sexta-feira, 12 de abril de 2013

ACIDENTE DE TRABALHO – LESÃO – RECIDIVA – AGRAVAMENTO - INDEMNIZAÇÃO



Proc. 393/07.9TTSNT.2-L1-4                TRlisboa   6.02.2013

I. Em caso de recidiva ou agravamento, o sinistrado tem direito não só às prestações em espécie previstas na alínea a) do art.º 10.º, isto é, aquelas que visam o “(..) restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa”, como também à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, prevista na alínea b) do mesmo artigo [art.º 16.º da Lei 100/97].
II. O que essa indemnização visa reparar é a perda da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, que nada tem a ver com a retribuição. E, logo, para que o trabalhador tenha direito a essa prestação, é absolutamente indiferente que esteja ou não a trabalhar, auferindo ou não retribuição

ACORDAM NA SECÇÃO SOCIAL DO TRIBUNAL DA RELAÇÃO DE LISBOA

I. RELATÓRIO
I.1 O processo especial emergente de acidente de trabalho acima identificado – do Tribunal do Comarca da Grande Lisboa-Noroeste Sintra - Juízo do Trabalho - reporta-se ao acidente de trabalho sofrido pelo sinistrado AA, em 31-05-2006, em consequência do qual ficou afectado por uma IPP de 5%.
A entidade empregadora tinha a responsabilidade infortunística transferida através de seguro de acidente de trabalho para a seguradora BB, SA.
Na tentativa de conciliação, realizada em 10 de Setembro de 2007, houve acordo entre o sinistrado e a seguradora, quanto à caracterização do evento como acidente de trabalho, nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pelo sinistrado, grau de desvalorização (IPP de 5%) e data da alta, montante da retribuição em função da qual estava transferida a responsabilidade e valor da pensão anual devida, tendo aquela assumido a responsabilidade pela reparação dos danos emergentes do acidente de trabalho.
O acordo foi homologado por sentença judicial.
Subsequentemente, por a pensão anual ser obrigatoriamente remível - art.º 33.º 1, da Lei 100/97, de 13 de Setembro e art.º 56.º n.º 1 al. b) do Decreto-lei n.º 143/99, de 30 de Abril - foi efectuado o cálculo do capital de remição da pensão, tendo a seguradora procedido à respectiva entrega ao sinistrado no dia designado para o efeito.
Em 14-02-2012, o sinistrado dirigiu ao processo o requerimento a fls.192 e sgts, alegando ter sido operado pelos serviços médicos da seguradora, em 3-10.2011, na sequência dessa intervenção cirúrgica tendo estado na situação de Incapacidade Temporária Absoluta, desde 9-05-2011 até 5-03-2012, reclamando que aquela, após 30-11-2011, deixou de lhe pagar a indemnização devida.
Concluiu, requerendo a notificação da seguradora “(..) para proceder ao pagamento das ITAs de 30-11-2011, até à presente data”.
Com o requerimento apresentou vários “Boletins de Situação Clínica” (fls. 201 e sgts), emitidos pelo Hospital ..., referentes aos sucessivos períodos desde a data da intervenção cirúrgica, entre os quais consta, no que ao caso interessa, os respeitantes aos períodos seguintes:
- 30-11-2011 a 02-1-2012;
- 02-01-2012 a 31-01-2012;
- 31-01-2012 a 05-03-2012.
Nesses documentos consta expresso que a partir de cada uma daqueles primeiras datas o sinistrado ficou na situação de Incapacidade Temporária Absoluta, não podendo retomar a sua actividade profissional até à data da “próxima consulta”, correspondendo a estas as segundas datas de cada período acima indicado.
I.2 Notificada daquele requerimento, a Seguradora veio responder (fls. 210 e sgts), dizendo que “(..) condicionou o pagamento ao sinistrado de indemnizações por incapacidade temporária à prova de desempenho de uma actividade profissional remunerada”.
Para justificar essa conduta, alega, que “(..) se o sinistrado não aufere salário, porque, por exemplo, não trabalha, não sofre o mesmo de qualquer prejuízo com a situação de ITA, que haja de compensar”. Sustenta que o âmbito da cobertura do seguro não visa a protecção em caso de desemprego.
Alegou, ainda, que o sinistrado requerente, estando em situação de incapacidade temporária, foi convidado a fazer prova da sua situação profissional, não o tendo logrado fazer, por ter apresentado documentos que revelam não exercer trabalho remunerado, estando inscrito na segurança social.
Por essa razão deixou de lhe pagar a partir de 30-11-2011.
Juntou documento que lhe foi apresentado pelo A. (fls 215/216), em concreto, declaração do IEFP, onde consta, para além do mais, que “AA (..) inscreveu-se para emprego em 2011.07.14 e reúne condições de disponibilidade e capacidade de trabalho”.
Concluiu pedindo o indeferimento do requerimento apresentado pelo sinistrado.
I.3 Pronunciando-se sobre a questão, o tribunal a quo proferiu o despacho a fls. 231 e sgts, cuja fundamentação assenta, essencialmente, na linha de argumentação seguinte:
- A indemnização por ITA estabelecida no art.º 16°, n° 2, da Lei n.º 100/97, em caso de recidiva ou agravamento, mantém-se após a atribuição ao sinistrado de nova baixa e entre a data da alta e a da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de 8 dias. E, para determinação da indemnização é considerado o valor da retribuição à data do acidente atualizado pelo aumento percentual da remuneração mínima mensal garantida mais elevada.
- Da conjugação dessas normas decorre que a lei não faz depender a atribuição de indemnizações por incapacidade temporária da apresentação de prova de que o sinistrado, não fora a sua situação clinica, se encontraria a trabalhar.
Com base nessa fundamentação, o Tribunal a quo concluiu pelo deferimento da pretensão do sinistrado, tendo ordenado o pagamento pela Seguradora das quantias em dívida por ITA e subsequente comprovação nos autos através de documento.
I.4 Inconformado com essa decisão, a R. Seguradora apresentou recurso, o qual foi recebido como agravo e fixados o modo de subida e efeito próprios.
Com as alegações a recorrente apresentou as respectivas conclusões, as quais têm o teor seguinte:
(…)
I.5 Pelo sinistrado A. foram apresentadas contra-alegações, mas sem que tenham sido finalizadas em conclusões.
No essencial, aderiu aos fundamentos da decisão recorrida. Para além disso alega que mesmo que quisesse trabalhar não o podia fazer, por não ter capacidade para tal.
Conclui, pugnando pela manutenção da decisão recorrida.
I.6 O ilustre magistrado do Ministério Público proferiu parecer no sentido da improcedência do recurso.
I.7 Foram colhidos os vistos legais.
I.6 Delimitação do objecto do recurso
Sendo o objecto do recurso delimitado pelas conclusões das alegações apresentadas, salvo questões do conhecimento oficioso (artigos 87.º do Código do Processo do Trabalho e 690.º, 684.º n.º 3 e 660.º n.º 2 do Código de Processo Civil, na redacção anterior às alterações introduzidas pelo Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, por ser o regime recursivo aqui aplicável), a questão colocada pela recorrente para apreciação é a de saber se a indemnização por incapacidade temporária absoluta deixa de ser devida ao sinistrado vítima de agravamento ou recidiva, caso aquele não esteja a auferir qualquer retribuição, “porque não consegue arranjar trabalho, ou porque, simplesmente, optou por não trabalhar”, por “não sofre(r) qualquer prejuízo económico com a situação de incapacidade temporária”
.
II. FUNDAMENTAÇÃO
II.1 MOTIVAÇÃO DE FACTO
A matéria relevante para apreciação do recurso é a que consta do relatório.
II.2 MOTIVAÇÃO DE DIREITO
Como nota prévia, deve assinalar-se que respeitando a questão sob recurso a acidente de trabalho ocorrido em 31-05-2006, aplica-se-lhe o regime jurídico dos acidentes de trabalho e doenças profissionais constante da Lei n.º 100/97, de 13 de Setembro, vigente à data, mas entretanto revogado pela Lei n.º 98/2009, de 4 de Setembro [Regulamenta o Regime de Reparação de Acidentes e Doenças Profissionais, nos termos do artigo 284.º do Código do Trabalho, aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro], em vigor desde 1 de Janeiro de 2010 dado que este apenas é aplicável aos acidentes de trabalho ocorridos após o início da sua vigência [art.ºs 186.º, 187.º 1 e 188.º].
Consequentemente, aplica-se igualmente o respectivo regulamento da Lei 100/97, constante do Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de Abril.
II.2 Existe responsabilidade civil quando uma pessoa deve reparar um dano sofrido por outrem. A lei faz surgir uma obrigação em que o responsável é devedor e a vitima credor. Trata-se, portanto, de uma obrigação que nasce directamente da lei [Mário Júlio de Almeida e Costa, Direito das Obrigações, Atlândida Editora, Coimbra, 1968, pp. 151].
Os trabalhadores e seus familiares têm direito à reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho nos termos previstos na lei, no que ao caso importa através do regime constante da Lei n.º 100/97 [art.º 1.º], regulamentado pelo Decreto-lei n.º 143/99 de 30 de Abril.
Para responder à questão colocada no recurso, vejamos brevemente alguns dos traços gerais que caracterizam este regime especial de responsabilidade civil.
A obrigação de reparar os danos emergentes de acidente de trabalho, recai sobre as pessoas singulares ou colectivas de direito privado e de direito público não abrangidas por legislação especial, relativamente aos trabalhadores ao seu serviço [art.º 11.º do DL 143/99].
Para assegurar o cumprimento dessa obrigação, a lei estabelece o princípio do seguro obrigatório, isto é, sobre as entidades empregadoras impende a “obrigação de transferir a responsabilidade pela reparação prevista nesta Lei para entidades legalmente autorizadas a realizar este seguro” [art.º 37.º n.º a, da Lei 110/97].
A responsabilidade da entidade patronal é independente da culpa, isto é, estamos no domínio da responsabilidade objectiva. Contudo, haverá recurso à responsabilidade subjectiva para todas as matérias que não estejam especialmente reguladas na lei de acidentes de trabalho.
A própria lei de acidentes de trabalho recorre à responsabilidade subjectiva, isto é, decorrente de culpa da entidade patronal, mas exclusivamente nas situações que designa como casos especiais de reparação (art.º 18.º).
Importa assinalar que a protecção dada pela lei de acidentes de trabalho abrange mesmo casos em que este é imputável ao trabalhador, desde que por mera culpa. Com efeito, para haver descaracterização do acidente de trabalho por causa imputável ao trabalhador, com exclusão do direito a reparação, é necessário que tenha havido uma actuação dolosa ou em negligência grosseira, nos termos previstos nos art.ºs 7.º da Lei 100/97 e 8.º do DL 143/99.
A noção de acidente de trabalho dada pelo n.º1, do art.º 6.º da Lei 100/97, é a seguinte:
É acidente de trabalho aquele que se verifica no local e no tempo de trabalho e produza directa ou indirectamente lesão corporal, perturbação funcional ou doença de que resulta redução na capacidade de trabalho ou de ganho ou morte».
A talhe de foice, deve referir-se que esta noção reproduz praticamente a que já era dada pela Lei n.º 2127, de 3 de Agosto de 1965, apenas lhe tendo sido introduzidas alterações de redacção, bem assim que o conceito mantém-se na actual lei (Artigo 8.º n.º1), o qual igualmente apenas foi sujeito a ligeira alteração de redacção.
A reparação prevista na lei de acidentes de trabalho não abrange todos os danos que o trabalhador tenha sofrido em consequência do acidente de trabalho. A delimitação é feito logo pelo conceito de acidente de trabalho [art.º 6.º, n.º1], de onde resulta que apenas são atendidos os danos ocorridos no corpo e na mente – a lesão corporal é o efeito lesivo de que o acidente é causa, podendo ser física ou mental - alargados aos casos restritos previstos no art.º 38.º do DL 143/99, em concreto, reparação de aparelhos de prótese, ortótese ou ortopedia.
E, para que aquele danos sejam indemnizáveis, como danos emergentes de acidente de trabalho, é necessário que se repercutam na capacidade de trabalho ou de ganho do trabalhador e, cumulativamente, que exista um nexo de causalidade entre o acidente e o dano – lesão corporal, perturbação funcional ou doença – o qual pode ser direto ou indirecto.
Assim, o dano que a lei visa reparar não é a lesão, perturbação ou doença e o sofrimento que implicam, mas antes a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes daquela lesão, perturbação ou doença.
No domínio dos acidentes de trabalho, o direito à reparação compreende duas espécies de prestações, as prestações em espécie e as prestações em dinheiro [art.º 10.º, da Lei 100/97]. As primeiras compreendem as “prestações de natureza médica, cirúrgica, farmacêutica, hospitalar e quaisquer outras, seja qual for a sua forma, desde que necessárias e adequadas ao restabelecimento do estado de saúde e de capacidade de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa” [al. a)]; e, as segundas, a “indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho; indemnização em capital ou pensão vitalícia correspondente à redução da capacidade de trabalho ou de ganho, em caso de incapacidade permanente; pensões aos familiares do sinistrado; subsídio por situações de elevada incapacidade permanente; subsídio para readaptação de habitação, e subsídio por morte e despesas de funeral” [al.b)].
A redução na capacidade de trabalho ou ganho do sinistrado em consequência de acidente de trabalho pode determinar diferentes situações de incapacidade, distinguindo-se, desde logo, entre as incapacidades temporárias ou permanentes para o trabalho. As primeiras podem ser parciais ou absolutas; e, as segundas, podem ser parciais, absolutas para o trabalho habitual e absolutas para todo e qualquer trabalho (cfr. art.º 9.º do DL 143/99).
Essas incapacidades são determinadas de acordo com a Tabela Nacional de Incapacidades por Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, sendo o grau expresso em coeficientes (art.º 10.º e 41.º do DL 143/99) e conferem ao sinistrado o direito às prestações definidas no art.º 17.º da Lei n.º 100/9. Nos termos deste artigo, a reparação ao sinistrado é efectuada através de indemnização ou pensão anual e vitalícia, consoante se trate de uma incapacidade temporária ou de uma incapacidade permanente.
As indemnizações por incapacidade temporária absoluta ou parcial e as pensões por incapacidade permanente (e por morte) são calculadas com base na retribuição auferida pelo sinistrado, determinada distintamente num e noutro caso, nos termos e com os limites estabelecidos pelo art.º 26.º da Lei 100/97.
A fixação de uma determinada pensão anual para reparação de lesão ou doença sofrida pelo trabalhador não é definitiva, já que pode ser revista e aumentada, reduzida ou mesmo extinta, de harmonia com alteração que se verifique na capacidade de ganho daquele, proveniente de agravamento, recidiva, recaída ou melhoria (n.º1 do art.º 25.º, Lei 100/97).
Esse direito não é afectado mesmo nos casos em que há lugar à remição da pensão e entrega do respectivo capital ao sinistrado [art.º 38.º, al. b), do DL 143/99].
Contudo, a revisão só poderá ser requerida nos dez anos posteriores à data da fixação da pensão (n.º2, do art.º 25.º da Lei 100/97].
A Lei 100/97, no art.º 16.º, prevê expressamente que “nos casos de recidiva ou agravamento” [n.º1], o direito de indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, prevista na alínea b) do art.º 10.º, mantém-se “após a atribuição ao sinistrado de nova baixa” [n.º2, al.a)] e “Entre a data da alta e da nova baixa seguinte, se esta última vier a ser dada no prazo de oito dias” [n.º2, al. b)], para esse efeito considerando-se “o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da remuneração mínima mensal garantida mais elevada” [n.º3].
Entende-se por recidiva, à luz da medicina, a ocorrência de um novo ataque de doença depois de o doente estar restabelecido de outro anterior [Dicionário Priberam da Língua Portuguesa “on line”, disponível em http://www.priberam.pt].
Por seu turno, agravamento significa o exacerbamento da doença, isto é, a recuperação clínica que tinha sido possível obter e adquirira certa estabilidade, vem a evoluir negativamente para uma situação mais grave.
II.3 Defende a seguradora recorrente que a indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial emergente de acidente de trabalho visa a reparação de um dano, que se traduz na perda da retribuição como fonte de rendimento necessário ao sustento. E, nesse pressuposto, sustenta que se o sinistrado, entretanto vítima de recaída ou agravamento, não aufere qualquer retribuição, não sofre qualquer prejuízo económico com a situação de incapacidade temporária e, logo, que não há direito à reparação.
Na sua perspectiva, a decisão recorrida terá violado as normas dos artºs 483º e seguintes, 562º e seguintes do C. Civil, e dos artºs 10º e 16º da Lei 100/97, de 13 de Setembro.
Porém, face à breve invocação que antecede de alguns dos princípios que caracterizam a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho, cremos já se antever que não lhe assiste qualquer fundamento. Na verdade, a posição sustentada pela seguradora incorre, desde logo, num claro equívoco, ao partir do pressuposto que o dano a reparar é a perda de retribuição.
Com efeito, embora a responsabilidade emergente de acidentes de trabalho tenha presente o princípio da responsabilidade objectiva, isto é, há responsabilidade independente de culpa, não pode ser reconduzida aos princípios gerais da responsabilidade civil, inclusive pelo risco, nos termos previstos no código civil, desde logo no que respeita à obrigação de reparar o dano (artigos 562.º e segts).
É sabido que a responsabilidade civil abrange quer a responsabilidade civil contratual quer a responsabilidade civil extracontratual, nesta última compreendendo-se a responsabilidade por factos ilícitos (art.ºs 483.º e sgts), a responsabilidade pelo risco (art.ºs 499.º e segt.), e a responsabilidade por factos lícitos (p. ex., decorrente de lesivo praticado em estado de necessidade - art.º 339.º).
O regime da obrigação de indemnizar é fixado nos artigos 562.º e seguintes, do Código Civil.
Como é entendimento consensual quer da doutrina quer da jurisprudência, da conjugação dos art.ºs 562.º e 566.º 1, resulta a consagração pelo nosso ordenamento jurídico do princípio da reposição natural na reparação do dano. A indemnização em dinheiro tem carácter subsidiário, só podendo recorrer-se a ela excepcionalmente, quando não seja possível a reposição específica da situação que existiria não fora a lesão [Mário Júlio de Almeida e Costa, Op. cit., pp. 255/56].
A obrigação de indemnizar no âmbito da responsabilidade extracontratual pode abranger não só a reparação dos danos patrimoniais, aqui se incluindo quer o dano emergente ou perda patrimonial quer o lucro cessante (art.º 564.º 1, do CC), como também a compensação pelos danos não patrimoniais merecedores da tutela do direito (art.º 496.º do CC).
E, no que respeita à sua medida, a indemnização por danos não patrimoniais afere-se pela diferença entre a situação (real) em que o lesado se encontra e a situação (hipotética) em que ele se encontraria se não tivesse ocorrido o facto gerador do dano [cfr.Pires de Lima e Antunes Varela Código Civil Anotado, Volume I, 4.ª Edição, Coimbra Editora, 1987, pp. 577/582].
Ora, diferentemente acontece na reparação prevista na lei de acidentes de trabalho.
A reparação não abrange todos os danos. O dano que a lei visa reparar é a morte ou a redução da capacidade de trabalho ou de ganho, resultantes da lesão, perturbação ou doença.
Poderá afirmar-se, assim, que no domínio do direito à reparação nos acidentes de trabalho os interesses tutelados não são o direito à vida ou à integridade física, mas sim aquilo a que se pode chamar o direito à integridade económica ou produtiva do trabalhador [Maria Adelaide Domingos, Guião Sobre Acidentes de Trabalho, Elementos de Apoio, Centro de Estudos Judiciários, Fevereiro de 2009].
Outros danos que não sejam de natureza corporal ou funcional, isto é, que não tenham causado a morte, ou redução da capacidade de trabalho ou de ganho, não são indemnizáveis ao abrigo da lei de acidentes de trabalho. Assim, para além de outros, não são indemnizáveis os prejuízos que o sinistrado tenha sofrido em bens de sua propriedade, como sejam o vestuário, relógio, telemóvel e outros com que estivesse equipado quando ocorreu o acidente de trabalho e em consequência do qual tenham ficado danificados. E, do mesmo modo, os danos por ter ficado impedido de ir gozar as férias já marcadas e pagas ou por não ter podido casar-se na data prevista, estando já tudo marcado e com despesas realizadas, em qualquer dos casos igualmente por ter ficado incapacitado por doença, em consequência das lesões sofridas com o acidente de trabalho.
Por outro lado, em regra, os danos não patrimoniais ou morais não são reparáveis. Só o são se o acidente tiver ocorrido por culpa da entidade empregadora, nos termos previstos no art.º18.º n.º2, da Lei 100/97, caso em que se sai da responsabilidade objectiva para entrar no domínio da responsabilidade subjectiva.
Acresce, ainda, que no âmbito do regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho a determinação da indemnização, entendendo-se aqui quer as indemnizações devidas por períodos de incapacidade temporária, quer as pensões por situações de incapacidade permanente, obedecem a regras precisas para determinação dos respectivos montantes, nos termos que sumariamente referimos.
Em suma, o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, aqui o previsto na lei n.º 100/97, consagra uma responsabilidade objectiva do empregador, cujo âmbito indemnizatório, ao contrário do que acontece, por exemplo, com a responsabilidade emergente de acidente de viação (art.º 508.º do CC), está circunscrito, não por via do estabelecimento de um limite máximo de indemnização, mas através da delimitação do conceito legal de acidente de trabalho e dos danos ressarcíveis, que apenas abrangem as despesas respeitantes ao restabelecimento do estado de saúde e os danos resultantes da perda de capacidade de trabalho do sinistrado e os danos resultantes da perda ou diminuição da capacidade de ganho [Romano Martinez, Direito do Trabalho, II Vol, 2.º Tomo, 3.ª Edição, Lisboa, pp. 185].
II.4 É neste quadro muito específico que deve ser compreendido o art.º 16.º da Lei 100/97.
Como se deixou dito, dele consta expressamente que, em caso de recidiva ou agravamento, o sinistrado tem direito não só às prestações em espécie previstas na alínea a) do art.º 10.º, isto é, aquelas que visam o “(..) restabelecimento do estado de saúde e da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado e à sua recuperação para a vida activa”, como também à indemnização por incapacidade temporária absoluta ou parcial para o trabalho, prevista na alínea b) do mesmo artigo.
O que a indemnização visa reparar é a perda da capacidade de trabalho ou de ganho do sinistrado, que nada tem a ver com a retribuição. E, logo, para que o trabalhador tenha direito a essa prestação, é absolutamente indiferente que esteja ou não a trabalhar, auferindo ou não retribuição.
É justamente por isso que para efeitos do cálculo da indemnização devida em caso de recidiva ou agravamento, é considerado “(..) o valor da retribuição à data do acidente actualizado pelo aumento percentual da remuneração mínima mensal garantida mais elevada” e não o valor real da retribuição auferida à data do período de incapacidade [n.º3, do art.º 16.º].
Se a finalidade da indemnização por incapacidade temporária absoluta fosse a de reparar o trabalhador pelo prejuízo resultante da perda da retribuição, como aqui vem defender a seguradora, então, em coerência lógico jurídica, a retribuição a considerar não poderia ser aquela, mas antes a efectivamente auferida à data da recidiva ou agravamento.
Mais do que isso, caso a finalidade da reparação fosse a defendida pela seguradora, então o princípio em que se sustenta não poderia ter aplicação única e exclusiva nas situações previstas no art.º 16.º, já que nessa hipotética possibilidade, a coerência do sistema imporia também que o mesmo prevalecesse em todas as situações em que houvesse que indemnizar o trabalhador por um determinado período de incapacidade temporária parcial ou absoluta, isto é, mesmo antes de lhe ser fixada uma incapacidade permanente. Isto é, o art.º 26.º da Lei de Acidentes de Trabalho não mandaria atender à retribuição auferida à data do acidente [n.º1], mas antes à que fosse efectivamente auferida pelo trabalhador num dado período de incapacidade (que entretanto poderia ter sido aumentado).
E, se assim fosse, então tal significaria também que o direito à indemnização por incapacidade temporária parcial ou absoluta estaria dependente da manutenção da relação laboral, o que implicaria consequências absurdas. Por exemplo, imagine-se que o trabalhador tinha comunicado ao empregador, cumprindo o aviso prévio legal, que pretendia por termo à relação de trabalho a partir de determinado dia, mas entretanto, antes dessa data, é vitima de um acidente de trabalho, em consequência do qual vem a estar um largo período de tempo em situação de incapacidade temporária absoluta a que se seguem situações de incapacidade temporária parcial (como é típico em acidentes de trabalho com alguma gravidade e, logo, de recuperação progressiva, mas demorada). Pois bem, em coerência com a tese da seguradora, nessa hipotética situação, tendo-se o trabalhador colocado numa situação em que não iria de qualquer modo receber retribuição, então não existiria prejuízo e, consequentemente, nenhum direito lhe assistiria às indemnizações previstas no art.º 10.º al.º b), e art.º 17.º n.º 1 alíneas e) e f), da Lei 100/97.
Por último, note-se que não se esgotariam aqui as consequências que adviriam para o regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho caso o dano a reparar fosse, como defende a seguradora, a perda da retribuição como fonte de rendimento necessário ao sustento. Então, desde logo, também nenhum sentido faria que a prestação devida ao trabalhador em situação de incapacidade temporária absoluta fosse limitada a uma “indemnização diária igual a 70% da retribuição” [art.º 17.º n.º1, al. e)]. Com efeito, o prejuízo do trabalhador real do trabalhador não é esse, mas antes o valor da retribuição do próprio dia, ao qual só terá direito quando o acidente de trabalho tiver sido provocado pela entidade empregadora ou seu representante, ou resultar de falta de observação das regras sobre a segurança, higiene e saúde no trabalho [art.º 18.º n.º1, al.a)].
Por conseguinte, cremos ser por demais evidente que não assiste qualquer razão à seguradora. Aliás, em boa verdade, apenas se concebe que a seguradora recorrente tenha vindo sustentar-se nesta tese, por não ter cuidado de ponderar quais seriam então todas as implicações que dela resultariam, não se apercebendo que a alteração de uma premissa essencial seria o bastante para subverter os princípios enformadores do regime de reparação dos danos emergentes de acidente de trabalho, conduzindo a soluções manifestamente absurdas.
Concluindo, não merece qualquer censura a decisão recorrida.
***
Considerando o disposto no art.º 446.º n.º 1 e 2, do CPC, a responsabilidade pelas custas é da recorrente, que atento o decaimento a elas deu causa.

III.DECISÃO
Em face do exposto, acordam os Juízes desta Relação em julgar improcedente o recurso, confirmando-se a decisão recorrida.

Custas pela recorrente.

Lisboa, 6 de Fevereiro de 2013

Jerónimo Freitas
Francisca Mendes
Maria Celina Nóbrega

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