resolução do contrato de trabalho.
30. Por tudo quanto ficou exposto, não entendemos porque considerou a recorrente que houve uma errada aplicação do direito aos factos provados! ...
31. E, andou bem o Acórdão ora recorrido, ao distinguir a decisão de despedimento com justa causa por parte do empregador, daquela que é conferida ao trabalhador, pois se no primeiro caso tem o empregador um leque de sanções de que pode deitar mão, antes de tomar a decisão de resolver o contrato, da parte do trabalhador só lhe resta aceitar o comportamento do empregador e continuar a trabalhar, ou rejeitá-lo por o mesmo ser grave o suficiente que não lhe seja exigível manter a relação depois das violações ocorridas.
32. Ora, no caso dos autos estamos perante uma situação em que a gravidade e reiteração dos comportamentos levados a cabo pelo sócio gerente da entidade empregadora, e que ficaram demonstrados e provados, não restava outra opção ao Recorrido que a de resolver o contrato de trabalho, já que, tais comportamentos além de serem culposos, foram reiterados por diversas vezes e são suficientemente graves para inviabilizar a relação laboral.
33. A não ser assim que mais teria o Recorrido de esperar que o sócio gerente da Recorrente dissesse ou fizesse?
34. Já o desautorizava reiteradamente, na frente de outros subordinados hierarquicamente,
35. Dizia-lhe à frente de outros colegas que não lhe pagava 3.000 e tal euros para nadar de mãos nos bolsos,
36. Disse à frente de outros colegas "você é uma palhaço que anda para aí"
37. Pergunta-se se perante tal factualidade que mais considera a Recorrente que o Recorrido deveria ter permitido à sua entidade empregadora?
38. Que condições tinha o Recorrido para continuar a levar a cabo as suas funções dentro de uma empresa onde por diversas vezes e perante seus subordinados foi desautorizado e ofendido na sua honra e dignidade,
39. Aceitar isto, seria ter de aceitar tudo mais que a Recorrente decidisse fazer-lhe.
40. Conclui-se assim que estão preenchidos os requisitos para que o Recorrido tivesse fundamento para uma justa causa de resolução do seu contrato de trabalho com a Recorrente, com direito à competente indemnização nos termos do art. 396° do Código do Trabalho.
41. Pois parece-nos claro que não era exigível ao Recorrido que o mesmo se mantivesse a trabalhar perante tais desconsiderações, sendo certo que não tinha outro meio de reação senão o da resolução do contrato de trabalho.
42. É o que dispõe o art. 394° do Código do Trabalho que: "1 - Ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato.
2. Constituem justa causa de resolução do contrato pelo trabalhador nomeadamente os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição;b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador: c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei praticada pelo empregador ou seu representante.”
43. E o n.º 4 do mesmo preceito legal dispõe que: "A justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º com as necessárias adaptações"
44. Motivo pelo qual deverá o douto Acórdão ser mantido condenando-se a Recorrente como aí descrito … »
Termina pedindo que seja negado provimento ao «recurso interposto pela Recorrente, já que o mesmo não enferma de nenhuma ilegalidade nem incorreta aplicação do direito mantendo-se o Acórdão proferido pelo Tribunal da Relação de Lisboa».
Neste Tribunal o Exmº Procurador-Geral Adjunto proferiu proficiente parecer, terminando com a seguinte síntese conclusiva: «Considerando o elevado grau de gravidade e o prolongamento dos comportamentos referidos, no tempo de vigência do contrato, a recorrente violou os deveres previstos nas alíneas a) e e) do n.º 1 do art. 127.º, do CT e as garantias do trabalhador previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 129.º do mesmo compêndio, tornando deste modo insustentável a continuação da relação laboral, pelo que se nos afigura dever ser reconhecido que o autor resolveu com justa causa o contrato de trabalho, celebrado com aquela, afigurando-se-nos equilibrada a indemnização devida ao recorrido, nos termos do art. 396.º do CT, fixada pelo Tribunal a quo, pelo que se emite parecer no sentido de dever ser negado provimento do recurso, devendo antes ser confirmado o Acórdão sub judice».
Notificado este parecer às partes não motivou qualquer tomada de posição.
Sabido que o objeto do recurso é delimitado pelas conclusões das alegações do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 635.º, n.º 3, e 639.º do Código de Processo Civil, ressalvadas as questões de conhecimento oficioso, está em causa na presente revista saber:
a) – Se os factos imputados pelo Autor à Ré integram justa causa de resolução do contrato de trabalho;
b) – Se o valor correspondente à indemnização devida ao Autor pela resolução do contrato é excessivo;
c) Se a Ré tem direito a ser indemnizada pelo Autor por incumprimento do aviso prévio e se pode compensar essa indemnização com os créditos invocados pelo Autor.
II
As instâncias fixaram a seguinte matéria de facto:
1. O Autor foi admitido para trabalhar sob a autoridade e direção da Ré, em dezembro de 2008, com a categoria profissional de Diretor Geral, com um contrato sem termo, conforme documento junto a fls. 21 a 23 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
2. No âmbito desse contrato ficou estabelecido que o A. auferiria a retribuição mensal de € 3.150,00 (três mil, cento e cinquenta euros), acrescida de ajudas de custo no valor permitido por lei.
3. Em aditamento a esse contrato, de 2/12/2008, ficou estabelecido entre as partes, que o autor, como contrapartida da sua atividade, além do seu salário base, teria as seguintes regalias complementares: viatura de serviço para uso total, telemóvel de serviço e seguro de saúde.
4. O autor foi contratado como Diretor Geral da empresa e assumiu funções que abrangiam a coordenação das áreas de Gestão Geral, Gestão Financeira, Gestão Comercial, Gestão Técnica e de Produto e Gestão Logística.
5. A Gestão Geral, Logística, Técnica e de Produto foram sempre desenvolvidas pelo autor, tendo posteriormente assumido a Gestão Comercial entre abril de 2010 e abril de 2012 e a Gestão Financeira entre agosto de 2012 e novembro de 2012, funções que passou a desenvolver, nas datas referidas, devido à saída da Ré do Diretor Comercial e posteriormente da Diretora Financeira.
6. Face às funções que desenvolvia, o Autor era a pessoa de maior responsabilidade dentro da Ré, logo a seguir ao gerente.
6A - Ultimamente, o sócio gerente da apelada desautorizava constantemente o recorrente, na presença dos seus subordinados, não permitindo que muitas das suas decisões fossem postas em prática;[1]
6B - E afirmava, despropositadamente, perante outros colaboradores da empresa que “não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos”.[2]
7. No dia 30/11/2012, após, o recorrente, lhe ter explicado, perante uma solicitação sua, que estavam em contagem de stock e que, por essa razão, não era aconselhável o movimento de vendas, disse-lhe: “você é um palhaço que anda para aí.”[3]
8. O autor desempenhou as suas funções com diligência e profissionalismo.
9. O Autor enviou à Ré, no dia 3 de dezembro de 2012, a carta de rescisão do contrato de trabalho junta a fls. 26 a 29 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
10. A ré recebeu essa carta em 5 de dezembro de 2012, conforme documento junto a fls. 30 e cujo teor se dá aqui por integralmente reproduzido.
11. Ultimamente, o Autor auferia a retribuição base mensal de € 3.150,00 acrescida de ajudas de custo, seguro de saúde e subsídio de transporte, subsídio este que lhe foi atribuído quando a viatura referida em 3 lhe foi retirada.
12. Quando o A ingressou na empresa foi-lhe adstrita uma viatura automóvel da marca …, modelo ..., usada e já existente na R., que aquando do términus do respetivo contrato de aluguer foi posteriormente substituída pela viatura nova ....
13. Viatura esta que uma vez terminado o respetivo contrato foi entregue à proprietária, tendo sido explicado ao A. que face à difícil conjuntura económica então vivida (recorde-se que a atividade da R. está ligada aos setores da construção civil e pintura automóvel) não lhe seria atribuída outra viatura, optando-se antes por lhe ser atribuído subsídio de transporte.
14. CC por sua iniciativa, e na qualidade de sócio da ré, fez telefonemas para o autor para tentar resolver o conflito.»
III
1 - A resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador com fundamento em justa causa encontra-se disciplinada nos artigos 394.º e ss. do Código do Trabalho.
Resulta do disposto no n.º 1 daquele artigo que «ocorrendo justa causa, o trabalhador pode fazer cessar imediatamente o contrato», consagrando o n.º 2 do mesmo dispositivo um conjunto de situações que são consideradas justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, nomeadamente, os seguintes comportamentos do empregador: a) Falta culposa de pagamento pontual da retribuição; b) Violação culposa de garantias legais ou convencionais do trabalhador; c) Aplicação de sanção abusiva; d) Falta culposa de condições de segurança e saúde no trabalho; e) Lesão culposa de interesses patrimoniais sérios do trabalhador; f) Ofensa à integridade física ou moral, liberdade, honra ou dignidade do trabalhador, punível por lei, praticada pelo empregador ou seu representante».
Preveem-se neste n.º 2 situações de justa causa imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala, relativamente a estas situações, de «justa causa subjetiva de resolução».
O n.º 3 do mesmo dispositivo consagra outro conjunto de situações que integram justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, mas estas já não são imputáveis a culpa do empregador e por isso se fala em «justa causa objetiva» de resolução.
Estão previstas nesse dispositivo: - «a) Necessidade de cumprimento de obrigação legal incompatível com a continuação do contrato; b) Alteração substancial e duradoura das condições de trabalho no exercício lícito de poderes do empregador; c) Falta não culposa de pagamento pontual da retribuição».
A resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, tal como refere MONTEIRO FERNANDES, «respeita a situações anormais e particularmente graves, em que deixa de ser-lhe exigível que permaneça ligado à empresa por mais tempo, isto é pelo período fixado para o aviso prévio. Assim, a resolução opera imediatamente o seu efeito extintivo»[4].
De acordo com o disposto no n.º 4 deste artigo, a justa causa é apreciada nos termos do n.º 3 do artigo 351.º, com as necessárias adaptações, ou seja, tomando em consideração «no quadro da gestão da empresa, ao grau de lesão dos interesses do empregador, ao caráter das relações entre as partes, ou entre o empregador e os seus companheiros e às demais circunstâncias que no caso sejam relevantes».
Embora o Código do Trabalho não consagre uma noção de justa causa de resolução que possa funcionar como cláusula geral relativamente à aferição dos pressupostos daquela forma de extinção da relação de trabalho, na linha da solução consagrada no n.º 1 do artigo 351.º daquele diploma, impõe que na ponderação da mesma sejam tomadas em consideração, devidamente adaptadas, as circunstâncias discriminadas no n.º 3 daquele artigo.
A preocupação com a manutenção da relação de trabalho e a diversidade de interesses e de posições das partes motivam exigências diversas relativamente ao preenchimento da justa causa de resolução por iniciativa do trabalhador.
Aquela preocupação de salvaguarda da relação trabalho tem-se projetado na ponderação do preenchimento daquele conceito.
Conforme se referiu no acórdão desta secção de 11 de maio de 2011, proferido no processo n.º 273/06.5TTABT.S1, aplicando o Código de Trabalho de 2003, «[c]omo é entendimento reiterado deste Supremo Tribunal, a dimensão normativa da cláusula geral de rescisão exige mais do que a simples verificação material de um qualquer dos elencados comportamentos do empregador: é necessário que da imputada/factualizada atuação culposa do empregador resultem efeitos de tal modo graves, em si e nas suas consequências, que seja inexigível ao trabalhador – no contexto da empresa e considerados o grau de lesão dos seus interesses, o caráter das relações entre as partes e as demais circunstâncias que no caso se mostrem relevantes – a continuação da prestação da sua atividade».
Debruçando-se sobre a aferição em concreto da justa causa de resolução do contrato por iniciativa do trabalhador, refere MARIA DO ROSÁRIO DA PALMA RAMALHO que a «jurisprudência tem acentuado a necessidade da presença de três requisitos para que se configure uma situação de justa causa subjetiva para a resolução do contrato: i) um requisito objetivo, que é o comportamento do empregador, violador dos direitos e garantias do trabalhador, ii) um requisito subjetivo, que é a atribuição desse comportamento ao empregador a título de culpa (…); iii) um terceiro requisito, que relaciona aquele comportamento com o vínculo laboral, no sentido de tornar imediata e praticamente impossível para o trabalhador a subsistência desse vínculo (…)».
Destaca, contudo, aquela Autora, a necessidade de «não apreciar os elementos acima referidos em moldes tão estritos e exigentes como no caso da justa causa disciplinar, designadamente no que se refere ao terceiro elemento», o que resultará da «fundamental dissemelhança entre as figuras do despedimento disciplinar e da resolução do contrato por iniciativa do trabalhador»[5]
Ao enquadramento da situação dos autos importa ainda o procedimento para a resolução disciplinado no artigo 395.º do Código do Trabalho, uma vez que nos termos do n.º 1 desse artigo «o trabalhador deve comunicar a resolução do contrato ao empregador, por escrito, com indicação dos factos que a justificam, nos 30 dias subsequentes ao conhecimento dos factos» e, nos termos do n.º 2 do mesmo artigo, no caso a que se refere o n.º 5 do artigo 394.º, «o prazo para a resolução conta-se a partir do termo do período de 60 dias ou da declaração do empregador».
O incumprimento das condicionantes estabelecidas neste artigo em termos de prazos confere ao empregador o direito à indemnização prevista no artigo 401.º do mesmo código, atento o disposto no seu artigo 399.º
Por sua vez, a resolução do contrato fundamentada em justa causa, nos termos do n.º 2 do artigo 394.º, confere ao trabalhador o direito à indemnização prevista no artigo 396.º do mesmo diploma, a determinar «entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e ao grau de ilicitude do comportamento do empregador, não podendo ser inferior a três meses de retribuição base e diuturnidades».
De acordo com este dispositivo a indemnização é fixada em dias, entre 15 e 45, por cada ano completo de antiguidade, de «retribuição base e antiguidade».
Na fixação do número de dias são tomados em consideração o valor da retribuição base, que é um dado objetivo, e o grau de ilicitude da conduta do empregador, a ponderar no momento da decisão em função dos elementos que a permitem valorar.
A ilicitude exprime a desconformidade com os valores protegidos revelando a maior ou menor intensidade da lesão desses valores manifestada pela conduta do empregador.
2 – A decisão recorrida respondeu afirmativamente à questão relativa à existência de justa causa para o autor pôr termo à relação de trabalho que mantinha com a Ré com a seguinte fundamentação:
«Vejamos, agora, o que se provou, sobre cada um destas imputações descritas na comunicação enviada pelo apelante à apelada e se os comportamentos considerados provados, constituem ou não justa causa de resolução do contrato.
Em relação à viatura automóvel para uso total, ou seja, para o exercício de funções e para uso particular, (tornando desnecessário o uso de viatura própria), não temos dúvidas em considerar que a mesma fazia parte da contrapartida do trabalho e revestia a natureza de retribuição tal como resulta do documento de aditamento ao contrato de trabalho celebrado pelas partes, junto a fls. 25 dos autos. Isto porque a utilização da viatura pelo autor na sua vida privada, naquelas condições, representava para ele uma manifesta vantagem de natureza económica (correspondente ao valor que ele despenderia se utilizasse viatura própria) e tinha natureza regular e periódica, uma vez que dela podia usufruir todos os dias.
Revestindo a atribuição de tal viatura [a natureza de] uma prestação em espécie, regular e periódica, com um valor patrimonial evidente, tem de presumir-se que a mesma faz parte integrante da retribuição (arts. 249º, n.º 3 do CT de 2003 e 258º, n.º 3 do CT de 2009), já que a ré/recorrida não conseguiu ilidir tal presunção, ou seja, não conseguiu provar, nomeadamente, que tal prestação não era obrigatória, que se tratava de uma mera liberalidade ou de um ato de mera tolerância da sua parte.
Temos, assim, de concluir que a utilização privada da referida viatura constituía uma prestação em espécie que fazia parte integrante da retribuição do autor.
O Autor não conseguiu, no entanto, provar o valor mensal do benefício pessoal que retirava da atribuição desta prestação em espécie.
Para nós, esse valor não corresponde, de modo algum, ao valor que a entidade empregadora despendia mensalmente com o aluguer da viatura. Para nós, o valor da prestação retributiva resultante da atribuição de uma viatura para uso profissional e para uso pessoal é o que resulta do benefício económico que o trabalhador retira da utilização em proveito próprio, ou seja, o valor que ele despenderia nesta utilização com viatura própria. O valor da referida retribuição em espécie é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal ou particular da viatura, nele não se podendo incluir o uso profissional (ou seja o benefício obtido com o seu uso no exercício das suas funções e ao serviço da entidade empregadora). Destinando-se a viatura, não apenas ao uso pessoal, mas também ao uso profissional, o valor mensal do benefício económico da prestação em espécie, proporcionada ao trabalhador, nunca podia, neste caso, equivaler, por exemplo, ao valor mensal do custo do aluguer de viatura idêntica e das despesas com ela relacionadas, já que desse custo e dessas despesas advinha também vantagens económicas para a entidade empregadora (pela sua utilização em serviço), vantagens essas cujo valor, manifestamente, não pode deixar de excluir-se, para se apurar o valor exato da retribuição em espécie.
Encontramo-nos, assim, perante uma situação em que está assente que o uso pessoal da viatura, constitui uma prestação em espécie que faz parte integrante da retribuição do trabalhador, mas não existem nos autos elementos que nos permitam quantificar o valor mensal do benefício económico que aquele retirava da atribuição de tal prestação.
Constituirá a inexistência desses elementos (cujo ónus da prova competia ao autor) obstáculo que impeça a determinação do valor desta prestação retributiva?
A questão prende-se essencialmente com o âmbito de aplicação do disposto no artigo 609º, n.º 2, do CPC, norma que, procurando definir os limites da condenação, dispõe que “se não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, o tribunal condenará no que se liquidar em execução de sentença, sem prejuízo da condenação imediata na parte que já seja líquida”.
É certo que não existe uma completa uniformidade de pontos de vista quanto ao alcance deste preceito. Mas haverá no mínimo que chamar à colação os critérios que a este propósito têm sido adotados.
Há uma corrente jurisprudencial que entende que o apontado preceito só permite remeter para liquidação em execução de sentença, quando não houver elementos para fixar o objeto ou a quantidade, mas apenas como consequência de não se conhecerem ainda, com exatidão, as unidades componentes da universalidade ou de ainda não se terem revelado ou estarem em evolução todas as consequências, e não também no caso em que a carência de elementos resulte da falta de prova sobre os factos alegados .
Esta é uma interpretação restritiva, que reconduz o âmbito de aplicação do preceito aos casos em que o autor tenha deduzido um pedido genérico, nos termos previstos no artigo 471.º do CPC, ou tenha formulado um pedido específico, mas não tenha sido possível, no momento da decisão, fixar o objeto ou a quantidade da condenação por se desconhecerem todas ou algumas consequências do facto ilícito, por estas ainda não se terem produzido ou por não se terem produzido todos os factos influentes na determinação do quantitativo de uma dívida.
A questão não é pacífica, mas o Supremo Tribunal de Justiça, nos seus acórdãos de 28/09/2005 - Processo n.º 578/05 – 4ª Secção, de 2/12/2005 – Processo n.º 2.850/05 – 4ª Secção, de 2/02/2006 – Processo n.º 3.225/05 – 4ª Secção, e de 22/03/2006 – Processo 05S3729 – 4ª Secção e em muitos outros acórdãos, tendo embora presente a referida argumentação, acabou por concluir que a condenação em liquidação de sentença poderá ocorrer mesmo quando o autor, tendo formulado pedido líquido, não tenha logrado provar, no processo declarativo, o exato montante do que lhe é devido.
É certo que numa interpretação lata do artigo 609º, n.º 2 do CPC, acaba por se conceder ao demandante uma nova oportunidade de prova dos fundamentos de facto constitutivos do direito invocado. No caso em apreço, no entanto, esta segunda oportunidade de prova não vai incidir sobre qualquer elemento de facto constitutivo do direito à referida prestação – o direito do apelante à referida prestação, por ela fazer parte integrante da sua retribuição, já está reconhecido - mas tão somente sobre elementos que se afiguram necessários para determinar o valor mensal da mesma.
Nada parece obstar, nestes termos, que em face da insuficiência de elementos para determinar o montante de tal prestação se profira decisão a reconhecer o direito do trabalhador a tal prestação, relegando-se, se necessário for, para incidente de liquidação de sentença a fixação desse valor.
A jurisprudência dominante segue este entendimento e vai no sentido “de que, mesmo quando o autor formulou pedido líquido, o facto de não ter logrado provar o exato montante do seu demonstrado direito não obsta a que o tribunal reconheça esse direito e que relegue o apuramento do seu valor para incidente de liquidação de sentença . É esta a orientação que se nos afigura mais correta e que se ajusta ao caso que nos ocupa, na constatação de que se provou o direito do apelante à referida prestação em espécie, sem contudo se ter apurado o valor da mesma.
Deve, assim, reconhecer-se que a utilização privada da referida viatura constituía uma prestação em espécie que fazia parte integrante da retribuição do autor e que a ré, ao privá-lo dessa utilização, e ao passar atribuir-lhe um simples subsídio de transporte, diminui-lhe a sua retribuição e violou uma das suas garantias fundamentais [art. 129º, n.º 1, alínea d) do CT].
É certo que o empregador não é obrigado a manter indefinidamente a concessão de um determinado tipo de retribuição e pode até alterar, unilateralmente, os elementos que integram a retribuição dos seus trabalhadores. O que não pode, em caso de alteração dos seus componentes, é reduzir o montante global da remuneração até aí auferida pelo trabalhador (art. 129º, n.º 1, al. d) do CT). Desde que o seu valor global não resulte diminuído e estejam em causa elementos (integrantes da retribuição) fundados em estipulações individuais ou nos usos (excluindo-se, por conseguinte, os que derivem da lei ou dos instrumentos de regulamentação coletiva de trabalho), a estrutura da retribuição pode ser unilateralmente alterada pelo empregador, mediante a supressão de algum componente, a mudança de frequência de outro, ou a criação de um terceiro .
Ora, como a ré nada alegou nem provou a este respeito, e como a mesma lhe substituiu o uso total da viatura, ou seja, o uso para o exercício de funções e para uso particular, por um simples subsídio de transporte, invocando para o efeito a difícil conjuntura económica então vivida, temos necessariamente de concluir que foi o valor ou grande parte do valor correspondente ao benefício económico que o trabalhador retirava da utilização dessa viatura, em proveito próprio, que foi sacrificado.
Além disso, o sócio gerente da apelada, ultimamente, desautorizava constantemente o recorrente, na presença dos seus subordinados, não permitindo que muitas das suas decisões fossem postas em prática; afirmava, despropositadamente, perante outros colaboradores da empresa que “não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos” e, no dia 30/11/2012, após, o recorrente, lhe ter explicado, perante uma solicitação sua, que estavam em contagem de stock e que, por essa razão, não era aconselhável o movimento de vendas, disse-lhe: “você é um palhaço que anda para aí.”
Além de ter privado o recorrente do uso total da viatura, e, dessa forma, ter passado a pagar-lhe uma retribuição inferior à que contratualmente lhe era devida, a apelada, com a conduta que o seu sócio gerente, ultimamente, vinha assumindo, não só desrespeitou a autonomia técnica do recorrente, Diretor Geral da empresa, perante os seus subordinados, como ofendeu, de forma, grave e reiterada, a sua honra, a sua consideração e a sua dignidade profissionais, violando, assim, culposa e reiteradamente, os deveres previstos no art. 127º, n.º 1, alíneas a), e e) do CT, bem como as garantias do trabalhador previstas nas alíneas c) e d) do n.º 1 do art. 129º do CT e, acabando dessa forma, por tornar a relação que os vinculava insuportável, deixando de ser exigível ao recorrente continuar a manter o seu contrato de trabalho com quem, de forma grave e sistemática, estava a violar esse contrato.
Temos, assim, de concluir que o recorrente resolveu com justa causa o contrato de trabalho que a vinculava à recorrida, justa causa esta que lhe confere o direito a uma indemnização, a determinar entre 15 e 45 dias de retribuição base e diuturnidades por cada ano completo de antiguidade, atendendo ao valor da retribuição e grau de ilicitude do comportamento da entidade empregadora, devendo no caso de fração de ano de antiguidade, o valor ser calculado proporcionalmente (art. 396º, n.ºs 1 e 2 do CT), devendo, em consequência, ser revogada a sentença recorrida, na parte em que considerou que não havia justa causa para resolução do contrato, assim como na parte em que condenou o autor a pagar à ré a quantia de € 6.300,00, a título de indemnização, por denúncia do contrato, sem aviso prévio.»
IV
1 – Na conclusão A) das alegações que apresentou afirma a recorrente, nas alíneas c) e d), que «nos presentes autos, importava apreciar e decidir», se «a Ré tem direito à indemnização por denúncia do contrato com falta de pré-aviso» e se «pode compensar esse crédito com os créditos invocados pelo A.».
Resulta do processo que a Ré na contestação formulou pedido de indemnização contra o Autor invocando o incumprimento do prazo de aviso prévio para a denúncia do contrato, pedido este que veio a ser julgado procedente na sentença proferida em 1.ª instância.
O Tribunal da Relação na decisão recorrida absolveu o Autor desse pedido.
Analisadas as alegações de recurso de revista apresentadas pela Ré e as respetivas conclusões, constata-se que essa parte da decisão recorrida não foi impugnada, não tecendo a recorrente quaisquer considerações no sentido da alteração dessa parte da decisão recorrida.
Tem, pois, de se entender que aquela parte da decisão recorrida transitou em julgado, uma vez que não foi impugnada, pelo que não pode este Tribunal conhecer das enunciadas questões.
2 - Nas conclusões B) a U) insurge-se a recorrente contra a parte da decisão recorrida em que se considerou que o Autor tinha justa causa para a resolução do contrato de trabalho, por sua iniciativa, nos termos do artigo 394.º do Código de Trabalho e, em consequência disso, se condenou a Ré a pagar-lhe uma indemnização, nos termos do artigo 396.º do mesmo Código.
Começa a recorrente, nas alíneas B) a F), por afirmar aquilo que entende serem os princípios gerais em matéria de resolução do contrato de trabalho por iniciativa do trabalhador, referindo que «para que um trabalhador possa resolver o seu contrato de trabalho, com direito a indemnização, é necessário que a conduta da entidade empregadora configure um comportamento culposo que pela sua gravidade e consequências torne imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho», que «a jurisprudência e a doutrina dominante têm entendido que é à luz deste mesmo conceito legal de justa causa que deve ser examinado o comportamento da entidade empregadora invocado pelo trabalhador para a resolução do contrato com direito a indemnização».
Destaca que «não é um mero conflito entre as partes, ou mesmo uma qualquer ofensa de uma à outra, que pode consubstanciar justa causa de resolução imediata do contrato de trabalho, com direito à indemnização» e que «é necessário que esse conflito configure uma das situações legalmente integráveis no âmbito da justa causa de resolução e bem assim que ao trabalhador, dada a gravidade e consequências dessa situação, não seja exigível que continue vinculado à empresa por mais tempo», pelo que, em seu entender, «o trabalhador só pode resolver o contrato de trabalho, sem observância de pré-aviso, e com direito a indemnização, se se verificar um comportamento que seja imputável à entidade empregadora, a título de culpa, e que esse comportamento, pela sua gravidade e consequências, torne inexigível a manutenção do vínculo laboral».
2.1 – Prossegue depois a recorrente nas alíneas G) a N) das suas alegações por se insurgir quanto ao decidido no que se refere à retirada do veículo automóvel, quer na parte em que considerou que a disponibilização desse veículo integrava a retribuição do Autor, quer na parte em que relegou para liquidação posterior a quantificação do valor decorrente dessa disponibilização.
Afirma a recorrente que «o Autor/Recorrido não alegou nem fez prova de qualquer facto relevante no sentido de qualificar o uso da viatura de serviço como retribuição» e que «não alegou nem provou que tipo de utilização fazia do veículo em causa, nem tão pouco que prejuízos ou transtornos teve na sua vida pessoal e familiar pelo não uso da viatura de serviço».
Destaca que «mesmo que tivesse ficado provado que a viatura de serviço fazia parte da retribuição, o que não sucedeu, nunca teria existido qualquer diminuição da retribuição uma vez que apesar de lhe ter sido subtraída a viatura, tal circunstância foi compensada pela atribuição de um subsídio de transporte» e que não pode a ora Recorrente concordar com o entendimento fixado na decisão recorrida relativamente à fixação do valor disponibilizado pela viatura, «na medida em que nada se apurou sobre que própria viatura seria essa ou sobre o valor da diminuição», pelo que «se não se chegou a apurar qual o valor como é que se pode afirmar e concluir que houve uma diminuição»
Destaca que «se o Autor/Recorrido quando instaurou a presente ação alegou a existência de valores mensais de que beneficiava, tinha o ónus de demonstrar nos autos que valores eram esses, como o seguro de saúde ou o benefício económico retirado com a utilização pessoal da viatura. Isto porque esse prejuízo, supostamente, já existia e encontrava-se liquidado, podendo e devendo ser quantificado», pelo que «não o tendo feito não poderia o acórdão recorrido relegar a fixação da indemnização para incidente de liquidação de sentença».
2.2 - À data em que o contrato de trabalho do Autor foi celebrado vigorava ainda o artigo 249.º do Código de Trabalho de 2003, que estabelecia que «só se considera retribuição aquilo a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), que «na contrapartida do trabalho inclui-se a retribuição base e todas as prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), que, «até prova em contrário, presume-se constituir retribuição toda e qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3) e, em derradeiro termo, que «a qualificação de certa prestação como retribuição, nos termos dos n.ºs 1 e 2, determina a aplicação dos regimes de garantia e de tutela dos créditos retributivos previstos neste Código» (n.º 4).
Na mesma linha de orientação, o artigo 258.º do Código do Trabalho de 2009, à luz do qual haverá que aferir a resolução do contrato que constitui objeto do presente recurso, dispõe que se considera retribuição «a prestação a que, nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito em contrapartida do seu trabalho» (n.º 1), que «a retribuição compreende a retribuição base e outras prestações regulares e periódicas feitas, direta ou indiretamente, em dinheiro ou em espécie» (n.º 2), que se presume «constituir retribuição qualquer prestação do empregador ao trabalhador» (n.º 3) e que «à prestação qualificada como retribuição é aplicável o correspondente regime de garantias previsto neste Código» (n.º 4).
Esta Secção tem-se debruçado inúmeras vezes sobre a questão de saber se a disponibilização de veículo automóvel pelo empregador ao trabalhador para uso particular deve ser considerada como integrativa da retribuição prestada. 
No acórdão de 30 de abril de 2014, proferido na revista n.º 714/11.0TTPRT.P1.S1, referiu-se o seguinte: «Este Supremo Tribunal tem seguido a orientação de que a atribuição de veículo automóvel, com despesas de manutenção a cargo do empregador, para o serviço e uso particular do trabalhador, constitui ou não retribuição, conforme se prove que o empregador ficou vinculado a efetuar essa prestação ou a referida atribuição configura um ato de mera tolerância (cf., sobre esta problemática, o Acórdão, de 5 de março de 1997, em Coletânea de Jurisprudência, Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça, Ano V, tomo I, p. 290, e, ainda, os Acórdãos, de 3 de maio de 2000, Processo n.º 342/99, de 24 de outubro de 2001, Processo n.º 3917/2000, de 20 de fevereiro de 2002, Processo n.º 1963/2001, de 15 de outubro de 2003, Processo n.º 281/2003, de 19 de outubro de 2004, Processo n.º 2601/2004, de 21 de abril de 2010, Processo n.º 2951/04.4TTLSB.S1, e de 27 de maio de 2010, Processo n.º 684/07.9TTSTB.S1, todos da 4.ª Secção)»[6].
No caso dos autos, resulta da matéria de facto dada como provada que «ficou estabelecido que o A. auferiria a retribuição mensal de € 3.150,00 (três mil, cento e cinquenta euros), acrescida de ajudas de custo no valor permitido por lei» e que «em aditamento a esse contrato, de 2/12/2008, ficou estabelecido entre as partes, que o autor, como contrapartida da sua atividade, além do seu salário base, teria as seguintes regalias complementares: viatura de serviço para uso total, telemóvel de serviço e seguro de saúde».
Deste modo, a viatura foi atribuída ao Autor, como contrapartida da sua atividade e para uso total, pelo que não merece qualquer censura a decisão recorrida na parte em que considerou que tal disponibilização integrava a retribuição do Autor.
2.3 – Censura não merece igualmente a decisão recorrida na parte em que considerou que a não quantificação do valor decorrente dessa disponibilização não era impeditiva dessa consideração como parte da retribuição e também da remessa da referida quantificação para liquidação posterior.
Na verdade, a disponibilização da viatura, para uso total, inclui o respetivo uso no âmbito da relação de trabalho, de que é diretamente beneficiada a Ré, mas também a utilização fora daquela relação, que tem um valor concreto quantificável e que corresponde às utilidades que poderiam decorrer de um veículo privado do trabalhador.
O valor da disponibilização, nessa componente, integra a retribuição do trabalhador e é suscetível de concretização.
Também esta questão tem sido objeto de inúmeras pronúncias desta Secção na mesma linha de orientação que se mostra subjacente à decisão recorrida. 
Referiu-se com efeito, no acórdão deste Secção de 18 de dezembro de 2013, proferido na revista n.º 248/10.0TTBRG.P1.S1[7], o seguinte:
«Com efeito, nos termos do artigo 259º do Código do Trabalho, “[a] prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região”.
Decorre deste preceito que o valor da componente retributiva em espécie equivale ao benefício económico pessoal que a mesma representa para o trabalhador ou sua família.
Como constitui jurisprudência pacífica, o valor da retribuição em espécie, consubstanciada na utilização de veículo automóvel proporcionada pelo empregador é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal, ou particular da viatura, nele se não incluindo o uso profissional, pelo que, tendo-se demonstrado o direito àquela retribuição em espécie, sem, contudo se apurar o exato valor do inerente benefício económico pessoal, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para liquidação de sentença (.)[8]
E especificamente sobre os pressupostos da condenação ilíquida, com a consequente remessa para liquidação posterior, referiu-se no acórdão desta Secção de 30 de abril de 2014, proferido na revista n.º 593/09. 7TTLSB.L1.S1, o seguinte:
«Segundo a tese mais “restritiva”, a falta de elementos a que alude o art. 609.º. nº 2, do NCPC (e, identicamente, no art. 661.º, n.º 2, do anterior CPC), deve resultar não do fracasso da prova, mas do facto de ainda não se conhecerem com exatidão todas as consequências do facto ilícito, nomeadamente por elas ainda não se terem revelado ou em estarem em evolução. Numa primeira abordagem, não são, na verdade, imediatamente atingíveis as razões que explicam que, em caso de fracasso da prova, seja concedida à parte interessada uma segunda oportunidade para procurar e produzir melhor prova.
Em sentido contrário, para além de parte significativa da doutrina[9], vai a jurisprudência mais recente do Supremo Tribunal de Justiça, mormente desta Secção,[10] segundo a qual nada obsta a que, em face da insuficiência de elementos para determinar o montante em dívida se profira uma condenação ilíquida, com a consequente remissão do apuramento da responsabilidade para momento posterior, desde que – como acontece no caso dos autos [uma vez que apenas não se apuraram os custos inerentes a determinadas vertentes da formação do recorrente que se encontram cabalmente identificadas no conjunto dos factos provados (.)]  -  essa segunda oportunidade de prova não incida sobre a existência dos danos, mas apenas sobre o respetivo valor (pois, relativamente aos danos que não tenham sido provados, forma-‑se caso julgado material quanto à sua inexistência , não podendo a questão voltar a ser discutida).
Este entendimento é o mais consentâneo com o princípio da igualdade, uma vez que não se vislumbra fundamento material para tratar diferentemente aqueles que formulam ab initio um pedido genérico e os que apresentam, logo à partida, um pedido específico.
Por outro lado, como se refere no Ac. de 10-12-2013 deste Supremo[11], “não seria curial que, tendo a [parte em questão] provado a existência de uma situação de direito à reparação do dano – art. 562.º do CC –, apesar disso, a ação devesse ser julgada improcedente apenas porque se não provou o exato montante que se encontra, a esse título, em dívida”».[12]
Nenhuma censura merece, pois, a decisão recorrida, na parte em que considerou a disponibilização do veículo como elemento integrativo da retribuição do Autor e na parte em que relegou a quantificação do respetivo valor para liquidação posterior, onde, naturalmente, deverá ser tomado em consideração o subsídio de transporte auferido.
2.4 – Nas alíneas O) a U) das conclusões das alegações insurge-se a recorrente contra a decisão recorrida na parte em que considerou que as expressões proferidas pelo gerente da Ré contra o Autor, decorrentes da matéria de facto, eram ofensivas da honra e da consideração devida ao Autor e do relevo das mesmas enquanto fundamento para a resolução do contrato, por iniciativa do trabalhador.
Recorde-se que se afirmou naquela decisão que o referido gerente «ofendeu, de forma, grave e reiterada, a sua honra, a sua consideração e a sua dignidade profissionais, violando, assim, culposa e reiteradamente, os deveres previstos no art. 127º, n.º 1, alíneas a), e e) do CT» e que e que essa conduta, na sequência da privação da viatura, tornou «a relação que os vinculava insuportável, deixando de ser exigível ao recorrente continuar a manter o seu contrato de trabalho com quem, de forma grave e sistemática, estava a violar esse contrato».
 Afirma a recorrente que «não obstante o gerente da Ré/Recorrente poder ter uma personalidade vincada e, porque bem conhecedor da atividade comercial em causa, não concordar em algumas situações com a gestão desenvolvida pelo Autor/Recorrido, o certo é que este manteve-se durante largo período de tempo em funções», «o que só pode significar que, para si, no seu juízo interior, as expressões e desconsiderações apontadas não tornaram imediata e praticamente impossível a subsistência da relação de trabalho».
Destaca que «a exigência legal de que a resolução do contrato seja promovida num lapso de tempo muito curto sobre o conhecimento dos factos que a justificam (30 dias sobre o conhecimento desses factos pelo trabalhador, nos termos do Art. 395°, nº 1 do CT), não é por acaso» porque «é a forma que o legislador encontrou de entender que, se o trabalhador tem conhecimento de factos justificativos de uma resolução e nada faz com brevidade, é porque os factos em causa não são suficientemente graves de molde a tornarem imediata e praticamente impossível a subsistência da relação laboral».
Resulta da matéria de facto dada como provada que «ultimamente, o sócio gerente da apelada desautorizava constantemente o recorrente, na presença dos seus subordinados, não permitindo que muitas das suas decisões fossem postas em prática» e «afirmava, despropositadamente, perante outros colaboradores da empresa que “não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos”» e que «no dia 30/11/2012, após, o recorrente, lhe ter explicado, perante uma solicitação sua, que estavam em contagem de stock e que, por essa razão, não era aconselhável o movimento de vendas, disse-lhe: “você é um palhaço que anda para aí.”»
Para além disso, resulta igualmente da matéria de facto dada como provada que «o autor foi contratado como Diretor Geral da empresa e assumiu funções que abrangiam a coordenação das áreas de Gestão Geral, Gestão Financeira, Gestão Comercial, Gestão Técnica e de Produto e Gestão Logística» e que «a Gestão Geral, Logística, Técnica e de Produto foram sempre desenvolvidas pelo autor, tendo posteriormente assumido a Gestão Comercial entre abril de 2010 e abril de 2012 e a Gestão Financeira entre agosto de 2012 e novembro de 2012, funções que passou a desenvolver, nas datas referidas, devido à saída da Ré do Diretor Comercial e posteriormente da Diretora Financeira», sendo que «face às funções que desenvolvia, o Autor era a pessoa de maior responsabilidade dentro da Ré, logo a seguir ao gerente».
À luz das considerações acima tecidas, nenhuma censura merece a decisão recorrida na parte em que considerou que as expressões e atitudes assumidas pelo gerente da Ré contra o Autor atingem a honra e a consideração que lhe era devida e que, juntamente com a privação do uso do veículo automóvel, criaram para o Autor uma situação insustentável e que legitimava a rutura da relação de trabalho, por sua iniciativa.
De facto o Autor «face às funções que desenvolvia, (…) era a pessoa de maior responsabilidade dentro da Ré, logo a seguir ao gerente», desempenhando funções estruturais ao seu funcionamento numa relação direta com a gerência.
De acordo com a matéria de facto dada como provada «desempenhou as suas funções com diligência e profissionalismo».
Ora, o gerente da Ré não pode dirigir-se a um profissional com estas características e com a posição de relevo que o mesmo ocupava na estrutura organizacional da Ré e afirmar que «não lhe pagava € 3.000 e tal euros para andar de mãos nos bolsos”» e que «você é um palhaço que anda para aí».
Trata-se de condutas que atingem, em dimensão intolerável, a posição do Autor no contexto da empresa, desautorizando-o perante os outros profissionais ao serviço daquela, situação agravada pelo facto de se tratar de um profissional zeloso e competente.
Por outro lado, a privação do uso da viatura, independentemente da dimensão económica que lhe está associada e dos prejuízos que daí decorriam, atinge também a imagem do Autor no contexto da Ré e da sua relação com demais trabalhadores ao serviço da Ré.
Neste cenário não merece qualquer censura a decisão recorrida quando considerou que esses fatos constituíam justa causa para a resolução do contrato de trabalho por iniciativa do Autor.
2.5 – Nas alíneas V) e X) das conclusões das alegações apresentadas, insurge-se a recorrente contra a indemnização em que foi condenada, referindo que «não resultou provado que o comportamento do gerente da Ré/Recorrente tivesse causado qualquer tipo de dano ao Autor/Recorrido, pelo que o pedido de uma indemnização teria sempre de improceder» e que «assim não entendeu o Tribunal a quo, condenando a ora Recorrente no pagamento de uma indemnização correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de serviço e proporcionalmente pela fração de ano restante, o que além do mais se afigura excessiva tendo em conta os limites mínimo e máximo fixados no Art. 396.°, nº 1 do CT».
A decisão recorrida fixou a indemnização em que condenou a recorrente em «correspondente a 30 dias de retribuição base por cada ano de serviço e proporcionalmente pela fração de ano restante, devendo incluir-se nessa retribuição a prestação mensal de € 3.150,00, o valor mensal do seguro de saúde, o valor mensal do benefício económico que o autor retirava da utilização pessoal da viatura que lhe estava distribuída e o valor médio mensal das ajudas de custo, relegando-se a fixação dessa indemnização, para incidente de liquidação de sentença».
Na fundamentação da fixação daquela indemnização, invocou-se na decisão recorrida o seguinte:
«Para o cálculo da referida indemnização, o legislador consagra para estas situações, uma moldura indemnizatória, com padrões mínimos e máximos de referência, e determina que, na graduação da mesma, se deve atender ao valor da retribuição do trabalhador e ao grau de ilicitude do comportamento da entidade empregadora.
A retribuição base do recorrente a levar em consideração no cálculo dessa indemnização deve incluir, além dos € 3.150,00, o valor do seguro de saúde, o valor mensal do benefício económico que o autor retirava da utilização pessoal da viatura que lhe estava distribuída e o valor médio mensal das ajudas de custo. Isto porque, as prestações regulares e periódicas (em numerário ou em espécie) pagas pelo empregador ao trabalhador, independentemente, da designação que lhes seja atribuída no contrato ou no recibo, só não serão consideradas parte integrante da retribuição se tiverem uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração do trabalho, competindo ao empregador fazer essa prova (art. 258º, n.º 3 do CT). Como a recorrida, no caso em apreço, nada provou a esse respeito, todas estas prestações devem ser consideradas parte integrante da retribuição base do recorrente, ou seja, da retribuição correspondente à atividade do trabalhador prestada no seu período normal de trabalho (art. 262º, n.º 2, al. a) do CT); daquela retribuição em sentido estrito, que está apenas relacionada com a atividade desempenhada pelo trabalhador (e não já às condições ou circunstâncias desse desempenho); ou seja, daquela que corresponde ao montante fixo mensal auferido pelo trabalhador e que, nos termos do contrato, corresponde ao exercício da atividade por ele desempenhada, de acordo com o período normal de trabalho definido.
Assim, atento o valor da retribuição base do trabalhador/recorrente, o grau de culpa e de ilicitude do comportamento da recorrida, que consideramos elevado, fixa-se a referida indemnização em 30 dias de retribuição base, por cada ano completo de antiguidade. Não mais, porque o recorrente a fixou em 30 dias por cada ano de antiguidade.»
Tendo como referência os parâmetros relativos à fixação da indemnização consagrados no artigo 396.º do Código do Trabalho, atendendo à dimensão da ilicitude revelada pela conduta da Ré, que se projeta na redução ilícita da retribuição devida ao Autor e no conjunto de factos dados como provados violadores, em grau intolerável, da honra, do respeito e consideração que lhe eram devidos, no caso agravados pela específica posição do Autor no âmbito da estrutura organizativa da Ré, a decisão recorrida manifesta equilíbrio no valor que encontrou para fixar o quantum indemnizatório devido ao Autor decorrente da justa causa para a resolução do contrato.
Não pode, deste modo, considerar-se que a indemnização seja excessiva e desadequada da dimensão da ilicitude revelada pelos factos imputados à Ré e dos demais fatores ponderados na decisão recorrida em obediência ao disposto no artigo 396.º do Código do Trabalho.
Improcedem, deste modo, todas as conclusões do recurso de revista.
V
Nestes termos, acorda-se em negar a revista e em confirmar a decisão recorrida.
Custas da Revista pela Ré.
Junta-se sumário do acórdão
Lisboa, 25 de junho de 2015
António Leones Dantas (relator)
Melo Lima
Mário Belo Morgado
____________________
[1] Aditado pela decisão recorrida.
[2] Aditado pela decisão recorrida.
[3] Redação resultante da decisão recorrida. A redação inicial era a seguinte: «7. No dia 30 de novembro de 2012, o sócio gerente da ré disse ao autor “Você é um palhaço que anda para aí”.»
[4] Direito do Trabalho, 14.ª Edição, Almedina, 2009, p. 644.
[5] Direito do Trabalho, Parte II – Situações Laborais Individuais, Almedina, 2010, p. 1010.
[6] Disponível nas Bases de Dados Jurídicas da DGSI.
[7] Disponível nas Bases de Dados da DGSI.
[8] “Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.22, Recurso n.º 3729/05 - 4.ª Secção, de 2006.05.190, Recurso n.º 3490/05 - 4.ª Secção e de 2010.05.27, Recurso n.º 684/07.9TTSTB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.”
[9] V.g. Alberto dos Reis, CPC Anotado, Vols. I, pp. 614 e segs., e V, p. 71, Vaz Serra, RLJ, ano 114.º, p. 309, e Rodrigues Bastos, Notas ao CPC, vol. III, p. 233.
[10] V.g. Acs. de 18-09-2013,  P. 1582/07.1TTLSB.L2.S1 (Fernandes da Silva),  de 30-04-2013, P. 382/09.9TTALM.L1.S1 (Leones Dantas), de 16.01.2008, P. 07S2713 (Vasques Dinis) e de 2.02.2006, P. 05S3225 (Fernandes Cadilha), o primeiro com sumário disponível no sítio do STJ (Jurisprudência/Sumários de Acórdãos) e os demais em www.dgsi.pt.
[11] P. 12865/02.7TVLSB.L1.S1, 1ª SECÇÃO (Gregório Silva Jesus).
[12] Disponível nas Bases de Dados da DGSI

Sem comentários:

Enviar um comentário