quarta-feira, 2 de outubro de 2013

TAXA DE ÁLCOOL NO SANGUE - DESPEDIMENTO



 Proc. Nº 313/12.9TTOAZ.P1   TRPorto   10-07-2013
 I – A utilização de documento que comprova que um trabalhador tinha determinado grau de álcool no sangue quando seguia como acompanhante numa viatura da empresa que se acidentou, sem que o empregador tenha demonstrado que o trabalhador lhe autorizou o acesso a tal documento, constitui prova ilegal e, como tal, não serve para demonstrar a realidade do facto.
II – Ao empregador que invoca a violação, pelo trabalhador, de uma norma interna que proíbe o consumo de álcool compete provar a existência dessa norma, não podendo limitar-se a afirmar que a norma resulta do bom senso
 Processo nº 313/12.9TTOAZ.P1
Apelação

Relator: Eduardo Petersen Silva (reg. nº 281)
Adjunto: Desembargador João Diogo Rodrigues
Adjunto: Desembargadora Paula Maria Roberto

Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:

I. Relatório
B…, operário de recolha de resíduos, residente em …, veio opor-se ao despedimento promovido por C…, S.A., com sede em …, ….
A Ré motivou o despedimento, imputando que o A., no exercício de funções se apresentava com uma taxa de álcool no sangue de 2.3g/l, o que se apurou na sequência dum acidente com a viatura em que seguia, conduzida por colega. O A. ficou ferido e foi levado a Centro Hospitalar onde lhe foi análise de álcool.
O A. incorreu de forma culposa em gravíssima violação das normas de higiene e segurança no trabalho que lhe são inerentes, colocou em risco a sua integridade física e a dos colegas, incumpriu o dever de realizar o trabalho com o zelo e a diligência devidos, mais revelando um profundo desinteresse pelas funções confiadas, contribuindo do mesmo modo para a lesão de interesses patrimoniais sérios e afectando de modo gravoso a imagem pública da Ré, que esta muito necessita, e pretende, que seja boa. O A. inobservou regras de higiene e segurança, sendo certo que frequentou acções de formação. A actividade da Ré é considerada de interesse público, pelo que a ré sempre será forçada a preservar com grande acuidade o bom cumprimento das suas tarefas, sendo certo que já há muito exerce a sua actividade e é detentora de assinalável prestígio, que se vê obrigada a manter.
A Ré opôs-se à reintegração do trabalhador, em caso de procedência da acção, por na sua perspectiva isso poder constituir de modo flagrante um mau exemplo para os seus colegas de trabalho.

Contestou o trabalhador, negando que estivesse no respectivo local de trabalho com uma taxa de álcool no sangue de 2.3g/l, impugnando o documento “Nota de Alta” e o relatório do “Serviço de Patologia Clínica”, cujo resultado não pode deixar de estar errado, por não ter sido submetido a contraprova.
Sem prejuízo, tais elementos dizem respeito à reserva da intimidade da sua vida privada, e a Ré não podia ter acesso a eles, constituindo pois um meio de prova ilegal.
O A. não autorizou a realização de qualquer análise, nem autorizou que a sua entidade patronal tivesse acesso às mesmas.
O A. tem dificuldade em ler e escrever português, e limitou-se a seguir as ordens que lhe foram dadas no Centro Hospitalar, sendo que não teve conhecimento dos exames, salvo por intermédio do procedimento disciplinar.
Ainda que fosse verdadeiro o facto imputado, não existe na Ré nenhum regulamento ou norma que impeça o consumo de álcool. A acção de formação que a Ré documenta foi sobre “Qualidade, Ambiente e Segurança no trabalho e Conduta Cívica”, desconhecendo-se se na mesma foi abordado o tema “consumo de álcool”, pelo que se impugna a junção de tal documento.
O A. não tem antecedentes. A ter ocorrido o facto, não teve qualquer influência na execução do trabalho, nem causou prejuízo.
O prejuízo alegado pela Ré, para além de abstracto e geral, não pode ser de imputar a qualquer conduta do Autor, que seguia como acompanhante do condutor do veículo que se acidentou.
A Ré limita-se a concluir pela violação dos deveres, sem imputação de factos concretos.
Concluiu o A. pela improcedência do articulado motivador, devendo julgar-se ilícito o despedimento. Não formulou pedido reconvencional.

A Ré não apresentou resposta.

Foi proferido despacho saneador tabelar, realizada a audiência de discussão e julgamento tendo sido proferido despacho de fixação da matéria de facto provada e não provada, com a respectiva motivação, e a seguir foi proferida sentença de cuja parte dispositiva consta:
Em conclusão, julgo a acção procedente e, em consequência, julgo ilícito o despedimento do autor e condeno a Ré:
a) a reintegrá-lo com respeito pela sua antiguidade e categoria profissional;
b) a pagar-lhe todas as retribuições vencidas desde 10 de Maio de 2012 e até efectiva reintegração a que deverão ser deduzidas quantias eventualmente recebidas pelo trabalhador e que não auferiria se não tivesse sido despedido, a liquidar em execução de sentença.
Fixo à acção do valor de 2.000€ - cfr. artigo 7º do Regulamento das Custas Processuais e Tabela I do mesmo.
Custas pela Ré”.

Inconformada, veio a Ré interpor o presente recurso, formulando a final as seguintes conclusões:
1. O posto de trabalho do recorrido era na ocasião uma viatura pesada que fazia serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos, actividade de índole pública que a recorrente exerce.
2. A viatura teve um acidente de viação e, nessa sequência, foi depois o trabalhador recorrido levado ao hospital onde foi sujeito ao teste de alcoolemia, que acusou 2,3 g/l.
3ª No trabalho que a recorrente desenvolve há que lidar com equipamentos de certa complexidade, além de viaturas pesadas que recolhem e transportam resíduos sólidos urbanos, complexidade essa que se afere facilmente e é do conhecimento público.
4ª Por se tratar de viaturas pesadas e serem complexos os mecanismos e equipamentos no trabalho, é forçoso que os seus utilizadores se encontrem sempre aptos a trabalhar com eles, em estado de grande concentração e dotados de muito cuidado.
5ª É do senso comum generalizado ser vedada a ingestão de álcool quando se trabalha no interior de viaturas automóveis.
6ª Não era assim exigível a existência na empresa da recorrente de regulamentos ou de norma interna a proibir o consumo de álcool aos trabalhadores.
7ª A recorrente foi alheia à iniciativa de submeter o trabalhador ao teste de alcoolemia, que foi feito por outra entidade no hospital e na sequência do acidente ocorrido com a viatura, tendo-lhe depois sido dita a taxa com que aquele se encontrava, 2,3g/l.
8ª Como constou da decisão de despedimento: “Assim sendo, não teve a entidade patronal quaisquer influência na forma como o arguido foi tratado no Hospital, não lhe cabendo sequer tal papel, sendo aliás o arguido quem apresentou nas instalações da arguente o relatório médico de tal Unidade Hospitalar” e não foi refutado pelo trabalhador, sendo facto seguro, foi o mesmo quem cuidou de apresentar à recorrente o relatório médico hospitalar que continha o teste de alcoolemia e respectiva taxa.
9ª Pelo que não andou bem o Tribunal quando refere que se desconhece como chegaram os exames médicos às mãos da entidade patronal.
10ª Acresce ainda com consta no relatório da alta hospitalar, na pag.1, tem mencionado “Destino Companhia de Seguros” pelo que naturalmente também por esta via chegou ao conhecimento da entidade patronal.
11ª A recorrente, depois de saber que o seu trabalhador acusava uma taxa de 2,3 g/l, não poderia nunca isso escamotear e considerar assim a submissão hospitalar ao teste de alcoolemia como um comportamento invasor da privacidade do recorrido, para mais depois da ocorrência de um acidente rodoviário/acidente de trabalho.
12ª E mal se compreende a referência ao “facto de não se ter provado qualquer nexo entre o seu estado de alcoolemia do autor e o acidente em que esteve presente”.
13ª Tendo em conta que o acidente em referência teve como causas, o excesso de velocidade do motorista e o excesso de álcool, uma vez que apresentava também ele, o motorista, uma taxa de alcoolemia de 1,79g por litro de sangue – vide doc. nº 1 - Participação de acidente de viação – junto com a motivação.
14ª E tendo ficado provado no Processo nº 306/12.6TTOAZ que correu termos neste Tribunal, conforme cópia de sentença que se junta como doc. nº 1.
15ª Haveria sempre um nexo de causalidade se o Autor não estivesse alcoolizado e adoptasse um comportamento que poderia ter evitado o acidente em questão.
16ª Bastaria para tal, o Autor ter impedido o motorista de conduzir alertando para o seu estado de embriaguez e dessa forma ter evitado a ocorrência do acidente.
17ª Como poderia e deveria o Autor ter-se recusado a entrar no camião com o motorista naquele estado ou em alternativa ter alertado o seu chefe directo, do estado alcoolizado em que se encontrava o motorista.
18ª E dessa forma ter evitado o acidente que colocou em perigo a sua própria vida, a do motorista e que por muita sorte também não colocou a de terceiros.
19ª Ao fazer depender a punição do trabalhador da existência de norma ou regulamento da entidade patronal a prever a infracção, tudo isso levaria a que quem trabalhasse alcoolizado apenas fosse sancionado face ao que estivesse consagrado nos diplomas legais.
20ª Como se deu no processo, o trabalhador recorrido havia tido uma acção de formação relativa ao bom desempenho da sua actividade profissional, assinada pelo próprio sendo nessa medida um exaustivo sabedor de que não devia consumir álcool, no desempenho das suas funções laborais no interior de um veículo automóvel, vide doc. nº 2 junto com a motivação que não mereceu qualquer impugnação por parte do autor e que não foi valorado pelo Tribunal.
21ª Se não tivesse a recorrente promovido processo disciplinar contra o trabalhador recorrido, teria actuado de modo irresponsável e contrário ao interesse público.
22ª Bem como seria alvo de crítica por parte de quem a contrata como prestadora de serviços, designadamente as autarquias municipais e delegações ambientais, o que lhe acarretaria sério prejuízo.
23ª Se no processo está provado que o recorrido trabalhava alcoolizado com uma taxa de 2,3g/l e é do sendo comum que isso constitui uma grave infracção laboral, bem andou a recorrente quando lhe instaurou um processo disciplinar.
24ª É de extrema gravidade um trabalhador encontrar-se alcoolizado no exercício de funções laborais, por não dispor assim o mesmo das suas faculdades físicas num estado capaz, podendo por causa disso ocorrer acidentes de trabalho ou outro tipo de anormalidades, como efectivamente veio a acontecer.
25ª Está consagrado no artigo 128º nº 1, i) do Código do Trabalho como dever do trabalhador o cumprimento das prescrições de segurança, higiene e saúde no trabalho, pelo que quem se encontra em estado de alcoolismo e regista uma taxa de alcoolemia de 2,3 gramas por litro, comete grave infracção laboral e viola o sobredito dever, mais tornando prática e imediatamente impossível de subsistir a relação de trabalho, sendo de forma inequívoca justa causa de despedimento, nos termos da alínea h) do nº 1 do artigo 351º do Código de Trabalho.
26ª Mesmo que no caso concreto não fosse a alcoolemia do trabalhador uma conduta passível de constituir justa causa de despedimento, ainda assim não deveria o mesmo ser reintegrado no seu posto de trabalho.
27ª O artigo 392º do Código do Trabalho não se pode entender taxativamente, há sempre que considerar a natureza da infracção em causa no caso concreto.
28ª A reintegração de trabalhador alcoolizado sempre será contrária à defesa da restrição do álcool no trabalho, sendo um péssimo exemplo para os trabalhadores da empresa e contrariando a mensagem da entidade empregadora de que a ingestão de álcool por parte de quem vai laborar é comportamento vedado e incorrecto.
29ª Ainda que não se conceda e caso tenha o despedimento sido ilícito, deveria antes a recorrente ser condenada no pagamento da indemnização legalmente prevista ao trabalhador, por ser isso mais idóneo às boas condições de trabalho.
Nestes termos, na procedência do presente recurso e sendo revogada a douta sentença recorrida, farão (…) Justiça.

Contra-alegou o recorrido, formulando a final as seguintes conclusões:
A. Não se pode concordar com as conclusões aqui explanadas pela recorrente.
B. Não podia a entidade patronal usar dos exames médicos feitos ao autor em contexto hospitalar salvo com o seu consentimento.
C. O aqui recorrido não era o condutor do veículo acidentado não tendo, por isso, de ser submetido a teste de alcoolemia.
D. Nos termos do artigo 19º do CT, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas… devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.
E. Na vigência do contrato de trabalho, e com vista a aferir da permanência ou não do trabalhador, nomeadamente em sede de averiguação disciplinar, não pode a entidade patronal usar de testes médicos como forma de fundar o despedimento do trabalhador quando estes não foram por ele autorizados num contexto laboral nem solicitados ao mesmo pela entidade patronal. F. Nos termos do artigo 26º nº 1 da Constituição da República Portuguesa, a saúde faz parte da individualidade privada do ser humano devendo os elementos relativos à mesma ser resguardados de divulgação pública salvo nos casos especialmente previstos.
G. Daí advém a proibição do uso para determinados fins, de meios de prova que a parte não pudesse produzir com vista a alcançá-los.
H. A entidade patronal aqui recorrente, não pode fazer uso de um meio de prova que viola a intimidade da vida privada para sustentar o fim da relação laboral.
I. Não se afigura como proporcional a aplicação da pena de despedimento, a mais grave das penas disciplinares a aplicar.
J. O trabalhador e aqui recorrido não tem antecedentes disciplinares.
K. Não se provou qualquer nexo de causalidade entre o seu estado de alcoolemia e o acidente em que esteve presente porque o mesmo era um mero passageiro da viatura acidentada.
L. A decisão de reintegração é mera consequência da declaração de ilicitude do despedimento, porquanto incumbia à Ré, aqui recorrente, a alegação e prova circunstanciada das razões da não reintegração.
M. Devendo bem assim manter-se a condenação da Ré no pagamento de todas as retribuições vencidas e vincendas desde o seu despedimento.

O Exmº Senhor Procurador-Geral Adjunto nesta Relação pronunciou-se no sentido de ser desconhecida a materialidade assente para o despedimento e da anulação oficiosa da decisão de facto e termos subsequentes.
Corridos os vistos legais cumpre decidir.

II. Matéria de facto dada como provada pela 1ª instância:
1. O Autor exercia ao serviço da Ré as funções de operário de recolha de resíduos.
2. A R. procedeu disciplinarmente contra o A. por se encontrar com taxa de alcoolemia de 2, 3 gr/litro quando se encontrava no exercício da sua categoria profissional
3. No dia 14 de Fevereiro de 2121, pelas 17,45 horas o Autor encontrava-se no interior da viatura de matrícula ..-..-ZB que executa o circuito no concelho de … em cumprimento do serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos.
4. Tal viatura despistou-se e tombou para o lado direito.
5. No momento do acidente o Autor encontrava-se com uma taxa de alcoolemia de 2,3 gr/litro de sangue.
6. Não existe qualquer regulamento ou norma interna da Ré que proíba os seus trabalhadores de consumir álcool.
7. O Autor nunca antes foi punido disciplinarmente pela Ré.

III. Direito
Delimitado o objecto do recurso pelas conclusões do recorrente, nos termos do disposto nos artigos 684º, nº 3, e 685º-A, nº 1, do Código de Processo Civil, aplicáveis ex vi do disposto nos artigos 1º, nº 2, al. a), e 87º do Código de Processo do Trabalho, não sendo lícito ao tribunal ad quem conhecer de matérias nelas não incluídas, salvo as de conhecimento oficioso, as questões a decidir são:
a) prévias:
1 - a questão prévia da anulação oficiosa da decisão sobre a matéria de facto, por insuficiência da mesma, suscitada pelo Ministério Público.
2 - a questão da junção de documentos em recurso pela Ré, recorrente;
b) das conclusões do recurso:
1 - saber se o despedimento foi lícito;
2 - saber se, em caso contrário, a Ré se podia opor à reintegração do Autor.

a) 1 – Suscita o MP a questão da insuficiência da matéria de facto para a decisão tomada, de ilicitude do despedimento, uma vez que da mesma não consta que o Autor tenha sido despedido e que não constam os fundamentos que a Ré invocou para o despedir.
Tem razão. Porém, não cremos que este tribunal não disponha dos elementos probatórios suficientes para decidir ele mesmo. Na verdade, com o articulado motivador, a Ré juntou, senão todo o processo disciplinar, pelo menos a decisão de despedimento e a nota de culpa, e, além da questão da ilicitude dos meios de prova, o trabalhador não contestou nem impugnou que fora despedido – o que seria um contra-senso visto que ele mesmo veio impugnar o despedimento, mediante o competente formulário, juntando aliás a decisão de despedimento respectiva, do que se deduz manifestamente que a decisão de despedimento chegou ao seu conhecimento – nem impugnou o teor da nota de culpa. Assim, havendo acordo nos articulados, os factos relativos ao despedimento e à sua fundamentação conforme nota de culpa mostram-se provados, e este tribunal pode aditá-los oficiosamente à decisão de facto. Improcede pois esta questão.
Em conformidade, adita-se à matéria de facto provada um nº 8, com o seguinte teor: “A Ré despediu o A. por decisão proferida em 10.5.2012, enviada ao A. e por este recebida, conforme consta de fls. 4 e seguintes e 37 e seguintes dos autos”.
Adita-se ainda à matéria de facto provada um nº 9, com o seguinte teor: “No procedimento disciplinar que a Ré moveu ao A. e que terminou com a aplicação da sanção de despedimento, foi produzida Nota de Culpa nos seguintes termos:
“1. O arguido tem a categoria profissional de trabalhador não especializado e desempenha na empresa a função de apoiar o serviço de recolha de resíduos sólidos urbanos no Concelho de ….. 2. Está o arguido perfeitamente ciente do que lhe incumbe, nomeadamente da extrema necessidade de cumprir todas as regras internas existentes na empresa, nomeadamente ao nível do respeito pelas regras de higiene e segurança.
3. No passado dia 14 de Fevereiro de 2012, pelas 17.45 horas, o arguido encontrava-se no interior da viatura com a matrícula ..-..-ZB, marca Scania, que executa o circuito no concelho de … em cumprimento do serviço de recolha e transporte de resíduos sólidos urbanos, o qual foi adjudicado à arguente pelo município de ….
4. Quando a viatura circulava na R. … em … e se dirigia para as instalações da entidade patronal, despistou-se e tombou para o lado direito, tendo o arguido sofrido ferimentos ligeiros.
5. Foi de seguida prontamente encaminhado por uma ambulância para o Centro Hospitalar …, EPE, tendo sido alvo de várias análises normais, com excepção duma especial relativa ao nível de álcool no sangue, a qual revelou uma taxa de 2.3g/l de sangue.
6. Essa taxa de álcool no sangue do arguido desde logo revela a prática pelo mesmo, no âmbito das funções que exerce na empresa, de violação gravíssima das normas de higiene e segurança que lhe são inerentes, o que coloca em sério risco a sua integridade física bem como a dos seus colegas de trabalho e que segundo a alínea h) do nº 2 do artº 351º, do Código do Trabalho, constitui facto passível de determinar a instauração de processo disciplinar contra o trabalhador para aplicação de sanção como seja a do seu despedimento imediato com justa causa, sendo essa a intenção da entidade patronal ao formular a presente nota de culpa, por se afigurar justa e adequada no caso concreto”.

a) 2 – Com as alegações de recurso veio a recorrente juntar cópia, não certificada e sem nota de trânsito, de sentença proferida pela mesma Senhora Juiz, no mesmo dia da que foi proferida nestes autos, e que versou o despedimento do condutor da viatura em que o aqui recorrido se acidentou. Tal junção serve a demonstrar que o condutor também estava alcoolizado, com 1,79 g/l, e deste modo a demonstrar que o recorrido, se não estivesse ele mesmo alcoolizado, deveria ter alertado o colega para não conduzir naquele estado, ou devia ter-se recusado a entrar na viatura, ou devia ter alertado o chefe directo. Esta menção de que o colega condutor estava alcoolizado resulta também, conforme alegações, do documento já junto com a motivação, a saber a participação de acidente elaborada pela GNR, sendo que com o documento que agora se junta se quer demonstrar que o facto ficou provado.
Ora, não sabemos se foi interposto recurso da sentença proferida no processo do condutor, portanto se o facto ficou provado não sabemos. Sabemos também que a recorrente não impugnou expressamente a matéria de facto, e que o facto não foi alegado, nem na nota de culpa, na decisão disciplinar nem no articulado motivador. Em nenhum destes locais se disse concretamente que o condutor do veículo estava alcoolizado e que o aqui recorrido tinha consciência disso, sabia, e que tinha o dever de impedir a condução do colega ou que tinha o dever de não entrar no veículo. E portanto, esta questão aparece como defesa da recorrente, mas defesa nova, só agora oposta à consideração da sentença de que não se provou nexo de causalidade entre a taxa de álcool do recorrido e o acidente.
Os recursos servem para sindicar as decisões dos tribunais recorridos, sobre as questões que aos tribunais recorridos foram postas – artigo 671º do CPC. O facto, posto que não constante da nota de culpa nunca podia ser usado contra o recorrido porque agrava a sua responsabilidade ao invés de a diminuir – artigo 357º nº 4 parte final do Código do Trabalho. Assim sendo, a junção do documento é irrelevante e não é admissível – artigos 693º-B do CPC e 524º nº 2 do CPC (note-se que o facto “motorista alcoolizado” não é posterior aos articulados) – pelo que se ordena o seu desentranhamento e se condena a recorrente em 1 (uma) UC de multa – artigo 543º nº 1 do CPC e 27º do RCP.
De resto, note-se, o facto também não se pode considerar provado a partir do auto de notícia, pelas mesmas razões: não foi alegado nos autos nem fundamentou a nota de culpa, e finalmente também porque a decisão da matéria de facto não foi expressamente impugnada – artigo 685º-B do CPC (além do não cumprimento dos ónus aí previstos, o recurso em matéria de facto supõe necessariamente que o recorrente afirme a sua vontade de suscitar a questão ao tribunal de recurso).

b) 1 – Renovemos que a decisão da matéria de facto não foi impugnada expressamente.
A recorrente assenta a sua discórdia em relação à sentença nos seguintes pontos:
- A prova da taxa de alcoolemia foi validamente adquirida e não pode ser desconsiderada (cls. 7ª a 11ª);
- Não é preciso existir norma interna que proíba o consumo de álcool, porque o posto de trabalho obriga a lidar com equipamentos complexos, e o serviço a realizar é de interesse público, e além disso é do senso comum que é vedada a ingestão de álcool quando se trabalha no interior de viaturas (cls. 1ª a 6ª e 19ª);
- Houve nexo causal entre o estado de alcoolemia e o acidente (cls. 12ª a 18ª);
- O recorrido sabia que não podia ingerir álcool porque tinha tido acções de formação (cls. 20ª);
- A recorrente não podia deixar de proceder disciplinarmente porque actuaria contra o interesse público e seria criticada por quem a contrata, o que lhe causaria sério prejuízo (cls 21ª e 22ª);
- É do senso comum que tamanha taxa de alcoolemia é uma grave infracção laboral, a infracção é grave, o trabalhador que assim se encontra coloca o risco de acidentes, e o comportamento em causa viola o dever de observar as prescrições de higiene, saúde e segurança no trabalho o que constitui justa causa de despedimento (cls. 23ª a 25ª);
- Mesmo que assim não seja, a Ré pode opor-se à reintegração, porque a norma correspondente não pode ser entendida como taxativa, devendo sempre ponderar-se a infracção concreta, a qual neste caso funcionaria como um péssimo exemplo para os colegas (cls. 26ª a 29ª).
Procuremos organizar mentalmente estes vectores:
- a primeira questão a discutir é considerar os factos provados, porque a recorrente apela para a prova de determinados factos com base em documentos – conclusões 8ª, 10ª, 13ª, 14ª e 20ª;
- a segunda questão é a de saber se a prova da taxa de álcool foi validamente adquirida (ou não, como defende a sentença, e se por isso não pode fundamentar o despedimento. Repare-se que, considerando o teor da nota de culpa, se não puder usar-se a taxa de álcool, não há factualidade nenhuma contra o recorrido. Na verdade, tirando que ele estava no interior de viatura que se acidentou, no tempo de trabalho, e que estava com álcool, nada mais existe na nota de culpa que não sejam considerações e conclusões absolutamente genéricas, provindas do apelo ao bom senso, mas desacompanhadas dos respectivos factos constituintes concretos, isto é, daqueles que permitem chegar a essas conclusões. Lembremos, em apelo, a disciplina do artigo 353º nº 1 parte final do Código do Trabalho. Portanto, se lhe tirarmos o álcool, então temos que um trabalhador estava no interior da viatura, em tempo de trabalho, e se acidentou, e daqui nunca vamos chegar a qualquer infracção disciplinar);
- a terceira questão é a da violação das normas de higiene, saúde e segurança e da não necessidade de existência de norma expressa emanada pela Ré;
- a quarta questão é a de qualificar a infracção como grave, em si e nas suas consequências, tendo em vista a actividade de interesse público e a afectação da imagem da Ré junto dos seus clientes e o prejuízo que isso lhe traz;
- a quinta questão é a da reintegração (a abordar como b.2).

Assim sendo, esclareçamos então que, do documento “decisão disciplinar” não resulta provado que tivesse sido o recorrido a fornecer à recorrente, voluntariamente, a nota de alta e o resultado das análises de sangue (cls. 8ª) nem isso resulta do facto de constar da nota de alta que o destino desta é apresentação à Companhia de Seguros (cls. 10ª). Não resulta porque a referência na decisão disciplinar foi feita em resposta à alegação do trabalhador de que não tinha dado acesso aos dados, e nem o trabalhador tinha momento processual no procedimento disciplinar para contestar isto, como na contestação que apresentou nos autos voltou a insistir na ilegalidade do meio de prova (não deu acesso à Ré) – sendo certo que não tinha de se pronunciar expressamente sobre a questão de ter sido ele a entregar os documentos à Ré, porque a mesma não foi alegada no articulado motivador. Mas, da repetição da pronúncia sobre a ilegalidade do meio de prova, volta a resultar que o trabalhador põe em causa o acesso da Ré aos documentos, donde é manifesto que não admite que foi que ele quem lhos deu, consentindo assim no seu uso.
Depois, se a nota de alta se destina à Companhia de Seguros, não se destina à Ré, e no âmbito de um processo de acidente de trabalho – porque inequivocamente o recorrido sofreu um acidente de trabalho – se há Companhia de Seguros, é esta que tem acesso aos dados relativos às lesões, e ainda aos dados de internamento e assistência hospitalar, porque interessam à sua responsabilidade transferida, e nada interessam a quem transferiu a responsabilidade, a menos que houvesse alguma recusa da seguradora, o que também teria de ser alegado e não foi.
E mais concretamente, o facto da nota de alta se destinar à Companhia de Seguros não é prova coisíssima nenhuma de que foi o trabalhador quem entregou a documentação na Ré – aliás, tendo havido um acidente de viação com uma viatura sua que envolveu outro trabalhador é evidente que a Ré teve conhecimento do acidente, não precisava para nada que fosse o trabalhador recorrido a participar-lho. O facto não foi alegado na motivação, não foi provado, a decisão da matéria de facto não foi expressamente impugnada. O facto não pode considerar-se provado por acordo, nem pelos documentos em questão.
Quanto aos documentos mencionados nas conclusões 13ª e 14ª, já acima abordámos a questão da sua ineficácia probatória, sendo certo que rejeitámos a junção do documento referido na conclusão 14ª.
Quanto ao documento sobre a frequência pelo Autor duma acção de formação, a recorrente não impugna expressamente a decisão sobre a matéria de facto, e o documento em si, mesmo não impugnado pelo Autor, não nos diz qual foi o conteúdo concreto da acção de formação, a saber, se nela foi mencionado o dever dos trabalhadores não ingerirem álcool ou não se apresentarem alcoolizados.
Desconsideram-se pois todas as conclusões que a recorrente lança com apoio nestes documentos e nos factos que eles supostamente provavam.

Quanto à questão da (i)legalidade do meio de prova:
Como bem afirma a recorrente nas suas conclusões, e resulta agora provado por termos incluído nos factos provados o teor da nota de culpa, “7ª A recorrente foi alheia à iniciativa de submeter o trabalhador ao teste de alcoolemia, que foi feito por outra entidade no hospital e na sequência do acidente ocorrido com a viatura, tendo-lhe depois sido dita a taxa com que aquele se encontrava, 2,3g/l”. Não está porém provado o que a recorrente afirma na parte final da conclusão 8ª, isto é, que foi o recorrido quem cuidou de lhe apresentar o relatório médico hospitalar que continha o teste de alcoolemia e a sua taxa.

Dispõe o artigo 26º da Constituição:
1. A todos são reconhecidos os direitos à identidade pessoal, ao desenvolvimento da personalidade, à capacidade civil, à cidadania, ao bom nome e reputação, à imagem, à palavra, à reserva da intimidade da vida privada e familiar e à protecção legal contra quaisquer formas de discriminação.
2. A lei estabelecerá garantias efectivas contra a obtenção e utilização abusivas, ou contrárias à dignidade humana, de informações relativas às pessoas e famílias.
3. A lei garantirá a dignidade pessoal e a identidade genética do ser humano, nomeadamente na criação, desenvolvimento e utilização das tecnologias e na experimentação científica.
4. A privação da cidadania e as restrições à capacidade civil só podem efectuar-se nos casos e termos previstos na lei, não podendo ter como fundamento motivos políticos”.
Dispõe o artigo 16º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Reserva da intimidade da vida privada”:
1 - O empregador e o trabalhador devem respeitar os direitos de personalidade da contraparte, cabendo-lhes, designadamente, guardar reserva quanto à intimidade da vida privada.
2 - O direito à reserva da intimidade da vida privada abrange quer o acesso, quer a divulgação de aspectos atinentes à esfera íntima e pessoal das partes, nomeadamente relacionados com a vida familiar, afectiva e sexual, com o estado de saúde e com as convicções políticas e religiosas”. (sublinhado nosso).
Portanto, já temos como certo que o estado de saúde do trabalhador faz parte da intimidade da sua vida privada, e portanto é matéria reservada, que o empregador deve respeitar. Como?
Responde desde logo o artigo 17º do Código do Trabalho, sob a epígrafe “Protecção de dados pessoais”:
1 - O empregador não pode exigir a candidato a emprego ou a trabalhador que preste informações relativas:
a) À sua vida privada, salvo quando estas sejam estritamente necessárias e relevantes para avaliar da respectiva aptidão no que respeita à execução do contrato de trabalho e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação;
b) À sua saúde ou estado de gravidez, salvo quando particulares exigências inerentes à natureza da actividade profissional o justifiquem e seja fornecida por escrito a respectiva fundamentação.
2 - As informações previstas na alínea b) do número anterior são prestadas a médico, que só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto a desempenhar a actividade.
3 - O candidato a emprego ou o trabalhador que haja fornecido informações de índole pessoal goza do direito ao controlo dos respectivos dados pessoais, podendo tomar conhecimento do seu teor e dos fins a que se destinam, bem como exigir a sua rectificação e actualização.
4 - Os ficheiros e acessos informáticos utilizados pelo empregador para tratamento de dados pessoais do candidato a emprego ou trabalhador ficam sujeitos à legislação em vigor relativa à protecção de dados pessoais.
5 - Constitui contra-ordenação muito grave a violação do disposto nos n.ºs 1 ou 2. (de novo, sublinhados nossos).
Agora já temos também que a informação sobre um aspecto do estado de saúde não pode ser exigida, salvo se a natureza das funções a desempenhar o justificar e se isso, esta fundamentação, o propósito de recolha da informação, constar de documento escrito fornecido ao trabalhador. E mais: prestada ou recolhida a informação, quem a recebe não é o empregador mas o médico, e este não pode prestar nenhuma informação sobre o estado de saúde do trabalhador, na verdade só pode prestar a sua conclusão sobre a conciliação do estado de saúde que observou com a natureza do trabalho a realizar, no binómio apto/não apto.
Ainda sobre estado de saúde, mais em concreto sobre a possibilidade de exigir testes e exames médicos, dispõe o artigo 19º do Código do Trabalho:
1 - Para além das situações previstas em legislação relativa a segurança e saúde no trabalho, o empregador não pode, para efeitos de admissão ou permanência no emprego, exigir a candidato a emprego ou a trabalhador a realização ou apresentação de testes ou exames médicos, de qualquer natureza, para comprovação das condições físicas ou psíquicas, salvo quando estes tenham por finalidade a protecção e segurança do trabalhador ou de terceiros, ou quando particulares exigências inerentes à actividade o justifiquem, devendo em qualquer caso ser fornecida por escrito ao candidato a emprego ou trabalhador a respectiva fundamentação.

2 - O empregador não pode, em circunstância alguma, exigir a candidata a emprego ou a trabalhadora a realização ou apresentação de testes ou exames de gravidez.
3 - O médico responsável pelos testes e exames médicos só pode comunicar ao empregador se o trabalhador está ou não apto para desempenhar a actividade”.
De novo, mesmo que a razão seja a protecção da segurança do trabalhador ou de terceiros, tem de haver comunicação escrita desse fundamento e propósito ao trabalhador e o resultado dos exames ou testes não pode ser comunicado pelo médico responsável, só sendo permitido a este que informe o empregador da aptidão ou inaptidão para a função ou actividade.
Dúvidas portanto sobre a recorrente não poder ter acesso à análise de sangue do trabalhador e à taxa de álcool nela encontrada? Nenhumas. É um dado relativo ao estado de saúde do trabalhador que a recorrente nunca podia conhecer.
Evidentemente, a reserva da intimidade da vida privada de alguém só se mantém enquanto o respectivo beneficiário quiser fazer uso do benefício e portanto, se o próprio recorrido tivesse dado a informação à recorrente (sendo ainda discutível se este dado não estava condicionado, quanto à sua utilização, ao objectivo para que era dado), o acesso ao dado era válido e a prova podia ser livremente usada.
À Ré cabia provar o modo pelo qual acedera ao dado, ou mais especificamente mesmo, que tinha sido o trabalhador quem lho tinha dado simplesmente (sem qualquer outro propósito de utilização do dado que não fosse dar conhecimento ao empregador). Não o tendo feito, a prova é nula. Embora sejam as maiores garantias de defesa contra a aplicação de sanções penais que determinam o princípio constitucional constante do nº 8 do artigo 32º da Constituição da República Portuguesa, segundo o qual “São nulas todas as provas obtidas mediante (…) abusiva intromissão na vida privada (…)”, podemos, até pelo paralelismo (parente pobre e bastante menos gravoso) com a aplicação de sanção disciplinar e com o procedimento disciplinar – e já agora, com a acção de impugnação da regularidade e licitude do despedimento – convocar também a mesma consequência. A prova é nula e não podia ser usada.
Agora, vamos lá esclarecer uma coisa: as provas são os meios de demonstração da realidade dum facto. O facto é “O A. apresentava uma taxa de álcool no sangue de 2,3g/l”. Não havendo, pela própria natureza das coisas, outra maneira de demonstrar isto senão com a apresentação do teste – documentos a fls. 26 a 29 (nota de alta hospitalar e relatório de patologia clínica) juntos com o articulado motivador – o que, com respeito pela Mmª Juiz, não pode acontecer, é dar-se o facto como provado. Se a prova, por causa do acesso ilegal da Ré à mesma, é nula, isto significa que não tem a virtualidade de demonstrar o facto.
Assim, e nos termos do artigo 712º do CPC, este tribunal corrige oficiosamente a matéria de facto, eliminando o facto nº 5.
E assim sendo, como já dissemos, ficamos com nada: O recorrido sofreu um acidente no seu trabalho”, o que não viola nenhum dos seus deveres laborais e não pode por isso constituir infracção que determine a aplicação de qualquer sanção disciplinar.
Nestes termos, e por razões não coincidentes com as que foram plasmadas na sentença recorrida, sempre improcederia o recurso.
- Ainda que, ao contrário do que acabámos de fazer, assim não fosse, e no que toca à terceira questão, sobre a norma violada, a Ré e ora recorrente não invocou nenhuma norma legal que impusesse o não consumo de álcool aos trabalhadores – e de facto tal norma não existe – e antes, na nota de culpa, invocou expressamente a violação pelo trabalhador das regras internas da empresa (ponto nº 2 da nota de culpa), sendo porém claro nos autos que não emitiu nenhuma norma no sentido de proibir o consumo de álcool aos seus trabalhadores. Ora, logo aqui, como se vê, a acusação disciplinar tinha de soçobrar. Se se invoca a violação duma regra interna e depois essa regra – até se admite – não foi emitida, não há como afirmar a violação do que não existe. Diz a Ré que não tinha de emitir a norma porque ela resulta do bom senso, aqui conjugado com o facto dos seus veículos terem equipamentos de alguma complexidade que obrigam o seu manuseador a estar completamente concentrado, e que portanto se o trabalhador está alcoolizado está a incumprir essa norma, pois que até pode provocar acidentes.
Vamos desconsiderar, como já se viu, a tal questão do nexo causal. Não temos adquirido que o condutor fosse com álcool, mas mais grave do que isso, não temos alegação de facto de que resulte que o aqui recorrido tivesse conhecimento de que o condutor ia com álcool. Na verdade, não foi alegado quando e em que circunstâncias é que o álcool foi consumido por ambos. E não é evidente que quem tem 1,79 de álcool esteja visivelmente alcoolizado. Por isso, toda a tese do comportamento causal do A. cai por terra.
Vamos ainda desconsiderar toda a alegação sobre a complexidade dos equipamentos. Com o devido respeito, não percebemos: - que tipo de carro de lixo era, se era um que triturava, se era só uma carrinha de caixa aberta para transporte de electrodomésticos usados, qual era a actividade concreta do trabalhador, o que é que ele tinha de fazer, se a complexidade resultava do facto de ter de abrir a porta e sair do carro para ir pegar nos resíduos e lançá-los para cima do camião, ou se era mesmo mais complexo, como puxar uma alavanca na parte de trás do camião, que faz subir os caixotes de lixo e entornar o seu conteúdo para dentro do tambor triturador. E, que operações são essas que o trabalhador, acompanhante, tem de realizar dentro do camião? Com que equipamentos complexos, em que botões tem ele de carregar? Isto pois para dizer que se alguma complexidade existe, devia ter sido alegada a factualidade donde ela resultasse.
É que ela, decididamente, não resulta do bom senso. É do bom senso que resulta a norma que proíbe o consumo de álcool, ou o estar alcoolizado? O bom senso não é fonte de direito, antes fosse. E no caso do consumo de álcool e da execução da prestação laboral, digamos que o bom senso tem mil e mais facetas: - depende do tipo de prestação laboral e do tipo (quantidade e consequências da quantidade) de consumo. Vamos dizer que, e sem qualquer carácter pejorativo, não resulta do bom senso que um “almeida”, um “homem do lixo”, não possa beber uma cerveja ao almoço, e ir trabalhar a seguir. Ou não possa, consoante as suas funções concretas, beber bastante mais ao almoço. É evidente que o motorista do camião não pode beber. Mas o acompanhante?
O que a recorrente podia ter dito, na nota de culpa, é que é do bom senso, ou melhor, é da experiência normal das coisas que quem tem 2,3g/l de álcool no sangue talvez não esteja nas melhores condições para executar o trabalho, e que a norma infringida pelo trabalhador não é a violação de regras de segurança e higiene e saúde (porque falta a alegação dos factos concretos pelos quais o trabalhador concreto estaria tão perdido, passe a expressão, que provocaria acidentes, para si e para os outros) mas o dever de executar o trabalho com zelo e diligência (posto que também precisássemos de factos concretos, mas ainda assim aqui era mais fácil defender que o recorrido estaria mais lento a fazer o trabalho (qual? Sabemos que ele ia no carro, sabemos qual era o itinerário, mas não se ainda havia alguma coisa a recolher, se era pelo contrário o carro que estava a recolher porque, às 17.45, estes trabalhadores já estavam prontos para ir para casa).
Embora na motivação já se fale no dever de executar o trabalho com zelo e diligencia, a verdade é que isso não consta da nota de culpa, e por isso, não podendo o trabalhador defender-se oportunamente, o facto não pode ser considerado nessa vertente violadora.
A norma resulta ainda do bom senso na medida em que a actividade da Ré é de interesse público? Estamos a falar dum piloto de avião? É de interesse público, mas as funções concretas, a nós aportando pela mera via da categoria profissional, portanto genericamente, são as que são, e o trabalho não exige senão a sua realização. Não há nenhuma exigência especial que faça com que o trabalho não possa ser realizado com o trabalhador a pensar no que quiser, com ar mais satisfeito ou carrancudo, mais lúcido ou pelo contrário um pouco tonto. É que a recorrente esquece-se também de alegar os factos dos quais o prejuízo público para a sua imagem resulta: - o trabalhador andava aos tombos e aos pontapés aos resíduos, murmurando palavras desrespeitosas em língua geralmente incompreensível?
A recorrente aliás confunde-se: não é por ter conhecimento da taxa e não agir que o seu prestígio fica afectado e assim lhe é causado um prejuízo sério. Se é, isso deve-se ao seu comportamento (proceder ou não proceder), não ao do trabalhador.
O prejuízo para a sua imagem (e de resto convenhamos que a afirmação de que seria censurada pelo cliente e que isso acarretaria grave prejuízo é completamente conclusiva e manifestamente exorbitante) resultaria do comprovado cumprimento defeituoso do trabalho, pelo trabalhador, associado ao comprovado comportamento embriagado em público (note-se, com álcool, o trabalhador pode esquecer as agruras da vida e empenhar-se muito mais a lançar frigoríficos sobre camiões, e por isso, na alegria da imensa diversidade da vida, o público servido até pode achar que aquele trabalhador alegre é muito produtivo e um excelente e rápido removedor de electrodomésticos).
A norma violada não decorre, porque também o desconsiderámos porque não provado, dalguma menção em acção de formação. Aliás, é a recorrente quem o diz, não tinha de emitir norma nenhuma.
Em suma, não há nenhuma norma sobre segurança, saúde e higiene no trabalho emitida pela Ré à qual o trabalhador tivesse desobedecido.

- E vindo à quarta questão, se não há uma norma violada, como é que se afirma uma infracção e como é que se parte para qualificar a infracção como grave? Repare-se que a recorrente entende que a norma violada é (vamos esquecer as inúmeras violações de deveres que apontou ao facto na motivação, porque não foi disso que acusou o trabalhador) a de segurança, saúde e higiene, e que a particular gravidade da infracção resulta do perigo para a saúde do recorrido e dos colegas e até de terceiros. E ainda que resulta do facto de ser uma actividade de interesse público (o que já vimos não está suficientemente concretizado). Factos, para estas fontes de violação e de gravidade, são nenhuns.
Ora aqui, há um exercício de sagacidade futura, que se resolve da seguinte maneira: basta emitir uma norma interna a estabelecer que o limite de álcool é de 0,50 g/l (para evitar que os trabalhadores se despeçam todos em caso de tolerância zero, vamos convir que o trabalho não é agradável) dar conhecimento dela aos trabalhadores, e futuras violações da norma acarretam imediatamente a violação de um dever laboral (obediência) sem que seja questionável a norma (porque ela convocará a si, como fundamento, todas as considerações que a recorrente produziu nos autos a partir do dito bom senso) e sem que seja de futuro necessário estar a alegar e a concretizar plúrimos factos sobre o efeito do álcool em cada trabalhador concreto. Escusado será dizer que o bom senso nos diz também que o efeito do álcool varia de pessoa para pessoa, em função do género e da massa corporal, e da quantidade de alimento ingerida em simultâneo com o álcool.
Em conclusão: não há nenhuma infracção, nem por isso nenhuma gravidade. Deste modo, é até, com o devido respeito, um pouco descabido considerar-se na sentença que a sanção não é proporcionada. Para isso é preciso encontrar uma violação dum dever. De resto, se a taxa de álcool não servia para fundamentar a justa causa, não se percebe porque é que se considera que a sanção era desproporcionada, visto que, analisada a nota de culpa, dela não resultava mais nada além da taxa de álcool.
Em suma, o despedimento é ilícito por improcedência dos motivos – artigo 381º b) do Código do Trabalho.

b. 2 – No que toca à oposição à reintegração: - a recorrente não tem razão, desde logo porque, no caso concreto, não há infracção a considerar. Depois, o elenco legal das situações em que é permitida a oposição à reintegração é taxativo – nem do texto legal resulta outra coisa e não podem valer interpretações sem qualquer correspondência com o texto – porque representa restrição ao direito constitucional à segurança de emprego – artigo 53º da Constituição da República Portuguesa. A regra é da reintegração, como reparação natural do despedimento ilícito, a faculdade de obstar a esta reparação natural, por banda do empregador, sujeito da obrigação de reintegrar, é excepcional. Só o beneficiário pode prescindir do direito à reintegração, optando pela indemnização. Mas se não o quiser fazer, a reparação é natural e é restabelecido, como se nunca houvesse tido lugar qualquer corte ou interrupção, o lugar onde o trabalhador busca as condições da sua sobrevivência e de seu desenvolvimento pessoal e familiar (que são as fontes donde procede a segurança no trabalho). No caso, o trabalhador não tinha um cargo de administração ou direcção e a Ré não é uma microempresa.

Em conclusão, improcedem todas as questões do recurso.

IV. Decisão
Nos termos supra expostos acordam negar provimento ao recurso e confirmam, ainda que não inteiramente pelas mesmas razões, a sentença recorrida.
Custas pela recorrente.

Porto, 10.7.2013
Eduardo Petersen Silva
João Diogo de Frias Rodrigues
Paula Maria Mendes Ferreira Roberto
____________
Sumário:
I. Estando um trabalhador, que segue como acompanhante numa viatura da empresa que se acidentou, com um determinado grau de álcool no sangue, a utilização pelo empregador do documento que comprova tal grau, sem que o empregador tenha demonstrado que o trabalhador lhe autorizou o acesso, constitui prova ilegal, face ao disposto nos artigos 26º da Constituição da República Portuguesa, e 16º, 17º e 19º do Código do Trabalho.
Deste modo, tal prova não serve a demonstrar a realidade do facto.
II. Ao empregador que invoca a violação pelo trabalhador duma norma interna que proíbe o consumo de álcool, compete provar a existência dessa norma, não podendo limitar-se a afirmar que a norma resulta do bom senso.

Eduardo Petersen Silva
(Processado e revisto com recurso a meios informáticos (artigo 138º nº 5 do Código de Processo Civil).

terça-feira, 1 de outubro de 2013

CESSAÇÃO DO CONTRATO DE TRABALHO - ABANDONO DE TRABALHO - TRABALHADORA GRÁVIDA



 Proc. Nº 1600/10.6TTLSB.L1-4  TRLisboa    19 Jun 2013


I. Incorre em despedimento ilícito o empregador que considera cessado o contrato de trabalho com fundamento em abandono do trabalhador que não se verifica.
II. Não há abandono quando não existe animus extintivo do contrato por parte da trabalhadora grávida (facto que a R. não ignorava), que, tendo dado à luz, deixa de comparecer ao trabalho por se achar no gozo de licença de parentalidade.

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa

RELATÓRIO

Autora (adiante, por comodidade, designada abreviadamente por A.): AA.
Ré (adiante designada por R.) e recorrente: BB, Lda.
A A. alegou que foi despedida sem justa causa, o que lhe causou danos, e pediu a condenação da Ré a reconhecer a ilicitude do despedimento de que foi alvo a pagar-lhe todas as retribuições devidas nos termos legais e ainda uma indemnização por danos morais no montante de 15.000,00€.
A R. contestou, alegando o abandono do trabalho.
Saneados os autos e condensada a matéria de facto, e efectuado o julgamento o Tribunal proferiu sentença na qual julgou a acção parcialmente procedente, por parcialmente provada e decidiu:
a) Declarar a ilicitude do despedimento de que a Autora foi vítima;
b) Declarar improcedente a excepção de abandono do posto de trabalho;
c) Condenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização por antiguidade, computada em 30 dias de retribuição, por cada ano de trabalho, cfr. Art. 389º, nº1 al. a) do CT (2009);
d) Condenar a Ré a pagar à Autora as retribuições que esta deixou de auferir por força do despedimento, descontando-se apenas as quantias aludidas no art. 390º, nº2 als. a) e b) do CT (2009);
e) Condenar a Ré a pagar à Autora uma indemnização, por danos morais no valor de 5000,00€, art. 389º, nº1 al. a) do mencionado diploma legal;
f) Condenar a Ré a pagar os juros de mora, respeitantes a estes montantes, à taxa legal em vigor, contabilizados desde o vencimento até integral pagamento
g) Condenar a Ré a pagar uma sanção pecuniária compulsória de 50,00 €/Diários por cada de atraso no pagamento à Autora, das indemnizações aludidas supra, após o trânsito em julgado desta sentença.
*
A R recorreu da sentença formulando as seguintes conclusões:
(…)
*
A A. não respondeu.
O MºPº teve vista.
Colhidos os vistos legais cumpre decidir.
*
*
FUNDAMENTAÇÃO
Cumpre apreciar neste recurso – considerando que o seu objecto é definido pelas conclusões do recorrente, sem prejuízo das questões de conhecimento oficioso, e exceptuando aquelas cuja decisão fique prejudicada pela decisão dada a outras, art.º 684/3, 660/2 e 713, todos do Código de Processo Civil – a correção da decisão de facto e, face aos factos apurados, se existe abandono ou despedimento.
*
A) Matéria de Facto
(…)
*
*
São, pois, estes os factos provados:
(…)
*
*
B) Da cessação do contrato.
O abandono é uma figura que enquadra “as situações em que… o trabalhador assume uma postura reveladora de que não pretende a manutenção do vínculo contratual” (cfr. O Abandono do Trabalho, do ora relator, in Revista de Direito e Estudos Sociais, Janeiro-Dezembro 2010, 138).
Podemos enunciar destarte as suas características[1]:
a) é um incumprimento contratual unilateral e voluntário, consubstanciado de ordinário numa falta de comparência do trabalhador[2],[3];
b) a ausência é qualificada, de tal modo que da sua materialidade extrai-se inequivocamente a intenção de pôr fim à relação laboral, distinguindo-se por isso de uma ausência vulgar;
c) é eficaz para fazer cessar os efeitos do contrato;
d) e é ilícita e susceptível de gerar responsabilidade civil[4].
Dentro da classificação quadripartida das causas de cessação do contrato laboral o abandono do trabalho tem a natureza de uma denúncia tácita, que se deduz do comportamento do trabalhador (face a um comportamento do qual se deduz com toda a probabilidade a vontade da parte - art.º 217.º, n.º 1, Código Civil).
O abandono, como resulta do disposto no art.º 403 do Código do Trabalho, assenta em dois pressupostos
1 – objetivo – ausência do trabalhador no local e tempo de trabalho (…);
2 – subjetivo – a existência de factos que, com toda a probabilidade revela a intenção de não retomar a atividade (animus extintivo)” (idem, 143-144).
É preciso, naturalmente, que o empregador prove estes dois pressupostos (art.º 344/2, CC).
Se, porém, beneficiar da presunção, nem sequer carecerá de provar os factos de onde se extrai o animus extintivo.
Não poderá, porém, beneficiar da presunção caso existam elementos concretos que ponham em causa a existência de vontade da resolução.
É que ao abandono não basta a materialidade da conduta omissiva traduzida na não comparência no local de trabalho; é preciso que tal ausência seja qualificada pela intenção que dos factos (extintiva) que se deduz dos factos.
Posto isto, e com o devido respeito, podemos assentar desde logo que, ao contrário dos termos da discussão desenvolvida pelas partes, que as levou a enveredar pela apresentação de articulados anómalos, a alegação de abandono nada tem de exceção: não é um facto impeditivo, modificativo ou extintivo (art.º 342/2, Código Civil) do invocado despedimento, constituindo antes uma outra forma de extinção da relação laboral. E ou se verifica uma ou outra.
E não se queira dar-lhe outro nome, como “exceção da comunicação do abandono do trabalho”, porque não é a comunicação que põe termo ao contrário, mas o abandono; a comunicação é apenas requisito[5] de invocabilidade da denuncia tácita (art.º 217, Código Civil) que é o abandono.
Portanto, a invocação, pelo empregador, de que não houve despedimento mas abandono não constitui exceção alguma: é uma simples negação motivada dos factos articulados pelo trabalhador (“não houve despedimento porque foi ele(a) quem pôs termo ao contrato de trabalho, desaparecendo de vez do local de trabalho”).
Mas vejamos. A R. põe a discussão nestes termos:
a) a A. não informou por escrito o nascimento da filha, e portanto não tem, nos termos do art.º 36 do CT, direito à proteção da parentalidade;
b) e nem à justificação da ausência durante os 5 meses seguintes, visto que de facto nada disse;
c) a devolução da carta contendo a comunicação da R. de que considerava verificado o abandono é imputável à A, que não comunicou que mudara de residência, pelo que a comunicação tem de ser válida e eficaz.
A nosso ver esta argumentação não colhe.
Na verdade o problema equaciona-se tendo presente a natureza do abandono – que já vimos ser uma denúncia tácita através de um comportamento omissivo do trabalhador que revela a vontade de não apenas incumprir pontualmente o contrato, mas de pôr fim a toda a situação laboral – e da situação de facto da A. conhecida pela R..
Quanto à ausência do trabalhador, dito de outro modo: não basta a situação de falta à prestação da atividade, sendo necessário que dessa ausência, acompanhada pelos demais factos conhecidos, se extraia o elemento subjetivo pertinente, a intenção de não retomar a prestação da atividade.
Situações que evidenciam essa intenção são, por exemplo, os casos em que o trabalhador:
a) leva da empresa os seus instrumentos de trabalho;
b) vai trabalhar, em horário ou local incompatível para outra empresa;
c) afirma que não aceita a mudança legítima do local de trabalho e não vai comparecer, e não comparece mesmo (acórdão STJ de 6.2.2008, relator Vasques Dinis);
d) entrega a chave de que carece para entrar e anuncia a colegas que não volta mais (ac. RL de 13.10.2004, Ramalho Pinto);
e) sem qualquer impedimento não regressa ao posto de trabalho após cumprir sanção disciplinar ou gozar férias, ou estar de baixa (STJ, 10.12.2009, Bravo Serra; RC, 15.01.2004, Serra Leitão).
Resulta, com efeito, desta atuação a intenção de incorrer em inadimplemento definitivo do contrato, não mais voltando a prestar a atividade.
Mas existem pelo contrário muitas outras situações que não evidenciam tal vontade, como sejam aquelas em que o trabalhador:
a) desconhece onde é o local de trabalho – v.g. após suspensão do contrato ou na sequência de sentença que declarou ilícito o despedimento (ac. STJ de 24.10.2002, Mário Torres; RL, acórdão de 6.2.2, Sarmento Botelho);
b) vai de férias convencido que tal lhe é permitido;
c) está de baixa ou incapacitado por qualquer motivo comunicado ao empregador, mesmo que olvide juntar oportunamente prorrogações de baixa – desde logo atenta a suspensão do contrato passados 30 dias - art.º 296/1, Código do Trabalho (ac. STJ de 10.07.96, Carvalho Pinheiro, RC de 12-02-2009, Fernandes da Silva; RL, ac. de 6.12.2000, Manuela Gomes);    
d) aguarda contacto após determinação judicial de reintegração;
e) a entidade patronal o dispensa do dever de assiduidade e não chama ou revê tal situação (RC, 17.02.2002, Serra Leitão; RL. de 22.09.99, Andrade Borges);
f) o empregador recusa receber o atestado médico;
g) a trabalhadora se ausenta por motivo de nascimento de filho (RP, ac. 9.5.2007, Fernanda Soares);
h) a empregadora manda o trabalhador para casa até lhe ser dada nova ordem, ou indicado local de trabalho, ou até que obtenha “alta” da seguradora ou de outra entidade;
i) é suspenso por decisão judicial em procedimento cautelar movido pela empregadora;
j) não comparece apenas por considerar ter sido despedido (RP. 31.05.99, Machado Silva);
m) não comparece porque foi suspenso pelo empregador em sede disciplinar;
n) tem o contrato de trabalho suspenso (ac. STJ de 16.02.2000, Diniz Nunes; RP 10.02.2003, Sousa Peixoto);
o) está impedido por doença do conhecimento do empregador (ac. STJ de 10.07.1996, Carvalho Pinheiro).
Com efeito, nada mostra que o trabalhador, nestes casos, pretende denunciar o contrato. Pelo contrário, existe algum motivo que o leva a crer que atua licitamente; ou então que o impede de atuar de outro modo.
Nestes casos, amiúde, o empregador sabe bem que o trabalhador não pretende pôr fim ao contrato, estando antes convicto que um motivo atendível lhe permite não se apresentar ao serviço.
Deve notar-se que o abandono foi criado como figura que visa exatamente tutelar os casos em que o trabalhador quer fazer cessar o contrato.
Um breve excurso pelos sucessivos regimes legais permite-nos verificar que antes da LCCT, Decreto-Lei n.º 64/A-89, o abandono era visto meramente como um ilícito disciplinar, o que acarretava a instauração de procedimento disciplinar, com todas as dificuldades e custos inerentes (anuir-se-á desde logo, certamente, que pode não ser fácil notificar o trabalhador quando este pura e simplesmente se ausenta para parte incerta), associados a um procedimento disciplinar pensado para garantir os direitos de quem pretende salvaguardar a estabilidade do vinculo laboral, mas que, no caso, era posto de alguma sorte ao serviço de quem manifestamente não o quer conservar.
O art.º 40, n.º 4, da LCCT passou a tratar o abandono como resolução (rescisão na terminologia coeva) unilateral (porque da iniciativa do trabalhador) tácita, permitindo evitar o recurso ao procedimento disciplinar.
Por fim, o CT2003 deu-lhe a atual configuração de denúncia tácita no art.º 450/4, configuração a nosso ver mais feliz, atenta a conduta omissiva subjacente.
Certo é que a figura contempla a conduta do trabalhador que pretende por omissão fazer cessar o vínculo.
No caso, o que temos? Muito simplesmente que a A. deixou de comparecer porquanto deu à luz. E a R. sabia que a A. estava grávida (estado, aliás, geralmente difícil de ocultar, ao menos na fase terminal). Aliás, a R. confessa-o na contestação, ao afirmar que aquela justificou uma baixa médica por referencia a uma situação de pré-maternidade (art.º 4º da contestação), e que até houve quem temesse que o parto pudesse ter corrido mal (art.º 8º), e que ela, R., foi sensível ao melindre da questão (art.º 9º).
Ora, a ausência na sequência de parto não evidencia a vontade de acabar com a situação laboral.
E não se diga que o nascimento teria de ser comunicado por escrito. Por um lado estamos a discutir o animus extintivo da trabalhadora (o qual não encontra génese em eventuais faltas de comunicação) e não a proteção da parentalidade; e por outro lado até nesta ultima sede o n.º 2 do art.º 36 do Código do Trabalho dispõe que “o regime de protecção da parentalidade é ainda aplicável desde que o empregador tenha conhecimento da situação ou do facto relevante” (sublinhado nosso).
Mais: a A. foi mãe em 25.5.9 e ausentou-se durante 5 meses, até se apresentar em 26.10.2009, 1º dia útil a seguir ao termo da licença parental (art.º 40/1, CT).
De aqui conclui a R. que a A. se apresentou nesse dia porque entretanto a R. mandou a comunicação de abandono que aliás veio devolvida, o “que é sintomático da atuação” (art.º 16 da contestação) desta.
Porém nada se extrai de “sintomático” nessa atuação: se a licença acabou a 24, sábado, era de esperar que ela se apresentasse na segunda feira 26 (por outro lado, tendo sido devolvida a comunicação não se alcança sequer o que quis a R. dizer com essa expressão, visto que a A. não leu a carta e consequentemente até se compreende a sua reação de espanto que a própria R. relata no art.º 33 da contestação ao ser confrontada, dia 26, com a informação do envio da comunicação de abandono)[6].
Mais relevante, de todo o modo, para a discussão, é que, nestas circunstâncias, não se descortina qualquer intenção de fazer cessar o contrato, sem a qual não opera o abandono.
Ou seja: não se verificam os pressupostos do abandono (é irrelevante, pois, a discussão sobre a morada da A.).
E não havendo abandono incorre em despedimento o empregador – no caso a R. – que obsta a trabalhadora de retomar a atividade com o argumento afinal errado de que o contrato já não existia porque ela, trabalhadora, lhe pusera termo. O fim do mesmo é imputável, a final, à R..
Não merece, pois, censura a sentença recorrida, que fez boa aplicação do direito.
*
*
DECISÃO
Pelo exposto o Tribunal julga o recurso improcedente e consequentemente confirma a sentença recorrida.
Custas do recurso a cargo da recorrente.
Lisboa, 19 junho de 2013


Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes


[1] “O Abandono do Trabalho”, pag. 135 e ss.
[2]
Um dos elementos do abandono “consiste num incumprimento voluntário do contrato de trabalho que, na generalidade dos casos se traduz na não comparência do trabalhador no local e no tempo de laboração” – STJ, ac. 03-06-2009, Sousa Grandão.
[3]
A vontade não é meramente de inadimplir ou alguns deveres contratuais, mas o próprio contrato de trabalho “em si mesmo”, referem Alonso Olea e Emília Casas Baamonde, Derecho del Trabajo, 14ª ed., Madrid, 451.
[4]
N.º 5 do art.º 403.º.
Ilícita exactamente pela inobservância dos procedimentos impostos para a denuncia, previstos no art.º 400: comunicação escrita e com aviso prévio (neste sentido cf. Romano Martinez, Direito do Trabalho, Almedina, 2ª ed., 2005, 926). Daí a responsabilidade civil (art.º 403.º n.º 5 e 401.º), sendo certo que é susceptível de causar maiores danos que a denuncia expressa ou propriamente dita, já que no abandono o empregador de início nem terá, provavelmente, conhecimento do intuito do ausente, ficando assim mais limitado nomeadamente nas diligencias para o substituir. 
[5]
O “ónus suplementar” para o empregador a que alude o prof. Menezes Leitão.
[6]
Não se vislumbra aliás que seja menos “sintomática” a conduta da R. ao enviar a comunicação de abandono poucos dias antes de findar a licença de parentalidade da trabalhadora

ACIDENTE DE TRABALHO - LOCAL DE TRABALHO



 Proc. Nº 1408/11.1TTLSB.L1-4                     TRLisboa                  19 Jun 2013

O trabalhador que tem um infortúnio no refeitório afecto ao pessoal sito no edifício em que labora, à hora do almoço, ao sentar-se para comer, sofre-o em local de trabalho, e o mesmo constitui acidente de trabalho (e não, sequer, acidente in itinere), susceptível de reparação ao abrigo da lei dos acidentes de trabalho

Acordam os juízes no Tribunal da Relação de Lisboa.

I.
A) Sinistrada (também designado infra por A. de autora): AA, patrocinada pelo MºPº;
Responsável civil (também designada por R. de ré) e recorrente: Companhia de Seguros BB, SA.
A A., alegando que como trabalhadora da CC, Empresa de Trabalho Temporário, Lda, torceu o joelho direito quando se encontrava a subir para o banco da mesa do refeitório onde ia almoçar no dia 6/4/2010, pelas 13h, no refeitório das instalações da PT, onde exercia as suas funções, pediu a condenação da Ré a pagar-lhe o capital de remição da pensão anual e vitalícia de € 93,10, a quantia de € 20 a título de reembolso das despesas realizadas com as deslocações obrigatórias ao tribunal, tudo acrescido de juros de mora, à taxa legal, desde o respetivo vencimento até integral pagamento.
A Ré Seguradora contestou alegando que não está em causa um acidente de trabalho uma vez que o mesmo ocorreu no interior do refeitório e não no trajeto entre o local de trabalho e o local de refeição.
Afinal foi proferida sentença que, na parte relevante, estribou-se e decidiu desta sorte:
(…) Segundo o alegado pela Ré Seguradora, se a Sinistrada tivesse sofrido o acidente depois de sair do seu posto de trabalho, ou do edifício, onde se localizava o mesmo, estando-se a dirigir ao local das refeições, estar-se-ia face a um acidente de trabalho atento o disposto no art. 9°, n.º 2, e). (…) Bastaria a Autora estar a efetuar o percurso entre o seu posto de trabalho e o refeitório para se tratar de um acidente de trabalho. Porém, como a Autora não abandonou o edifício onde se localizava o seu posto de trabalho, e já se encontrava no local onde ia tomar a sua refeição, já não se pode qualificar o acidente como acidente de trabalho.
Ora, (…) consideramos que o acidente se enquadra no art. 8° n.º 1, uma vez que ocorreu no local e no tempo de trabalho. Ocorreu no local de trabalho porque, atento o conceito legal da transcrita alínea a), o local de trabalho é muito mais abrangente do que o posto de trabalho. Como (…) a Autora exercia funções de assistente operacional de Call Center, nas instalações da PT, e que foi no refeitório das dessas instalações que sofreu o acidente, necessariamente que se terá que concluir que ocorreu no seu local de trabalho. (… E) ocorreu, ainda, no tempo de trabalho, na medida em que este conceito é igualmente mais abrangente que o de período de trabalho efetivo. (…) O horário de trabalho da Autora previa o período das 12h30 e as 13h30 para almoço e a Autora sofreu o acidente pelas 13.00h. Estipulando a lei como tempo de trabalho as interrupções normais de trabalho, e tendo em conta que a interrupção para almoço corresponde também a um intervalo de descanso nos termos previstos no art. 213° do C. do Trabalho, então o acidente ocorreu no tempo de trabalho (relativamente a um acidente numa cantina, que foi qualificado como acidente de trabalho ver Ac. STJ de 3/7/87, n.º de documento SJ19870 7030016034, in www.dgsi.pt).
Assim, há que qualificar o acidente sofrido pela Autora a 6/4/2010, como um acidente de trabalho, visto estar definida a relação laboral entre a Sinistrado e a Empregadora, acidente esse que ocorreu no local e tempo de trabalho e produziu diretamente lesões corporais na Autora.
(…)
3-DECISÃO
Face ao exposto julga-se a ação procedente e, consequentemente, condena-se a Ré COMPANHIA DE SEGUROS BB, SA, a pagar à Autora:
I) o capital de remição da pensão anual e vitalícia de €93,1O( vinte e três euros e dez cêntimos devido desde 1/4/2011
II) a quantia de € 20,00 (vinte euros) de despesas de deslocação.
Montantes estes acrescidos de juros de mora, à taxa legal, até integral pagamento.

*
B) É quanto à parte da sentença que considerou ser o evento acidente de trabalho que a R. se rebela, formulando estas conclusões:
(…)
*
C) A A. contra-alegou pedindo a improcedência do recurso e a manutenção da decisão recorrida, assim concluindo:
(…)
*
Foram colhidos os competentes vistos.
*
II
A) É sabido e tem sido jurisprudência uniforme a conclusão de que o objecto do recurso se limita em face das conclusões insertas nas alegações do recorrente, pelo que, em princípio, só abrange as questões aí contidas, como resultado aliás do disposto nos artigos 684/3 e 690/1 do CPC.
Deste modo o objecto do recurso consiste em saber se o infortúnio dos autos constitui acidente de trabalho, face ao local em que ocorreu (sendo irrelevante discutir a questão do tempo de trabalho, visto que a própria R. aceita que (conclusão 4ª) este acidente ocorreu no tempo de trabalho, porquanto se verificou durante a hora de almoço, ou seja, durante uma interrupção normal de trabalho - situação contemplada na parte final da alínea b) do n.º 2 da Lei 98/2009 de 4 de Setembro).
*
B) Ficaram provados os seguintes factos:
1. A A. era trabalhadora da CC, Empresa de trabalho temporário, Lda, com o NIPC 507485882, por cuja conta e sob cujas ordens e direcção, exercia a profissão de assistente operacional de Call Center nas instalações da PT. (A)
2. Auferia, em Abril de 2010, a seguinte retribuição anual:
€ 356,25 x 14 meses (salário-base);
€ 6 x 242 dias (subsídio de refeição. ( B)
3. Durante o seu horário de trabalho possuía o período das 12h30 e as 13h30 para almoçar. (C)
4. No dia 6/4/2010, pelas 13h, no refeitório das instalações da PT, onde exercia as suas funções, a A. sofreu um acidente. ( D)
5. Tal acidente consistiu em ter torcido o joelho direito quando se encontrava a subir para o banco da mesa do refeitório onde ia almoçar. (E)
6. A entidade empregadora CC, Lda, tinha transferido a responsabilidade por sinistros para a R., mediante contrato de seguro titulado pela apólice n° (…), com base na retribuição de €475 x 14 meses. (F)
7. O acidente acima referido causou à A. as lesões descritas na documentação clínica e nosológica constante dos autos, nomeadamente entorse do joelho direito. (G)
8. A sinistrada recebeu cuidados médicos por parte da R. até 31/3/2011, data em que lhe foi atribuída alta definitiva. (H)
9. Entre a data do acidente e a alta a R. pagou à sinistrada as indemnizações que lhe eram devidas por ITA e ITP. (L)
10. Submetida a exame médico neste tribunal, foi-lhe fixada a TPP de 2% a partir de 31/3/2011. (J)
11. Na tentativa de conciliação realizada em 15/9/2011 e 10/10/2011 a R. seguradora aceitou a existência do acidente mas não a sua caracterização como acidente de trabalho, aceitou o nexo causal entre o mesmo e as lesões sofridas pela sinistrada mas não aceitou o resultado do exame médico. ( L)
12. Aceitou igualmente encontrar-se transferia a responsabilidade infortunística-laboral pelo montante do salário base de € 475 x 14. (M)
*
*
C) De direito
É sabido que a revolução industrial, com a produção em série que trouxe, estando os trabalhadores confinados nos espaços físicos autónomos que são as fábricas, trouxe um aumento exponencial dos acidentes de trabalho em resultado da utilização da máquina, primeiro a vapor e depois a outras energias, no processo produtivo. Pior, os danos tenderam a tornar-se muito mais graves do que em épocas anteriores[1]. Gerou-se, assim, no séc. XIX, um sério problema social, para cuja resolução se impunha a criação dos remédios jurídicos adequados.
Num primeiro momento a reparação dos danos ficou sujeita à prova da culpa do agente, a cargo do lesado. Embora adequado às necessidades da acumulação de capital, o princípio casum sentit dominus conduziu a resultados infelizes[2], ficando os sinistrados em regra sem qualquer reparação. Efectivamente, era muito difícil a prova da culpa do empregador, não apenas pela diferença de recursos existente entre este e o trabalhador, mas também porque muitas vezes o empregador realmente não tinha qualquer culpa[3]. E também era complexo demonstrar o nexo de causalidade entre a culpa e o dano
Face à inadequação dessa responsabilidade obrigacional clássica (teoria da culpa aquiliana) no final do sec. XIX intentou-se inverter o ónus da prova, mediante o recurso à teoria da responsabilidade contratual[4]. Seria ao empregador que cabia demonstrar que não tivera qualquer culpa na produção do evento, o qual se produzira, em princípio, apenas devido à sua má organização do trabalho. Surgida na sequência das críticas de Sauzet e Sauctelette, e consagrada designadamente na Bélgica e na Suíça, não foi acolhida entre nós, revelando-se, aliás, tão insuficiente como a anterior[5].
Uma perspectiva próxima era a que fazia assentar a responsabilidade patronal numa ideia de responsabilidade extra-contratual por facto ilícito, presumindo-se em termos elidíveis a culpa do empregador, com os mesmos (escassos) resultados.
Com vista a ultrapassar as dificuldades que surgiam para obter o ressarcimento, já que o empregador provava amiúde com facilidade que nenhuma culpa tivera, ficando sem cobertura os acidentes devidos a caso fortuito ou de força maior e a negligência do sinistrado, começa a falar-se em responsabilidade objectiva ou pelo risco. Em lugar da culpa do empregador parte-se de uma relação de causa e efeito entre o acidente e a actividade laboral.
Numa visão inicial defende-se que a responsabilidade emerge do risco inerente ao exercício de toda e qualquer actividade profissional, sendo razoável que quem aufere os benefícios do labor suporte os correspondentes riscos (ubi commoda ibi incommoda; ou ubi emolumentum ibi onus). É a teoria do risco profissional.
Este entendimento foi entre nós adoptado pela Lei 83, de 24.1.1913[6], que pela primeira vez estabeleceu um regime específico de reparação dos desastres no trabalho (na terminologia do diploma). 
Numa segunda perspectiva procurou acautelar-se a protecção de actos preparatórios ou consequentes à prestação do trabalho, mas com ele conexos, e os acidentes ocorridos no caminho para e do local de trabalho – os acidentes in itinere. Designada pelo risco de autoridade ou económico, aparta-se da conexão directa acidente – trabalho para se centrar na noção ampla de autoridade do empregador.  
Esta é a concepção que enformou as leis de acidentes de trabalho subsequentes[7], a saber a Lei n.º 1942, de 27.7.36 e a Lei n.º 2127, de 3.8.65 (quanto à Lei n.º 100/97, de 13.9.97[8], veremos que releva a ideia do risco de trajecto).
Entretanto, a jurisprudência, designadamente em França, interpretou o art.º 1º da Lei (gaulesa) de 9.4.1898 no sentido de, progressivamente, abranger outras situações em que o trabalhador, não estando no local e no tempo de trabalho, se encontrava ainda sob a autoridade patronal, com a necessária manutenção do nexo de subordinação resultante do contrato de trabalho.
Tal era o caso dos trabalhadores enviados em missão e que eram considerados em serviço até a cumprirem integralmente, aceitando-se que nas deslocações necessárias se compreendia o regresso a casa (p. ex. os caixeiros viajantes); dos alojados pelo empregador nos estaleiros onde laboravam, considerando-se que estavam em serviço até entrarem no alojamento atribuído em termos tais que recuperassem a sua plena liberdade.
Mas também se admitiu a responsabilidade do empregador se o acidente ocorria
- nas instalações da empresa,
- num trajecto por ele imposto,
- se para chegar ao local de trabalho o sinistrado tinha de passar por um local perigoso.
- em transporte fornecido pelo empregador (ou até custeado por ele)[9].
 Tudo isto acarretou uma ampliação da noção de acidentes por motivo de trabalho e conduziu à consagração legislativa da modalidade do acidente in itinere.
Entre nós a consagração legislativa ocorreu com a Lei n.º 2127 de 3.8.65, regulamentada pelo Decreto n.º 360/71, de 21.8, cuja Base V, n.º 2, al. b), que dispunha: “considera-se também acidente de trabalho o ocorrido: (b) na ida para o local de trabalho ou no regresso deste, quando for utilizado meio de transporte fornecido pela entidade patronal, ou quando o acidente seja consequência de particular perigo do percurso normal ou de outras circunstâncias que tenham agravado o risco do mesmo percurso”.
Por seu lado, os art.º 10 e 11 do Decreto-Lei n.º 360/71 alargavam a noção aos acidentes ocorridos entre o local de trabalho e a residência habitual ou ocasional e entre qualquer um destes e os locais de pagamento da retribuição e de assistência ou tratamento por virtude de anterior acidente.
Certo é, todavia, que a mesma evolução jurisprudencial prévia à expressa consagração legal se verificou em Portugal[10].
A Lei 2127 veio a ser substituída pela a Lei n.º 100/97, de 13.9.97, regulamentada pelo Decreto-Lei n.º 143/99, de 30 de abril, e esta pela Lei 98/2009, de 4 de Setembro, aplicável ao caso.
*
Poder-se-á discutir se a reparação dos danos decorrentes de acidentes in itinere é uma mera opção política, havendo até sistemas jurídicos que desconhecem a reparação dos acidentes laborais enquanto tais[11], e as razões materiais que levaram à consagração desta responsabilidade[12].
Alternativa possível seria diluir a reparação dos acidentes laborais nos esquemas de proteção da circulação automóvel. No entanto, a reparação dos acidentes rodoviários supõe em regra a culpa de um terceiro e a ausência de culpa (ou pelo menos um grau de culpa não elevado) do lesado (art.º 483, 487 e 570 do Código Civil), deixando de fora aqueles que são devidos inteiramente a culpa do lesado; e, por outro, casos há em que nem há intervenção de terceiros, estando mesmo fora do âmbito da circulação estradal ou ferroviário[13]. Ou seja, seria uma alternativa muito insuficiente e inadequada para a proteção dos trabalhadores.
No que aos acidentes in itinere toca ainda se pode discutir se tem alguma especificidade ou, no fundo, não é mais do que um acidente de trabalho como qualquer outro, com a única particularidade de se dar no caminho.
A verdade, porém, é que o acidente in itinere se caracteriza precisamente por ter lugar fora do tempo e do lugar de trabalho que carateriza o acidente de trabalho propriamente dito. Estas diferenças levam-nos a concluir, porém, que são diversas as noções de acidente de trabalho (em sentido estrito[14]) e de acidente in itinere. Tendo em comum a conexão trabalho – lesão[15], não partilham os demais elementos “tempo e local de trabalho”[16] [17]. Em suma: os acidentes in itinere são acidentes de trabalho em sentido amplo[18]: têm conexão com o trabalho e a própria lei os designa como tal[19] [20], traduzindo uma extensão da noção de acidente de trabalho (em sentido estrito, isto é, ocorridos no tempo  e no local de trabalho e relacionados com ele), abrangendo também situações que não estariam formalmente [21], compreendidos no conceito indeterminado do art.º 8, n.º 1, da Lei 98/2009, de 4.9[22]. Deste modo, o acidente no percurso ocorre fora do local e do tempo de trabalho, continuando a ser relevante para o direito infortunístico pela sua relação com o trabalho, já que foi a necessidade de se deslocar por motivos laborais que expôs o trabalhador ao risco do sinistro.
*
No caso temos que a trabalhadora se deslocou ao refeitório das instalações da PT onde prestava a atividade de assistente operacional de call center para a R. CC, Lda, no período destinado ao almoço, e torceu o joelho ao subir para o banco da mesa onde ia almoçar.
Entendeu a sentença recorrida que se trata de um verdadeiro e próprio acidente de trabalho, ocorrido no tempo (que vimos ser aceite) e no local (que é controvertido) de trabalho. E é contra a conclusão de que o infortúnio ocorreu no local de trabalho que se ergue a R., esgrimindo que “o refeitório não era local de trabalho…sendo irrelevante que se situe dentro ou fora da PT”, não variando por esse facto o risco de acidente. Em suma: “o acidente não ocorreu no ou durante o trajeto entre o call center e o refeitório, mas sim quando a recorrida já se encontrava no interior do refeitório” (pelo que não é acidente in itinere); nem “sujeita ao controlo da empregadora” (pelo que não é acidente de trabalho, s. sensu).
Já para a recorrida trata-se de um acidente de trabalho porquanto nunca saiu das instalações da empregadora, no mesmo edifício onde exerce a sua atividade.
*
Para responder à questão dos autos importa pôr o problema em perspetiva.
Algumas interrogações ajudam-nos nisso.
O infortúnio mereceria a reparação à luz da LAT se:
a) a trabalhadora saísse do edifício para (em local razoável, na ótica do homem médio) almoçar ?
b) a trabalhadora não saísse sequer do seu local de trabalho, limitando a suspender a atividade limitando-se, como sói dizer-se, a comer uma “bucha” ou um “farnel” ?
c) se deslocasse para outro canto da sala onde presta a atividade ?
d) se saísse da sala e comesse junto à mesma mas do lado de fora ?
Não há duvida que o a), ocorrido em transito, seria um típico acidente in itinere (art.º 9/1/a e 2/a, da LAT, a dita Lei 98/2009); e que os demais constituiriam claros acidentes de trabalho (em que, de todo o modo, a A. estaria sob o império do empregador, sujeita a receber ordens [porventura desde logo para mudar de local]).
Em todos estes casos há uma evidente conexão com a atividade profissional[23]: se a A. não laborasse para a empregadora não careceria de fazer certo trajeto para ir almoçar (al. a), ou de comer em certo sítio (al. b, c, d).
Ora, é precisamente essa conexão que existe, manifestamente, no caso: a A. vai almoçar ao refeitório das instalações onde labora, sitio mais que razoável para o fazer (que aliás não podia ser mais próximo), obviamente frequentado por colegas e quiçá superiores (é para isso que servem os refeitórios das empresas), e onde não está a salvo ainda da autoridade do empregador, isto é, onde afinal não recuperou plenamente a sua independência: se é possível, como nos parece irrefragável, a sinistrada deparar com algum superior hierárquico no exterior da sala em que labora, também o é no refeitório sito no mesmo edifício onde trabalha. De resto, é fácil ver que o poder do empregador não se manifesta apenas na prolação imediata de ordens, mas de formas muito mais subtis: por exemplo a classificação interna dos trabalhadores nem sempre ignorará factos porventura ocorridos à hora da refeição num local habitualmente frequentado por trabalhadores.
A conexão evidencia-se também se tivermos em conta que, tratando-se de um refeitório para trabalhadores, é precisamente essa qualidade que permite a sua frequência. É por laborar para a empregadora que a A. aí pode ir.
De aí que o mais alto Tribunal já tenha considerado, em considerações que não obstante a sucessão de leis no tempo se mantêm pertinentes[24], que “o n.º 3 da Base V da Lei n. 2127, dá ao conceito "local de trabalho" uma tal amplitude que permite considerar, não só a zona de laboração, mas também todas as zonas que se relacionem necessariamente com a exploração laboral, como estaleiros e cantina” (Supremo Tribunal de Justiça, 03-07-1987).
O trabalhador que come num refeitório sito nas instalações do empregador (ou da entidade a quem este presta atividade vg em sede de outsourcing) em que labora na realidade nunca sai do controlo do empregador, ao menos indireto.
Podemos evidenciá-lo pondo uma quinta hipótese, aliás não alheia à argumentação da recorrente segundo a qual é indiferente a localização do refeitório: se o refeitório se situasse mesmo em frente à sala onde a trabalhadora laborava bastar-lhe-ia franquear a ombreira da sala do call center para deixar de estar sob qualquer controlo do empregador? É óbvio que não, que naquele local facilmente poderia ser chamada a retomar funções em caso tido por urgente; que a sua conduta à mesa não seria ignorada pela empregadora se por qualquer motivo entendesse que ela se afastava significativamente das regras do trato social; e por aí adiante.
Veja-se bem a diferença entre a situação em que a A. está no refeitório sito nas instalações da empresa, em termos de auto-determinação e de reserva pessoal, e aquela em que estaria se fosse a casa (e em que, aí sim, a proteção in itinere se esgota ao franquear a porta da sua residência): aqui estava efetivamente salvaguardada do controlo patronal, ao contrário do que acontece no refeitório sito no edifício.
*
Em suma: o trabalhador que tem um acidente no refeitório afeto ao pessoal sito no edifício em que labora, à hora do almoço, ao sentar-se para comer, sofre-o em local de trabalho, e o mesmo constitui acidente de trabalho (e não acidente in itinere), suscetível de reparação.
Conclui-se deste modo que a sentença decidiu bem e que não merece censura.  
*
*
III.
Pelo exposto o Tribunal julga improcedente o recurso e confirma a decisão recorrida.
Custas pela Ré seguradora.
Lisboa, 19 de Junho de 2013

Sérgio Almeida
Jerónimo Freitas
Francisca Mendes



[1]
Sugestivamente, Elias Gonzalez-Posada Martinez, em “El Accidente de Trabajo: Evolucion Normativa y Tratamiento Jurídico Comparado” (acessível in http//www.der.uva.es/trabajo.acci2.html) afirma que “o risco, a proximidade de um dano, é o trágico companheiro de viagem de todo o trabalhador”. 
[2]
Sobre esta matéria vide Luís Leitão, “Acidentes de Trabalho e Responsabilidade Civil (A Natureza Jurídica da Reparação de Danos Emergentes de Acidentes de Trabalho e a Distinção entre as Responsabilidades Obrigacional e Delitual)”, in ROA, 778.
[3]
Christian Fabry, Les Accidents de Trajet – La Couverture de ce Risque en Droit Francais et en Droit Comparé, Paris, 1970, pag. 10, refere que apenas  ¼ dos acidentes se deviam a culpa do empregador.
[4]
A mera existência do vínculo contratual acarretaria, à luz desta perspectiva, a existência de uma cláusula tácita de segurança. A ser assim, porém, nada impediria que o trabalhador renunciasse a ela, ou que fossem acordadas outras limitações. Cfr. Elias Gonzalez-Posada Martinez, El Accidente de Trabajo: Evolucion Normativa y Tratamiento Jurídico Comparado”..
[5]
Cfr. Noções Elementares de Acidentes de Trabalho e Jurisprudência, CEJ, Jurisdição Laboral, lições ao XVI Curso Normal de Formação de Magistrados.
[6]
Inspirando-se na Lei francesa de 9 de Abril de 1898, cujo art.º 1º adoptou a conhecida definição de acidente de trabalho como “les accidents survenus par le fait du travail ou à lóccasion du travail”. Esta, por sua vez, foi influenciada pela legislação de Bismark, que pela primeira vez consagrou o princípio da responsabilidade pelo risco profissional.
[7]
Sem prejuízo das alterações ao regime inicial da Lei 83, designadamente operadas pelo Decreto n.º 5637 de 10.5.1919, que passou a abranger as doenças profissionais. 
[8]
O Código do Trabalho contém no Livro I, Título II o Capítulo V que regula a matéria dos acidentes de trabalho; e o Capítulo VI  que rege as doenças profissionais. Inspirados ainda na teoria do risco de autoridade, não se encontram em vigor por falta da regulamentação  a que alude o art.º 21, n.º 2, al. g) da Lei 99/03, de 27.8, aprovou o Código do Trabalho. Por este motivo centraremos a nossa análise no regime da Lei n.º 100/97.  
[9]
Sobre o exposto cfr. Christian Fabry, op. cit., 12 e ss. 
[10]
Podem-se mencionar-se várias decisões, por todas Acórdãos do STA  em pleno, de 10.7.58, 20.4.59, 13.4.67, antes de existir lei em vigor sobre os acidentes in itinere, citados por Cruz de Carvalho, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., Petrony, 1983, pag. 33. Por seu lado Feliciano Tomás de Resende, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais, 2ª ed., Almedina, 1988, pag. 20, afirma, referindo-se aos acidentes in itinere, que “a jurisprudência e a doutrina muito discutiram se seriam ou não abrangidos, e na hipótese afirmativa, em que termos, pela Lei n.º 1942, não obstante a ausência de disposição legal expressa”. Dessa discussão já Veiga Rodrigues, in Acidentes de Trabalho – Anotações à Lei n.º 1942, a folhas 20-21 dava conta, citando também ele diversos acórdãos. Por todos menciona-se o Acórdão de 21.10.47: “se é em obediência ao seu contrato individual de trabalho que o trabalhador se dirige da sua casa para o local de execução do trabalho e se no caminho sofre algum acidente este caracteriza-se de acidente de trabalho, porque é por ele sofrido como trabalhador e quando subordinado à empresa e, portanto, sob a autoridade desta”.
[11]
Será porventura o caso da Holanda, onde não há cobertura específica para estes acidentes, havendo, todavia, mecanismos de segurança que permitem integrar o ressarcimento das incapacidades temporárias e das permanentes resultantes de acidentes de trabalho em esquemas de reparação mais vastos que abrangem qualquer tipo de acidentes, laborais ou não. Sobre isto cfr. “A Protecção nos Acidentes de Trabalho nos Países da União Europeia”, in www.global.pt.
[12]
Se a evolução tecnológica expôs os trabalhadores a riscos acrescidos, quer no local de trabalho quer nas deslocações, as dificuldades da prova e a necessidade de ultrapassar a culpa como fundamento da responsabilidade explicam cabalmente a existência deste instituto jurídico. Fosse esta uma opção puramente arbitrária e poder-se-ia equiparar a um ressarcimento universal dos danos ocorridos no dia em que o cidadão comemora o seu aniversário ou se casa; é, porém, evidente que neste exemplo, como noutros possíveis, não existem motivos que os tornem compreensíveis e necessários, ao contrário do que ocorre em sede laboral.
[13]
É o caso, por. ex., do trabalhador que carece de se deslocar de helicóptero para o local de trabalho (uma plataforma petrolífera – apreciado pelo Tribunal Supremo espanhol, por sentença de 20.04.81, cit. por Cristina Sanchez-Rodas Navarro, “El Accidente in Itinere”, Editorial Comares, 1998, pag. 66); ou o do trabalhador que para o mesmo efeito atravessa frequentemente um rio a nado (julgado por um Tribunal de S.Paulo, Brasil: “não sendo a travessia do rio a nado, para se dirigir à sua casa, uma atitude esporádica do trabalhador, considera-se acidente in itinere o afogamento de que foi vítima - Ap. c/ Rev. 310.710, 7ª Câm., Rel. Juiz Ary Casagrande, j. 31-3-1992 – cfr. www.estacio.br/graduacao).
[14]
Cumpre distinguir entre um sentido amplo de acidentes de trabalho, que engloba os acidentes in itinere e as próprias doenças profissionais, de um sentido estrito, que não abrange estes dois últimos.
[15]
A propósito dos eventos provocados pelo próprio trabalhador, quando o resultado é previsto, e querido por ele, refere Juan Jimenez García que “a conexão trabalho – lesão rompe-se, com excepção das lesões e suicídios em que a vontade deliberada e consciente do trabalhador tenha sido alterada devido a uma doença ou lesão prévia decorrente do próprio trabalho” – La Imprudência Temeraria del Trabajador Accidentado como causa de Exoneración de la Responsabilidad Empresarial, pag.9, apud. Cristina Sanchez-Rodas Navarro, 99.
[16]
A distinção entre acidentes de trabalho em sentido estrito e acidentes in itinere é comum designadamente na doutrina francesa, que em termos expositivos adopta habitualmente uma classificação tripartida.
[17]
Não são estas as únicas diferenças. Com efeito, o nexo de causalidade entre o trabalho e o evento é muito claro nos acidentes de trabalho, enquanto que nos acidentes in itinere há “uma ampliação do conceito etiológico ou causal” na expressão da sentença do Tribunal de Julgado Social n.º 20 de Madrid, citado por Cristina Navarro, op.cit., 47.
[18]
Neste sentido cfr. também António Martin Valverde e Joaquin Garcia Murcia, Tratado Prático de Derecho del Trabajo y Seguridad Social, Aranzadi Ed., 2002, folhas 4636: “o acidente de trabalho é um acidente de trabalho impróprio, que deriva de circunstâncias concorrentes com a actividade laboral, como são as correspondentes à deslocação que deve realizar o trabalhador para cumprir a sua prestação de serviços”. 
Carlos Alegre, Acidentes de Trabalho e Doenças Profissionais – Regime Jurídico Anotado, Almedina, 2ª ed., 48, defende que o acidente in itinere é uma das formas possíveis do acidente de trabalho. 
[19]
Este facto é relevante designadamente para a sua interpretação.
[20]
Em sentido contrario Cristina Navarro, op. cit., 48, para quem, apesar dos pontos em comum, não se pode qualificar um como género e outro como espécie, sendo os acidentes in itinere “uma figura plenamente autónoma, dotada de perfis próprios”
[21]
Dizemos não estariam porque, como é sabido, a noção de acidente in itinere foi segregada pela jurisprudência a partir exactamente da noção de acidente de trabalho, vindo mais tarde a ter consagração formal no texto da lei.
[22]
Neste sentido cfr., na doutrina, Noções Elementares de Acidentes de Trabalho e Jurisprudência, CEJ, já citado, e Silvia Payon Marques, op. cit., pag. 7.  Na jurisprudência veja-se p.ex. o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 20.101999, in Colectânea de Jurisprudência, S-III: “o acidente de trabalho in itinere é uma extensão do acidente de trabalho”.
[23]
Diz destarte o acórdão do STJ, de 26-10-2011 que “é necessário que exista uma ligação ao trabalho”.
E na fundamentação do acórdão de 21.4.99 refere: “O que pode relevar para efeitos de descaracterização do acidente (…) é a quebra da relação laboral, ou seja, a interrupção do estado de ligação e de continuidade com a actividade laboral propriamente dita, interpondo-lhe uma situação ou uma circunstância de todo alheia e estranha à relação laboral concretamente actuada e desenvolvida naquele dia de trabalho”.
[24]
Refere o art.º 8/2/a da LAT que se entende por “local de trabalho todo o lugar em que o trabalhador se encontra o deva dirigir-se em virtude do seu trabalho e em que esteja, direta ou indiretamente, sujeito ao controlo do empregador”.