sexta-feira, 19 de abril de 2013

DIREITO À IGUALDADE NO TRABALHO - COMISSÃO DE SERVIÇO - VIATURA DE SERVIÇO – ASSÉDIO - MOBBING LABORAL - LESÃO DA DIGNIDADE DO TRABALHADOR



Proc. Nº 248/10.0TTBRG.P1      TRel Lisboa                                 8 Abr 2013

I – Numa acção em que se não invocam quaisquer factos que possam inserir-se na categoria dos factores de discriminação referidos nos artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho de 2009, não funciona a presunção constante do n.º 5 deste último preceito e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade.
II – Não pode afirmar-se haver diferença de tratamento entre colegas de trabalho no desenvolvimento de relações de natureza laboral se se desconhece o concreto percurso profissional dos outros trabalhadores relativamente aos quais o trabalhador se considera discriminado e se este apela a cargos de administração de sociedades que não podem ser desenvolvidos ao abrigo de um contrato de trabalho e a outros que apenas se compreendem no âmbito de uma especial relação de confiança inter-pessoal entre trabalhador e empregador.
III – Uma vez finda a comissão de serviço, a natureza precária e transitória da nomeação em causa retira ao trabalhador a expectativa do percebimento futuro das remunerações auferidas por virtude do exercício das funções em comissão de serviço.
IV – Mas, enquanto persiste a execução da comissão de serviço, impõe-se ao empregador observar o que foi inicialmente estipulado a propósito da retribuição, beneficiando os componentes retributivos convencionados da tutela da irredutibilidade conferida pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho de 2009.
V - Não é lícita a diminuição da retribuição, nem por decisão unilateral do empregador, nem por acordo inter partes.
VI – O valor da retribuição em espécie, consubstanciada na utilização permanente de veículo automóvel é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal da viatura, nele se não incluindo o uso profissional, pelo que, não se tendo apurado o exacto valor do inerente benefício económico pessoal, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para liquidação de sentença.
VII – O Código do Trabalho de 2009, amplificou o conceito de assédio ao abranger não apenas as hipóteses em que se vislumbra o “objectivo” do empregador de afectar a dignidade do trabalhador, mas também aquelas em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o “efeito” a que se refere a parte final da norma.
VIII - A existência de mobbing não exige que se tenha verificado uma lesão da saúde do trabalhador.
IX – A lesão essencial que surge como consequência do comportamento ilícito do empregador que exerce assédio moral traduz-se na lesão da dignidade do trabalhador como pessoa que é submetida a um ambiente hostil, degradante ou humilhante no seu meio laboral.
X – A lesão da dignidade constitui um dano não patrimonial objectivo que se reveste de gravidade evidente e deve ser compensado; a forma como é sentida esta lesão e os sentimentos que suscita em cada um podem divergir em termos subjectivos, o que deve ser ponderado na fixação equitativa do valor da indemnização, mas não apaga a existência daquele dano objectivo que surge como consequência primeira do comportamento ilícito do empregador


Processo n.º 248/10.0TTBRG.P1
4.ª Secção
Acordam na Secção Social do Tribunal da Relação do Porto:
П
1. Relatório
1.1. B......, instaurou no Tribunal do Trabalho de Braga a presente acção declarativa condenatória emergente de contrato de trabalho, contra C....., SA, peticionando que a ré seja condenada a:
A. Integrá-lo no desempenho de funções efectivas e que se coadunem com o seu valor profissional, curriculum e estatuto profissional de QS - Especialista Sénior de acordo com o que se mostra definido no acordo de empresa;
B. Proceder à actualização do seu vencimento e complementos remuneratórios de forma compatível com a sua categoria e habilitações profissionais, equivalente ao montante médio dos salários e complementos remuneratórios dos seus colegas de trabalho que, tal como o A., em 1992 se encontravam a desempenhar o cargo de Directores Comerciais (2ªs Linhas);
C. Pagar-lhe as diferenças salariais que se verificarem desde Janeiro de 2005 até à efectiva actualização salarial referida em B), determinada com base na diferença entre o salário realmente pago ao A. e a média dos salários e complementos remuneratórios auferidos pelos Colegas de trabalho do A. que em 1992 eram Directores Comerciais, cujo montante, por ser impossível nesta data determinar, se relega a sua liquidação para execução de sentença e que deverá ser actualizado com base no índice de preços no consumidor;
D. Pagar-lhe em conformidade com o seu estatuto remuneratório o Subsidio Especial de Função (SEF) que lhe foi retirado desde Dezembro de 2004 e cujo montante ascende até Janeiro de 2010 a 28.202,40 €, quantia que actualizada até à presente data com base no índice de preços no consumidor ascende ao valor de 31.344,14 €, que reclama;
E. Pagar-lhe mensalmente a partir do termo do cálculo efectuado em D) o Subsidio Especial de Função no montante estipulado pela empresa para os trabalhadores da categoria profissional do A., uma vez que o mesmo é parte integrante do seu estatuto remuneratório.
F. Pagar-lhe em conformidade com o que já lhe foi atribuído segundo o seu estatuto remuneratório o montante correspondente ao beneficio de utilização do cartão de crédito que a R. lhe retirou desde Janeiro de 1996 e cujo montante calculado até Dezembro de 2004 ascende a 25.348,40 €, quantia que actualizada até à presente data com base no índice de preços no consumidor ascende ao valor de 38.668,98 €, que reclama;
G. Reconhecer que o A. em conformidade como seu estatuto remuneratório tem direito à utilização de Veículo de Utilização Permanente e plafond de combustível/mês;
H. Pagar-lhe de acordo com o seu estatuto remuneratório a quantia correspondente aos meses de Abril de 2009 a Janeiro de 2010 equivalente à renda mensal do VUP e combustível retirados ao A., no valor da renda de 500 € /mês mais IVA à taxa legal de 20% e o valor de 100 litros de gasóleo /mês, o que perfaz o montante de 7.134,00 € (713,40 € X 10 meses);
I. Pagar-lhe o montante que se vier a vencer mensalmente a partir de Janeiro de 2010 até à altura em que a R. atribuir novamente ao A. o VUP e o combustível, montante que por não se poder determinar se relega a sua liquidação para execução de sentença;
J. Pagar-lhe a título de indemnização pelo dano não patrimonial que lhe tem infligido com o seu comportamento discriminatório e ilegal a quantia de 70.000,00 €; e
K. Pagar-lhe juros de mora à taxa legal sobre as quantias supra determinadas desde a citação e até efectivo pagamento, com custas e procuradoria.
Alega, para tanto, e em síntese: ter sido admitido ao serviço da Ré em 1981 e que, até 1994, a sua carreira profissional evoluiu naturalmente, chegando a Director Comercial Norte nível 8 (cargo que ocupou entre 1992 e 1994); que, fruto de uma reestruturação da empresa, no início de 1994 foi encerrada a sede da Direcção Comercial do Norte em Braga, pelo que ao Autor foi proposto que passasse a exercer funções no Porto como Gestor de Redes (cargo de nível inferior – Chefe de Divisão, nível 6), o que aceitou dada a garantia de manutenção do seu nível interno e estatuto remuneratório, nomeadamente, vencimento, uso de telemóvel, Veículo de Uso Permanente (VUP) e cartão de crédito no montante de 230,44 €/mês; que posteriormente, em Outubro de 1995, foi-lhe proposto o desempenho de função de Responsável de Rede (RAD) em Braga, o que recusou por se tratar de novo retrocesso na sua carreira profissional; que esta recusa teve por parte da Ré uma retaliação, pois não foi nomeado para qualquer outro cargo e foram-lhe retirados o VUP (veículo de utilização pessoal), o cartão de crédito, o telemóvel e até um subsídio de telefone residencial (que era atribuído por razões de não absentismo), mantendo apenas o seu vencimento; que apenas em Março de 1996 foi novamente convidado para ocupar o cargo de Responsável dos Transportes Postais do Norte, altura em que lhe foram novamente atribuídos o VUP e telemóvel, mas não o cartão de crédito; que se manteve-se neste cargo até 2004, tendo então passado a exercer funções como Gestor de Projectos na expectativa de que o seu estatuto remuneratório não seria afectado com esta mudança e assim manteria o SEF, o VUP e telemóvel, mas sem que lhe fosse reposta a utilização de cartão de crédito que lhe havia sido indevidamente retirado já em 1995; que no entanto, contra tais expectativas, foi-lhe retirado o subsídio especial de função (SEF), no montante de € 391,70, que já fazia parte integrante da sua retribuição e que foi mantido a outros seus colegas em situação idêntica, entendendo o Autor que se tratou de uma afronta pessoal e uma discriminação remuneratória; que também não lhe foi atribuída qualquer função durante quase um ano e, apesar de ter integrado em Outubro de 2005 o Grupo de Trabalho do Empreendimento da Maia (GTEM), desde Dezembro desse mesmo ano até ao dia de hoje que não lhe é atribuída qualquer função neste ou noutros projectos, limitando-se a deslocar-se da sua residência para Vila Nova de Gaia para ler correio electrónico e informação disponível no site do C....., pois está-lhe vedado pela Ré o acesso a qualquer outra informação e o exercício de qualquer função compatível com a sua categoria profissional. Conclui que esta situação por si vivida deste 1995 constitui uma discriminação e desprezo completos, não tendo a Ré vindo a permitir que o Autor progrida na sua carreira profissional e que o seu vencimento seja actualizado com igualdade de oportunidades dos seus colegas de trabalho mas, pelo contrário, desde 1996 que a Ré lhe tem vindo a retirar várias regalias integrantes do seu estatuto remuneratório e a impedi-lo de exercer funções compatíveis com as suas competências, com o intuito de que o Autor venha a pedir a aposentação antecipada. Qualifica, a final, o comportamento da Ré como um claro assédio moral (mobbing estratégico), caracterizado por uma sistemática desqualificação e desrespeito a que o tem submetido, pelo menos desde 1995 e com maior relevância em 2009, situação que lhe vem causando humilhação do ponto de vista pessoal e profissional que deverá ser compensada mediante o pagamento da indemnização peticionada a título de danos de natureza não patrimonial.
Na contestação apresentada (fls. 135 e ss.) a R. impugnou a alegada retirada de regalias e invocou, em suma: que os cargos de Director Comercial Norte (1992), Gestor de Redes (1994), Responsável pelo Centro de Transportes do Norte (1996) e Gestor de Projectos (2004) foram exercidos pelo Autor em comissão de serviço e, logo que cessaram, o Autor regressou sempre ao estatuto remuneratório correspondente à sua categoria e função; que o subsídio especial de função veio substituir a atribuição de cartões de crédito, tendo sido atribuído ao Autor em Março de 2001 enquanto no desempenho do cargo de Responsável pelo Centro de Transportes do Norte (TPN) e fazendo cessar o subsídio de chefia que vinha auferindo; que quando o Autor foi exonerado destas funções, cessou naturalmente a atribuição do SEF que não ficou a fazer parte das regalias inerentes às novas funções, por se revestirem de menor complexidade e responsabilidade e não por qualquer retaliação. Impugnou, igualmente, a alegada ausência de funções atribuídas ao Autor, já que em Novembro de 2004 o mesmo foi nomeado para a gestão de dois projectos (com total autonomia técnica para determinar os passos a seguir de forma a cumprir os objectivos determinados) e, mais recentemente (em Junho de 2009), foi convocado para a atribuição de um novo projecto, que o mesmo não abraçou de forma voluntariosa. Negou, por fim, a existência de mobbing, a sua responsabilidade pela ocorrência de danos de natureza patrimonial e a invocada situação de discriminação, uma vez que o estatuto remuneratório é devido pelo exercício de determinados cargos e não em face da categoria profissional e considerando que os colegas de trabalho do Autor tiveram percursos profissionais distintos, não podendo ser comparados entre si, pelo que pede a sua absolvição do pedido.
O autor apresentou a resposta de fls. 207-208.
Foi proferido despacho saneador (fls. 214-215) em que se dispensou a selecção dos factos assentes e base instrutória.
Procedeu-se ao julgamento, tendo-se seguidamente proferido despacho que decidiu a matéria de facto controvertida, (fls. 527), a qual foi objecto de reclamação, objecto de despacho de indeferimento (fls. 545).
Foi em 28 de Agosto de 2012 proferida sentença (fls. 549 e ss.), a qual terminou com o seguinte dispositivo:
«Pelo exposto, decide-se julgar parcialmente procedente a presente acção e, em consequência:
A) condenar a Ré a:
- integrar o Autor no desempenho de funções efectivas, como Gestor de Projectos na área das OPE, enquanto subsistir a respectiva comissão de serviço;
- reconhecer que o Autor tem direito à utilização de veículo de utilização permanente e plafond mensal de combustível, enquanto desempenhar as funções de Gestor de Projectos na área das OPE, em comissão de serviço;
- pagar ao Autor a quantia de € 20.500,00 correspondente a parte do valor das rendas respeitantes ao período de Abril de 2009 a Agosto de 2012 (inclusive), no valor mensal de € 500,00, quantia à qual acresce a importância referente ao I.V.A. à taxa legal e aos juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação (apenas quanto aos montantes vencidos até à propositura da acção) e desde o vencimento de cada uma das quantias parcelares (quanto aos restantes montantes vincendos desde a citação no valor mensal de € 500,00 + IVA) até integral pagamento;
- pagar ao Autor o montante correspondente ao valor das rendas que se vencerem a partir de Setembro de 2012 (no valor mensal de € 500,00 + IVA) até à altura em que a Ré lhe atribuir novamente o VUP, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde o vencimento de cada um dos referidos valores mensais até integral pagamento; e
- pagar ao Autor o montante relativo ao plafond mensal de combustível retirado ao Autor desde Abril de 2009 até à altura em que a Ré lhe atribuir novamente o plafond de combustível, acrescido de juros de mora, à taxa de 4%, desde a citação até integral pagamento, a liquidar em execução de sentença.
B) absolver a Ré do restante pedido.
Custas pelo autor e pela Ré, na proporção do respectivo decaimento (art. 446º nºs 1 e 2 do C.P.C.), considerando para este efeito que o Autor decaiu em 19/20 do pedido.»
1.2. A Ré, inconformada interpôs recurso desta decisão e terminou as suas alegações com as seguintes conclusões:
“A - O facto de a regulamentação sobre VUP (retribuição em espécie ter data posterior (2005) relativamente à data do despacho de nomeação para o cargo de gestor de projectos OPE (2004) nào significa que o poder de direcção do empregador pudesse definir as condições de atribuição e uso de viatura pessoal.
B - Ao não renovar o contrato de utilização da viatura (VUP) porque não foi proposta pela respectiva chefia a atribuição de nova VUP, após o contrato de leasing caducar, como seria exigível face ordens de serviço que regulamentam a atribuição deste tipo de viaturas aos tulares de cargos, a Recorrente não diminuiu a retribuição do A.
C - Em conformidade, o A deixou de possuir VUP desde essa data, mas contrariamente ao que foi decidido na Douta Sentença, essa possibilidade estava prevista quer na regulamentaç!o interna transcrita, quer no próprio contrato de utilização e reitera-se no poder de direcção do empregador, face à natureza precária da retribuição em causa.
D - Em face do exposto, não se pode falar de violação do princípio da irredutibilidade da retribuição, já que as regras inerentes à utilização daquela retribuição em espécie estavam definidas e eram do conhecimento do Recorrido em momento anterior ao contrato utilização da VUP, como se demonstrou.
E - Sucede que o despacho de nomeaçào, em que a Douta sentença fixa o estatuto remuneratório, apenas dispõe que o Recorrido tem direito a uma VUP com um valor de renda determinado e um "plafond" de combustível.
F - Mas isso não significa que a atribuição dessa viatura não esteja, ela mesma, sujeita às regulamentações internas posteriores, que se int:egrem no poder de direcção do empregadora que regulamentem as condições particulares de uso e atribuição da viatura de serviço
G - Ao decidir como decidiu a Douta Sentença violou o art. 129.° n.º 1 d) do CT 2009 e 28O°, n.º 1 e 289º, n.º 1 do CC ("a contrario").
Ainda que assim se não entenda,
H - A sentença posta em crise condenou a Recorrente no pagamento de uma parcela retributiva em especie que, quando cessou, se "transformou" num valor monetário.
I - Nos termos do Artigo 259º CT (Retríbuição em espécle) "1. A prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região. 2. O valor das prestacões retributivas hão pecuniárias não pode exceder o da parte em dinheiro, salvo o disposto em instrumento de regulamentaçâocolectiva de trabalho."
J - Ora, o trabalhador, ora Recorrido, nem sequer alegou qual o benefício económico que lhe adveio em virtude do uso pessoal da viatura que lhe foi atribuída.
L - Ou seja, o valor a considerar é o valor de uso pessoal.
M - Na ausência de factos alegadoe e provados pelo Recorrente, tal condenação, à semelhança do que sucedeu com a condenação relativa ao "plafond de combustivel" deveria ser remetida para liquidação de sentença, o que se requer.
N - Ao decidir como decidiu, a Douta Decisão violou o art.º 259º do CT de 2009 e deve ser substituida por outra que remeta esse valor para liquidação de sentença.”
1.3. Também o A. interpôs recurso de apelação da sentença final.
Concluiu do seguinte modo:
“1. Da prova produzida em sede de audiência de discussão e julgamento, impunha-se decisão diferente a vários pontos da matéria de facto.
2. O tribunal a quo deveria ter dado outra resposta à matéria de facto constante dos pontos 6, 14, 17, 47 e 55 da resposta á matéria de facto, nos termos supra expostos, atenta a prova constante dos autos.
3. Os factos constantes dos artigos 10º, 15º e 143º da Petição inicial e artigo 7º da resposta devem ser considerandos como provados na sua totalidade, em face dos depoimentos das testemunhas supra transcritos.
4. A atribuição de cartão de crédito a quadros superiores dos C....., como é o caso do aqui Recorrente cuja categoria profissional é Quadro Superior Sénior - nível 8, foi substituída pela criação e atribuição de um SEF, em 31- 07-1999, por forma a respeitar as normas fiscais em vigor.
5. O Recorrente foi obrigado pela Recorrida, em Outubro de 2005, a assinar o acordo referido no ponto 47 da resposta à matéria de facto, o que fez apenas para não lhe ser retirado o VUP.
6. As atitudes e comportamentos da Recorrida causaram ao Recorrente danos muito para além dos factos descritos no ponto 55 da resposta á matéria de facto.
7. As atitudes e comportamentos da Recorrida para com o Recorrente, descritas nos pontos 4, 5, 7, 8, 12, 13, 18, 19, 20, 21, 22, 24, 25, 26, 27, 29, 30, 31, 32, 33, 34, 35, 36, 38, 39, 40, 43, 44, 45, 49, 50, 51, 52 e 53 da resposta á matéria de facto, provocaram no Recorrente para além de um sentimento de revolta e indignação, uma enorme tristeza e sentimento de humilhação e angustia que abalaram profundamente a sua auto-estima e brio profissional, afectando a sua vida profissional, pessoal, familiar e social.
8. É juridicamente notório o facto de que, um trabalhador altamente qualificado, que pertence ao quadro superior de uma empresa, a quem não é atribuída qualquer tarefa, a quem é vedada toda a informação acerca dos projectos em que supostamente deveria estar envolvido, que é completamente isolado e posto à parte dos seu colegas de trabalho, a quem não obstante as inúmeras cartas/reclamações efectuadas pelo trabalhador se limita a obter como resposta um silêncio absoluto, situação que perdura no tempo há pelo menos sete anos, sairá profundamente abalado no seu brio e dignidade profissional, triste, humilhado e angustiado por tais comportamentos.
9. As condutas da Recorrida provocaram no Recorrente uma profunda humilhação, vergonha, tristeza, angústia e sofrimento.
10. O “Mobbing” é um conjunto de atitudes que devem ser vistas como um processo com um determinado objectivo e só pode ser compreendida a sua verdadeira dimensão quando visto como um todo.
11. O Recorrente tem sido alvo de uma constante discriminação e ostracização por parte da Recorrida, tendo sido votado ao esquecimento, o que o impede de progredir da mesma forma que os seus colegas de trabalho, quer a nível de exercício de determinados cargos, quer a nível de estatuto remuneratório, tornando-o “diferente entre os seus pares”, entenda-se colegas de trabalho.
12. O Recorrente até à reestruturação da Recorrida, ocorrida em 1994, teve uma progressão normal na sua carreira de acordo com as suas habilitações e competências técnicas, contudo, desde pelo menos o ano de 1995, e com mais incidência desde 2005, que a sua carreira profissional se encontra estagnada, sem que, para tal, exista qualquer motivo justificativo por parte da Recorrida, tudo com gravíssimos prejuízos patrimoniais e não patrimoniais.
13. A recorrida tem alterado a remuneração do Recorrente de forma ilegal e sem qualquer fundamento.
14. O Recorrente, já antes de ser transferido para as instalações da Recorrida no Porto, tinha como parte integrante da sua retribuição, um veículo de utilização permanente (VUP), plafond de cartão de crédito e telemóvel, tendo, a Recorrida retirado tais complementos ao Recorrente de forma totalmente arbitrária.
15. A intencionalidade em prejudicar e vexar o Recorrente torna-se ainda mais evidente quando em Março de 2009, o Gestor de Frota informa o Recorrente que “deveria proceder á entrega do seu veículo automóvel, VUP, sem lhe ter sido assegurada a entrega de um outro veículo para a sua substituição”.
16. O Recorrente, tem sido impedido pela Recorrida de progredir normalmente na sua carreira, não lhe sendo facultadas as mesmas oportunidades que são dadas aos seus colegas de trabalho identificados nos pontos 51 e 52 da resposta á matéria de facto, sendo por isso objecto de discriminação.
17. Resulta demonstrado pelos documentos juntos aos autos pela recorrida que os trabalhadores identificados no ponto 51 da resposta á matéria de facto, que em 1992 eram Directores Comerciais tal como o recorrente, têm actualmente uma remuneração muito superior à do Recorrente.
18. Os trabalhadores identificados no ponto 52 da resposta á matéria de facto, admitidos em 2002 ou 2003, começaram logo no exercício das suas funções com vencimentos muito superiores ao do Recorrente, apesar de se encontrarem num nível hierárquico muito inferior ao do recorrente.
19. O Recorrente encontra-se sem exercer funções há cerca de 7 anos, ou seja, desde Janeiro de 2005 até à presente data que não lhe é dada qualquer tarefa para executar; está-lhe vedada a participação em reuniões do grupo de trabalho; não tem acesso a qualquer informação ou conteúdos; é completamente ignorado pelos seus superiores; já não é avaliado desde 2003.
20. O Recorrente limita-se a deslocar diariamente de Braga, onde reside, para o seu local de trabalho, no Porto, e é como se não existisse dentro da estrutura da Recorrida, encontrando-se completamente isolado de toda a actividade daquela.
21. O Recorrente, remeteu inúmeras comunicações aos seus superiores hierárquicos, demonstrando a sua disponibilidade e empenho em trabalhar e nunca obteve por parte da Recorrente qualquer resposta, continuando pura e simplesmente a ser ignorado por esta.
22. As atitudes da Recorrida não são inocentes, nem se devem a mera distracção, pois, não obstante diversas vezes confrontada com a vontade e disponibilidade do Recorrente para trabalhar, nunca lhe respondeu ou deu qualquer tarefa ou função para executar.
23. A conduta omissiva e activa da Recorrida é ostensivamente discriminatória e reveste intuitos vexatórios e humilhantes, ignorando pura e simplesmente o Recorrido, atingindo-o no seu brio profissional e dignidade.
24. Ao não atentar nas normas especificas quanto à repartição do ónus da prova, o que feito pelo tribunal a quo na douta sentença em crise, a mesma tem efeito perverso de colocar o Recorrente na quase impossibilidade de conseguir provar que está a ser objecto de discriminação por parte da entidade patronal quando comparado com os seu colegas de trabalho, o que é inaceitável e viola as disposições legais estabelecidas no citado artº 25º do CT.
25. Estando demonstrado nos autos que a Recorrida desde Janeiro de 2005 não atribui qualquer tarefa ou função ao Recorrente, sem se verificar a existência de qualquer causa objectiva ou interesse legitimo que justifique a colocação do Recorrente em inactividade, tal comportamento assume forçosamente uma natureza discriminatória relativamente aos seus colegas de trabalho.
26. Os comportamentos ilícitos da Recorrida para com o Recorrente, causaram-lhe graves prejuízos patrimoniais, traduzidos numa falta de progressão da sua retribuição, prémios e complementos salariais, bem como coarctaram ao Recorrente a possibilidade de se encontrar nos dias de hoje com um estatuto remuneratório idêntico ao dos seus colegas de trabalho, identificados no ponto 51 da resposta à matéria de facto.
27. A Recorrida deve ser condenada a reparar os danos patrimoniais que causou com a sua conduta ilícita, devendo proceder à actualização do vencimento e respectivos complementos do Recorrente em termos equivalentes ao dos seus colegas de trabalho identificados no ponto 51 da resposta á matéria de facto, atribuir o VUP e SEF, por fazerem parte integrante da sua remuneração.
28. Para além, dos prejuízos patrimoniais, o comportamento da Recorrida foi causa adequada e directa de prejuízos não patrimoniais que causaram ao recorrente uma grande revolta, indignação, tristeza e humilhação, que lhe perturbaram a paz interior, afectando-lhe a sua via profissional, pessoal, familiar e social, pelo que, deve a Recorrida ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos morais em montante nunca inferior a €: 70.000,00.
29. A douta decisão impugnada não pode manter-se, pois violou entre outros, o disposto nos artºs 24º, 25º, 28º, 29º, do Código do Trabalho e o artº 712º do CPC, fazendo uma interpretação e aplicação incorrecta dos preceitos em apreço.”
1.4. O A. respondeu ainda à alegação da R., pugnando pela improcedência do recurso por esta interposto. Concluiu a sua alegação do seguinte modo:
“1. O Recorrido já desde o ano de 1987, possuía, como fazendo parte integrante da sua retribuição e do estatuto remuneratório, o VUP, tendo posteriormente, sido atribuído ao Recorrido, cartão de crédito e telemóvel.
2. A utilização do VUP encontra-se integrada no estatuto remuneratório do Recorrido e nada tem a ver com as funções que desempenhava, mas sim com o facto de o Recorrido ter atingido o nível de Quadro Superior dentro da estrutura da Recorrente.
3. Com a nomeação do Recorrido como Gestor de Projectos (OPE), em 2004, cargo que ainda hoje mantém, foi decidido pelo Conselho de Administração manter o seu estatuto remuneratório, no qual se encontrava já integrado a atribuição do VUP ( cfr. pontos 18 e 19 dos factos provados);
4. A Recorrente reconhece que atribuição de VUP era uma retribuição em espécie, quando faz o seu enquadramento jurídico nos termos definidos no artº 24º, nº 5 do Código do IRS, pois, a sua utilização era fiscalmente tributada e o Recorrido pagava o correspondente IRS por esta retribuição. – cfr documentos 1 a 6 a fls 279 a 484 dos autos (remetidos via CITIUS com o Requerimento ref.ª 10159607).
5. A retirada da utilização do VUP efectuada pela Recorrente em 2009 configura manifestamente uma redução da retribuição atribuída ao Recorrido.
6. O direito do Recorrido à utilização do VUP não pode estar sujeito a regulamentações internas aprovadas vários anos após a sua atribuição, pois, se assim fosse de nada valeria a consagração do principio da irredutibilidade da retribuição plasmada no artº 129º alínea d) no CT, caso fosse possível à Entidade Patronal – Recorrente - alterar a seu bel prazer a retribuição, bastando-lhe para tal emanar uma nova norma/regulamento interno.
7. A retirada do direito de utilização do VUP pela Recorrente ao Recorrido não é legitimada, pelo acordo do trabalhador mencionado no ponto 47 dos factos provados, não só atento o carácter irrenunciável do direito á retribuição durante a vigência do contrato de trabalho, mas também, porque referido acordo não foi assinado pelo Recorrido de forma livre e espontânea, nem tão pouco corresponde à vontade deste.
8. O Recorrido não aderiu de forma voluntária a qualquer regulamentação de VUP, antes, pelo contrário, foi obrigado ou coagido a assinar a declaração em causa, sob pena de lhe ser retirada a viatura.
9. As ordens de serviço da Recorrente referidas no ponto 46 dos factos provados, bem como, o acordo/declaração de aceitação constante do ponto 47 dos factos provados, são nulas e de nenhum efeito, nos termos do disposto nos artº 280º, nº 1 e 289, nº 1 do Código Civil, pelo que, a retirada do VUP, bem como do plafond de combustível ao Recorrido, configura uma manifesta violação do principio da irredutibilidade da sua retribuição, devendo manter-se a condenação da Recorrente.
10. No que respeita à atribuição de valor quanto ao plafond de combustível, o mesmo foi relegado para execução de sentença, não se encontrando pois atribuído qualquer valor em concreto, pelo que, inexiste qualquer erro no seu cálculo.
11. Conforme consta do ponto 28 dos factos provados, por deliberação do Conselho de Administração da Recorrente foi atribuído ao Recorrido uma viatura de utilização permanente (VUP), com o valor de renda mensal de €: 500,00, acrescido de IVA, e corresponde a uma viatura do tipo V3;
12. O valor de renda mensal de €: 500,00 acrescido de IVA corresponde ao valor que a própria Recorrente atribui a título de retribuição em espécie ao Recorrido, valor este que serve de base à tributação fiscal.
13. Com a retirada por parte da Recorrente da utilização do VUP ao Recorrido, aquela retira à retribuição deste último o correspondente à quantia mensal de €: 500,00 + IVA, devendo assim manter-se na integra a condenação da Recorrente nos exactos termos em que consta da douta sentença em mérito.”
1.5. Os recursos foram admitidos por despacho de fls. 613.
1.6. Recebidos os autos neste Tribunal da Relação, a Exma. Procuradora-Geral Adjunta pronunciou-se em douto Parecer no sentido de se negar provimento ao recurso interposto pela R. e de se conceder parcial provimento ao recurso do autor, alterando-se o facto 6.º, mas mantendo-se no mais o decidido.
As partes não se pronunciaram quanto a tal Parecer.
Colhidos os “vistos” e realizada a Conferência, cumpre decidir.
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2. Objecto do recurso
Sendo o âmbito do recurso delimitado pelas conclusões dos recorrentes – artigo 684.º, n.º 3 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 87.º, n.º 1, do Código de Processo do Trabalho – as questões que incumbe enfrentar são, por ordem lógica da sua apreciação, as seguintes:
1.ª – da impugnação da decisão de facto no que diz respeito:
● aos pontos 6., 14., 17., 47. e 55. da resposta á matéria de facto,
● aos artigos 10.º, 15.º e 143.º da petição inicial e
● ao artigo 7.º da resposta à contestação (recurso do A.);
2.ª – saber se o A. foi discriminado na progressão da sua carreira relativamente aos seus colegas de trabalho identificados no ponto 51. da matéria de facto e se a R. deve ser condenada a proceder à actualização do vencimento e complementos salariais do A. em termos equivalentes aqueles, o que implica a análise da questão da repartição do ónus da prova nesta matéria (recurso do A.);
3.ª – saber se o VUP (veículo de utilização permanente) e o SEF (subsídio especial de função) fazem parte integrante da retribuição do A. (recurso do A.);
4.ª – saber se se verificou violação do princípio da irredutibilidade da retribuição com a retirada, em Março de 2009, do veículo de utilização permanente (VUP) e plafond de combustível atribuídos ao autor (recurso da R.);
5.ª – saber se é possível determinar o benefício económico em que o VUP, enquanto retribuição em espécie, se traduz (valor de uso pessoal), ou se não é possível e a condenação deveria ter sido relegada para liquidação de sentença (recurso da R.);
6.ª – saber se a R exerceu mobbing sobre o A (recurso do A.);
7.ª – da indemnização por danos não patrimoniais (recurso do A.).
É de notar que a R. não questiona a decisão recorrida na parte em que é condenada a integrar o A. “no desempenho efectivo de funções efectivas, como Gestor de Projectos na área das OPE, enquanto subsistir a respectiva comissão de serviço”, pelo que igualmente acata o fundamento desta condenação, o qual consistiu na afirmação de que a R. violou o dever de ocupação efectiva do A. que, desde que foi nomeado “Gestor de Projectos (OPE)”, em regime de comissão de serviço, em Novembro de 2004, apenas realizou quatro reuniões de trabalho com a equipa de projectos da Maia (em Novembro e Dezembro de 2005) e elaborou, juntamente com a equipa que integra, uma proposta que não obteve qualquer resposta por parte do Conselho de Administração, limitando-se desde então a deslocar-se da sua residência para V. N. de Gaia para ler alguns e-mails, correios online e informação disponível no site dos C......
Segundo a sentença recorrida, que neste segmento foi acatada, ao proceder da forma descrita, “a Ré adoptou um comportamento expressamente proibido pela lei ordinária e constitucional, violando o direito do Autor à prestação efectiva de trabalho”. E, ponderando que o Autor se encontra nomeado, em regime de comissão de serviço, como Gestor de Projectos na área das OPE, devendo as funções efectivas a desenvolver por si enquadrar-se nesta categoria e área de actividade, enquanto não cessar a comissão de serviço (já que a atribuição de funções específicas é da estrita iniciativa da Ré, não podendo o Tribunal substituir-se àquela, dado que não se encontram legalmente delimitadas as competências de um “Gestor de Projectos na área das OPE”), veio a condenar a Ré a integrar o Autor no desempenho de funções efectivas, como Gestor de Projectos na área das OPE, enquanto subsistir a comissão de serviço em questão.
É de notar, também, que o autor não questionou a validade e vigência das sucessivas nomeações em regime de comissão de serviço que ocorreram para o exercício das funções de que foi incumbido[1], fundando o seu alegado direito ao VUP e ao SEF na circunstância de não serem devidos como contrapartida daqueles exercícios de funções em comissão de serviço, mas por já anteriormente fazerem parte integrante da sua remuneração (o VUP desde 1987 e o SEF porque se destinou a substituir o cartão de crédito de que já anteriormente beneficiava) e por ter o A. atingido o nível de Quadro Superior dentro da estrutura da R..
Encontram-se pois fora do horizonte cognitivo deste tribunal as questões da violação do direito de ocupação efectiva do autor desde o ano de 2005 e da validade e vigência das sucessivas comissões de serviço de serviço que o autor desempenhou, e ainda desempenha (desta feita como Gestor de Projectos na área das OPE), ao serviço da R. – cfr. o artigo 684.º, n.º 4 do Código de Processo Civil aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho.
Precisadas as questões sobre que incide controvérsia, prossigamos na análise do recurso.
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3. Fundamentação de facto
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3.1. Da impugnação da decisão de facto
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3.2.1. Como se deduz das conclusões e do corpo das alegações, o A. impugna a decisão de facto fixada na 1.ª instância no que diz respeito:
■ aos pontos 6., 14., 17., 47. e 55. da resposta à matéria de facto;
■ aos artigos 10.º, 15.º e 143.º da petição inicial e
■ ao artigo 7.º da resposta à contestação.
Na reapreciação da decisão de facto pelo Tribunal da Relação, no âmbito dos poderes conferidos pelo artigo 712.º do Código de Processo Civil, o que é proposto ao tribunal de segunda instância não é que proceda a um novo julgamento – desprezando o juízo formulado na primeira instância sobre as provas produzidas e a expressão do processo lógico que conduziu à pronúncia sobre a demonstração (ou não) dos factos ajuizados –, mas que, no uso dos poderes próprios de tribunal de recurso, averigúe – analisando as provas gravadas e examinando a decisão da primeira instância e respectivos fundamentos, e procedendo ao confronto do resultado daquela análise com esta decisão e fundamentos – se o veredicto alcançado pelo tribunal recorrido quanto aos concretos pontos impugnados assentou num erro de julgamento.
Importando sempre ter presente, ao apreciar-se o processo de formação da convicção do julgador, tudo aquilo que a imediação em 1.ª instância dá e o julgamento da Relação não permite: por exemplo o que, em matéria de valorização de testemunhos pessoais, deriva de reacções do próprio ou de outros, hesitações, pausas, gestos, expressões faciais, enfim, das particularidades de todo um evento que é impossível reproduzir (vide o Acórdão do STJ de 2008.04.24, Recurso n.º 3057/06, sumariado in www.stj.pt) e no qual não é possível interferir, vg. com a formulação de perguntas que se considerem pertinentes.
Assim, tendo em consideração que constam do processo todos os elementos de prova que serviram de base à decisão sobre os referidos pontos da matéria de facto, por terem sido gravados os meios de prova oralmente produzidos perante o tribunal a quo [cfr. o artigo 712.º, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil], conhecer-se-á do recurso interposto apreciando-se a argumentação do recorrente no sentido de ser alterada a decisão que ficou a constar dos assinalados pontos da matéria de facto.
O que deverá ocorrer sem prejuízo, ainda, sendo caso disso, dos poderes oficiosos de que o Tribunal da Relação dispõe para alterar a matéria de facto com base no disposto no n.º 4 do artigo 646.º e na alínea b) do artigo 712.º, n.º 1, ambos do Código de Processo Civil por força de regras de direito probatório material (com a necessária observância dos limites que emergem dos artigos 664.º e 684.º, n.º 4 do mesmo diploma legal)[2].
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3.2.2. No despacho em que decidiu a matéria de facto, após a realização do julgamento o tribunal recorrido consignou, para expressar a sua motivação quanto às respostas aos quesitos, o seguinte:
«A matéria de facto provada supra elencada teve por base, em primeiro lugar, o acordo das partes decorrente das respectivas posições assumidas nos articulados, nomeadamente no tocante ao essencial do percurso profissional do Autor e a grande parte das vicissitudes da execução do contrato de trabalho (centrando-se muito do litígio numa interpretação distinta dos factos ocorridos nestes mais de trinta anos de relação laboral, com especial incidência para o período posterior a 2004).
Determinante para a factualidade dada como provada foi, ainda, o vasto acervo documental junto aos autos por ambas as partes, com especial destaque para os vários despachos e ordens de serviço do Conselho de Administração da Ré respeitantes a nomeações em comissão de serviço, à atribuição de veículos de utilização permanente e de serviços gerais, de cartão de crédito da empresa, de telefone residencial subsidiado, telemóvel e subsídio especial de função.
Toda a correspondência remetida pelo Autor à Ré também foi dada como provada com base na inerente documentação constante dos autos.
O trajecto profissional do Autor foi, ainda, confirmado pelo depoimento das testemunhas D....., E..... e F....., também eles trabalhadores e ex-trabalhadores da Ré. Este último (que foi, tal como o Autor, Director Comercial na Ré) esclareceu, ainda, os pressupostos que presidiam à atribuição e cessação do VUP, do SEF e do cartão de crédito, não tendo porém logrado estabelecer uma equiparação entre o seu percurso profissional, o do Autor e o de outros ex-Directores Comerciais da Ré.
As questões respeitantes ao VUP e ao SEF foram, também, esclarecidas de forma coincidente pelas testemunhas G....., H..... (ex-superiores hierárquicos do Autor), I..... e J....., que depuseram nesta parte com rigor e isenção.
Por sua vez, as testemunhas K..... e L..... (a exercer funções para a Ré no Porto) revelaram conhecimento sobre a actual situação profissional do Autor, nomeadamente a sua inactividade e as consequências pessoais que a mesma acarreta para o Autor (sentindo-se discriminado e subaproveitado) e sobre a (para si) inexplicável admissão de novos funcionários por parte da Ré, com vencimentos superiores.
A situação de inactividade em que se encontra o Autor foi, ainda, confirmada de forma peremptória e inequívoca pelo seu superior hierárquico (desde 2009) M....., não obstante ter interpretado a questão como correspondendo a uma vontade do próprio Autor. Esta sua interpretação, no entanto, não foi considerada plausível e fundada, face à ausência de qualquer procedimento disciplinar por si promovido junto do Conselho de Administração, como superior hierárquico do Autor, que naturalmente se justificaria a verificar-se aquele contexto.
No que respeita aos factos dados como não provados, para além da leitura que pode desde já retirar-se da análise probatória supra descrita (por via directa e, de igual forma, por oposição com a fundamentação dada para os factos provados), naturalmente que a respectiva resposta teve em consideração a absoluta falta de prova produzida em sede de audiência de julgamento quanto aos mesmos.
Em conclusão, o conjunto destes meios de prova (integrado por documentação cuja veracidade não foi colocada em questão e pelos depoimentos supra elencados), analisado livremente pelo tribunal e com recurso às regras de experiência comum, levou o tribunal a responder de forma peremptória no sentido dado à matéria de facto (provada e não provada) supra elencada
Vejamos, pois.
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3.2.3. Quanto ao ponto 6. da matéria de facto
No ponto 6. da matéria de facto o tribunal considerou provado que:
“ 6. Em Outubro de 1995 cessou aquela Comissão de Serviço, tendo a Ré proposto que regressasse a Braga para desempenhar as funções de RAD.”
Invoca o recorrente que a afirmação de que “cessou aquela Comissão de Serviço” deve ser retirada deste ponto da matéria de facto porque não decorre do alegado pelas partes nos seus articulados, nem tão pouco se colhe de qualquer elemento probatório constante dos autos (não há documento que o comprove e não resulta do depoimento de qualquer das testemunhas). Aceitando que em Outubro de 1995 a R. lhe propôs que regressasse a Braga para desempenhar as funções de RAD, alega que tal proposta “não ocorreu por ter cessado a comissão de serviço do Recorrente para exercer as funções de Gestor de Redes, mas sim, porque estava em curso uma nova reestruturação da Recorrida”.
Não podemos reconhecer-lhe razão.
Desde logo, o facto 6. não relata que a proposta feita ao A. em Outubro de 1995 ocorreu por ter cessado a comissão de serviço, nem colide com a afirmação de que a proposta se deveu à reestruturação que estava em curso. Está apenas afirmada a cessação da comissão de serviço naquela ocasião.
Ora, resulta da alegação da R. constante dos artigos 5.º a 7.º da contestação que quando cessaram os cargos que o A. exerceu em comissão de serviço – nos quais inclui o de Gestor de Redes para que foi nomeado em 1 de Fevereiro de 1994 – o A. regressou ao estatuto remuneratório inerente à anterior função e que tal ocorreu, além do mais, quando em 1995 o A. não aceitou ser nomeado para RAD (responsável de área) – vide a contestação (fls. 136-137), o requerimento da sua rectificação (fls. 160) e o despacho que a deferiu (fls. 215).
Trata-se, pois, de um facto alegado.
Além disso, o recorrente não questiona que foi nomeado em Fevereiro de 2004 como Gestor de Redes em comissão de serviço (facto 4.), nem que lhe foi proposto que regressasse a Braga para desempenhar as funções de RAD em Outubro de 1995 (facto 6. na parte não impugnada), e alegou até na petição inicial que esta recusa implicou “surpreendentemente” que não fosse então nomeado para qualquer cargo (artigo 21.º da petição inicial), o que só pode compreender-se se nessa altura cessou a anterior comissão de serviço.
A este propósito, veio a considerar-se provado que “na sequência desta recusa [da proposta em Outubro de 1995 para desempenhar as funções de RAD], o Autor não foi nomeado nessa altura para qualquer outro cargo em comissão de serviço” (facto 7., também não impugnado).
Ora se a recusa ocorreu em Outubro de 1995 e “nessa altura” o A. não foi nomeado para qualquer outro cargo (o que o surpreendeu, segundo diz) em comissão de serviço, alegando ainda o A. que logo em Outubro/Novembro lhe foi proposto que desempenhasse funções na área da Qualidade, ao que anuiu (artigos 26.º e 27.º da petição inicial), resulta das regras da experiência e da normalidade das coisas que “nessa altura” cessaram as suas funções como Gestor de Redes e, se as mesmas eram exercidas em comissão de serviço – como ficou provado sem que fosse questionado – é igualmente inequívoco que cessou concomitantemente a inerente comissão de serviço.
Assim, estando assente que o A. exerceu as funções de Gestor de Redes em comissão de serviço, estando o facto da cessação da comissão de serviço como Gestor de Redes alegado pela R., e resultando da alegação da petição inicial que o A. cessou as funções de Gestor de Redes justamente na altura em causa, impunha-se ao tribunal recorrido, em coerência, tirar a ilação de que em Outubro de 1995 cessou a comissão de serviço que estava em vigor para o exercício daquelas funções (cfr. os artigos 349.º e 351.º do Código Civil).
Como constitui entendimento pacífico, é permitido às instâncias, nas quais se inclui o Tribunal da Relação, extrair ilações (intuir a existência de outros factos através de um raciocínio lógico, enquanto decorrentes, em termos de normalidade e com o apoio nas regras da experiência) de factos que ficaram directamente demonstrados nos autos. Tal poder encontra-se limitado ao factualismo fixado, pelo que as ilações a retirar terão de integrar o seu desenvolvimento lógico[3].
É o que ocorre neste caso. Apesar de inexistir nos autos documento que comprove a cessação da comissão de serviço e de nenhuma testemunha ter afirmado peremptoriamente este facto, é perfeitamente legítima a ilação factual, retirada dos demais factos provados, de que aquela comissão de serviço cessou.
Deve notar-se que, ainda que tal cessação devesse ocorrer de modo formal[4], tal informalidade apenas seria susceptível de acarretar a sua ilicitude (o que nestes autos não foi posto em causa), não deixa de operar a cessação do contrato de comissão de serviço.
Nada justifica, pois, que se altere o ponto 6. da matéria de facto.
3.2.4. Quanto ao ponto 14.da matéria de facto
Este ponto da matéria de facto relata o teor de uma ordem de serviço do Conselho de Administração da R. que se encontra documentada a fls. 169. Com base em tal documento junto pela R. com a sua contestação, considerou o Tribunal a quo como provado que:
«14. Em 29/7/1999 o Conselho de Administração da Ré emitiu uma ordem de serviço com o seguinte teor:
“1 - Cessar a atribuição da utilização de cartões de crédito a Quadros Superiores que exerçam determinadas funções técnicas, de chefia ou de direcção, a partir de 1 de Agosto de 1999 inclusive.”
“2 – Criar um subsídio especial de função (SEF) que vise substituir os anteriores plafonds de crédito, (…)”.»
Defende o recorrente que deste facto constem também as razões que levaram à emissão da ordem de serviço e o seu número 3., que complementa os números 1. e 2.
O Tribunal da Relação deve tomar em consideração os factos plenamente provados por documento que não constem da matéria dada como provada pela 1.ª instância, se relevantes para a decisão do pleito uma vez que, nos termos do artigo 713.º, n.º 2 do Código de Processo Civil, se aplicam ao acórdão da Relação as regras prescritas para a elaboração da sentença, entre as quais o artigo 659.º, n.º 3, por força do qual o juiz deve tomar em consideração na fundamentação os factos admitidos por acordo e os provados por documento ou confissão reduzida a escrito.
Assim, tendo em consideração que o modo como está redigido este ponto da matéria de facto é equívoco e visto, ainda, o que estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º, do CPC, altera-se o facto 14. de modo a que o mesmo espelhe de modo mais completo o que consta da ordem de serviço junta a fls. 169, ficando o mesmo a ter o seguinte teor:
«14. Em 29/7/1999 o Conselho de Administração da Ré emitiu uma ordem de serviço com o seguinte teor:
“Tendo em conta as questões levantadas sobre a conformidade com as normas fiscais em vigor, da atribuição de cartão de crédito a Quadros Superiores do C....., o Conselho de Administração, na sua reunião de hoje, deliberou:
1 - Cessar a atribuição da utilização de cartões de crédito a Quadros Superiores que exerçam determinadas funções técnicas, de chefia ou de direcção, a partir de 1 de Agosto de 1999 inclusive.
“2 – Criar um subsídio especial de função (SEF) que vise substituir os anteriores plafonds de crédito, (…)”
3 – O Subsidio Especial de Funções estabelecido no nº 2 será pago anualmente 14 vezes.”»
3.2.5. Quanto ao ponto 17. da matéria de facto
Este ponto da matéria de facto relata parcialmente o teor de um outro documento constante dos autos, intitulado ordem de serviço, que se encontra a fls. 172-173. Em conformidade com tal documento, junto pela R. com a sua contestação, considerou o Tribunal a quo como provado que:
«17. Através da ordem de serviço n.º OS001396CA, o Conselho de Administração da Ré estabeleceu o seguinte:
“ 1.1 É criada uma modalidade de compensação remuneratória individual com a designação de SEF (subsídio especial de função), destinada a contemplar, com carácter de transitoriedade o desempenho de funções que se revistam de especial complexidade, incomodidade, ou grau de exigência técnica ou de gestão (…).”
“1.2 – O subsídio Especial de Função, que não integra a remuneração-base do trabalhador (sublinhado nosso).”
“1.3 – Dos despachos de concessão individual desse subsídio deverão constar, expressamente, a indicação e as características das funções que lhe estejam na origem, bem como a referência à transitoriedade da sua atribuição, circunscrita ao período de exercício efectivo daquelas funções.”»
Alega o recorrente que o facto em causa deve ser eliminado pois este documento (nº 6 junto com a contestação) é contraditório com o documento nº 3 junto pela Ré pois ou se entende que o SEF foi criado pela ordem de serviço proferida em 1999 – ponto 14 da resposta à matéria de facto – ou se entende que o referido SEF foi criado no ano 1996-05-01, pela ordem de serviço nº OS001396CA. E alega também que este documento datado de 1996 não merece qualquer credibilidade, pois não se mostra assinado pelo presidente do Conselho de Administração ou carimbado, tem uma grafia diferente dos restantes despachos do CA e tenta instituir a criação do SEF no ano de 1996.
Analisado o documento de fls. 172-173, verifica-se que o mesmo não contém uma assinatura autógrafa, embora nele se identifique a pessoa que, como Presidente do Conselho de Administração, o terá subscrito. Tratar-se-á de uma impressão de um documento (e não da cópia de uma ordem de serviço p. dita), mas não está o tribunal impedido de o apreciar, valorizando-o segundo a sua livre convicção.
Com efeito, “os documentos escritos a que falte algum dos requisitos legais não são destituídos de todo o valor probatório. É o que acontece, por ex., com um documento não assinado ou com uma simples minuta. O tribunal não está inibido, em qualquer destes casos, de lhes atribuir algum valor”[5]. A tanto conduz o disposto no artigo 366.º do Código Civil, segundo o qual “[a] força probatória do documento escrito a que falte algum dos requisitos exigidos na lei é apreciada livremente pelo tribunal”.
Além disso, não cremos que se verifique contradição entre o documento em causa, que esteve na base do facto 17. e o documento de fls. 169, que esteve na base do facto 14, já reapreciado, como bem salienta a Exma. Procuradora-Geral Adjunta.
Trata-se de ordens de serviço emitidas em datas diferentes e com diferentes objectivos quanto ao subsídio especial de função (SEF) a que se reportam.
A de 1996 explicita a sua natureza (modalidade de compensação remuneratória individual), destino (destinada a contemplar, com carácter de transitoriedade o desempenho de funções que se revistam de especial complexidade, incomodidade, ou grau de exigência técnica ou de gestão), modo como deve ser concedido o subsídio (através de despacho do CA de concessão individual onde deverão constar, expressamente, a indicação e as características das funções que lhe estejam na origem, bem como a referência à transitoriedade da sua atribuição, circunscrita ao período de exercício efectivo daquelas funções) e cessação do direito à percepção do mesmo (com o termo do desempenho das funções que o justificam) – vide fls. 172-173.
A de 1999, começando por deliberar a cessação da anterior atribuição de cartões de crédito da empresa a quadros superiores que exercem determinadas funções técnicas de chefia ou direcção, refere expressamente que cria um SEF que visa substituir os plafonds de cartão de crédito – vide fls. 169.
Apesar da coincidência do verbo utilizado nos dois escritos não confortar a coexistência das duas ordens de serviço (não se pode criar duas vezes a mesma coisa), a prova testemunhal produzida foi no sentido de que o SEF “nasceu como complemento de ordenado”, sendo atribuído “a quem exercesse determinado tipo de funções” (testemunha F….) e veio depois a atingir montantes mais elevados, “sobretudo para substituir o cartão de crédito” (testemunha J.....). Esta dinâmica relatada pelas testemunhas leva a aceitar ter sido o SEF criado com a regulamentação introduzida em 1996 (note-se que a testemunha I..... indica à partida a primeira metade dos anos 90 como o momento em que “arranca” o SEF, embora depois admita que poderá ser 1999 quando lhe é expressamente dito pelo Exmo. Advogado ser esse o ano em que foi instituído) e a compreender que se deverá a um menor rigor a utilização do verbo “criar” na ordem de serviço de 1999 quando, após deliberar a cessação da atribuição de cartões de crédito na empresa, integra no SEF valores escalonados que substituem os antigos plafonds mensais do cartão de crédito.
Não vemos, pois, razões para eliminar o facto 17., embora, à semelhança do que sucedeu com o facto 14., e visto o que estabelece a alínea b) do n.º 1 do artigo 712.º, do CPC, se altere a sua redacção de modo a que o mesmo espelhe de modo mais completo o que consta da ordem de serviço junta a fls. 172-173, designadamente a sua data, ficando o mesmo a ter o seguinte teor:
«17. Através da ordem de serviço n.º OS001396CA, datada de 2 de Maio de 1996, o Conselho de Administração da Ré estabeleceu o seguinte:
“Tendo em consideração a necessidade de flexibilizar o sistema remuneratório em vigor, designadamente no que respeita à compensação, de tipo transitório, de funções com especiais características de desempenho, o CA, em sua sessão de hoje, deliberou:
1. SUBSÍDIO ESPECIAL DE FUNÇÃO
1.1 É criada uma modalidade de compensação remuneratória individual com a designação de subsídio especial de função (SEF), destinada a contemplar, com carácter de transitoriedade o desempenho de funções que se revistam de especial complexidade, incomodidade, ou grau de exigência técnica ou de gestão, ou ainda, de notória relevância para a consecução dos objectivos empresariais, e que não sejam abrangíveis pelo tipo e natureza das compensações em vigor.”
“1.2. O subsídio Especial de Função, que não integra a remuneração-base do trabalhador, será de concessão parcimoniosa, assente em critérios extremamente selectivos, e o seu quantitativo resultará do cálculo de uma percentagem sobre aquela remuneração-base, de acordo com os seguintes escalões …).”
“1.3 – Dos despachos de concessão individual desse subsídio deverão constar, expressamente, a indicação e as características das funções que lhe estejam na origem, bem como a referência à transitoriedade da sua atribuição, circunscrita ao período de exercício efectivo daquelas funções.
1.4. O direito à percepção do SEF cessa com o termo do desempenho das funções que o justificaram, cabendo à hierarquia dos trabalhadores abrangidos o controlo e a informação, pelas vias competentes, dessa circunstância. ”»
3.2.6. Quanto ao ponto 47. da matéria de facto
Relata-se neste ponto da matéria de facto que:
«47. O Autor assinou com a Ré no dia 01-10-2005 um acordo de utilização de VUP, onde se estabelece o seguinte:
“1º Na sequência da nomeação do trabalhador como por DE119ADJSS de 1/1/2005, é-lhe atribuída uma VUP V3, que o mesmo aceita.”
“2º A utilização da viatura atribuída rege-se pela regulamentação estabelecida pela C..... e actualmente constante da OS00332005, de 2005/08/25(…)”
“3º O presente acordo tem início em 1/10/2005 e caduca com a cessação da nomeação a que se refere a cl.ª 1ª, salvo deliberação expressa em contrário pelo CA, ou, em qualquer momento, por decisão do CA.”»
Defende o recorrente que deve ser efectuado o esclarecimento de que foi obrigado a assinar o acordo de utilização de VUP, sob pena de a mesma lhe ser retirada, já que a R. tenta, com base num acordo celebrado com o A., dar uma aparente legalidade e legitimidade à sua actuação, quando retira de forma arbitrária o veículo de utilização permanente utilizado pelo Recorrente, veiculo esse cuja utilização faz parte integrante da sua retribuição em espécie.
Invoca, em fundamento da alteração que pretende, os documentos de fls. 487-488, juntos pelo recorrente no decurso da audiência de julgamento e o depoimento da testemunha G…..
Ouvido o depoimento da testemunha G…. (responsável pela gestão de frota dos C.....), verifica-se que o mesmo referiu que a atribuição de VUP (veículo de utilização permanente) é sempre uma decisão do Conselho de Administração e que normalmente se verifica neste tipo de funções. Especificamente a propósito das condições em que foi pedido aos trabalhadores que beneficiavam de VUP para assinar o “acordo de atribuição do VUP”, quando foi perguntado a esta testemunha se tal foi uma imposição do C.A., com a alternativa “ou assinam o acordo ou ficam sem o carro”, respondeu afirmativamente.
Por sua vez o documento de fls. 487 contém correspondência electrónica trocada entre a testemunha G…. e N…. (a quem a primeira dava conta do ponto de situação da entrega dos acordos de utilização, respondendo-lhe o segundo que a regra é “ou entregam as declarações (…) ou devolvem a viatura”) e o documento de fls. 488 constitui um e-mail recebido pelo A. e por outras pessoas, sob o assunto “acordo de utilização de VUP”, no qual era solicitado por Hernâni Santos o envio da “declaração relativa ao acordo de utilização de VUP” e era igualmente dito que “[s]e entender não assinar deve dar-nos conhecimento do facto para se acertarem os procedimentos de devolução da viatura”.
Estes elementos probatórios, não sendo, a nosso ver, suficientes para concluir ter sido o autor “obrigado” pela R. a assinar o acordo de utilização de VUP, aconselham a acrescentar aos factos provados um item em que fique a constar o teor do documento de fls. 488, junto pelo A. e não impugnado pela R., cujo teor se mostra efectivamente em conformidade com o depoimento da testemunha que tem a seu cargo a gestão de frota da R.
Assim, por mais conforme com a prova produzida, designadamente documental, e porque compreendido ainda nos termos da impugnação da decisão de facto – constituindo um minus quanto ao aí pretendido pelo recorrente em conformidade com a alegação que fizera constar do artigo 16.º da resposta à contestação – acrescenta-se à matéria de facto o seguinte:
47-A. Ao A. foi solicitado pelos serviços da R. em Outubro de 2005 o envio dadeclaração relativa ao acordo de utilização de VUP”, sendo-lhe igualmente dito que “[s]e entender não assinar deve dar-nos conhecimento do facto para se acertarem os procedimentos de devolução da viatura”.
3.2.7. Quanto ao ponto 55. da matéria de facto
Relata-se neste ponto da matéria de facto que:
“55. O Autor sente-se indignado e revoltado com as descritas atitudes da Ré, subaproveitado profissionalmente na estrutura da Ré e discriminado relativamente a outros trabalhadores.”
Invoca o recorrente que as atitudes e comportamentos da R. para consigo descritas na matéria de facto lhe provocaram, para além de um sentimento de revolta e indignação, uma enorme tristeza e sentimento de humilhação e angústia que abalaram profundamente a sua auto-estima e brio profissional, afectando a sua vida profissional, pessoal, familiar e social, factos que alegou nos artigos 132.º, 133.º, 161.º e 162.º da petição inicial e que agora quer ver provados, sugerindo que se complete o facto 55. de modo a ali constar que se sente “triste, angustiado, humilhado, isolado, revoltado com as atitudes descritas da Ré, as quais lhe causam sofrimento e abalam a sua vida profissional e pessoal, sente-se ainda subaproveitado profissionalmente e discriminado relativamente a outros trabalhadores”.
Segundo alega, não obstante ser uma pessoa com espírito combativo e forte, a conduta injustificada e ilegal da R. deixou-o profundamente abalado, ao ponto de ficar obcecado com a sua situação profissional o que inevitavelmente se reflecte na sua vida pessoal, familiar e social e é da mais elementar regra da experiência e senso comum, que um trabalhador altamente qualificado, pertencente aos quadros superiores de uma empresa, a quem sucede o que ficou relatado na matéria de facto, sairá profundamente abalado no seu brio e dignidade profissional, triste, humilhado e angustiado por tais comportamentos e o recorrente não é excepção.
Invoca como elementos probatórios para fundar a prova de tais factos os depoimentos das testemunhas F…., K…. e L…..
Ouvidos esses depoimentos na sua integralidade, verifica-se que o primeiro, espontaneamente, refere que o A. “tem manifestado naturalmente revolta pela situação em que se encontra”, referindo depois, em resposta a perguntas dos ilustres mandatários, que neste período de tempo de 5, 6, 7 anos o autor “naturalmente” lhe “manifestou sempre mau estar, aborrecimento, tristeza, porque não estava a ser enquadrado devidamente”, bem como que manifestou “a sua mágoa”, “quer por não ter as funções, quer por ser discriminado em termos remuneratórios, quer por lhe terem dado o VUP e terem retirado o VUP, por não ter o enquadramento e a carreira que aspirava a ter”. Disse ainda que era dito no círculo de pessoas do meio profissional entre as Devesas e o Porto que ele “andava chateadíssimo, aborrecidíssimo porque não lhe dão tarefas”. Em suma, conclui: ele “sente-se revoltado”, o termo é “revoltado” e coloca o enfoque do problema num conflito que existe entre o autor e as suas chefias.
A testemunha K…., que é funcionário da R. e colega de trabalho do A., a prestar funções no Porto, referiu terem sido contratados quadros de nível inferior e com salários superiores e que isso o fez sentir-se “discriminado” (“não inferiorizado”, como fez questão de precisar). Quanto ao mais, apesar dos esforços de quem lhe colocava as perguntas sobre os concretos estados de espírito por que passou o A., limitou-se a dizer que ele se sente “mal” e que a própria testemunha que passou por uma situação idêntica se sentia “mal”, pois quem pensa que tem um determinado valor (ainda que esse juízo da pessoa possa ser errado) e não é utilizado, sente-se mal. Mas, apesar dos vários adjectivos usados nas perguntas que lhe foram colocadas, muitos deles coincidentes com o que agora o recorrente pretende se considere provado, nunca especificou em que consiste este “mal”, para além do que sente qualquer pessoa que vê subaproveitado o seu valor, como sublinhou na parte final.
E a testemunha L…. – também colega de trabalho e amigo do A., e que relatou estar na mesma situação do A., sem funções atribuídas há algum tempo, tendo pendente em tribunal um processo equivalente contra a aqui R. e estando neste momento a sofrer de problemas psicológicos – referiu com relevo a este propósito que o A. “está, portanto, moralmente afectado, está revoltado”. Em resposta à pergunta sobre se o A. se sente triste e humilhado com este comportamento, respondeu como que continuando a frase do advogado que o inquiria, “humilhado, isolado”. E, na sequência do interrogatório, ao ser-lhe perguntado se o A. se sente um profissional capaz e válido para dar muito de si à empresa e que a empresa não quer esta mais-valia com que ele pode contribuir, nada respondeu quanto ao que sente o A. adiantando, apenas, que a testemunha sente isso e que “podia haver soluções para isso” no seu entendimento. Sendo-lhe de imediato perguntado se esta situação perturba imenso o A. no seu dia a dia, mais uma vez continuou a frase dizendo “na vida social, afectiva”. E, finalmente, referiu que quando o autor lhe telefona “as conversas são sempre as mesmas, é monotemático, está revoltado”, referindo que o A. vive obcecado com esta situação e que a quer resolver, quando tal lhe foi perguntado logo de seguida.
Neste contexto probatório, em que apesar das questões precisas colocadas às testemunhas, nenhuma delas fala em angústia ou sofrimento, havendo apenas uma alusão pouco espontânea ao adjectivo “humilhado” e é sempre colocado o enfoque na “revolta” que sente o autor, por se sentir discriminado e subaproveitado, bem andou o tribunal a quo em limitar prudentemente a sua resposta à matéria que ficou a constar do ponto 55. da matéria de facto, não dando como provado tudo o que a propósito vinha alegado na petição inicial.
O contributo que poderíamos ir buscar às regras da experiência nesta sede da decisão de facto para inferir os danos que sofreria o cidadão médio que se visse na situação do A., não pode colidir com a prova que se faz em tribunal e que se mostra direccionada aos concretos danos sofridos pelo demandante e à averiguação da veracidade do que por si é alegado na petição inicial. Este âmbito dos danos não patrimoniais será talvez um daqueles em que maior diversidade se encontrará nas pessoas que, segundo modos de ser específicos e o seu singular carácter pessoal, reagem de modos variados aos diversos actos ilícitos que, em abstracto, são susceptíveis de produzir danos e sentem as consequências de tais actos nas suas pessoas de modo distinto, mais ou menos danoso. Esta circunstância aconselha a um uso prudente das regras da experiência comum e da lógica do homem médio na valoração da prova.
De modo algum podemos acompanhar o recorrente quando este afirma ser “notório” o facto de um trabalhador altamente qualificado, que pertence ao quadro superior de uma empresa, a quem não são atribuídas tarefas e não é prestada informação acerca dos projectos em que supostamente deveria estar envolvido e, não obstante as inúmeras cartas/reclamações do trabalhador, a resposta é o silêncio, situação que perdura no tempo há pelo menos sete anos, sair triste, humilhado e angustiado por tais comportamentos.
Se é possível hipotizar que na maioria dos casos assim pode suceder, tal não dispensa uma análise concreta do caso em questão e a apreciação da prova adrede produzida, devendo a decisão de facto espelhar o que ditou essa prova. E os elementos probatórios em presença, no caso sub judice, de modo algum confortam a afirmação do recorrente de que as condutas da recorrida lhe provocaram uma profunda humilhação, tristeza, angústia e sofrimento.
Em suma, reapreciada a prova produzida, com particular atenção para os depoimentos invocados pelo recorrente – em conformidade com a prescrição do artigo 655.º do Código de Processo Civil, que apela à livre e prudente convicção do julgador –, entendemos que é inteiramente razoável a convicção firmada pelo tribunal a quo quanto à factualidade que fez constar do ponto 55. da matéria de facto provada, aí referindo tão só os sentimentos de “indignação” e “revolta” do autor, bem como os sentimentos de “subaproveitamento profissional” e “discriminação” relativamente a outros trabalhadores.
3.2.8. Quanto à matéria dos artigos 10.º e 15.º da petição inicial e 7.º da resposta à contestação
É o seguinte o teor dos artigos 10.º e 15.º da petição inicial, relativos à mudança do A. ocorrida em Janeiro de 1994 para o Porto, como Gestor de Redes:
«10. Esta mudança só ocorreu porque a Ré garantiu ao A. que não lhe seriam alterados o seu nível interno, nem seria lesado no seu estatuto remuneratório, nomeadamente, mantendo o uso de telemóvel, Veículo de Uso Permanente (VUP) e cartão de crédito no montante de 230,44 €/mês.
15. mantendo-lhe no entanto o estatuto remuneratório que já anteriormente possuía (VUP, telemóvel, e cartão de crédito).
E no artigo 7.º da resposta à contestação o A. alegara, por seu turno, que:
7. Refira-se que o A. foi atribuída VUP desde 1987 quando desempenhava funções como chefe do Departamento Postal de Braga – Subdirecção.»
Relativamente à alegação constante dos referidos três itens dos articulados, o recorrente defende que se dê como provado o seguinte:
«Ao A. desde o ano de 1987 que lhe tinha sido atribuído pela R. um VUP, tendo posteriormente sido atribuído, telemóvel e cartão de crédito, os quais faziam parte integrante da sua retribuição»
Desta redacção que propõe depois de analisar no corpo da alegação os depoimentos das testemunhas que invoca, resulta desde logo que o recorrente não questiona a resposta negativa dada pelo tribunal a quo relativamente às garantias da R. alegadas na petição inicial antes da mudança ocorrida em 1994 (artigo 10.º), fazendo incidir a sua divergência, essencialmente, sobre o momento em que lhe foram atribuídos o VUP, telemóvel e cartão de crédito e sobre a caracterização de tais prestações.
Sustenta o recorrente, no corpo da alegação, que já desde 1987 fazia parte integrante da sua remuneração, um veículo de utilização permanente - denominado de VUP – tendo posteriormente, no ano de 1992 sido atribuído, telemóvel e cartão de crédito e que tais factos resultaram provados pelos depoimentos gravados das testemunhas D…., E…. e F…..
No que diz respeito ao facto que pretende ver acrescentado à matéria de facto, deve desde logo dizer-se que a sua parte final – a parte em que se refere que as prestações ali referenciadas faziam “parte integrante da sua retribuição” – assume um cariz manifestamente conclusivo e de direito, o que impede a sua inscrição no rol dos factos provados, em conformidade com o que estabelece o artigo 646.º, n.º 4 do Código de Processo Civil, aplicável “ex vi” do art. 1.º, n.º 2 al. a) do Código de Processo do Trabalho. Se fazem, ou não, parte integrante da retribuição do A., independentemente das comissões de serviço, por já anteriormente lhe serem pagos regular e periodicamente, é questão que cabe ao tribunal analisar, aplicando o direito aos factos provados.
Quanto ao mais, deve notar-se que consta já dos factos que o tribunal a quo assentou que o Despacho de Nomeação para Gestor de Redes manteve o vencimento mensal que já anteriormente o autor auferia de € 2.106,97, bem como VUP (veículo de utilização permanente), telemóvel e cartão de crédito [facto 5.].
Sendo o Despacho de Nomeação para Gestor de Redes datado de Fevereiro de 1994 [facto 4.], infere-se do facto 5., tal como se mostra descrito, que o A. beneficiara antes de Fevereiro de 1994 do vencimento mensal de € 2.106,97, bem como VUP (veículo de utilização permanente), telemóvel e cartão de crédito.
Deste modo, a única precisão que resta de acordo com a pretensão do recorrente é a de que o VUP foi atribuído “em 1987 e o telemóvel e cartão de crédito “posteriormente”.
Ora nenhuma das testemunhas indicadas pelo recorrente quanto a esta matéria, e que escutámos através da audição do registo constante do CD apenso a estes autos, confirma que o VUP foi atribuído em 1987, não havendo também prova consistente de que o telemóvel e cartão de crédito o foram “posteriormente”. A testemunha D…., que foi funcionário da R entre 1966 e 2003 e trabalhou com o A. de 1981 a 1994, apenas confirmou que “em 1989-1990” o A. já tinha VUP (não especificando o ano de 1987) e que teve cartão de crédito quando “ainda estava em Braga” (ou seja, antes de Fevereiro de 1994, uma vez que nesta data passou a desenvolver funções no Porto – facto 4.). E a testemunha E..... referiu que o A. passou a ter VUP e cartão de crédito “em 1988, desde que foi para Chefe de Departamento, aludindo a uma atribuição concomitante destes complementos de ordenado que nem o próprio A. alega. Recorde-se que o A. relata ter-lhe sido atribuído VUP em 1987 (artigo 7.º da resposta à contestação) e não situa nos articulados quando é que lhe foi atribuído cartão de crédito e telemóvel, vindo apenas nas alegações de recurso a dizer que tal aconteceu em 1992 – fls. 583/584)
Neste contexto de indefinição e discrepâncias quanto às datas concretas da atribuição do VUP, do telemóvel e do cartão de crédito, e tendo em consideração o que já pode considerar-se assente nos autos [factos 4. e 5. – dos quais resulta que antes de Fevereiro de 1994 o autor deles beneficiava], entendemos que nenhum facto deverá o Tribunal da Relação acrescentar a propósito desta matéria alegada na petição inicial e na resposta.
Invoca ainda o recorrente, no decurso da sua alegação relativa aos factos que não ficaram provados, que deve considerar-se como provado que «[c]
om a nomeação referida em 15º, o autor ficou convencido que o seu estatuto remuneratório não seria afectado com esta mudança e assim manteria o SEF, o VUP e o telemóvel»,
facto que o tribunal a quo considerou expressamente como “não provado” no despacho em que foi decidida a matéria de facto em litígio (a fls. 534).
Compulsando a petição inicial, verifica-se que este facto se reconduz à alegação do autor constante do respectivo artigo 37.º. Na verdade, é no artigo 37.º da petição inicial que o A. alega, a propósito da reunião havida com os representantes da R. em Novembro de 2004, na qual ficou definido que iria desempenhar as funções de Gestor de Projectos, o seguinte: “37. Ficando apenas convencido, pelo que ali se disse, que o seu estatuto remuneratório não seria afectado com esta mudança e assim manteria o SEF, o VUP e telemóvel, sem que lhe fosse reposta a utilização de cartão de crédito que lhe tinha sido retirada em Outubro de 1995 para não mais lhe ser reposto, como o deveria ter sido.”
Embora a alusão à “nomeação referida em 15º” que ficou a constar da decisão de facto a fls. 534 (sem que se indique de que peça processual) padeça de evidente equivocidade, cremos que a mesma se reporta ao ponto 18.º da matéria de facto provada, no qual se relata a nomeação em Novembro de 2004 do A. como Gestor de Projectos (OPE) em comissão de serviço (pois que não se relata qualquer nomeação, nem no artigo 15.º da petição inicial, nem no artigo 15.º da resposta, nem no ponto 15. da matéria de facto, sendo que a mudança a que se reporta o artigo 37.º da petição inicial é a ocorrida em 2004 com a nomeação para Gestor de Projectos[6].
O recorrente não faz qualquer referência expressa e especificada ao artigo 37.º da petição inicial, quer no corpo das alegações, quer nas conclusões, pelo que, em bom rigor, não impugna a decisão de facto quanto a este artigo da petição inicial, o que em primeira linha obsta ao conhecimento do recurso neste particular – cfr. o artigo 685.º-B, n.º 1, alínea a) do Código de Processo Civil.
Mas, ainda que se entenda que este tribunal, com maior labor, é certo, individualizou o facto em causa – o alegado no artigo 37.º da petição inicial e não referido nas conclusões que delimitam o objecto do recurso –, a verdade é que os fundamentos invocados para que se considere provado este facto não são suficientes para o efeito.
Na verdade, quanto à convicção de que o seu estatuto remuneratório não seria alterado, defende o recorrente que tal resulta dos “abundantes documentos de alerta e protesto juntos aos autos”, nos quais manifesta a sua surpresa, descontentamento e indignação e onde reclama a reposição destes valores.
Ora, sendo este o único fundamento que invoca para que se considere provado o facto que quer ver aditado a este propósito, o recorrente não faz uma correlação entre este segmento fáctico que considera mal decidido e os concretos documentos que probatoriamente entende que o demonstram, limitando-se a uma referência genérica que, de modo algum, observa o ónus prescrito, desta feita, na alínea b) do n.º 1 do artigo 685.º-B.º do Código de Processo Civil[7].
De todo o modo, mesmo analisando os diversos escritos do A. juntos aos autos e que ficaram reflectidos na matéria de facto (fls. 40 e ss.), nenhum deles anterior a Novembro de 2004, entendemos que os mesmos não são, por si só e desacompanhados de outros meio de prova que o recorrente não indica, de molde a dever considerar-se como provado que o autor estava convencido que o seu estatuto remuneratório não seria afectado quando foi nomeado em Novembro de 2004 para Gestor de Projectos.
Não se vislumbra pois, neste aspecto, qualquer erro da 1.ª instância na apreciação da prova
3.2.9. Quanto à matéria do artigo 143.º da petição inicial
No artigo 143.º da petição inicial o autor alegou que:
«143. Sendo certo que, os colegas de trabalho do A. que tinham funções semelhantes à sua em 1994 (Directores Comerciais) e após a sua assunção do cargo de Gestor de Redes no Porto, onde começa a sua discriminação e desigualdade de oportunidades, estão hoje num escalão de vencimento superior a 5.300,00 €.»
Este facto foi expressamente considerado “não provado” no despacho de fls. 534.
Alega o recorrente que o tribunal a quo não fez uma correcta análise e julgamento críticos dos recibos de vencimento de todos os Directores Comerciais juntos pela recorrida aos autos, dos quais se verifica que, da média dos vencimento mensais dos colegas do A. e Directores comerciais em 1994, e bem assim dos referidos O…. e P…., e desde o ano de 2005 até 2010, todos eles estão num escalão de vencimento superior a € 5.300,00, pelo que defende se considere provado aquele facto.
Analisando tais recibos (inseridos nos dois volumes de documentos apensos por linha a estes autos, conforme termo de fls. 252), verifica-se que os mesmos se reportam às pessoas referidas no facto 51. – ou seja, os trabalhadores da R. que em 1992 eram, tal como o A., Directores Comerciais – e no facto 52. – ou seja, os trabalhadores da R. O…. e P…. que foram admitidos em 2002/2003 para funções de Responsáveis de Zona/Especialistas de Função Comercial.
O facto que foi alegado e submetido a discussão probatória – o relatado no artigo 143.º da petição inicial – reporta-se apenas aos primeiros, pelo que a estes restringiremos a nossa análise.
Ora, compulsando estes recibos juntos aos autos pela R. ora recorrida (compilados nos volumes de documentos apensados conforme termo de fls. 252) verifica-se que algumas das pessoas a que os mesmos se reportam – que foram Directores Comerciais em 1992 e se mostram identificados no ponto 51. da matéria de facto – auferiram no ano de 2010 um vencimento mensal médio superior a € 5.300,00. Mas nem todas, pois que era de € 4.924,40 a retribuição mensal de Q…. em Junho de 2010 (mês a que se reporta o último recibo a ele referente) e era de € 4.091,80 a retribuição mensal de R…. em Setembro de 2009 (mês a que se reporta o último recibo a ele respeitante no activo, pois que resulta dos documentos que se terá reformado, auferindo em Novembro de 2009 uma pensão de € 3.770,24). De notar que a retribuição mensal de F….. era em Junho de 2010 de € 4.170,10, apenas ultrapassando o valor médio alegado de € 5.300,00 se na mesma se contemplar o subsídio especial de função que também auferia.
Acresce que de tais recibos nada mais resulta quanto ao que vem alegado no artigo 143.º da petição inicial. Não resulta, designadamente, que em 1994 esses trabalhadores desempenhassem funções semelhantes às do A. [apenas se sabe o que eles eram em 1992 – facto 51.]. Nem resulta, também, que tal continuasse a suceder após a assunção pelo A. do cargo de Gestor de Redes no Porto em Fevereiro de 1994 [facto 4.].
Assim, neste aspecto procede apenas parcialmente a impugnação e acrescenta-se à matéria de facto o ponto 51-A., com o seguinte teor:
«51-A. Os trabalhadores da R. S......., T......., U......., V....... e W....... identificados no ponto 51. auferiram no ano de 2010 um vencimento mensal médio global superior a € 5.300,00.»
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Procede, parcialmente, a impugnação da decisão de facto.
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3.3. Factos provados
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Em face da decisão de facto proferida na 1.ª instância, reponderada neste Tribunal da Relação com a reapreciação da prova a que se procedeu, é a seguinte a matéria de facto a atender para a decisão jurídica do pleito:
1. O A. é economista de formação e iniciou a sua carreira profissional ao serviço da Ré em 1981.
2. Entre 1981 e 1994 o A. exerceu as suas funções em Braga, onde desempenhou os cargos de: Chefe de Sub-repartição (Finanças Planeamento e Recursos Humanos – nível 4), Chefe de Repartição (nível 5), Chefe de Departamento/Subdirecção (Departamento Postal de Braga – nível 7) e, em 1992, foi nomeado Director Comercial Norte (nível 8), em comissão de serviço.
3. Em Janeiro de 1994 foi encerrada a sede da Direcção Comercial do Norte em Braga, tendo os serviços desta direcção sido centralizados no Porto (DRCN – Direcção Regional dos Correios do Norte).
4. Em Fevereiro de 1994, o Autor foi nomeado Gestor de Redes da Direcção da Região Comercial Norte (chefe de divisão), em comissão de serviço, tendo passado a desempenhar funções no Porto.
5. No Despacho de Nomeação para Gestor de Redes foi-lhe atribuído apenas o nível 6, mantendo no entanto o vencimento mensal que já anteriormente auferia de € 2.106,97, bem como VUP (veículo de utilização permanente), telemóvel e cartão de crédito.
6. Em Outubro de 1995 cessou aquela comissão de serviço, tendo a Ré proposto que regressasse a Braga para desempenhar as funções de RAD (Responsável de Área), nomeação que o Autor não aceitou.
7. Na sequência desta recusa, o Autor não foi nomeado nessa altura para qualquer outro cargo em comissão de serviço.
8. Por deliberação do Conselho de Administração da Ré de 09-11-95, foi decidido fazer cessar a atribuição ao Autor de telefone residencial subsidiado, VUP equipado com telemóvel e cartão de crédito.
9. Dentro do organigrama da R. a partir do nível 6 os cargos são preenchidos por nomeação e não por concurso.
10. Posteriormente, o Autor passou a desempenhar funções no Porto como Consultor para a Qualidade da Direcção da Região Comercial Norte.
11. Apesar das reclamações efectuadas, apenas foi atribuída ao A. um viatura de serviço geral (VSG) para as suas deslocações de Braga – Porto – Braga.
12. Em Março de 1996, o Autor foi nomeado Responsável pelo Centro de Transportes do Norte (TPN), em comissão de serviço.
13. Para o desempenho destas suas novas funções foram novamente atribuídos pela Ré ao A. o VUP enquanto desempenhasse as mesmas e telemóvel, não lhe tendo sido atribuído cartão de crédito.
14. Em 29/7/1999 o Conselho de Administração da Ré emitiu uma ordem de serviço com o seguinte teor:
“Tendo em conta as questões levantadas sobre a conformidade com as normas fiscais em vigor, da atribuição de cartão de crédito a Quadros Superiores do C....., o Conselho de Administração, na sua reunião de hoje, deliberou:
1 - Cessar a atribuição da utilização de cartões de crédito a Quadros Superiores que exerçam determinadas funções técnicas, de chefia ou de direcção, a partir de 1 de Agosto de 1999 inclusive.
“2 – Criar um subsídio especial de função (SEF) que vise substituir os anteriores plafonds de crédito, (…)”
3 – O Subsidio Especial de Funções estabelecido no nº 2 será pago anualmente 14 vezes.”[8]
15. Em Abril de 2000 foi atribuído ao A. um subsídio de chefia na quantia de 25.000$00 com efeitos a Março de 2000.
16. Em 22/3/2001, o Conselho de Administração da Ré, decidiu atribuir ao A. um SEF (subsídio especial de função) na quantia de 70.000$00 “enquanto no desempenho do cargo de TPN (…) fazendo cessar o subsídio de chefia que vinha auferindo.”
17. Através da ordem de serviço n.º OS001396CA, datada de 2 de Maio de 1996, o Conselho de Administração da Ré estabeleceu o seguinte:
“Tendo em consideração a necessidade de flexibilizar o sistema remuneratório em vigor, designadamente no que respeita à compensação, de tipo transitório, de funções com especiais características de desempenho, o CA, em sua sessão de hoje, deliberou:
1. SUBSÍDIO ESPECIAL DE FUNÇÃO
1.1 É criada uma modalidade de compensação remuneratória individual com a designação de subsídio especial de função (SEF), destinada a contemplar, com carácter de transitoriedade o desempenho de funções que se revistam de especial complexidade, incomodidade, ou grau de exigência técnica ou de gestão, ou ainda, de notória relevância para a consecução dos objectivos empresariais, e que não sejam abrangíveis pelo tipo e natureza das compensações em vigor.”
“1.2. O subsídio Especial de Função, que não integra a remuneração-base do trabalhador, será de concessão parcimoniosa, assente em critérios extremamente selectivos, e o seu quantitativo resultará do cálculo de uma percentagem sobre aquela remuneração-base, de acordo com os seguintes escalões …).”
“1.3 – Dos despachos de concessão individual desse subsídio deverão constar, expressamente, a indicação e as características das funções que lhe estejam na origem, bem como a referência à transitoriedade da sua atribuição, circunscrita ao período de exercício efectivo daquelas funções.
1.4. O direito à percepção do SEF cessa com o termo do desempenho das funções que o justificaram, cabendo à hierarquia dos trabalhadores abrangidos o controlo e a informação, pelas vias competentes, dessa circunstância. ”[9]
18. Em Novembro de 2004, o Autor foi nomeado como Gestor de Projectos (OPE), em comissão de serviço.
19. Por deliberação do Conselho de Administração da Ré de 15-12-2004, com efeitos a 16-11-2004, foi decidido, na sequência da nomeação do A. como responsável de projectos no âmbito da OPE, manter o estatuto remuneratório do A. apenas no que se refere ao vencimento base, VUP (com combustível) e telemóvel, retirando-lhe o subsídio especial de função (SEF) que lhe tinha sido atribuído anteriormente[10].
20. Com data de 7 de Dezembro de 2004, o A. manifestou por email junto do OPE a sua disponibilidade para iniciar funções como Gestor de Projectos nos projectos que lhe fossem atribuídos, uma vez que tinha passado as suas responsabilidades ao TPN que o veio substituir naquelas funções.
21. Por email de 16 de Fevereiro de 2005, o A. comunicou ao OPE a sua situação de disponibilidade para o exercício das suas funções, reclamando a retirada indevida do SEF e a sua reposição.
22. O A. em 2 de Junho de 2005, dirigiu a vários responsáveis da R., designadamente, o OPE, presidente do Conselho de Administração uma carta registada com A/R na qual dava conta dos factos relevantes desde a comunicação em 22.11.2004 da sua passagem para responsável de projectos a desenvolver no âmbito do OPE, dando conta de que há seis meses que se encontrava sem exercer qualquer actividade.
23. Solicitou, também, a reanálise da sua situação profissional e a reposição do seu estatuto remuneratório com a atribuição do SEF, juntando na mesma comunicação recibos de vencimento, avaliação de desempenho e ficha curricular de quadros superiores.
24. Em 26 de Julho de 2005 o A. dirigiu ao seu OPE um pedido de marcação de férias, onde solicitava mais uma vez a clarificação da sua situação profissional, fazendo uma menção expressa ao silêncio absoluto por parte da R..
25. Em 29/07/2005 e perante a falta de qualquer informação, o A. comunicou que iria marcar as suas férias para o mês de Agosto, informando que iria apresentar o modelo 865 nos serviços de apoio ao PRI do TPN, dando conhecimento da situação ao Director dos Recursos Humanos para que a situação fosse desbloqueada.
26. Em 17 de Setembro de 2005 o A. dirigiu uma carta registada com A/R ao presidente do Conselho de Administração da R. a dar conhecimento da exposição supra referida de 2/06/2004 e de que a sua situação se mantinha inalterada, da sua dificuldade em saber a quem se dirigir para marcar o seu período de férias, reiterando mais uma vez a sua total disponibilidade profissional e a reanálise da sua situação.
27. Por email de 10 de Outubro de 2005 o A. dirigiu a vários responsáveis da R. mais um email onde solicitava a clarificação da sua situação profissional, sendo que, até então, nenhuma satisfação lhe tinha sido dada.
28. Em 2005.10.20 foi comunicado ao A., como responsável por projectos na OPE, uma deliberação do Conselho de Administração da R. de atribuição de uma viatura de utilização permanente (VUP), com o valor de renda mensal de € 500,00 € + IVA.
29. Em 26 de Outubro de 2005 foi constituída a equipa do chamado projecto da Maia, passando o Autor a integrar o Grupo de Trabalho do Empreendimento da Maia (GTEM), como representante da OPE.
30. O A. respondeu por email de 2/11/2005, manifestando a sua disponibilidade para participar na reunião designada.
31. Até essa altura e desde a data referida em 18. não foi atribuído ao Autor qualquer projecto.[11]
32. Em 25 de Outubro de 2005, por email dirigido ao Director dos Recursos Humanos e com conhecimento a vários responsáveis da R. em consequência da comunicação do Processo de Avaliação de Quadros Superiores, o A. comunicou que se encontrava numa situação de ostracização a que tinha sido votado desde 7/12/2004, deu conta da falta de resposta às suas comunicações e da falta de atribuição de funções compatíveis com a sua função, pretendendo ver clarificada a sua situação profissional.
33. Em 26/10/2005, desconhecendo a quem se dirigir para solicitar o pedido de marcação de dois dias de férias para participar no Congresso dos Economistas de 27 e 28 de Outubro, o A. dirigiu o seu pedido ao Director dos Recursos Humanos da R., o qual, com conhecimento ao OPE, informou que o pedido do A. deveria ter sido apreciado e dado o devido seguimento.
34. Já integrado no GTEM como responsável da OPE e após quatro reuniões de trabalho com a equipa de projectos da Maia, em Dezembro de 2005 foi elaborada por esta equipa uma proposta que foi remetida ao Conselho de Administração.
35. Até à data da propositura da acção, o A. não havia recebido qualquer resposta ou qualquer informação sobre a proposta apresentada para o denominado Projecto da Maia, encontrando-se totalmente parado, sem exercer qualquer actividade ou função.
36. A Ré criou o “Projecto Centro de Tratamento do Correio do Norte CTC-N”, para o qual nomeou vários quadros da empresa, sem incluir o Autor.
37. O A. continua nomeado para Gestor de Projectos na Área das OPE e para o projecto da Maia do qual nunca foi exonerado.
38. Limita-se o A. a deslocar da sua residência para V. N. de Gaia para ler alguns e-mails, correios online e informação disponível no site dos C......
39. Não participa, igualmente, o A. em nenhuma actividade do órgão em que formalmente está integrado, designadamente, reuniões, actividades, contactos com o OPE, ou outras, recebendo apenas e-mails da secretária do OPE para marcação de férias.
40. Está o A. desde Janeiro de 2005 (com excepção do mês de Novembro e Dezembro de 2005) sem executar qualquer tarefa ou actividade, para além das referidas em 34º e 35º[12].
41. O A. em Março de 2007 e a expensas suas, decidiu fazer um MBA em Administração de Empresas no IUP (Instituto Universitário Pos-Grado de Madrid), com vista a uma valorização pessoal e profissional.
42. Enviou o A., por email e correio registado em Setembro de 2008 o que reiterou em Fevereiro de 2009, a vários órgãos e responsáveis da R. o seu curriculum com o MBA concluído (com a nota final de Excelente - 8,78).
43. Em Março de 2009 o Gestor de Frota informou o A. que deveria proceder à entrega do seu veículo automóvel, VUP, na locadora, sem lhe ter sido assegurada a entrega de um outro veículo para a sua substituição.
44. Esta situação motivou várias reclamações e exposições por parte do A. a vários responsáveis da Ré, designadamente por email de 25 de Março de 2009 e de 1 de Abril de 2009 e cartas registadas de 25/03/2009, comunicando que a R. mais uma vez tratava o igual de forma diferente, solicitando que fosse clarificado de uma vez por todas o que a R. pretendia do A., que via a sua carreira profissional “ir por água abaixo” depois de tantos anos de dedicação, empenho e profissionalismo.
45. Não foi proposta pela sua chefia a atribuição de nova VUP, após o contrato de leasing caducar.
46. A atribuição deste tipo de viaturas encontra-se regulamentada nas ordens de serviço n.ºOS00332005CA (Atribuição e Gestão de Frota – VUP´s); OS00382005CA (Custos de funcionamento); OS00122008CA (VUP´S); OS00202009CA (VUP`s) e despacho do Presidente do Conselho de Administração DE02392009PCA, que dispõem o seguinte:
“1 – Princípios gerais.
1.1 Definição de VUP e regras gerais
“As VUP´s são veículos automóveis sem qualquer identificação exterior associada aos C....., atribuídos a trabalhadores para utilizar maioritariamente ao serviço da empresa. (…)
“ Os C..... reservam-se no direito de, quando entenderem por conveniente, alterar o plafond de atribuição ou retirar o uso da respectiva viatura ao trabalhador a que está afecto (…)”
“1.4 – O contrato de AOV terá a duração mínima e máxima de 12 e 48 meses, respectivamente. (…)”
Dispõe o DE02392009PCA, de 3/6/2009:
“3 – Tendo em vista a correcta aplicação da OS às propostas que me sejam presentes, quer para renovação, quer para renovação devem conter os seguintes elementos:
a) Fundamentação do responsável, que não pode ser do tipo “ deslocações frequentes”, pois tal corresponde a VSG e não VUP;
b) Validação do administrador da respectiva área de responsabilidade, que não deve ser do tipo “ nada a opor”, pois tal expressão não corresponde a uma propositura;
c) Despacho de atribuição de VUP:
Este despacho entra imediatamente em vigor”
47. O Autor assinou com a Ré no dia 01-10-2005 um acordo de utilização de VUP, onde se estabelece o seguinte:
“1º Na sequência da nomeação do trabalhador como por DE119ADJSS de 1/1/2005, é-lhe atribuída uma VUP V3, que o mesmo aceita.”
“2º A utilização da viatura atribuída rege-se pela regulamentação estabelecida pela C..... e actualmente constante da OS00332005, de 2005/08/25(…)”
“3º O presente acordo tem início em 1/10/2005 e caduca com a cessação da nomeação a que se refere a cl.ª 1ª, salvo deliberação expressa em contrário pelo CA, ou, em qualquer momento, por decisão do CA.”
47-A. Ao A. foi solicitado pelos serviços da R. em Outubro de 2005 o envio dadeclaração relativa ao acordo de utilização de VUP”, sendo-lhe igualmente dito que “[s]e entender não assinar deve dar-nos conhecimento do facto para se acertarem os procedimentos de devolução da viatura”.[13]
48. Em 9/3/2006, foi feito novo acordo e foi atribuída ao A. nova VUP, nos mesmos termos supra referidos.
49. Em 04 de Junho de 2009, foi remetido ao A. pelo OPE uma proposta de projecto.
50. Por email de 15 de Junho de 2009, com conhecimento a vários responsáveis da R., o A. fez uma exposição resumida da sua situação profissional e solicitou a respectiva clarificação, bem como pediu esclarecimentos sobre a natureza do projecto, não tendo recebido qualquer resposta.
51. Os seguintes trabalhadores da Ré eram em 1992, tal como o Autor, Directores Comerciais:
- Dr. S......., nº mecanográfico 660396, com domicilio profissional na …, …, …, 1208-148 Lisboa;
- Dr. X......., nº mecanográfico 667943, com domicilio profissional na Rua …, … …., 1167-002 Lisboa;
- Dr. R......., residente na R. …. nº …, … Évora;
- Dr. F......., nº mecanográfico 637432, residente na Praça …., … …, 4000-359 Porto;
- Eng.º T…., nº mecanográfico 653209, com domicilio profissional na Rua …., 4400-340 V.N. Gaia;
- Eng.º U......., nº mecanográfico 830585, com domicilio profissional na Av. …., … … …., 3000-176 Coimbra;
- Eng.º V......., nº mecanográfico 669067, com domicilio profissional na Rua ….,…., 1167-001 Lisboa;
51-A. Os trabalhadores da R. S......., T......., U......., V....... e W....... identificados no ponto 51. auferiram no ano de 2010 um vencimento mensal médio global superior a € 5.300,00[14]
52. O Sr. O….. e o Dr. P…. foram admitidos pela Ré em 2002 ou 2003 para funções de Responsáveis de Zona/Especialistas de Função Comercial e logo no ano da sua admissão começaram por auferir retribuições superiores à do Autor.
53. Alguns dos trabalhadores da Ré a quem lhes foi retirado o uso de cartão de crédito e o subsídio especial de função viram o valor inerente aos mesmos integrado nas respectivas remunerações mensais, por decisão do Conselho de Administração da Ré.
54. O Autor não é avaliado profissionalmente pela Ré desde 2003;
55. O Autor sente-se indignado e revoltado com as descritas atitudes da Ré, subaproveitado profissionalmente na estrutura da Ré e discriminado relativamente a outros trabalhadores.
56. Em 20/4/2008 o A. aderiu individualmente ao AE C..... 2008, publicado no BTE n.º 14, de 15 de Abril de 2008.
Ao abrigo do disposto nas disposições conjugadas dos artigos 713.º, n.º 2 e 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil, e vistos os recibos relativos ao A. inseridos nos volumes de documentos apensos por linha a estes autos, conforme termo de fls. 252, acrescenta-se oficiosamente aos factos provados o seguinte:
57. O A auferia em 2010 a remuneração mensal de € 3.316,00.
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5. Fundamentação de direito
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5.1. Da alegada discriminação ao nível do estatuto remuneratório e da progressão na carreira
5.1.1. Alega o recorrente que tem sido alvo de uma constante discriminação e ostracização por parte da recorrida, o que o impede de progredir da mesma forma que os seus colegas de trabalho, quer a nível de exercício de determinados cargos, quer a nível de estatuto remuneratório, encontrando-se estagnada a sua carreira profissional, desde pelo menos o ano de 1995, e com mais incidência desde 2005, não lhe sendo facultadas as mesmas oportunidades que são dadas aos seus colegas de trabalho identificados na resposta á matéria de facto que têm actualmente uma remuneração muito superior à sua.
E nesta alegação funda a sua pretensão de que a recorrida deve ser condenada a reparar os danos patrimoniais que causou com a sua conduta ilícita e proceder à actualização do vencimento e respectivos complementos do recorrente em termos equivalentes ao dos seus colegas de trabalho identificados no ponto 51 da resposta à matéria de facto, invocando também que o tribunal a quo não atentou nas normas específicas quanto à repartição do ónus da prova, violando o estabelecido no artigo 25.º do Código do Trabalho.
5.1.2. Resulta dos factos provados que, no seu essencial, foi o seguinte o percurso profissional do recorrente, economista de formação, ao serviço da R.:
■ 1981 a 1992 - o A. exerceu as suas funções em Braga, onde desempenhou os cargos de: Chefe de Sub-repartição (Finanças Planeamento e Recursos Humanos – nível 4), Chefe de Repartição (nível 5), Chefe de Departamento/Subdirecção (Departamento Postal de Braga – nível 7);
■ 1992 - foi nomeado, em comissão de serviço, Director Comercial Norte (nível 8);
■ Fevereiro de 1994 - foi nomeado, em comissão de serviço, Gestor de Redes da Direcção da Região Comercial Norte (chefe de divisão), sendo-lhe atribuído o nível 6, mas mantendo o vencimento mensal que já anteriormente auferia de € 2.106,97, bem como VUP (veículo de utilização permanente), telemóvel e cartão de crédito;
■ Outubro de 1995 cessou aquela comissão de serviço, tendo a Ré proposto que regressasse a Braga para desempenhar as funções de RAD (Responsável de Área), nomeação que o Autor não aceitou; na sequência desta recusa, o Autor não foi nomeado nessa altura para qualquer outro cargo em comissão de serviço, fazendo a R. cessar em Novembro a atribuição de telefone residencial subsidiado, VUP equipado com telemóvel e cartão de crédito;
■ posteriormente, o A. passou a desempenhar funções como Consultor para a Qualidade da Direcção da Região Comercial Norte, no Porto, sendo-lhe atribuída uma viatura de serviço geral (VSG) para as suas deslocações de Braga – Porto – Braga;
■ Março de 1996 - o A. foi nomeado, em comissão de serviço, Responsável pelo Centro de Transportes do Norte (TPN), sendo novamente atribuídos pela Ré ao A. o VUP enquanto desempenhasse estas funções e telemóvel, não lhe tendo sido atribuído cartão de crédito; no decurso desta comissão de serviço é atribuído ao A. um subsídio de chefia na quantia de 25.000$00 com efeitos a Março de 2000 e em 22 de Março de 2001 - o Conselho de Administração da Ré, decidiu atribuir ao A. um SEF (subsídio especial de função) na quantia de 70.000$00 “enquanto no desempenho do cargo de TPN (…) fazendo cessar o subsídio de chefia que vinha auferindo
■ Novembro de 2004 - o Autor é nomeado, em comissão de serviço, como Gestor de Projectos (OPE), tendo decidido o Conselho de Administração manter o estatuto remuneratório do A. apenas no que se refere ao vencimento base, VUP (com combustível) e telemóvel, retirando-lhe o subsídio especial de função (SEF) que lhe tinha sido atribuído anteriormente;
■ desde Janeiro de 2005 (com excepção do mês de Novembro e Dezembro de 2005) está o A. sem executar qualquer tarefa ou actividade;
■ Março de 2009 - o Gestor de Frota informou o A. que deveria proceder à entrega do seu veículo automóvel, VUP, na locadora, e não foi assegurada ao A. a entrega de um outro veículo para a sua substituição;
■ 25 de Março, 1 de Abril e 15 de Junho de 2009 – o A. solicitou à R. que fosse clarificado de uma vez por todas o que a R. pretendia do A., que via a sua carreira profissional “ir por água abaixo” depois de tantos anos de dedicação, empenho e profissionalismo.
Quanto aos colegas de trabalho do A., relativamente aos quais invoca ter sido discriminado, ficou provado o seguinte:
■ em 1992 eram, tal como o Autor, Directores Comerciais o Dr. S......., o Dr. X......., o Dr. R......., o Dr. F......., o Eng.º T…., o Eng.º U......., o Eng.º V.......;
■ no ano de 2010, 5 destes 7 trabalhadores auferiram um vencimento mensal médio global superior a € 5.300,00;
■ O…. e Q…. foram admitidos pela Ré em 2002 ou 2003 para funções de Responsáveis de Zona/Especialistas de Função Comercial e logo no ano da sua admissão começaram por auferir retribuições superiores à do Autor;
■ alguns dos trabalhadores da Ré a quem lhes foi retirado o uso de cartão de crédito e o subsídio especial de função viram o valor inerente aos mesmos integrado nas respectivas remunerações mensais, por decisão do Conselho de Administração da Ré.
5.1.3. O artigo 59.º, n.º 1, alínea a), da Constituição da República Portuguesa confere aos trabalhadores o direito fundamental de, sem distinção de idade, sexo, raça, cidadania, território de origem, religião, convicções políticas ou ideológicas, serem retribuídos pelo seu trabalho segundo a quantidade, natureza e qualidade, observando-se o princípio de que para trabalho igual salário igual.
Como se diz no Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.10.21[15], este princípio “está ancorado no princípio, mais amplo, da igualdade, consignado no art.º 13.º da mesma Constituição e, dada a sua natureza, não obstante a respectiva inserção no Título III, postula não só uma natureza negativa (no sentido de proibição da respectiva violação), como ainda uma aplicabilidade directa em moldes similares aos direitos, liberdades e garantias incluídos nos Títulos I e II da sua Parte I, impondo-se a sua aplicação e vinculatividade às entidades públicas e privadas, como comanda o n.º 1 do art.º 18.º”.
Tem sido entendimento pacífico do Supremo Tribunal de Justiça, o de que as exigências do princípio da igualdade se reconduzem, no fundo, à proibição do arbítrio, não impedindo, pois, em absoluto, toda e qualquer diferenciação de tratamento, mas apenas as diferenciações materialmente infundadas, sem qualquer fundamento razoável ou justificação objectiva e racional, como são as baseadas nos motivos indicados no artigo 59.º, n.º 1 da Constituição da República Portuguesa[16].
É dizer que, “devendo tratar-se por igual o que é substancial e essencialmente igual e desigualmente o que é essencialmente desigual, são legítimas as medidas de diferenciação de tratamento fundadas em distinção objectiva de situações, não baseadas em qualquer motivo constitucionalmente impróprio, que tenham um fim legítimo à luz do ordenamento constitucional positivo, e se revelem necessárias, adequadas e proporcionais à satisfação do objectivo prosseguido[17].
No âmbito do Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 99/2003, de 27 de Agosto, a matéria da igualdade e não discriminação vinha regulada nos seguintes termos:
«Artigo 22.º
(Direito à igualdade no acesso ao emprego e no trabalho)
1 — Todos os trabalhadores têm direito à igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho.
2 — Nenhum trabalhador ou candidato a emprego pode ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião convicções religiosas ou ideológicas e filiação sindical.
Artigo 23.º
(Proibição de discriminação)
1 — O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, baseada, nomeadamente, na ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical.
2 — Não constitui discriminação o comportamento baseado num dos factores indicados o número anterior, sempre que, em virtude da natureza das actividades profissionais em causa ou do contexto da sua execução, esse factor constitua requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 — Cabe a quem alegar a discriminação fundamentá-la, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que as diferenças de condições de trabalho não assentam em nenhum dos factores indicados no n.º 1.
Artigo 26.º
(Obrigação de Indemnização)
Sem prejuízo do disposto no Livro II, a prática de qualquer acto discriminatório lesivo de um trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a uma indemnização, por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais.»
A Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho, que regulamentou aquele Código, veio estabelecer quanto à matéria da igualdade e não discriminação que:
«Artigo 32.º
Conceitos
1 — Constituem factores de discriminação, além dos previstos no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho, nomeadamente, o território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social.
2 — Considera-se:
a) Discriminação directa sempre que, em razão de um dos factores indicados no referido preceito legal, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar pessoas que se incluam num dos factores característicos indicados no referido preceito legal numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) [...]
d) [...]
3 — Constitui discriminação uma ordem ou instrução que tenha a finalidade de prejudicar pessoas em razão de um factor referido no n.º 1 deste artigo ou no n.º 1 do artigo 23.º do Código do Trabalho.
Artigo 35.º
Extensão da protecção em situações de discriminação
Em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho, à formação profissional e nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de licença por maternidade, dispensa para consultas pré-natais, protecção da segurança e saúde e de despedimento de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licença parental ou faltas para assistência a menores, aplica-se o regime previsto no n.º 3 do artigo 23.º do Código do Trabalho em matéria de ónus da prova.»
Os artigos 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho de 2003 e 25.º, n.º 5 do Código do Trabalho de 2009 estabelecem uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores. Nestas situações, ao trabalhador basta alegar e demonstrar que há uma diferença de tratamento e que a mesma se fundamenta em algum dos factores de discriminação estabelecidos na lei, indicando o trabalhador ou trabalhadores em relação aos quais se considera discriminado, para que se inverta a regra geral do ónus da prova estabelecido no art.º 342.º do Código Civil, e passe a caber ao empregador, para ilidir aquela presunção, o ónus de provar que o tratamento conferido ao trabalhador não assenta em nenhum dos factores de discriminação indicados na lei.
À luz do regime do Código do Trabalho de 2003, constituía jurisprudência pacífica a de que a inversão do ónus da prova a que alude o n.º 3, do art. 23.º, do CT, complementado pelos arts. 32.º e 35.º do RCT (Regulamento aprovado pela Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), com a presunção que nela se contém, pressupõe a alegação e prova, por banda do trabalhador, de factos que constituam factores característicos de discriminação[18].
Assim, não sendo invocado e provado tal fundamento, e sendo alegada por exemplo discriminação salarial, constitui ónus do autor alegar e provar factos bastantes que permitam concluir pela verificação da prestação de trabalho, objectivamente semelhante em natureza, qualidade e quantidade relativamente ao trabalhador face ao qual se diz discriminado, não bastando, para o efeito do juízo comparativo a estabelecer, a prova da mesma categoria profissional e da diferença retributiva
O Código do Trabalho aprovado pela Lei n.º 7/2009, de 12 de Fevereiro contempla a esta matéria o nos artigos 23.º e ss., disciplinando a igualdade e não discriminação em função dos vários factores que enuncia e mantendo os princípios gerais e sistemas de valores expressos em 2003, embora abarcando no Código disposições que antes se encontravam no Regulamento[19].
Aí se estabelece que:
«Artigo 23.º
Conceitos em matéria de igualdade e não discriminação
1 - Para efeitos do presente Código, considera-se:
a) Discriminação directa, sempre que, em razão de um factor de discriminação, uma pessoa seja sujeita a tratamento menos favorável do que aquele que é, tenha sido ou venha a ser dado a outra pessoa em situação comparável;
b) Discriminação indirecta, sempre que uma disposição, critério ou prática aparentemente neutro seja susceptível de colocar uma pessoa, por motivo de um factor de discriminação, numa posição de desvantagem comparativamente com outras, a não ser que essa disposição, critério ou prática seja objectivamente justificado por um fim legítimo e que os meios para o alcançar sejam adequados e necessários;
c) Trabalho igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são iguais ou objectivamente semelhantes em natureza, qualidade e quantidade;
d) Trabalho de valor igual, aquele em que as funções desempenhadas ao serviço do mesmo empregador são equivalentes, atendendo nomeadamente à qualificação ou experiência exigida, às responsabilidades atribuídas, ao esforço físico e psíquico e às condições em que o trabalho é efectuado.
2 - Constitui discriminação a mera ordem ou instrução que tenha por finalidade prejudicar alguém em razão de um factor de discriminação.
Artigo 24.º
Direito à igualdade no acesso a emprego e no trabalho
1 - O trabalhador ou candidato a emprego tem direito a igualdade de oportunidades e de tratamento no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção ou carreira profissionais e às condições de trabalho, não podendo ser privilegiado, beneficiado, prejudicado, privado de qualquer direito ou isento de qualquer dever em razão, nomeadamente, de ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, situação económica, instrução, origem ou condição social, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência, doença crónica, nacionalidade, origem étnica ou raça, território de origem, língua, religião, convicções políticas ou ideológicas e filiação sindical, devendo o Estado promover a igualdade de acesso a tais direitos.
2 – O direito referido no número anterior respeita, designadamente:
a) A critérios de selecção e a condições de contratação, em qualquer sector de actividade e a todos os níveis hierárquicos;
b) A acesso a todos os tipos de orientação, formação e reconversão profissionais de qualquer nível, incluindo a aquisição de experiência prática;
c) A retribuição e outras prestações patrimoniais, promoção a todos os níveis hierárquicos e critérios para selecção de trabalhadores a despedir;
d) A filiação ou participação em estruturas de representação colectiva, ou em qualquer outra organização cujos membros exercem uma determinada profissão, incluindo os benefícios por elas atribuídos.
3 – […]
4 - […]
5 - […]
Artigo 25.º
Proibição de discriminação
1 - O empregador não pode praticar qualquer discriminação, directa ou indirecta, em razão nomeadamente dos factores referidos no n.º 1 do artigo anterior.
2 - Não constitui discriminação o comportamento baseado em factor de discriminação que constitua um requisito justificável e determinante para o exercício da actividade profissional, em virtude da natureza da actividade em causa ou do contexto da sua execução, devendo o objectivo ser legítimo e o requisito proporcional.
3 - São nomeadamente permitidas diferenças de tratamento baseadas na idade que sejam necessárias e apropriadas à realização de um objectivo legítimo, designadamente de política de emprego, mercado de trabalho ou formação profissional.
4 - […]
5 - Cabe a quem alega discriminação indicar o trabalhador ou trabalhadores em relação a quem se considera discriminado, incumbindo ao empregador provar que a diferença de tratamento não assenta em qualquer factor de discriminação.
6 - O disposto no número anterior é designadamente aplicável em caso de invocação de qualquer prática discriminatória no acesso ao trabalho ou à formação profissional ou nas condições de trabalho, nomeadamente por motivo de dispensa para consulta pré-natal, protecção da segurança e saúde de trabalhadora grávida, puérpera ou lactante, licenças por parentalidade ou faltas para assistência a menores.
7 - É inválido o acto de retaliação que prejudique o trabalhador em consequência de rejeição ou submissão a acto discriminatório.
8 - […]
Artigo 28.º
Indemnização por acto discriminatório
A prática de acto discriminatório lesivo de trabalhador ou candidato a emprego confere-lhe o direito a indemnização por danos patrimoniais e não patrimoniais, nos termos gerais de direito.»
Os “factores de discriminação” em função dos quais é tratada a matéria da igualdade e não discriminação estão contidos nos artigos 24.º e 25.º, pelo que com estes preceitos devem ser articuladas as alíneas a) e b) do artigo 23.º, n.º1[20], bem como as demais normas incluídas na subsecção destinada aquela matéria, entre as quais a que estabelece a inversão do ónus da prova.
Na verdade, apesar de o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho de 2009 não referenciar agora expressamente o preceito em que se mostram descritos os factores a que se reporta (como sucedia com o n.º 3 do artigo 23.º do Código do Trabalho de 2003, que expressamente aludia aos “factores indicados no n.º 1), não deixa de precisar que se trata de “factores de discriminação”, pelo que necessariamente deverá o intérprete ter presentes os factores enunciados nos artigos 24.º e 25.º.
Cremos, pois, que mantém actualidade a jurisprudência que se firmou no âmbito do Código do Trabalho de 2003[21], continuando a dever entender-se que numa acção em que se não invocam quaisquer factos que, de algum modo, possam inserir-se na categoria de factores característicos de discriminação, no sentido referido, não funciona a aludida presunção e compete ao autor, nos termos do artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, alegar e provar factos que, referindo-se à natureza, qualidade e quantidade de trabalho prestado por trabalhadores da mesma empresa e com a mesma categoria, permitam concluir que a diferente progressão na carreira e o pagamento de diferentes remunerações viola o princípio da igualdade, pois que tais factos se apresentam como constitutivos do direito que pretende fazer valer.
5.1.4. No caso sub judice, entendemos que o recorrente, a quem se impunha alegar e demonstrar, por um lado, que houve uma diferença de tratamento relativamente aos trabalhadores identificados no ponto 51. da matéria de facto e, por outro, que a mesma se fundamenta em algum dos factores de discriminação estabelecidos na lei, não logrou alcançar tal desiderato.
Com efeito, apenas se sabe que cinco trabalhadores que em 1992 eram, como o A., Directores Comerciais, auferiam em 2010 – dezoito anos volvidos sobre o momento em que desempenhavam as mesmas funções de que o A. então se mostrava incumbido –, retribuição média mensal superior a € 5.300,00 [factos 51. e 51-A.] e que dois outros trabalhadores ulteriormente admitidos como Responsáveis de Zona, o foram com vencimento superior ao do A. [facto 52.].
O A., por seu turno, auferia em 2010 a remuneração mensal de € 3.316,00 [facto 57.].
Neste contexto, afigura-se-nos que no caso em análise não se pode afirmar, sequer, haver uma diferença de tratamento.
Na verdade, desconhece-se, desde logo, se no momento em que o A. alega haver paridade funcional com os trabalhadores referidos no ponto 51. da matéria de facto (entre 1992 e 1994) existia igualmente paridade retributiva e eram as mesmas as condições laborais de todos estes trabalhadores, vg. de antiguidade e mérito, não se mostrando alegada nenhuma outra circunstância de identidade entre o A. e aqueles trabalhadores para além do concomitante exercício das funções de Director Comercial em comissão de serviço.
E, sobretudo, desconhece-se, de todo, qual foi o ulterior percurso profissional dos cinco trabalhadores referidos no facto 51-A., para além do momento em que aquelas pessoas desempenharam as funções de Director Comercial, desconhece-se o mérito, ou demérito, do seu exercício funcional e desconhece-se em que condições e sob que pressupostos decorreu a evolução da sua carreira profissional ao serviço da R. a partir de 1994 e nos dezoito anos que se seguiram, por comparação com a carreira profissional do recorrente que em traços largos se deixou descrita.
Como bem se diz na sentença da 1.ª instância, “[a] matéria de facto alegada e apurada não permite estabelecer o indispensável confronto entre a situação objectiva destes trabalhadores e a do Autor, nem formular qualquer juízo quanto ao alegado tratamento discriminatório no que respeita ao acesso à carreira profissional e ao estatuto profissional e remuneratório. Para além da identificação daqueles trabalhadores efectuada pelo Autor, o mesmo teria ainda que fazer prova do facto que serve de base à presunção prevista no nº 5 do art. 25º do Cód. do Trabalho (cfr. Antunes Varela, in R.L.J. 122º, págs. 217 e 218), ou seja, no caso concreto, os pressupostos para a ocorrência de qualquer situação discriminatória”.
Repare-se que dentro do organigrama da R. a partir do nível 6 os cargos são preenchidos por nomeação, e não por concurso [facto 9.], e que o A. foi sempre sendo nomeado para cargos sucessivos desde 1994, chegando a recusar quando entendeu não ser adequado aceitar o que lhe era proposto (como sucedeu com a proposta para Responsável de área em 1995) e sendo-lhe atribuídos, ao longo do seu percurso profissional complementos remuneratórios e subsídios (de chefia e especial de função) de que anteriormente não dispunha, embora limitados no tempo ao exercício das funções que ía desempenhando.
Aliás, o que o A. invoca na petição inicial quanto à sua expectativa do que chama de uma “progressão normal na sua carreira” que, na sua perspectiva, “lhe tem sido vedada” é que seguramente faria parte da Administração de uma das empresas participadas do grupo da R. ou exerceria funções de apoio e consultoria ligadas a estes órgãos ou em desenvolvimento de projectos compatíveis com o seu estatuto profissional (artigo 160.º da petição inicial).
Ou seja, sem explicitar, nunca, qual foi o percurso profissional dos outros trabalhadores que exerceram as funções de Directores Comerciais em 1992, apela a cargos que não podem ser desenvolvidos ao abrigo de um contrato de trabalho (cfr. o artigo 398.º do Código das Sociedades Comerciais) e a outros que apenas se compreendem no âmbito de uma especial relação de confiança inter-pessoal entre trabalhador e empregador, pelo que, por definição, nunca relativamente aos mesmos se poderia falar de uma diferença de tratamento entre colegas de trabalho no desenvolvimento de relações de natureza laboral.
Acresce que, ainda que se considerasse que a discrepância na evolução da carreira profissional e retributiva do recorrente por comparação com as dos trabalhadores identificados na matéria de facto consubstancia uma efectiva diferença de tratamento, não vem alegado que tal tratamento se baseou em qualquer dos factores de discriminação pressupostos na lei, pelo que não tem aplicação o que dispõe o n.º 5 do artigo 25.º do Código do Trabalho, e sempre valeria a regra consignada no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, competindo ao A. alegar e provar os factores que pudessem revelar o tratamento discriminatório.
Ora no caso em apreço não se provou, nem foi alegado, que os comportamentos imputados à Ré foram determinados, directa ou indirectamente, pela ascendência, idade, sexo, orientação sexual, estado civil, situação familiar, património genético, capacidade de trabalho reduzida, deficiência ou doença crónica, nacionalidade, origem étnica, religião, convicções políticas ou ideológicas, filiação sindical, território de origem, língua, raça, instrução, situação económica, origem ou condição social (artigos 24.º e 25.º do Código do Trabalho), ou outros qualitativamente equiparáveis (situações e opções do trabalhador, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, que atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei).
Ao invés, desconhecem-se, de todo, as razões que estão na base das diferenças no valor das retribuições paras pela recorrida ao recorrente e aos trabalhadores identificados na matéria de facto.
Não cuidando, por ora, de saber se a violação do direito de ocupação efectiva não traduz, em si mesma, uma atitude discriminatória, cremos que ao nível da progressão na carreira até à nomeação do A. como Gestor de Projectos e ao seu concreto estatuto remuneratório – o que está em causa na questão que analisamos e no pedido de diferenças salariais adrede formulado – não é possível, com os dados disponíveis, estabelecer o indispensável confronto entre a situação objectiva que conduziu à diferenciação no percurso profissional destas pessoas e no seu estatuto remuneratório que se extrai da matéria de facto, em ordem a apurar se o comportamento da R. se reveste, ou não, de algum arbítrio.
Finalmente, e quanto aos trabalhadores a quem foi retirado o SEF e o cartão de crédito, não intentou sequer o A. proceder à sua identificação conforme prescreve o artigo 25.º, n.º 5 do Código do Trabalho, tendo ficado provado, apenas, que “alguns dos trabalhadores da Ré a quem lhes foi retirado o uso de cartão de crédito e o subsídio especial de função viram o valor inerente aos mesmos integrado nas respectivas remunerações mensais, por decisão do Conselho de Administração da Ré”, o que é manifestamente insuficiente para os efeitos pretendidos [facto 53.]
Não existe, assim, matéria susceptível de viabilizar um juízo de desigualdade materialmente infundada, pelo que improcede a pretensão do recorrente no sentido de ser actualizado o seu vencimento e complementos salariais em termos equivalentes aos dos seus colegas de trabalho identificados no ponto 51. da matéria de facto.
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5.2. Da qualificação retributiva e transitoriedade – ou não – do VUP (veículo de utilização permanente) e do SEF (subsídio especial de função)
5.2.1. Invoca o recorrente que a recorrida tem alterado a sua remuneração de forma ilegal pois já antes de ser transferido para o Porto, tinha como parte integrante da sua retribuição, um veículo de utilização permanente (VUP), plafond de cartão de crédito e telemóvel, tendo-lhe sido retirados tais complementos de forma totalmente arbitrária.
No final defende que a recorrida deve ser condenada a atribuir o VUP e SEF por fazerem parte integrante da sua retribuição.
A sentença recorrida, no que diz respeito a esta matéria, discorreu nos seguintes termos:
“[…]
Desde 1993 que o Autor vem desempenhando funções ao serviço da Ré em regime de comissão de serviço.
Recordando o que já acima ficou exposto quanto ao regime jurídico da comissão de serviço, o exercício de funções por qualquer trabalhador no âmbito desta figura contratual especial é transitório e não determina (ao contrário do que sucede normalmente) a aquisição do estatuto profissional e remuneratório que lhes esteja ligado.
Uma vez cessada a comissão de serviço, cessa de igual forma a inclusão do trabalhador na categoria profissional e estatuto remuneratório respectivos, com perda das regalias e suplementos retributivos inerentes ao cargo temporariamente ocupado, regressando à categoria de origem.
Apenas esta última se encontra salvaguardada pelos princípios da estabilidade e da irredutibilidade da retribuição.
No caso dos autos, não foi alegado nem se encontra demonstrado que aquelas regalias fizessem parte do estatuto remuneratório do Autor antes de 1993. Pelo contrário, as mesmas encontram-se directamente ligadas a cada comissão de serviço exercida, tendo sido atribuídas na altura da respectiva nomeação:
- em 1994, quando foi nomeado gestor de redes, foi-lhe atribuído VUP, telemóvel e cartão de crédito, retirados quando cessou a comissão de serviço em 1995;
- em 1996, quando foi nomeado responsável pelo TPN, foi-lhe novamente atribuído VUP (enquanto desempenhasse essas funções), telemóvel e SEF em 2001;
- em 2004, quando foi nomeado gestor de projectos, foi-lhe atribuído de novo VUP (com combustível) e telemóvel.
Conclui-se, assim, que estas regalias não fazem parte integrante do estatuto remuneratório do Autor, sendo apenas devidas enquanto o mesmo se encontrou no exercício de cada um dos cargos e respectivas funções.
Concretizando e começando pelo SEF (subsídio especial de função), foi inicialmente atribuído, como vimos, em 2001 e “enquanto no desempenho do cargo de TPN”. Não integrou o conjunto das regalias inerentes à nova comissão de serviço (Gestor de Projectos OPE) que se iniciou em Novembro de 2004, cessando por isso o respectivo direito com a cessação das funções de TPN.
No que respeita à utilização de cartão de crédito, este benefício foi concedido ao Autor em 1994, quando foi nomeado gestor de redes. Não voltou a ser atribuído na nova comissão de serviço iniciada em 1996, acabando assim o direito ao mesmo com a cessação desta comissão de serviço em 1995.
Face ao exposto, é inevitável a improcedência dos pedidos respeitantes a estas regalias [pedidos identificados sob as alíneas D), E) e F)].
[…]”
A sentença debruça-se depois sobre o VUP, afirmando também a sua transitoriedade por ter sido atribuído ao A., nomeadamente nas comissões de serviço iniciadas em 1992, 1994, 1996 e 2004, vindo a concluir que o mesmo é devido enquanto persistir esta última comissão de serviço para o exercício de funções de Gestor de Projectos que o recorrente desempenhava em Março de 2009.
Como já se referiu, o recorrente não questionou a validade e vigência das sucessivas nomeações em regime de comissão de serviço que ocorreram para o exercício das funções de que foi incumbido, nem as consequências que daí retira a sentença recorrida no que diz respeito à transitoriedade do inerente estatuto retributivo (com invocação do que estabelece a lei e o instrumento de regulamentação colectiva aplicável).
A tese que no recurso pretende fazer valer, é a de que já antes de ser transferido para as instalações da recorrida no Porto, tinha como parte integrante da sua retribuição, um veículo de utilização permanente (VUP), plafond de cartão de crédito e telemóvel, tendo a recorrida retirado tais complementos ao recorrente de forma totalmente arbitrária [conclusões 14.ª e 15.ª], daqui concluindo que a recorrida deve ser condenada a reparar os danos patrimoniais que causou com a sua conduta ilícita, atribuindo-lhe o veículo de utilização permanente (VUP) e subsídio especial de função (SEF), por fazerem parte integrante da sua remuneração.
Funda, pois, o seu alegado direito ao VUP e ao SEF – que quer ver reconhecido no recurso – na circunstância de serem devidos por já anteriormente às nomeações em comissão de serviço fazerem parte integrante da sua remuneração (o VUP desde 1987 e o SEF porque se destinou a substituir o cartão de crédito de que já anteriormente beneficiava) e por ter o A. atingido o nível de Quadro Superior dentro da estrutura da R.
5.2.2. Quanto a esta última circunstância, nada resulta dos factos provados susceptível de demonstrar que os trabalhadores da R. que atingem o nível de Quadro Superior têm, por esse estrito motivo, direito a veículo de utilização permanente e subsídio especial de função. Pelo contrário, os diversos despachos e deliberações do Conselho de Administração reproduzidas na matéria de facto denotam serem estes complementos remuneratórios associados à nomeação para o exercício de funções específicas, designadamente em comissão de serviço, cessando a sua atribuição quando cessam tais funções [vide os factos, 5., 8., 13., 16., 17. e 19.], ou seja, independentemente da categoria profissional e do nível atingido pelo trabalhador.
E do instrumento de regulamentação colectiva que o recorrente invoca ser-lhe aplicável a partir de 20 de Abril de 2008 – o AE/C..... publicado no BTE n.º 14 de 15 de Abril de 2008 – não consta qualquer cláusula convencional que determine a atribuição de semelhantes complementos remuneratórios a quem detém determinada categoria profissional, vg. a categoria invocada pelo recorrente de Quadro Superior Sénior – nível 8.
5.2.3. Cabe pois aferir se se mostram provados nos autos factos suficientes para afirmar que, como o recorrente alega, já antes de ser transferido para as instalações da recorrida no Porto tinha como “parte integrante da sua retribuição” veículo de utilização permanente (VUP) e cartão de crédito, que veio, como alega, a ser substituído pelo subsídio especial de função (SEF), o que, a verificar-se, acarretaria a ilicitude dos actos que fizeram cessar a atribuição de tais complementos remuneratórios uma vez findos os sucessivos cargos desempenhados pelo recorrente em comissão de serviço.
Para tanto terão que se ter presentes os regimes laborais sucessivamente em vigor ao longo do tempo por que perdurou o contrato de trabalho que vincula as partes.
5.2.3.1. No âmbito da LCT aprovada pelo Decreto-Lei n.º 49.408 de 24 de Novembro de 1969, o respectivo artigo 82.º estabelecia no seu n.º 1 que “[s]ó se considera retribuição aquilo a que nos termos do contrato, das normas que o regem ou dos usos, o trabalhador tem direito como contrapartida do seu trabalho”, assim qualificando as diferentes prestações que constituem retribuição. No n.º 2 refere o conteúdo da retribuição, a chamada "retribuição complexiva", que pode abranger numerosas prestações pecuniárias ou em espécie e no n.º 3 estabelece uma presunção de que constituem retribuição as prestações do empregador ao trabalhador.
A noção legal de retribuição, conforme se deduz deste preceito, será a seguinte: o conjunto de valores (pecuniários ou não) que a entidade patronal está obrigada a pagar regular e periodicamente ao trabalhador em razão da actividade por ele desempenhada (ou, mais rigorosamente, da disponibilidade da força de trabalho por ele oferecida)[22].
A retribuição representa, assim, a contrapartida, por parte do empregador, da prestação de trabalho efectuada pelo trabalhador, sendo que o carácter retributivo de uma certa prestação exige regularidade (no sentido de constância) e periodicidade (no sentido de ser satisfeita em períodos aproximadamente certos) no seu pagamento, o que tem um duplo sentido: por um lado apoia a presunção da existência de uma vinculação prévia do empregador; por outro lado assinala a medida das expectativas de ganho do trabalhador, conferindo relevância à íntima conexão existente entre a retribuição e a satisfação das necessidades pessoais e familiares do trabalhador[23].
Do conceito legal apenas se excluem as meras liberalidades que não correspondem a um dever do empregador imposto por lei, por instrumento de regulamentação colectiva, por contrato individual ou pelos usos da profissão e da empresa e aquelas prestações cuja causa determinante não seja a prestação da actividade pelo trabalhador ou uma situação de disponibilidade deste para essa prestação, prestações que tenham, pois, uma causa específica e individualizável, diversa da remuneração da disponibilidade para o trabalho[24].
Sobre a classificação do carácter regular e periódico das prestações, diz Monteiro Fernandes que “[a] repetição (por um número significativo de vezes, que não é possível fixar a priori) do pagamento de certo valor, com identidade de título e/ou de montante, cria a convicção da sua continuidade e conduz a que o trabalhador, razoavelmente, paute o seu padrão de consumo por tal expectativa – uma expectativa que é justamente protegida”[25].
No âmbito dos Códigos do Trabalho de 2003 e de 2009, os artigos 249.º e 258.º estabeleceram sucessivamente os ali denominados “princípios gerais da retribuição” de modo similar.
Como resulta do que já foi dito a propósito do conceito de retribuição, esta abrange todos os benefícios outorgados pelo empregador como contrapartida da disponibilidade da força de trabalho que, dada a sua regularidade e periodicidade, confiram ao trabalhador a justa expectativa do seu recebimento.
Assim, a colocação de uma viatura por parte da entidade patronal ao serviço do trabalhador para “utilização permanente” sem qualquer restrição (em serviço e na vida particular) constitui um elemento da retribuição[26], o mesmo devendo dizer-se da atribuição de um plafond do cartão de crédito mensal[27], revestindo-se ambos de natureza retributiva na medida em representam para o trabalhador um evidente valor económico.
5.2.3.2. Perante este quadro normativo poderá afirmar-se que o VUP e o SEF constituem parte integrante da retribuição do recorrente como este afirma?
Ficou provado nestes autos que no Despacho de Nomeação para Gestor de Redes [de Fevereiro de 1994] foi atribuído ao A. o nível 6, mantendo o vencimento mensal que já anteriormente auferia de € 2.106,97, bem como VUP (veículo de utilização permanente), telemóvel e cartão de crédito [factos 4. e 5].
Não logrou o A. provar, como pretendia, que desde o ano de 1987 lhe tinha sido atribuído pela R. um VUP, tendo sido atribuído cartão de crédito “posteriormente” (termo este que também não esclareceria se a atribuição era ou não recente e se, designadamente, se inscreveu no exercício de funções de Director Comercial em comissão de serviço a partir de 1992).
Pode apenas afirmar-se, em face dos factos provados, que o A. beneficiara antes de Fevereiro de 1994 de VUP, telemóvel e cartão de crédito, uma vez que tais atribuições se mantiveram com a nomeação ocorrida nessa data para Gestor de Redes em comissão de serviço, como resulta dos factos 4. e 5..
Ora, tendo em consideração que o A. não logrou provar em que data e em que circunstâncias foram antes de Fevereiro de 1994 atribuídos o VUP e o cartão de crédito, nem por que período temporal se deu a atribuição destes complementos patrimoniais antes do Despacho de Nomeação para Gestor de Redes, e tendo presente que uma prestação só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência[28], não é possível emitir um juízo sobre a regularidade destas prestações antes daquela data e, consequentemente, sobre a sua natureza retributiva.
Não pode pois concluir-se, como pretende o recorrente, que aquelas atribuições patrimoniais constituíam parte integrante da sua retribuição já antes de ser transferido para as instalações da recorrida no Porto.
Acresce que entre 1992 e 1994 o A. exerceu as funções de Director Comercial também em comissão de serviço [factos 2. a 4.], pelo que, se na comissão de serviço como Gestor de Redes que se iniciou em 1994 se mantiveram o VUP e o cartão de crédito, necessariamente que os mesmos foram percebidos no âmbito funcional que imediatamente antecedeu a nomeação para Gestor de Redes, ou seja, no âmbito do exercício pelo A. das funções de Director Comercial em comissão de serviço e de modo algum está demonstrado que, antes de 1992, o A. beneficiasse já de tais complementos remuneratórios.
O que é inequívoco, é que o VUP foi sucessivamente atribuído ao A. nas comissões de serviço iniciadas em 1994, 1996 e 2004, não beneficiando o A. do mesmo a partir de Outubro de 1995, quando cessou a comissão de serviço iniciada em Fevereiro de 1994, e até Março de 1996, quando foi novamente nomeado em comissão de serviço para Responsável pelo Centro de Transportes do Norte. A circunstância de dele beneficiar antes da nomeação ocorrida em Fevereiro de 1994, uma vez que antes de tal nomeação se encontrava em desenvolvimento da comissão de serviço como Director Comercial [factos 2. a 4.] – o que à partida excluiria a sua submissão ao princípio da irredutibilidade da retribuição, como decidido na sentença da 1.ª instância –, também nada adianta no sentido de levar a concluir que o VUP fazia parte integrante da retribuição do recorrente independentemente do exercício de funções em comissão de serviço.
No que diz respeito ao cartão de crédito, não demonstrou igualmente o recorrente que o mesmo pudesse considerar-se parte integrante da sua retribuição antes de Fevereiro de 1994, também aqui podendo explicar-se aquela atribuição patrimonial com o desenvolvimento da comissão de serviço que se desenrolou entre 1992 e 1994. Acresce que quando cessou a comissão de serviço como Gestor de Redes em Outubro de 1995, cessou igualmente a atribuição de plafond de cartão de crédito ao recorrente por parte da recorrida, nunca mais voltando a o recorrente a beneficiar desta específica atribuição patrimonial.
Deve todavia acrescentar-se, quanto a este aspecto, que o direito ao SEF que o recorrente se arroga na apelação nunca poderia radicar-se na consideração do cartão de crédito como parte integrante da sua remuneração. No caso específico do recorrente, quando o SEF lhe foi atribuído em Março de 2001 por despacho do Conselho de Administração, não surgiu como um sucedâneo do cartão de crédito de que já não beneficiava há quase 6 anos (desde Outubro de 1995 quando cessou a comissão de serviço como Gestor de Redes), mas como um complemento remuneratório atribuído expressamente “enquanto no desempenho do cargo de TPN” (facto 16.), vindo a cessar justamente quando cessou o exercício de tal cargo e foi nomeado em Novembro de 2004 como Gestor de Projectos OPE (facto 19.).
Assim, apesar de a ordem de serviço de 1999 (facto 14.) referenciar que o SEF substitui os anteriores plafonds de crédito atribuídos a quadros superiores dos C....., uma vez que em 1999 o A. não beneficiava de qualquer cartão de crédito, nem tão pouco passou então a receber o SEF, não tem esta ordem de serviço relevo imediato para a sua situação pessoal. O mesmo deve dizer-se quanto à ordem de serviço de 1996, exactamente pelos mesmos motivos (facto 17.).
O teor destas ordens de serviço do Conselho de Administração tem apenas interesse para fazer compreender o modo como a R. perspectivou o SEF ao longo do tempo: como uma compensação de tipo transitório circunscrita ao período de execução efectivo de determinadas funções, dependente de despacho de concessão individual e cessando com o termo das funções que o justificam; e como uma prestação que, a determinada altura, veio substituir o cartão de crédito atribuído a quadros superiores que exerciam determinadas funções técnicas, de chefia ou de direcção, sendo pago 14 vezes por ano.
Neste contexto, não merece qualquer censura a decisão do tribunal a quo na parte em que decidiu ter cessado o direito ao SEF com a cessação das funções de TPN e circunscrever-se o direito ao VUP ao exercício das sucessivas comissões de serviço em que foi atribuído, não reconhecendo que tais prestações fazem parte integrante da retribuição do recorrente independentemente das referidas comissões de serviço.
Soçobra, nesta parte, o recurso, não procedendo o pedido de condenação da recorrida a atribuir ao recorrente o veículo de utilização permanente (VUP) e subsídio especial de função (SEF), por fazerem parte integrante da sua remuneração [conclusão 27.ª].
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5.3. Da violação do princípio da irredutibilidade da retribuição com a retirada, em Março de 2009, do veículo de utilização permanente (VUP) e plafond de combustível atribuídos ao autor
Invoca a R. recorrente que o facto de a regulamentação de 2005 sobre o VUP ter data posterior à do despacho de nomeação do A. para o cargo de gestor de projectos OPE (2004) não significa que o empregador não pudesse definir as condições de atribuição e uso de viatura pessoal, pelo que, ao não renovar o contrato de utilização da viatura (VUP) porque não foi proposta pela respectiva chefia a atribuição de nova VUP, após o contrato de leasing caducar, como seria exigível face às ordens de serviço que regulamentam a atribuição deste tipo de viaturas aos titulares de cargos, não diminuiu a retribuição do A.
A sentença recorrida, a este propósito, teceu as seguintes considerações:
“[…]
O VUP tem sido sucessivamente atribuído ao Autor, nomeadamente das comissões de serviço iniciadas em 1992, 1994, 1996 e 2004.
Na nomeação de 2004, foi deliberado pelo Conselho de Administração da Ré que a utilização de VUP incluía combustível (ponto 19º dos factos provados). Porém, esta regalia foi-lhe retirada em Março de 2009, por ter cessado o contrato de leasing e não ter sido proposta pela sua chefia a atribuição de nova VUP.
Esta decisão, tomada em plena execução da comissão de serviço (que ainda vigora), não obstante a sua conformidade com ordens de serviço emanadas do Conselho de Administração da Ré (pontos 46º e 47º), viola os termos contratuais estabelecidos aquando da nomeação, consubstanciando uma diminuição retributiva - já que o VUP integra inequivocamente, embora no âmbito estrito da comissão de serviço, o conceito de retribuição, por se destinar a utilização permanente do trabalhador - injustificada e inconcebível, sendo naturalmente ilegal por violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
Como é sabido, encontra-se vedada à entidade empregadora a possibilidade de diminuir a retribuição do trabalhador. Esta é uma das garantias do trabalhador estabelecida na al. d) do nº 1 do art. 129º do Cód. do Trabalho, como decorrência do referido princípio da irredutibilidade da retribuição.
Acrescente-se, ainda, que esta redução não pode ser legitimada pelo acordo do trabalhador, dado o carácter irrenunciável do direito à retribuição durante a vigência do contrato de trabalho. As disposições constantes das ordens de serviço referidas no ponto 46º dos factos provados e a declaração de aceitação do Autor são, por isso, nulas, não produzindo quaisquer efeitos (arts. 280º nº 1 e 289º nº 1, ambos do Cód. Civil).
Assim, assiste ao Autor direito à utilização de veículo de utilização permanente e plafond mensal de combustível, não por via do seu estatuto remuneratório mas sim como decorrência da comissão de serviço em vigor e enquanto a mesma não cessar.
[…]”
Sufragamos, na sua essencialidade, o que vem dito pelo tribunal a quo.
Na verdade, como resulta com evidência dos factos provados, faz parte do estatuto remuneratório do A. no âmbito da comissão de serviço para que foi nomeado pela R. em 2004 com vista o exercício das funções de Gestor de Projectos, a utilização de VUP com combustível. É o que claramente ficou expresso na deliberação do Conselho de Administração da R. documentada a fls. 38 [ponto 19. dos factos provados].
Ora, se é certo que, uma vez finda a comissão de serviço, a natureza precária e transitória da nomeação em causa retira ao trabalhador a expectativa do percebimento futuro das remunerações auferidas por virtude do exercício das funções em comissão de serviço[29], é igualmente certo que, enquanto persiste a execução da comissão de serviço, a qual tem “natureza laboral”[30], se impõe ao empregador observar o que foi inicialmente estipulado a propósito da retribuição, beneficiando os componentes retributivos convencionados da tutela conferida pelo artigo 129.º, n.º 1, alínea d) do Código do Trabalho de 2009, nos termos do qual é “proibido” ao empregador “[d]iminuir a retribuição, salvo nos casos previstos neste Código ou em instrumento de regulamentação colectiva de trabalho”.
Nesta alínea d) cinge-se a possibilidade de diminuição da retribuição às hipóteses contempladas no Código e nos instrumentos de regulamentação colectiva de trabalho pelo que, como concluem Pedro Romano Martinez, Guilherme Dray e Pedro Madeira de Brito, “deixou de ser lícita a diminuição de retribuição, que não resulte de modificações contratuais, por mero acordo entre as partes”[31].
Na palavra de João Leal Amado, esta proibição de regressão salarial “significa que não é lícita a diminuição da retribuição, nem por decisão unilateral do empregador, nem mesmo por mero acordo inter partes”[32].
Quer isto dizer que padecem de ilicitude:
■ quer as ordens de serviço emitidas entre 25 de Agosto de 2005 e 2009 relativamente à atribuição de VUP, em que a R. se reserva o direito de, quando entender por conveniente, alterar o plafond de atribuição ou retirar o uso da respectiva viatura ao trabalhador a que está afecto [relatadas no ponto 46. da matéria de facto];
■ quer os acordos de utilização de VUP que as partes subscreveram em Outubro de 2005 e Março de 2006, submetendo a atribuição do VUP aquelas ordens de serviço [relatados nos pontos 47. e 48. da matéria de facto].
Não obstante, este complemento remuneratório em espécie foi retirado ao A. em Março de 2009, por ter cessado o contrato de leasing e não ter sido proposta pela sua chefia a atribuição de nova VUP [factos 43. e 45.].
Face ao princípio da irredutibilidade da retribuição que se extrai da proibição consagrada na alínea d), do n.º 1, do art. 129.º do CT, e visto ainda o que estabelece o artigo 3.º, n.º 5 do mesmo diploma, a não atribuição da viatura ao A. a partir de Março de 2009, privando-o do benefício económica que a mesma representa quando persistia em vigor a comissão de serviço cuja contrapartida é integrada pela atribuição de VUP, constitui um ilícito contratual: o empregador incumpriu, na exacta medida desta privação, a obrigação a que se achava adstrito.
E é de reconhecer ao A. ora recorrido o direito ao valor pecuniário correspondente à vantagem económica que corresponderia à atribuição do veículo automóvel no período em causa e de que, em virtude da actuação ilícita da recorrente, se viu privado.
Improcede, nesta parte, o recurso da R.
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5.4. Do valor do veículo de utilização permanente (VUP) enquanto retribuição em espécie
Cabe, nesta sequência, enfrentar a questão suscitada pela R. recorrente de saber se é possível determinar o benefício económico em que o VUP, enquanto retribuição em espécie, se traduz, ou se não é possível e a condenação no valor correspondente à falta de utilização da viatura durante o tempo em que o trabalhador esteve privado do respectivo uso deveria ter sido relegada para liquidação de sentença.
Invoca a recorrente que o recorrido, nem sequer alegou qual o benefício económico que lhe adveio em virtude do uso pessoal da viatura que lhe foi atribuída e que é este o valor a considerar, pelo que a condenação, à semelhança do que sucedeu com a condenação relativa ao plafond de combustível, deveria ser remetida para liquidação de sentença.
A sentença da 1.ª instância, no que diz respeito ao valor retributivo do veículo de utilização permanente, considerou que o respectivo valor “corresponde ao valor da renda mensal de € 500,00 + IVA à taxa legal (ponto 28º dos factos provados) e é devido desde Abril de 2009 até efectiva restituição deste direito - encontrando-se já vencido até ao momento (de Abril de 2009 a Agosto de 2012, inclusive) o montante de € 20.500,00 (€ 500,00 x 41 meses), acrescido de IVA”.
Neste aspecto não a podemos acompanhar.
Com efeito, nos termos do artigo 259º do Código do Trabalho, “[a] prestação retributiva não pecuniária deve destinar-se à satisfação de necessidades pessoais do trabalhador ou da sua família e não lhe pode ser atribuído valor superior ao corrente na região”.
Decorre deste preceito que o valor da componente retributiva em espécie equivale ao benefício económico pessoal que a mesma representa para o trabalhador ou sua família.
Como constitui jurisprudência pacífica, o valor da retribuição em espécie, consubstanciada na utilização de veículo automóvel proporcionada pelo empregador é o correspondente ao benefício económico obtido pelo trabalhador, por via do uso pessoal, ou particular da viatura, nele se não incluindo o uso profissional, pelo que, tendo-se demonstrado o direito àquela retribuição em espécie, sem, contudo se apurar o exacto valor do inerente benefício económico pessoal, deve o tribunal proferir condenação ilíquida, com a consequente remissão do seu apuramento para liquidação de sentença[33].
Esta jurisprudência mostra-se em conformidade com as regras do ónus da prova prescritas no artigo 342.º, n.º 1, do Código Civil, pois são constitutivos do direito invocado à reparação pela violação do seu direito ao uso do veículo no âmbito da comissão de serviço os factos que permitam calcular o valor do benefício patrimonial de que se viu privado. Assim, tendo sido retirada ao trabalhador a viatura, competirá a este alegar e provar o prejuízo que para si resultou da não utilização da mesma na sua vida particular.
O tribunal recorrido fez coincidir o valor do prejuízo do trabalhador com o valor mensal que a R. suportava com o respectivo contrato de leasing.
Ora, sendo o valor da retribuição resultante da atribuição a um trabalhador de uma viatura o que resulta da utilidade económica da sua utilização em proveito próprio, tal valor não se confunde com o dispêndio que o empregador tem de suportar com a aquisição do veículo para dele poder retirar as vantagens económicas da sua utilização no âmbito da sua actividade operativa, não podendo por isso a quantificação em dinheiro do prejuízo que resultou da privação da viatura corresponder ao valor da dotação ou “renda” mensal de ALD ou leasing[34].
Assim, uma vez que o A. recorrido tem direito a receber da recorrente uma importância correspondente à retribuição em espécie que deixou de lhe ser prestada a partir de Março de 2009, mas não fornecendo os autos elementos para lhe fixar o valor, há que proferir condenação ilíquida, remetendo o apuramento do quantum devido a esse título para liquidação de sentença, em conformidade com o disposto pelo artigo 661.º n.º 2 do Código de Processo Civil.
Procede, nesta parte, o recurso da R. recorrente.
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5.5. Do mobbing
5.5.1. Cabe a este passo aferir se o comportamento da R., com os limites do que se considerou provado no âmbito da presente acção, integra a prática de mobbing ou assédio estratégico, tal como invoca o A. recorrente.
Analisados que estão atomisticamente os actos praticados pela R. no desenvolvimento da relação laboral que vincula as partes e a sua licitude, haverá agora que fazer um esforço no sentido de os perspectivar através de uma “lente de aumento [35] que permita compreender se os mesmos se revelam no seu conjunto como relevantemente atentatórios da dignidade do trabalhador ou, usando a imagem mais sugestiva indicada pelo Prof. Júlio Gomes, cabe ver à distância este “mosaico” de actos que se mostram relatados na matéria de facto com vista a descortinar o seu sentido global, a “unidade em que se integram”[36].
5.5.2. O assédio moral, conceito intimamente ligado à tutela da dignidade da pessoa que trabalha, encontra-se em plena evolução e pode traduzir-se em comportamentos muito diversificados, constituindo, ainda hoje, “um conceito juridicamente fluido e impreciso”, como nota o Prof. João Leal Amado[37].
À figura do mobbing, podem estar subjacentes diferentes razões ou propósitos e poderá o mesmo manifestar-se pelas variadas formas ou práticas, designadamente através de comportamentos que, isoladamente, até poderão ser lícitos e parecer insignificantes, mas que poderão ganhar um relevo muito distinto quando inseridos num determinado procedimento e reiterados ou prolongados ao longo do tempo. Como é doutrinariamente reconhecido, o principal mérito da figura consiste na ampliação da tutela da vítima, ligando entre si factos e circunstâncias que, isoladamente considerados, poderiam parecer de pouca monta, mas que devem ser reconduzidas a uma unidade, a um projecto ou procedimento, sendo que a eventual intenção do agressor pode relevar para explicar a fundamental unidade de um comportamento persecutório[38].
O Código do Trabalho de 2003 introduziu em letra de lei na nossa ordem jurídica a proibição do assédio[39], perspectivando-o no artigo 24.º como uma forma de discriminação.
Segundo o nº 2 deste preceito:
«Entende-se por assédio todo o comportamento indesejado relacionado com um dos factos indicados no nº 1 do artigo anterior, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador».
Também em matéria de assédio o trabalhador beneficia da inversão do ónus da prova disciplinada no artigo 23º, nº 3, onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores impondo-se ao empregador a demonstração de factos susceptíveis de ilidir aquela presunção[40].
Mas, como a proibição do assédio encontra o seu fundamento mais geral no artigo 18.º do Código do Trabalho de 2003 segundo o qual, quer o empregador, quer o trabalhador “gozam do direito à respectiva integridade física e moral”, sendo alegada uma situação de assédio moral não discriminatório, sempre poderá o trabalhador alegar e provar os factos que, concretamente, integram a violação do direito à integridade moral (art. 342.º, n.º 1, do Código Civil).
É importante a este propósito ter presente a garantia consagrada no artigo 122.º, alínea c), nos termos da qual é proibido ao empregador “exercer pressão sobre o trabalhador para que actue no sentido de influir desfavoravelmente nas condições de trabalho dele ou de companheiro”.
O Código do Trabalho de 2009, veio amplificar o conceito de assédio ao abranger não apenas as hipóteses em que se vislumbra o “objectivo” do empregador de afectar a dignidade do trabalhador, mas também aquelas em que, ainda que se não reconheça tal desiderato, ocorra o “efeito” a que se refere a parte final da norma. Além disso, deixou de associar a verificação do assédio à existência de um dos factores de discriminação enunciados na lei, o que dispensa o recurso a que anteriormente se procedia à norma mais geral que prevê o direito à integridade física e moral (artigo 15.º, que corresponde ao artigo 18.º do Código de 2003).
Estabelece na verdade o actual artigo 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho que:
«1 - Entende-se por assédio o comportamento indesejado, nomeadamente o baseado em factor de discriminação, praticado aquando do acesso ao emprego ou no próprio emprego, trabalho ou formação profissional, com o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador.»
Apesar deste novo cenário normativo, cabe ainda atentar nas normas dos artigos 15.º, 24.º, 25.º, e 127.º, n.º 1, al. c) e 129.º, n.º 1, al. c), que dispõem em termos essencialmente similares às correspondentes disposições do Código do Trabalho de 2003.
Antes de prosseguir, não deixamos de ter presente que é preciso usar da cautela necessária na apreciação do concreto circunstancialismo de cada caso, pois que nem todas as situações de exercício arbitrário do poder de direcção se reconduzem à figura do assédio moral.
5.5.3. A sentença recorrida, afirmando que os factos que elencou ocorreram ao longo de parte da carreira laboral do Autor ao serviço da Ré (desde 1995, mas com especial destaque a partir de Janeiro de 2005), tendo por isso a durabilidade suficiente e necessária para a subsunção à figura em questão, concluiu que os comportamentos descritos e as respectivas consequências estão longe de permitir concluir pela existência de indícios mínimos de uma típica situação de mobbing ou de qualquer tipo de pressão, perseguição ou assédio, com o intuito de, nomeadamente, levar o Autor a fazer cessar o contrato de trabalho ou a aceitar condições menos favoráveis.
Relativamente às constantes alterações do seu estatuto remuneratório, afirmou que as mesmas ocorreram e estão intimamente conexionadas com diferentes nomeações para funções que foram desempenhadas por aquele em regime de comissão de serviço que, uma vez cessada, determina o regresso do trabalhador à situação remuneratória anterior, não se podendo fundamentar a existência do invocado mobbing e de algum tipo de assédio ou perseguição na circunstância de ter sido retirado ao Autor, em determinado momento, um subsídio de chefia, ou noutra altura o cartão de crédito, ou o subsídio especial de função.
E, quanto ao mais, continua:
“[…]
Mesmo no tocante ao veículo de utilização permanente (retirado ao Autor em Março de 2009 - em plena execução da comissão de serviço que ainda vigora - após a cessação do respectivo contrato de leasing e sem que a sua chefia tivesse proposto a renovação desse benefício - cfr. pontos 43º e 45º dos factos provados), poderá discutir-se a legalidade desta conduta, apesar da sua conformidade com ordens de serviço emanadas do Conselho de Administração da Ré (pontos 46º e 47º), mas nada resultou provado que permita concluir que a retirada desta regalia teve o objectivo de perturbar ou constranger o Autor, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente humilhante ou desestabilizador.
Igual conclusão terá que ser retirada quanto à ausência de progressão na carreira, à díspar evolução profissional dos seus colegas em igual situação e à falta de ocupação efectiva, circunstâncias estas também invocadas pelo Autor para sustentar a existência de assédio moral na sua relação laboral.
Com efeito, não se encontra demonstrada a existência de qualquer discriminação na sua categoria profissional no exercício de funções com intuitos mobbizantes, lesivos da sua dignidade e integridade moral, com o objectivo estratégico de sobre o Autor exercer qualquer tipo de pressão.
Acresce que se percebe mal este alegado intuito persecutório por parte da Ré que o Autor pretende demonstrar, quando tem sido sistematicamente nomeado para comissões de serviço (figura que, como vimos, apesar de exercício temporário, pressupõe uma especial relação de confiança entre as partes), encontrando-se ainda presentemente nomeado nesse regime como Gestor de Projectos (OPE).
Um bom exemplo de mobbing estratégico é a violação do dever de ocupação efectiva por parte da entidade patronal para obrigar o trabalhador a cessar o seu contrato de trabalho, conseguindo assim a sua exclusão da empresa.
Mais uma vez, porém, se refere que, também neste particular e não obstante o vazio funcional que o Autor se encontra, a matéria de facto provada é (manifestamente) insuficiente para nos habilitar a concluir que a A. está a ser, por esta via, vítima de mobbing e/ou de pressão perpetrada pela Ré.
E diga-se em abono da verdade que, caso fossem esses os objectivos da entidade empregadora do Autor, ser-lhe-ia muito mais fácil e eficaz fazer cessar de imediato a comissão de serviço em exercício, com o respectivo efeito reversível da relação laboral, quer quanto à categoria profissional, quer quanto ao estatuto remuneratório anterior.
Por fim, refira-se que nada foi alegado pelo Autor quanto a eventuais consequências do alegado assédio na sua saúde física e psíquica e no próprio emprego (v.g. baixa de produtividade, falta de concentração ou deficiente realização das tarefas que lhe estavam adstritas durante todo o período temporal em questão), circunstâncias normalmente também associadas ao mobbing, para além da intencionalidade da conduta persecutória, o seu carácter repetitivo.
Da factualidade alegada pelo Autor e considerada provada resulta, quanto muito, a existência de um conflito na relação de trabalho. No entanto, convém que nos consciencializemos de que nem todas as situações de conflito constituem assédio moral.
A este propósito, escreve ainda Júlio Gomes (ob. cit., pág. 436) que “…importa também advertir que nem todos os conflitos no local de trabalho são, obviamente, um “mobbing”, sendo, aliás, importante evitar que a expressão assédio se banalize. Nem sequer todas as modalidades de exercício arbitrário do poder de direcção são necessariamente um “mobbing”, quer porque lhes pode faltar um carácter repetitivo e assediante quer porque não são realizados com tal intenção”.
Significa isto que haverá que saber distinguir o mobbing de outras situações também susceptíveis de gerar responsabilidade contratual, sob pena de banalização do conceito.
Em conclusão e fase a tudo o que ficou exposto, terá que concluir-se pela inexistência do invocado assédio moral ou mobbing, na sua vertente estratégica ou qualquer outra.
[…]”
O recorrente, por seu turno, alega que tem sido alvo de uma constante discriminação e ostracização por parte da recorrida, o que o impede de progredir da mesma forma que os seus colegas de trabalho, quer a nível de exercício de determinados cargos, quer a nível de estatuto remuneratório, encontrando-se estagnada a sua carreira profissional, desde pelo menos o ano de 1995, e com mais incidência desde 2005.
Invoca, ainda, que a recorrida tem alterado a sua remuneração de forma ilegal pois já antes de ser transferido para o Porto, tinha como parte integrante da sua retribuição, um veículo de utilização permanente (VUP), plafond de cartão de crédito e telemóvel, tendo-lhe sido retirados tais complementos de forma totalmente arbitrária, tornando-se evidente a intencionalidade em o prejudicar e vexar o Recorrente quando em Março de 2009, o Gestor de Frota o informou de que deveria entregar o veículo automóvel VUP.
Alega também que se encontra sem exercer funções desde Janeiro de 2005 e já não é avaliado desde 2003, sendo como se não existisse dentro da estrutura da recorrida, nunca obtendo resposta desta às inúmeras comunicações aos seus superiores hierárquicos, demonstrando a sua disponibilidade e empenho em trabalhar, o que não é inocente, nem se deve a mera distracção, sendo a conduta omissiva e activa da recorrida ostensivamente discriminatória e com intuitos vexatórios e humilhantes e atingindo-o na sua honra e dignidade profissional.
5.3.4. Uma vez analisados parcelarmente estes aspectos, concluímos que não pode afirmar-se ter a R. discriminado o A. relativamente aos trabalhadores que, como ele, tinham em 1992 a função de Directores Comerciais e que, até Março de 2009 (partindo do inquestionado pressuposto da validade e vigência das sucessivas comissões de serviço descritas na matéria de facto), não se verificou a violação do princípio da irredutibilidade da retribuição.
A licitude dos actos da R. relacionados com estes aspectos impede mesmos, a nosso ver, que aos mesmos se atenda como coadjuvantes para a valoração do que a partir de 2005 se verificou no contexto das relações contratuais estabelecidas entre as partes.
E, passando já para a análise do condicionalismo laboral que se desenrolou após 2005, podemos adiantar que os contornos que o mesmo assumiu permite divisar no mosaico que se perspectiva os traços típicos da figura do mobbing.
5.3.4.1. Recordemos, sucintamente, a sequência dos factos a este propósito provados:
1. Novembro de 2004 - o Autor é nomeado, em comissão de serviço, como Gestor de Projectos (OPE), tendo decidido o Conselho de Administração manter o estatuto remuneratório do A. apenas no que se refere ao vencimento base, VUP (com combustível) e telemóvel, retirando-lhe o subsídio especial de função (SEF) que lhe tinha sido atribuído anteriormente;
2. 7 de Dezembro de 2004 - o A. manifestou por email junto do OPE a sua disponibilidade para iniciar funções como Gestor de Projectos nos projectos que lhe fossem atribuídos, uma vez que tinha passado as suas responsabilidades ao TPN que o veio substituir naquelas funções;
3. 16 de Fevereiro de 2005 - o A. comunicou ao OPE a sua situação de disponibilidade para o exercício das suas funções, reclamando a retirada indevida do SEF e a sua reposição;
4. 2 de Junho de 2005 – o A. dirigiu a vários responsáveis da R., designadamente, o OPE, presidente do Conselho de Administração uma carta registada com A/R na qual dava conta dos factos relevantes desde a sua passagem para responsável de projectos a desenvolver no âmbito do OPE, dando conta de que há seis meses que se encontrava sem exercer qualquer actividade; solicitou, também, a reanálise da sua situação profissional e a reposição do seu estatuto remuneratório com a atribuição do SEF, juntando na mesma comunicação recibos de vencimento, avaliação de desempenho e ficha curricular de quadros superiores;
5. entre 26 de Julho e 17 de Setembro de 2005 - o A. dirigiu ao seu OPE, DRM e Presidente do Conselho de Administração cartas relacionadas com a marcação de férias e solicitando a clarificação da sua situação profissional, fazendo uma menção expressa ao silêncio absoluto por parte da R., reiterando a sua total disponibilidade profissional e a reanálise da sua situação;
6. 10 de Outubro de 2005 - o A. dirigiu a vários responsáveis da R. mais um email onde solicitava a clarificação da sua situação profissional, sendo que, até então, nenhuma satisfação lhe tinha sido dada;
7. 20 Outubro de 2005 – é atribuída ao A., como responsável por projectos na OPE, uma viatura de utilização permanente (VUP), com o valor de renda mensal de € 500,00 € + IVA.
8. 25 de Outubro de 2005 - o A. comunica a vários responsáveis da R. que se encontrava numa situação de ostracização a que tinha sido votado desde 7 de Dezembro de 2004, deu conta da falta de resposta às suas comunicações e da falta de atribuição de funções compatíveis com a sua função, pretendendo ver clarificada a sua situação profissional.
9. Novembro e Dezembro de 2005 - o Autor integrou o Grupo de Trabalho do Empreendimento da Maia (GTEM), como representante da OPE e esta equipa elaborou uma proposta que foi remetida ao Conselho de Administração, o qual não lhe deu qualquer seguimento;
10. de Março de 2007 a Setembro de 2008 - a expensas suas o A. decidiu fazer um MBA em Administração de Empresas no IUP (Instituto Universitário Pos-Grado de Madrid), com vista a uma valorização pessoal e profissional, dabdo conhecimento às R. de que o concluiu;
11. Setembro de 2008 e Março de 2009 - o A. comunicou a órgãos e responsáveis da R. o seu curriculum com o MBA concluído;
12. Março de 2009 - o Gestor de Frota informou o A. que deveria proceder à entrega do seu veículo automóvel, VUP, na locadora, e não foi assegurada a entrega de um outro veículo para a sua substituição;
13. 25 de Março, 1 de Abril e 15 de Junho de 2009 – o A. solicitou à R. que fosse clarificado de uma vez por todas o que a R. pretendia do A., que via a sua carreira profissional “ir por água abaixo” depois de tantos anos de dedicação, empenho e profissionalismo;
14. desde Janeiro de 2005 (com excepção do mês de Novembro e Dezembro de 2005) está o A. sem executar qualquer tarefa ou actividade a despeito de continuar nomeado para Gestor de Projectos na Área das OPE e para o projecto da Maia do qual nunca foi exonerado;
15. limita-se o A. a deslocar da sua residência para V. N. de Gaia para ler alguns e-mails, correios online e informação disponível no site dos C..... e não participa, igualmente, o A. em nenhuma actividade do órgão em que formalmente está integrado, designadamente, reuniões, actividades, contactos com o OPE, ou outras, recebendo apenas e-mails da secretária do OPE para marcação de férias.
5.3.4.2. Resulta destes factos que – como se mostra definitivamente decidido neste processo – a R. violou o direito de ocupação efectiva que assiste ao A. não lhe atribuindo qualquer função a desempenhar desde Janeiro de 2005, com excepção dos meses de Novembro de Dezembro [factos 18., 31., 37. a 40.].
E, por outro, veio também a diminuir ilicitamente a retribuição deste quando em Março de 2009 lhe retirou o VUP e o plafond de combustível que atribuíra ao A., como ficou confirmado na deliberação do Conselho de Administração de 2004.12.15, com efeitos a 2004.11.16, na sequência da nomeação do A. como responsável de projectos no âmbito da OPE [factos 19. e 43.].
Mas resulta mais do que isso.
Se até 2005 se não descortina, efectivamente, um comportamento indesejado da recorrida com o objectivo ou o efeito de afectar a dignidade da pessoa ou de criar um ambiente hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador, a partir de então começa efectivamente a desenhar-se um comportamento com tais contornos, que levou o recorrente a ver a sua vida profissional limitada a deslocações diárias entre a sua residência em Braga e o seu local de trabalho em V. N. de Gaia, para aqui ler alguns e-mails, correios online e informação disponível no site dos C....., não lhe sendo atribuída qualquer função nem participando em nenhuma actividade do órgão em que formalmente está integrado, designadamente, reuniões e contactos com o OPE, recebendo apenas e-mails da secretária deste para marcação de férias. [factos 36. a 40.].
Ora, é também dever do empregador o de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, quer do ponto de vista fisico, quer moral, bem como lhe é vedado obstar injustificadamente à prestação efectiva de trabalho, pelo que a prolongada situação de inactividade a que o recorrente foi sujeito se prefigura como gravemente atentatória da sua dignidade social e laboral e viola direitos legal e constitucionalmente consagrados.
Na verdade, ordenamento jurídico-constitucional sublinha a vertente dignificante do trabalho, elegendo-o como factor de realização pessoal do trabalhador, relacionando-o com a dignidade da pessoa humana e com o direito ao bom nome e reputação, erigindo pois o trabalho como forma de desenvolvimento e afirmação pessoais.
Em conformidade com o que estabelece o art. 59º da Constituição da República Portuguesa, todos os trabalhadores têm direito à organização do trabalho em condições socialmente dignificantes, de forma a facultar a sua realização pessoal.
Segundo Gomes Canotilho e Vital Moreira, esta norma pressupõe a ideia de que “o trabalho pode ser pessoalmente gratificante, não podendo ser, de qualquer forma, prestado em condições (…) contrárias à dignidade humana”[41].
Por outro lado, os arts. 127.°, n.º 1, al. c) e 118.º, n.º 1 do Código do Trabalho impõem ao empregador o dever de proporcionar ao trabalhador boas condições de trabalho, quer do ponto de vista fisico, quer moral, bem como o de lhe atribuir a função mais adequada às suas aptidões e preparação profissional.
O dever de ocupação efectiva que impende sobre o credor da prestação de trabalho – emergente da proibição estabelecida no artigo 129.º, n.º1 alínea c), do Código do Trabalho “de obstar injustificadamente à prestação de trabalho”, mas também susceptível de ser configurado como um dever acessório de conduta que decorre do princípio geral da boa fé na execução dos contratos consignado no artigo 762.º, n.º 2 do Código Civil – traduz-se assim no dever de proporcionar ao trabalhador a oportunidade de exercer de forma efectiva a actividade para a qual foi contratado, ou que tem direito a exercer de acordo com as alterações decorrentes da dinâmica do contrato.
Estando demonstrado nos autos que a recorrida não atribui qualquer tarefa ou função ao recorrente, sem que se vislumbre qualquer causa objectiva ou interesse legitimo que justifique a colocação e manutenção do recorrente em inactividade, tal comportamento constitui um factor de desvalorização pessoal por poder afectar a dignidade social, o bom nome e a reputação do trabalhador e assume forçosamente uma natureza discriminatória relativamente aos outros trabalhadores da R. que, naturalmente, desempenham a sua actividade laboral.
Acresce que, na linha desta atitude da R. de desconsideração profissional do A., não voltou a mesma a proceder à avaliação do trabalhador desde 2003 e, perante as múltiplas interrogações e interpelações deste sobre a sua situação profissional, limitou-se ao silêncio, deixando o A. na expectativa de respostas que nunca foram dadas ao longo de vários anos e incumprindo o basilar dever de respeito que impende sobre qualquer ser humano de responder às interpelações sérias que lhe são feitas.
Finalmente, e completando o quadro de constrangimento e hostilidade, a recorrida veio a retirar ao recorrente em Março de 2009 o veículo de que legitimamente dispunha para, além do mais, realizar as deslocações diárias entre Braga e Vila Nova de Gaia a que se resumia a sua vida activa já desde 2005 (com excepção dois meses de Novembro e Dezembro desse ano).
Estas atitudes revelam um absoluto desrespeito do recorrente enquanto pessoa, enquanto Homem que, como qualquer outro, procura a sua realização pessoal, também, no trabalho que ocupa uma parte importante da sua existência
E, arrastando-se esta situação desde 2005 (a acção foi intentada em Março de 2010), assume a mesma uma revelante intensidade e potencialidade lesiva, permitindo que se detecte uma imagem global gravemente atentatória da dignidade pessoal e social do recorrente e indiscutivelmente caracterizadora de uma situação de mobbing. ou assédio moral, tal como o mesmo se mostra definido no artigo 29.º, n.º 1 do Código do Trabalho de 2009.
O peso do tempo, dos dias que se sucederam ao longo dos anos, assume no caso vertente uma dimensão pouco comum.
Assim, se podemos concordar com a sentença recorrida na parte em que considera não poder fundamentar a existência do invocado mobbing na circunstância de ter sido retirado ao trabalhador, em determinado momento, um subsídio de chefia, ou noutra altura o cartão de crédito, ou o subsídio especial de função – por se tratar de circunstâncias inerentes à natureza e ao regime legal do exercício de funções em comissão de serviço –, bem como quando a mesma não associa a um qualquer assédio a díspar evolução profissional dos seus colegas – pois que o autor continuou a ser nomeado para comissões de serviço e, a nosso ver, o nível profissional em que todos se encontram dificulta que se identifique arbitrariedade no exercício do poder de direcção ao cometer a uns (e não a outros) específicos cargos que demandam uma especial relação de elevada confiança –, já não podemos concordar com a mesma quando desvaloriza para estes efeitos o longo vazio funcional em que o recorrente se encontra desde 2005, associado à retirada de uma parte (de que para já se desconhece o valor, mas que não será despicienda) da sua retribuição em Março de 2009 e a uma atitude global de desrespeito pela pessoa do recorrente. E não podemos igualmente concordar com a mesma quando valoriza em termos negativos a circunstância o recorrente não ter alegado eventuais consequências do alegado assédio na sua saúde física e psíquica por entender serem circunstâncias normalmente associadas ao mobbing, para além da intencionalidade da conduta persecutória.
Quanto a estes dois últimos aspectos que a sentença recorrida releva para negar a existência de mobbing, cabe fazer duas precisões.
Começando pelo último, e como resulta do já exposto, é actualmente inequívoco à face da nossa lei que o objectivo ou intenção assediante ou persecutória não é um requisito necessário à existência do assédio moral. A alternativa que consta da letra da lei (“o objectivo ou o efeito de perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador”) não deixa dúvidas a tal propósito. Como escreve Júlio Gomes, “[t]anto é para a nossa lei, assédio, o comportamento indesejado, com a intenção de "perturbar ou constranger a pessoa, afectar a sua dignidade, ou de lhe criar um ambiente intimidativo, hostil, degradante, humilhante ou desestabilizador", como aquele que simplesmente tem esse efeito. O objectivo ou intenção persecutória não é, pois, um elemento constitutivo do tipo de assédio, pelo que a sua existência não tem que ser demonstrada pelo trabalhador e se o trabalhador não provar a existência de tal intenção não se deve, sem mais, concluir pela inexistência de assédio”[42].
Em segundo lugar, cabe precisar que a existência de mobbing não exige que se tenha verificado uma lesão da saúde do trabalhador.
Mais uma vez se lança mão da palavra de Júlio Gomes, que, depois de referir que o conceito de mobbing foi identificado a partir de estudos realizados com sujeitos que em consequência do assédio apresentavam graves problemas de saúde mental e até física, assim escreveu:
“À medida que um conceito jurídico de assédio emergiu, foi-se paulatinamente compreendendo que o assédio é, ou pode ser, uma conduta pluriofensiva: a criação de um ambiente hostil, degradante, humilhante, para o trabalhador, seja tal criação intencional ou não, viola, em primeiro lugar, a personalidade do trabalhador, a sua dignidade como pessoa ou até, como dizem alguns autores, a sua dignidade como pessoa que trabalha, a sua dignidade profissional, verificando-se, amiúde, a violação de outros direitos (como p. ex. o direito à saúde). A violação do direito geral de personalidade do trabalhador e da sua profissionalidade ou dignidade profissional não são apenas ilícitas, mas são susceptíveis de produzir um dano não patrimonial, mesmo que não haja lesões à saúde física ou mental do trabalhador ou danos patrimoniais.”
No mesmo sentido, Rita Garcia Pereira[43] afasta liminarmente a obrigatoriedade da verificação de danos porque faz depender a censurabilidade das condutas da resistência anímica ou psicológica das vítimas, precisando que o “bem jurídico que é sempre lesado” pelo assédio “é a dignidade da pessoa humana”.
Ou seja, embora a existência de consequências danosas a nível da saúde, física ou psíquica, do trabalhador seja um factor de relevo a ponderar como indiciador da existência da figura do assédio, não é de todo indispensável à integração de tal figura.
Não tem pois qualquer relevo para infirmar a conclusão de que o apurado comportamento da R. relativamente ao A. consubstanciou assédio – por se traduzir numa sequência de condutas hostis prolongadas no tempo, que revelam desprezo pela sua pessoa e levaram à degradação do seu estatuto laboral, atingindo a sua dignidade pessoal e social – a circunstância de, apesar do longo tempo por que perdurou, não se ter traduzido em consequências nefastas na saúde do A.
Em suma, deve concluir-se que o recorrente foi vítima de assédio moral por parte da recorrida.
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5.6. Da indemnização por danos não patrimoniais
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A sentença recorrida julgou improcedente o pedido de indemnização por danos não patrimoniais não por ter negado a existência de assédio, já que não deixou de considerar ilegal a ausência de ocupação efectiva e a retirada do benefício da utilização de VUP, mas por considerar não se ter provado que estas violações contratuais tenham originado danos desta natureza na esfera jurídica do A. que mereçam a tutela do direito.
E ponderou, para o efeito, que as consequências provadas – que o A. se sente indignado e revoltado com as atitudes da Ré, subaproveitado profissionalmente na estrutura da Ré e discriminado relativamente a outros trabalhadores – não são relevantes para a atribuição de qualquer compensação a título de danos não patrimoniais, não sendo a indignação e revolta, por si sós, geradoras de danos e motivo de atribuição de uma indemnização.
O recorrente, por seu turno, invoca que o comportamento da recorrida foi causa adequada e directa de prejuízos não patrimoniais que causaram ao recorrente uma grande revolta, indignação, tristeza e humilhação, que lhe perturbaram a paz interior, afectando-lhe a sua vida profissional, pessoal, familiar e social, pelo que, deve a recorrida ser condenada no pagamento de uma indemnização por danos morais.
Para haver lugar à ressarcibilidade dos danos não patrimoniais prevista no art. 496º do Código Civil, é necessário que se verifiquem os requisitos da obrigação de indemnizar, ou seja, a existência de um facto ilícito, culposo e danoso, bem como a existência de um nexo causal entre aquele facto e os danos – cfr. o art. 483º do Código Civil.
No que diz respeito à prática do assédio, a ressarcibilidade dos danos não patrimoniais mostra-se expressamente prevista nas disposições conjugadas dos artigos 29, n.º 3 e 28.º, do Código do Trabalho de 2009 (como sucedia já com o artigo 26.º do Código do Trabalho de 2003).
No caso vertente é inequívoco que o comportamento da recorrida se reveste de ilicitude, não só porque violou o direito de ocupação efectiva do recorrente (ao não lhe atribuir quaisquer funções desde 2005) e o seu direito à integridade retributiva (ao retirar o VUP em 2009, quando ainda persistia a comissão de serviço como Gestor de Projectos), como ainda porque efectivamente se verificou uma situação de assédio moral nos termos supra expostos.
Sendo ilícito e emergindo de um incumprimento contratual, tal comportamento presume-se culposo nos termos do artigo 799.º, n.º 1 do Código Civil, não tendo a recorrida alegado e provado que o mesmo não proveio de culpa sua.
Quanto às consequências que o recorrente sofreu em virtude deste comportamento, não logrou o recorrente ver atendida a sua pretensão de modificação de facto, persistindo o facto 55. nos exactos termos em que foi respondido na 1.ª instância.
Temos pois como provado nos presentes autos, a este propósito, que:
«55. O Autor sente-se indignado e revoltado com as descritas atitudes da Ré, subaproveitado profissionalmente na estrutura da Ré e discriminado relativamente a outros trabalhadores.»
Emerge com clareza deste ponto da matéria de facto o nexo de causalidade entre as atitudes da recorrida relatadas na matéria de facto e as consequências nele descritas.
A questão que se coloca – e a que a 1.ª instância deu resposta negativa – é se estas consequências podem qualificar-se como danos merecedores de tutela jurídica para os efeitos do artigo 496.º do Código Civil.
A lei não enumera os danos não patrimoniais que merecem a tutela do direito, “antes confia ao tribunal o encargo de apreciar, no quadro das várias situações concretas, socorrendo-se de factores objectivos, se o dano não patrimonial é merecedor de protecção jurídica”[44].
Como dizem Pires de Lima e Antunes Varela, a gravidade do dano há-de medir-se por um padrão objectivo (conquanto a apreciação deva ter em linha de conta as circunstâncias de cada caso), e não à luz de factores subjectivos (de uma sensibilidade particularmente embotada ou especialmente requintada)”[45].
Tem sido afirmado na jurisprudência que a gravidade do dano é um conceito relativamente indeterminado, carecido de preenchimento valorativo a fazer caso a caso, de acordo com a realidade fáctica apurada e que a gravidade deve medir-se por um padrão objectivo, e não de acordo com factores subjectivos, ligados a uma sensibilidade particularmente aguçada ou especialmente fria e embotada do lesado. Por outro lado, deve a gravidade ser apreciada em função da tutela do direito: o dano deve ser de tal modo grave que justifique a concessão de uma satisfação de ordem pecuniária ao lesado[46].
Parece-nos importante aqui notar que a lesão essencial que surge como consequência do comportamento ilícito do empregador que exerce assédio moral se traduz na lesão da dignidade do trabalhador como pessoa que é submetida a um ambiente hostil, degradante ou humilhante no seu meio laboral.
E é importante, também, relembrar a questão da diversidade do carácter e da resistência anímica e psicológica das vítimas de assédio e da consequente diversidade, em natureza e intensidade, do dano sofrido e das suas reacções pessoais aquela lesão.
Num cenário como o presente, cremos que existe uma lesão objectiva da dignidade, um dano não patrimonial objectivo que se reveste de gravidade evidente e deve ser compensado[47]. A forma como é sentida esta lesão e os sentimentos que suscita em cada um podem divergir em termos subjectivos, o que deve ser ponderado na fixação equitativa do valor da indemnização, mas não apaga a existência daquele dano objectivo que surge como consequência primeira do comportamento ilícito do empregador.
No caso sub judice, apesar da gravidade do comportamento ilícito da recorrida, da intensidade do mesmo em termos objectivos, consubstanciando-se numa ausência total de atribuição de funções e desconsideração profissional durante anos seguidos, culminando com a ilícita retirada de uma parcela retributiva que contendia com a própria deslocação do trabalhador do, e para o, local de trabalho, tudo a par de um desrespeito absoluto pelas interpelações que ao longo do tempo o recorrente lhe foi fazendo por escrito, a verdade é que este não sucumbiu em termos subjectivos e tentou, até, aproveitar o tempo de inactividade forçada a que foi submetido enriquecendo os seus conhecimentos e currículo com a realização de um mestrado numa universidade espanhola.
Mas não deixou de ver lesada a sua dignidade e de sofrer consequências no seu equilíbrio emocional, pois que, ao invés de desenvolver normalmente o seu trabalho e de através do mesmo se realizar enquanto pessoa, se sentia justamente “indignado” e “revoltado” com as descritas atitudes da Ré, bem como “subaproveitado profissionalmente na estrutura da Ré”. Sentia-se ainda “discriminado relativamente a outros trabalhadores”, o que, se pode não ter justificação face ao percurso profissional que se desenrolou até 2005, não deixa de fazer todo o sentido perante a inactividade a que se viu submetido a partir de então, no contexto de uma empresa de que já foi Director Comercial e que, como é facto notório atenta a sua dimensão nacional, emprega um número considerável de trabalhadores e tem uma intensa actividade relacionada com o serviço público que presta.
Cremos que nesta situação, não podem deixar de se considerar relevantes para os efeitos previstos no artigo 496.º do Código Civil os descritos danos, por contenderem com a profissionalidade como valor inerente à realização da pessoa humana e à sua intrínseca dignidade[48]. Não se trata, efectivamente, de vulgares dores, incómodos, indisposições ou arrelias comuns (geralmente arredados pela doutrina e pela jurisprudência desta tutela indemnizatória), mas de danos que causam evidente abalo a quem deles sofre, devendo atribuir-se ao recorrente uma indemnização para, na medida do possível, os compensar.
Uma vez verificados os pressupostos da responsabilidade civil da recorrida, o problema situa-se em saber, num juízo de equidade, em que montante deverá ser fixada a indemnização pelos danos não patrimoniais sofridos pelo recorrente.
Perspectivando o circunstancialismo dos autos, entendemos dever ponderar-se, para o efeito:
■ o grau de culpabilidade da recorrida, que é intenso atenta a natureza da violação do dever de ocupação efectiva – com a retirada total de funções – e o largo tempo por que perdurou, estando associada a uma diminuição ilícita da retribuição e contextualizada numa situação de assédio moral;
■ o elevado grau de ilicitude da sua conduta que emerge das circunstâncias apuradas;
■ a situação económica que resulta da sua dimensão nacional e que, diga-se, ressalta da disponibilidade demonstrada em manter um trabalhador com o vencimento mensal descrito no ponto 57. da matéria de facto durante um largo número de anos, sem beneficiar de qualquer actividade do mesmo;
■ as consequências do comportamento ilícito da recorrida, traduzidas, em termos objectivos, na lesão de um bem jurídico essencial da personalidade, ligado à própria dignidade da pessoa humana;
■ os reflexos subjectivos de tais danos, que têm uma gravidade inferior aos alegados na petição inicial em fundamento do pedido deduzido e que o autor não logrou demonstrar;
■ a circunstância de o autor, apesar da situação objectivamente humilhante em que se encontrou, ter conseguido aproveitar de forma positiva parte do tempo em que esteve em inactividade laboral com a realização do MBA no país vizinho;
■ a circunstância de o autor se limitar a reagir com interpelações escritas à ré ao longo dos anos de 2005 a 2009, e, apesar de a ré ignorar tais interpelações, vir a instaurar a acção apenas quando deixou de beneficiar do veículo de que dispunha.
Tudo ponderado, num juízo de equidade e em face dos critérios estabelecidos no n.º 3 do art.º 496 do Código Civil, a quantia de € 20.000,00 mostra-se justa e adequada a ressarcir os danos morais sofridos pelo recorrente em consequência da descrita actuação ilícita da recorrida.
Os juros de mora sobre esta quantia indemnizatória por danos não patrimoniais são devidos desde a citação e até integral pagamento – cfr. o artigo 805.º, n.º 3 do Código Civil.
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5.7. As custas do recurso interposto pelo autor deverão ser suportadas por recorrente e recorrida na proporção do decaimento (artigo 446.º, n.ºs 1 e 2, do Código de Processo Civil).
As custas do recurso interposto pela R. serão igualmente suportadas na proporção do respectivo decaimento, sendo, todavia, suportadas provisoriamente, e até posterior liquidação, na proporção de metade por cada uma das partes.
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6. Decisão
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Em face do exposto, decide-se:
6.1. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pela Ré C..... –, SA e, em consequência, altera-se a condenação da 1.ª instância no que diz respeito ao veículo de utilização permanente (VUP), ficando a R. condenada a pagar ao A. as quantias correspondentes ao valor mensal de uso do veículo, a apurar em ulterior liquidação, vencidas desde Abril de 2009 e até à efectiva entrega de um veículo em substituição do anterior, acrescidas de juros de mora à taxa de 4% desde a data do trânsito em julgado da liquidação;
6.2. Julgar parcialmente procedente o recurso interposto pelo Autor B...... e, em consequência:
6.2.1. altera-se a matéria de facto nos termos sobreditos quantos aos pontos 14. e 17. e aditam-se à mesma os factos 47-A. e 51-A., bem como, oficiosamente, o ponto 57.;
6.2.2. condena-se a R. a pagar ao A. a quantia de € 20.000,00 a título de danos não patrimoniais, acrescida de juros de mora à taxa legal vencidos desde a citação e vincendos até integral pagamento;
no mais se confirmando a sentença recorrida.
As custas do recurso interposto pela R. serão suportadas por ambas as partes na proporção do respectivo decaimento, sendo todavia, provisoriamente e até posterior liquidação, suportadas em partes iguais.
As custas do recurso interposto pelo A. serão suportadas por A. e R. na proporção do respectivo decaimento.
Nos termos do artigo 713.º, n.º 7, do Código de Processo Civil, na redacção do Decreto-Lei n.º 303/2007, de 24 de Agosto, anexa-se o sumário do presente acórdão.

Porto, 8 de Abril de 2013
Maria José Costa Pinto
António José Ramos
Eduardo Petersen Silva
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[1] Embora impugne a decisão de facto quanto ao momento da cessação - em Outubro de 2005 - da comissão de serviço para o exercício das funções de Gestor de Redes (facto 6.), o que em nada colide com o que acaba de se dizer.
[2] Vide Abrantes Geraldes, in Recursos em Processo Civil, Coimbra, 2010, pp. 310-311.
[3] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.10.29, Recurso n.º 2653/03 e de 2005.05.31, Recurso n.º 256/05, ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[4] O que, diga-se, não é inequívoco à face do Decreto-Lei n.° 404/91, de 16 de Outubro (cujo artigo 4.º não exige expressamente a forma escrita para o aviso prévio), ao invés do que depois vieram prescrever os Códigos do Trabalho de 2003 e 2009, dispondo o artigo 163.º do código actualmente em vigor que qualquer das partes pode pôr termo à comissão de serviço, “mediante aviso prévio por escrito” (n.º 1). Mas, mesmo à face da lei actual, não deixa de se salvaguardar que a falta de aviso prévio “não obsta à cessação da comissão de serviço”, embora possa constituir a parte faltosa na obrigação de indemnizar a contraparte (n.º 2).
[5] Vide Pires de Lima Antunes Varela, Código Civil Anotado, vol. I, 2ª edição, p. 301.
[6] Note-se que o artigo 15.º da contestação relata justamente a decisão do Conselho de Administração de Novembro de 2004 que nomeou o A. como responsável de projectos no âmbito da OPE.
[7] Vide no sentido de que “na apreciação da matéria de facto quanto à prova documental é ónus do recorrente indicar a espécie de documento e a sua localização no processo, precisando o número da página ou páginas em que se encontra ou a acta ou o articulado com que foi junto, não bastando mera referência genérica e não situada nos autos”, o Acórdão da Relação do Porto de 2011.11.28, in www.dgsi.pt, processo 43/08.6TTLMG.P1.
[8] Facto alterado neste Tribunal da Relação.
[9] Facto alterado neste Tribunal da Relação.
[10] Completou-se o facto com a referência à data da eficácia da deliberação e à menção de que a mesma ocorreu na sequência da nomeação do A. como responsável de projectos, como expressamente consta do documento junto pelo A. a fls. 38 – cfr. os artigos 713.º, n.º 2 e 659.º, n.º 3 do Código de Processo Civil.
[11] Rectificou-se a alusão à data referida em “15º”, constante deste ponto da matéria de facto, por resultar patente dos demais factos, designadamente dos anteriores e do próprio facto 15º, que a mesma se devia a um evidente lapso material. Similar erro ocorrera já no despacho da 1.ª instância que decidiu a matéria de facto em litígio (vide, neste texto, o ponto 4.2.8.). A referência deve ser feita para o ponto 18. da matéria de facto, no qual se relata a nomeação em Novembro de 2004 do A. como Gestor de Projectos (OPE). Colmata-se aqui tal lapso por uma questão de coerência interna da decisão e para uma melhor compreensão da mesma.
[12] Rectificou-se a alusão aos pontos “35º e 36º” constante deste ponto da matéria de facto, por resultar patente dos demais factos, designadamente do facto 36.º onde se não relata qualquer tarefa ou actividade do A., que a mesma se devia a um evidente lapso material. A referência deve ser feita para os pontos 34. e 35. da matéria de facto, nos quais se relata a participação do A. enquanto Gestor de Projectos, no denominado Projecto da Maia. Também aqui se colmata tal lapso por uma questão de coerência interna da decisão e para uma melhor compreensão da mesma.
[13] Facto aditado por este Tribunal da Relação.
[14] Facto aditado por este Tribunal da Relação.
[15] Recurso n.º 838/05.2TTCBR.C1.S1- 4.ª Secção, sumariado in www.stj.pt.
[16] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 14 de Maio de 2008, in www.dgsi.pt.
[17] Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 6 de Abril de 2008, processo n.º 07S4100, no mesmo sítio.
[18] Vide, entre outros, os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2011.10.12, Recurso n.º 343/04.4TTBCL.P1.S1 - 4.ª Secção e de 2011.07.06, Recurso n.º 428/06.2TTCSC.L1.S1, ambos sumariados in www.stj.pt. Segundo o Acórdão do Supremo Tribunal de Justiça 2010.04.21, Processo:1030/06.4TTPRT.S1, no mesmo sítio, é excluída a possibilidade de aplicação do regime especial de repartição do ónus da prova, previsto no artigo 23.º, n.º 3, do Código do Trabalho – onde se estabelece uma presunção de causalidade entre qualquer dos factores característicos da discriminação e os factos que revelam o tratamento desigual de trabalhadores – quando se mostre também excluída a aplicabilidade do regime jurídico garantístico do princípio da igualdade e da não discriminação.
[19] Vide Guilherme Dray in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 168.
[20] Vide Guilherme Dray in ob. citada, p. 169.
[21] Como também parece entender Guilherme Dray, ao referenciar em anotação a este artigo 25.º do Código do Trabalho de 2009 (in ob. citada, p. 169) o importante acórdão do Supremo Tribunal de Justiça de 2009.04.22, segundo o qual nos casos em que a acção tem por fundamento algum dos factores característicos da discriminação consignados no n.º 1, do artigo 23.º do Código do Trabalho de 2003 e no artigo 35.º do Regulamento do Código do Trabalho (Lei n.º 35/2004, de 29 de Julho), ou outros equiparáveis, segundo o critério da igual dignidade sócio-laboral, o trabalhador que se sente discriminado não tem de alegar e demonstrar factos relativos à natureza, qualidade e quantidade das prestações laborais em comparação, pois que, provados os factos que integram o invocado fundamento, actua a presunção de que a diferença salarial a ele se deve, invertendo-se, apenas, quanto ao nexo causal presumido, o ónus da prova, mas “tem, em tais casos, de alegar e provar, além dos factos que revelam a diferenciação de tratamento, também, os factos que integram um daqueles factores característicos da discriminação” através da “narração dos factos que, reportados a características, situações e opções dos sujeitos em confronto, de todo alheias ao normal desenvolvimento da relação laboral, atentem, directa ou indirectamente, contra o princípio da igual dignidade sócio-laboral, que inspira o elenco de factores característicos da discriminação exemplificativamente consignados na lei”.
[22] Vide Jorge Leite e Coutinho de Almeida in "Colectânea de Leis do Trabalho", Coimbra, 1985, p. 89 e Monteiro Fernandes in "Direito do Trabalho", 13.ª edição, Almedina 2006, pp. 438 e segs.
[23] Vide o Acórdão do STJ de 2010.12.16, processo n.º 2065/07.5TTLSB.L1.S1, in www.dgsi.pt.
[24] Vide Monteiro Fernandes, in ob. citada, p. 458.
[25] Ob. e loc. cits.
[26] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 88.1.29 (in Ac. Doutrinais 317º, p.695), de 88.11.25 (in Ac. Doutrinais 326º, p.326), de 88.12.11 (in Ac. Doutrinais 326º, p.264), de 94.6.15 (in C.J., STJ, tomo II, p. 281), de 94.11.23 (in C.J., STJ, tomo III, p. 297), de 2006.01.12, Recurso n.º 2837/05 e de 2009.09.23, Recurso n.º 3843/08, estes últimos sumariados in www.stj.pt. e na doutrina, entre outros, Maria do Rosário Palma Ramalho, Direito do Trabalho – Parte II, pp. 551 e 552.
[27] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2003.10.15, Revista n.º 281/03 e de 2006.09.13, Recurso n.º 376/06, ambos da 4.ª Secção e sumariados in www.stj.pt.
[28] Como se referiu no Acórdão da Relação do Porto de 2011.02.21 (Processo n.º 547/09.3TTGDM.P1, in www.dgsi.pt.), citando o Acórdão da Relação de Lisboa de 2007.12.17, “qualquer prestação que não tenha uma periodicidade certa e pré-determinada só poderá considerar-se regular se for prestada com alguma frequência, que terá de ser, pelo menos, de metade do ano. Menos do que isso não lhe permitirá deixar de ser uma prestação esporádica e, portanto, sem carácter retributivo”. Tendemos a concordar com este critério orientador do cariz regular e periódico das atribuições patrimoniais.
[29] Vide o Ac. do STJ de 2003.01.15 (Revista n.º 338/02 da 4ª Secção), referenciando como característica da comissão de serviço a atribuição de um estatuto laboral, nomeadamente remuneratório, que, como as funções exercidas nesse regime, pode cessar a qualquer momento.
[30] Vide Luís Miguel Monteiro, in Código do Trabalho Anotado, sob a coordenação de Pedro Romano Martinez e outros, 8.ª edição, Coimbra, 2009, p. 424.
[31] Na mesma obra citada na nota anterior, p. 365.
[32] In Contrato de Trabalho, 3.ª edição, Coimbra, 2011, p. 312.
[33] Vide os Acórdãos do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.03.22, Recurso n.º 3729/05 - 4.ª Secção, de 2006.05.190, Recurso n.º 3490/05 - 4.ª Secção e de 2010.05.27, Recurso n.º 684/07.9TTSTB.S1 - 4.ª Secção, ambos sumariados in www.stj.pt.
[34] Vide também o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2006.11.08, Recurso n.º 1820/06 - 4.ª Secção, no mesmo sítio.
[35] A imagem é de Luca Nocco, apud Júlio Gomes no seu estudo “Algumas reflexões sobre a evolução recente do conceito jurídico de assédio moral (laboral)”, in Prontuário do Direito do Trabalho, n.º 90, CEJ, Setembro-Dezembro de 2011, p. 75, nota 13.
[36] In estudo e loc. citados na nota anterior.
[37] In ob. citada, p. 238.
[38] Vide Júlio Gomes, in Direito do Trabalho, Volume I, Relações Individuais de Trabalho, pp. 425 e ss.
[39] Transpondo a Directiva do Conselho nº 76/207/CEE, de 9 de Fevereiro, relativa à concretização do princípio da igualdade de tratamento entre homens e mulheres no que se refere ao acesso ao emprego, à formação e promoção profissionais e às condições de trabalho, alterada pela Directiva nº 2002/73/CE, do Parlamento Europeu e do Conselho, de 23 de Setembro – cfr. o artigo 2.º da Lei Preambular.
[40] Embora, também aqui, uma vez excluída a aplicabilidade do regime jurídico garantístico do princípio da igualdade e da não discriminação por se não verificar qualquer dos factores característicos da discriminação, excluída se mostra, igualmente, a possibilidade de aplicação deste regime especial de repartição do ónus da prova.
[41] In Constituição da República Portuguesa Anotada, 4.ª edição revista, Coimbra, 2007, p. 773.
[42] In PDT n.º 90, cit., p. 90. Vide também Rita Garcia Pereira, in “Mobbing” na obra colectiva Código do Trabalho - a Revisão de 2009, coordenado por Paulo Morgado de Carvalho, Coimbra, 2011, p. 117 e João Leal Amado, in ob. citada, p. 238.
[43] In Mobbing ou Assédio Moral no Trabalho, Contributo para a sua conceptualização, Coimbra, 2009, p. 147 e estudo citado, p. 117.
[44] Vide Mário Júlio de Almeida Costa, in Direito das Obrigações, 4.ª edição, Coimbra, 1984, pp. 394-395.
[45] In Código Civil Anotado, vol I, p. 499, nota 1.
[46] Vide o Ac. do Supremo Tribunal de Justiça de 2004.03.04, Revista n.º 4439/03 - 2.ª Secção.
[47] Vide Gemma Fabregat Monfort, apud Júlio Gomes, in estudo citado no PDT, n.º 90. p. 84-85, nota 36.
[48] Gomes Canotilho e Vital Moreira, in ob. citada, pp. 198-199, e ss. realçam o valor próprio e a dimensão normativa específicos da “dignidade da pessoa humana” e perspectivam-na, além do mais, como “um valor (bem) autónomo e específico que exige respeito e protecção” e que “pressupõe relações de reconhecimento intersubjectivo, pois a dignidade de cada pessoa deve ser compreendida e respeitada em termos de reciprocidade de uns com os outros